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Impenhorabilidade do bem de família de titularidade da pessoa jurídica e a teoria da desconsideração da personalidade positiva.

Uma análise civil-constitucional

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03/12/2014 às 13:54
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O bem de família de titularidade da pessoa jurídica, sob a perspectiva do direito civil-constitucional, é impenhorável? A jurisprudência do STJ sobre a questão aponta qual direção?

1. INTRODUÇÃO

É a partir da personalização das relações privadas, e da nova concepção do Direito Privado, que a proteção à pessoa ganha espaço, sobrepondo os interesses meramente patrimoniais1. Os institutos privados devem ser analisados e interpretados de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e da igualdade. Dessa forma o bem de família, surge como uma importante ferramenta para tanto, além de ter como fundamento o direito fundamental à moradia.

O presente estudo demonstrará que ao reconhecer como bem de família um imóvel de titularidade da pessoa jurídica, o julgador, utiliza a teoria da desconsideração da personalidade jurídica de forma positiva com fundamento nos princípios constitucionais. Para tanto utiliza de uma metodologia técnico-formal, por meio do método lógico dedutivo e do procedimento de pesquisa bibliográfica, que consiste na análise das normas (lato sensu), jurisprudências e doutrinas relativas a temática.

Para justificar tal afirmação, em um primeiro momento, a preocupação do presente será a de trabalhar com a ideia do caminho metodológico denominado Direito Civil-Constitucional, demonstrará que o Código Civil deixa de ser o centro das relações privadas ao passar à Constituição esse lugar. Em seguida trabalhará com a ampliação da noção de bem de família, principalmente ao considerar um imóvel de titularidade da pessoa jurídica como impenhorável.

O próximo passo analisará a pessoa jurídica e a autonomia patrimonial, no intuito de aferir como fica o tríade efeito da personalização (titularidade obrigacional, processual e patrimonial) diante do reconhecimento do bem de família. Na sequência demonstrará que a desconsideração da personalidade surge como uma exceção ao tríade efeito da personalização e principalmente ao princípio da autonomia patrimonial.

No último capítulo será verificado se ao considerar o patrimônio, de titularidade da pessoa jurídica, como bem de família estaria o julgador desconsiderando a personalidade, uma vez que apenas por esse método é possível mitigar os efeitos da personalização e do princípio da autonomia patrimonial.

Por fim, a contribuição esperada deste trabalho é trazer fundamentos jurídicos, que possibilitem a ampliação do debate, quanto a utilização da teoria da desconsideração da personalidade jurídica de forma positiva, na busca da proteção da dignidade da pessoa e outros valores constitucionais.


2. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL

Originado como regulador das relações privadas, o Direito Civil, surge por meio de diversas codificações, com a consequente necessidade de sistematizar e separar o direito público e privado (DOMAT, 1825). O primeiro objetiva tutelar os interesses gerais da sociedade, já o segundo visava regular os interesses e direitos inatos aos indivíduos2.

Os direitos e garantias individuais são afastados do Código Civil e começam a fazer parte do campo constitucional. Isto faz com que mude a feição do direito privado, cujo objetivo é agora estabelecer regras no intuito de disciplinar a vida social e satisfazer os interesses privados (GIORGIANNI, 1998, p. 38).

Com o liberalismo, ocorreu uma separação entre o que é público e privado, cabendo aos particulares livremente e conforme suas regras manter a pacificação social. Devido a ineficiência do total afastamento entre Estado e Sociedade Civil (BRASILINO, 2012, p. 35.), o Poder Público entra em crise, sendo necessária a intervenção e regulamentação por parte do Estado.

É a partir desse dirigismo estatal que o Direito Civil deve rever os seus ditames individualistas dos séculos passados. Ademais, com a ida dos direitos e garantias fundamentais para o campo constitucional, ao Direito Constitucional, compete ocupar o centro do Direito, devendo os demais ramos respeitar a integração do indivíduo com a sociedade, ou seja, o ser humano enquanto ser social3.

Na chamada sociedade pós-moderna, os códigos, cedem espaço a diversos sistemas jurídicos, o que importa dizer na diversificação do Direito Privado, este que agora substituirá o Código por normas fundamentais (LORENZETTI, 1998, p. 45); (TEPEDINO, 2005, p. 13).

Vale citar a lição de Paulo Luiz Netto Lôbo (2005, p. 2), que assim diz

Na atualidade, não se cuida de buscar a demarcação dos espaços distintos e até contrapostos. Antes havia uma disjunção: hoje, a unidade hermenêutica, tendo a Constituição como ápice conformador da elaboração e aplicação da legislação civil. A mudança de atitude é substancial: deve o jurista interpretar o Código Civil segundo a Constituição e não a Constituição segundo o Código, como ocorria com frequência (e ainda ocorre). A mudança de atitude também envolve certa dose de humildade epistemológica.

Nesse contexto que surge a ideia do caminho metodológico (TARTUCE, 2011, p. 383) denominado Direito Civil-Constitucional, este entendido como uma reconstrução axiológica que busca aplicar os valores constitucionais a todo ordenamento, inclusive ao Direito Privado, já que a Constituição Federal é norma hierarquicamente superior as demais (PERLINGIERI, 2002, p. 5). O ideal é efetivar os fundamentos e objetivos do Estado Democrático de Direito que, no caso brasileiro, encontra guarida nos arts. 1º e 3º da CF/88.

Isso não importa dizer que o Direito Privado, em especial o Direito Civil, tenha como fonte normativa a Constituição, mas sim que há um inter-relacionamento entre elas, já que “ambos aparecen como partes necesarias de un orden jurídico unitário que recíprocamente se complementan, se apoyan y se condicionan” (HESSE, 1995, p. 88).

O Direito Civil e Direito Constitucional caminham em prol da efetivação dos fins sociais. Ocorre uma interação nos ramos públicos e privados ao ponto de superar o modelo da incomunicabilidade. É a partir desta comunicabilidade, e partindo do pressuposto de ser o Direito um conjunto sistemático de normas, valores e princípios, que se busca a interação de todo o sistema jurídico (SILVA, 1998, p. 32-37); (MOREIRA, 2008, p. 114).

Com base nos ensinamentos de Tepedino (2004, p. 11-20) é possível identificar a tríade principiológica do Direito Civil-Constitucional: princípio da dignidade, princípio da solidariedade e princípio da autonomia.

O princípio da dignidade encontra guarida constitucional no art. 1º, III da CF/88, trata-se de afirmar a pessoa enquanto um fim e não um meio (KANT, 1993, p. 77). O sistema jurídico brasileiro adota o superprincípio (princípio da dignidade da pessoa humana) como fundamento (NERY, 2008, p. 235), tal princípio – além de outros - deve ser utilizado como forma de instrução na interpretação e aplicação das normas infraconstitucionais, vale citar:

Princípios como o da dignidade da pessoa humana [...] integram conjuntamente a ordem constitucional positivada [...] não são “adornos” ou meras formulações de feição programática. Por este motivo não podem deixar de ser utilizados, nem sê-los (sic) apenas subsidiariamente; devem instruir a interpretação e a aplicação das normas infraconstitucionais, mantendo a coerência e unidade próprias de um sistema (FACHIN, 2006, p. 77).

O segundo princípio originou-se de um processo de socialização que vem causando alterações no seio social. O objetivo é à erradicação da pobreza e à busca por uma sociedade justa e solidária. Devem ser balizados os interesses econômicos com os sociais na perspectiva de almejar e concretizar os princípios e objetivos consagrados na Constituição Federal de 1988.

O terceiro princípio - que completa a base principiológica do Direito Civil-Constitucional – é o da isonomia ou igualdade lato sensu positivado no art. 5º, caput da CF/88 que possui dois aspectos: o formal, que “consiste em impedir o desigual tratamento de pessoas, sob os mesmos pressupostos de fato” (BORGES, 2001, p. 38); e o material, que se relaciona à funcionalização da igualdade prescrita. Em outras palavras, tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais (BARBOSA, 1997, p. 26).

Além dos princípios, o presente estudo adota a ideia da horizontalização dos direitos fundamentais (SARLET, 2012, p. 261 a 274), esta entendida como a aplicabilidade das normas constitucionais de forma imediata, inclusive nas relações privadas. Tem como fundamento o art. 5º, §1º da CF/88 que estabelece a aplicação imediata dos direitos e garantias fundamentais. Outra argumentação seria que “é indispensável no contexto de uma sociedade desigual, na qual a opressão pode provir não apenas do Estado, mas de uma multiplicidade de atores privados, presentes em esferas como o mercado, a família, a sociedade civil e a empresa” (SARMENTO, 2004).

No presente estudo ganha destaque o direito fundamental a moradia. Partindo do pressuposto da eficácia horizontal dos direitos fundamentais e de sua aplicação imediata (art. 5º, §1º da CF/88), supera-se o ideal de normas constitucionais meramente programáticas (dirigidas ao legislador e ao Estado – eficácia vertical), que o presente estudo analisará o instituto do bem de família de titularidade da pessoa jurídica, na busca pela concretização da proteção da pessoa e dos demais valores constitucionais.


3. BEM DE FAMÍLIA EM TITULARIDADE DA PESSOA JURÍDICA

Ao se falar em bem de família (homestead) a sua proteção decorre do direito a moradia (AZEVEDO, 1999, p. 158-159), contido no art. 6º da Constituição Federal de 1988, da dignidade da pessoa humana, da solidariedade (art. 3º, I da CF/88), bem como da necessidade de preservar as bases de dignidade do devedor e possibilitar o seu recomeço de vida (ZILVETI, 2006, p. 256). Há uma tendência de ampliação na proteção de bens às pessoas que, a princípio, não seriam consideradas como de entidades familiares nos termos do art. 226 da CF/88, decorrentes do casamento ou da união estável. Ao ampliar a concepção de família surgem novas formas e classificações da entidade familiar, além das tradicionais contidas no art. 226 da CF/88, por exemplo a família anaparental (DIAS, 2010, p. 48).

Neste sentido é emblemática a decisão do STJ no REsp 182223/SP (Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Rel. p/ Acórdão Ministro Humberto Gomes de Barros, Corte Especial, julgado em 06/02/2002, DJ 07/04/2003), que ao declarar a impenhorabilidade de imóvel de devedor solteiro e solitário, utiliza-se com base em uma interpretação teleológica do art. 1º da Lei nº 8.099/1990, de forma a assegurar ao indivíduo o direito à moradia4.

O que se verifica é que a proteção na realidade estaria ligada a pessoa, ao ponto do Superior Tribunal de Justiça sedimentar o entendimento de que a abrangência da Lei nº 8.009/1990, vai além da família ao proteger a pessoa solteira, separada ou viúva (Súmula 364 do STJ)5.

Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 950.663/SC Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/04/2012, DJe 23/04/2012), entendeu ser impenhorável o imóvel cuja usufrutuária era genitora do devedor e o utilizava de moradia, os argumentos utilizados foram: o direito fundamental a moradia, com o consequente desdobramento no princípio da pessoa humana e o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003).

Reforçam tal argumento outras ampliações jurisprudenciais, com base no patrimônio mínimo e na proteção do bem de família. Neste ponto vale citar o REsp nº 621.399/RS (Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 19/04/2005, DJ 20/02/2006, p. 207), o qual declara a impenhorabilidade de imóvel da pessoa jurídica (empresa familiar), que além de ser sede da pequena empresa familiar, também serve de moradia aos membros da entidade familiar. Nos termos do acórdão, “impõe-se exegese humanizada, à luz do fundamento da república voltado à proteção da dignidade da pessoa humana, por isso que, expropriar em execução por quantia certa esse imóvel, significa o mesmo que alienar bem de família”.

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Essa decisão demonstra a aplicação principiológica dos institutos infraconstitucionais, com base nas normas fundamentais, pois no momento da interpretação “[...] o aplicador da norma infraconstitucional, dentre mais de uma interpretação possível, deverá buscar aquela que a compatibilize com a Constituição [...]” (BARROSO; BARCELLOS, 2003, p. 52), na busca da valorização da pessoa, inclusive sobrepondo-se ao interesse estatal e da supremacia do interesse público sobre o privado, já que se tratava de execução fiscal. Fundamenta tal posicionamento o seguinte entendimento doutrinário: "A impenhorabilidade da Lei nº 8.009/90, ainda que tenha com destinatários as pessoas físicas, merece ser aplicada acertas pessoas jurídicas, às firmas individuais, às pequenas empresa com conotação familiar, por exemplo, por haver identidade de patrimônios." (FACHIN, 2001, p. 154)

Outro interessante julgado é o AgRg no Agravo em REsp nº 264.431/SE (Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 05/03/2013, DJ 11/03/2013) o qual reconhece como bem de família imóvel dado em hipoteca, pela empresa Tecidos Barreto Ltda, sendo beneficiário a empresa Athenas Esportes Ltda. No momento da celebração do contrato foi exigido uma cláusula na qual o hipotecante declarava que o local não era residência. Todavia ficou comprovado nos autos que apesar da propriedade ser da pessoa jurídica, era utilizada como residência familiar, eis que uma típica empresa familiar. Ressalta-se que em ambos os casos trata-se de uma verdadeira desconsideração da personalidade da pessoa jurídica positiva6.

Analisada a ampliação da proteção ao bem de família o próximo passo é aferir como fica o princípio da autonomia patrimonial nessas situações.


4. PESSOA JURÍDICA E AUTONOMIA PATRIMONIAL

O atual Código Civil não repetiu a regra contida no art. 20 do Código anterior, todavia a pessoa jurídica não pode ser confundida com os seus membros. Uma vez que ambos possuem direitos e obrigações que são distintos por se tratarem de pessoas distintas (TARTUCE, 2014, p. 227); (ALMEIDA, 2004, p. 185).

Diversas foram as teorias e subterias que visavam definir a pessoa jurídica, ao ponto de Francesco Ferrara (1923, p. 133) estabelecer que a “literatura [era] extraordinariamente rica e variada, na qual figuram os melhores nomes do mundo jurídico, cuja organização em teorias autônomas apresenta singular dificuldade”. Duas teorias foram determinantes para a atual concepção de pessoa jurídica do ordenamento jurídico brasileiro: a teoria da ficção de Savigny e a teoria da realidade orgânica ou objetiva de Gierke e Zitelman.

Para a Savigny a pessoa jurídica seria a extensão do conceito de pessoa feita pela lei7. Ao trabalhar com a capacidade jurídica esclarece que a considera “também como extensiva aos sujeitos artificiais criados por simples ficção. Tais sujeitos são por nós denominados pessoa jurídica” (SAVIGNY, 1888, p. 240).

Já a teria da realidade orgânica ou objetiva de Gierke e Zitelman, em contraposição a teoria da ficção, afirmava que as pessoas jurídicas seriam entidades vivas, com realidade, independência e vontade consciente. Tais afirmações se davam “pois como estas nascem, vivem, e se extinguem não por artifícios do Estado, mas por ação das forças sociais.” (RÁO, 1999, p. 727).

Os autores italianos Navarrini e Faggella (1950, p. 198) formularam interessante conceito relativo a pessoa jurídica, a saber

[...] existe pessoa jurídica quando existe um ente, reconhecido explicitamente ou implicitamente pela lei, o qual possa, como tal, entrar em relações patrimoniais com terceiros, isto é, ter direitos e obrigações próprias, que concentrem nele, encontrem a base e o meio de satisfação num patrimônio exclusivamente próprio da mesma entidade.

O presente trabalho adota o posicionamento da nova geração de civilistas, ou seja, a teoria da realidade técnica. Segundo tal teoria a pessoa jurídica tem existência real, todavia a sua personalidade é adquirida pelo direito, dessa forma tem capacidade jurídica própria. Trata-se de uma teoria intermediária ao reconhecer a sua procedência jurídica, todavia que tem atuação social.

Inclusive existem decisões que reconhecem o interesse da pessoa jurídica ao reconhecer que a desconsideração da personalidade jurídica “importa prejuízo às pessoas físicas afetadas pelos efeitos das obrigações contraídas pela pessoa jurídica. A rigor, ela resguarda interesses de credores e da própria sociedade empresária indevidamente manipulada” (AgRg no REsp 1307639/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/05/2012, DJe 23/05/2012). A decisão ainda fundamenta que “Por isso, o Enunciado 285 da IV Jornada de Direito Civil descreve que "A teoria da desconsideração, prevista no art. 50 do Código Civil, pode ser invocada pela pessoa jurídica em seu favor". Ou seja, se a própria pessoa jurídica pode invocar a desconsideração conclui-se que tem interesses próprios distintos dos seus sócios.

Ao verificar a existência da pessoa jurídica (realidade técnica) verifica-se que ela tem personalidade, nas palavras de Pontes de Miranda (1972, p. 207-209) “a personalidade é a possibilidade de se encaixar os suportes fáticos, que pela incidência das regras jurídicas, se tornem fatos jurídicos, portanto, a possibilidade de ser sujeito de direito” e complementa que “personalidade é o mesmo que (ter) capacidade de direito, poder ser sujeito de direito”.

Ao personalizar algo ou alguém a ordem jurídica delimita apenas o proibido, superando a necessidade de especificação de todos os atos que podem ser feitos. Alguns efeitos se originam da personalização, isto quer dizer, ao se personalizar algo ou alguém, direitos e obrigações são atribuídos ao sujeito de direito. Três são as consequências: a titularidade obrigacional, a titularidade processual e a responsabilidade patrimonial.

Quanto a titularidade obrigacional importa dizer que os negócios jurídicos serão celebrados pela pessoa jurídica por meio do seu representante legal, ela manifestará a sua vontade negocial e ela assumirá os direitos e obrigações. Relativo a titularidade processual significa que ao demandar em Juízo, cabe a ela, a legitimidade para figurar nos polos ativo e passivo.

Sobre a responsabilidade patrimonial o que se verifica é o princípio da autonomia patrimonial, ou seja, a separação dos patrimônios da pessoa jurídica dos seus sócios (COELHO, 2011, p. 33) e no atual ordenamento jurídico surge a regra da subsidiariedade art. 1024 do CC e art. 596 do CPC.

Partindo do tríade efeito da personalização: titularidade obrigacional, titularidade processual e responsabilidade patrimonial que se deve analisar a consideração do patrimônio da pessoa jurídica como bem de família.


5. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE COMO EXCEÇÃO AO TRÍADE EFEITO DA PERSONALIZAÇÃO

É inegável a importância do princípio da autonomia patrimonial, este que assegura a separação subjetiva da sociedade dos seus sócios. Entretanto tal princípio ganha limitação quando utilizado de forma a ser usado como fraude contra credores ou mesmo abuso de direito.

Nesse contexto surge a teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard of the legal entity) esta que tende “a impedir que a pessoa jurídica seja utilizada, com sucesso, para fins imorais ou antijurídicos” (OLIVEIRA, 1979, p. 262) originada na jurisprudência do Common Law (Inglaterra e Estados Unidos da América) destacando-se como marco inicial na Inglaterra em 1897 no caso Salomon versus Salomon & Co. Ltd.8 Neste caso foi reconhecida a desconsideração da personalidade após aferir que Mr. Salmon detinha total controle societário não havendo justificativa para haver a separação. Outro caso Standard Oil Co. onde no ano de 1908 uma decisão foi proferida ao reconhecer a entidade como monopolista da produção de petróleo refinado julgado pela Corte Suprema de Ohio em 1892.

No plano doutrinário o principal sistematizador foi Rolf Serich (1955) ao defender tese de doutorado na Universidade de Tübigen em 1953. No Brasil destacam-se os seguintes autores: Requião (1977, p. 67 – 86), Oliveira (1979, p. 613); Casillo (1979); Comparato (1983); Justen Filho (1987); Coelho (1989).

Como visto a teoria da desconsideração da personalidade jurídica surgiu como forma de limitar a ilicitude ou uso fraudulento da autonomia patrimonial. Tendo a formulação subjetiva quando presentes a fraude e o abuso do direito e a formulação objetiva formulada por Comparato (1977, p. 283) ligada a confusão patrimonial.

A doutrina comercialista costuma dividir a aplicação da teoria em aplicação correta e incorreta (COELHO, 2011, p. 67); (BERTOLDI; RIBEIRO, 2009, p. 151), todavia ao se falar no direito brasileiro o presente estudo adota a seguinte classificação: teoria maior (positivada no Código Civil – art. 50 e art. 28, caput do CDC) e a teria menor (positivada em outros microssistemas)9. O Fundamento de utilizar essa classificação é no Enunciado nº 51 do CJF/STJ que dispõe: “a teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema”.

De igual forma a jurisprudência do STJ entende a existência destas duas teorias, neste sentido REsp nº 1311857/RJ (Relatora Ministra Nancy Andrighi, Julgamento 13/05/2014, Publicação 02/06/2014); AgRg no AREsp 159889/SP (Relator Luis Felipe Salomão, Julgamento 15/10/2013, Publicação 18/10/2013); AgRg no Ag 1342443/PR (Ministro Massami Uyeda, Julgamento 15/05/ 2012, Publicação 24/05/2012); AgRg no AREsp 275810/MG (Ministra Maria Isabel Gallotti, Julgamento 28/05/2013, Publicação 12/06/2013).

O pressuposto da teoria maior é a ilicitude caracterizada pelo desvio de finalidade (teoria subjetiva) ou a confusão patrimonial (teoria objetiva). Por outro lado a teoria menor não exige tais pressupostos, bastando em regra a mera insolvência.

A teoria menor foi positiva no §5º do art. 28 do CDC, de igual forma no art. 4 da Lei 9.605/1998, no art. 34, parágrafo único da Lei 12.529/2011. No âmbito trabalhista adota-se também esta teoria utilizando-se como fundamento o princípio da proteção ao trabalhador. Quanto aos arts. 134 e 135 do CTN entende, este autor, não se tratar de desconsideração da personalidade, mas sim de responsabilidade pessoal dos praticantes do ato (HIRONAKA, 2008).

Outra vertente de evolução da teoria é a chamada desconsideração inversa, onde é desconsiderada a personalidade jurídica para responsabilizá-la por obrigação do sócio (BASTID; DAVID; LUCHAIRE, 1960, p. 47). Tal teoria é usualmente utilizada no caso de existência de pessoas jurídicas associativas e fundacionais, principalmente no âmbito do direito de família e sucessões. São pressupostos o desvio de bens, simulação, fraude ou abuso de direito. Aplicabilidade do art. 50 de forma inversa foi prestigiada pelo Enunciado 283 da IV Jornada de Direito Civil do CJF/STJ que assim dispõe: “Art. 50. É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros”.

Conforme pode-se observar a teoria da desconsideração da personalidade sempre foi utilizada sob o aspecto negativo (punitivo/repressivo). No caso da maior e da inversa parte-se do pressuposto da ilicitude; e no caso da menor o pressuposto é a insolvência. Entretanto resta analisar se haveria a possibilidade de utilizar tal teoria sob o ponto de vista positivo, ou seja, para resguardo a dignidade da pessoa e outros valores constitucionais.

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Sobre o autor
Fábio Brasilino

Doutorando em Função Social do Direito na FADISP. Mestre em Direito Negocial pela UEL (2012). Especialista em Metodologia de Ensino pela UNOPAR (2010) e em Direito Internacional e Econômico pela UEL (2012). Professor da UNOPAR – Campus Arapongas e Faculdade Arthur Thomas. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo originalmente apresentado no XXIII Congresso Nacional do CONPEDI – Universidade Federal da Paraíba.

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