5 Conclusão
Ao longo deste trabalho procuramos evidenciar a omissão do Estado, enquanto provedor dos direitos sociais, o que acarreta o completo abandono dos indivíduos a sua própria “sorte”, o que inevitavelmente os conduzem a um estado de exclusão, dentro de um contexto sócio-econômico adverso.
Neste ambiente, em que a massa de excluídos aumenta diariamente e pode perturbar o modelo econômico vigente, entra em ação o enrijecimento penal e seu discurso legitimador, como (única) forma de controle social. O economista Ladislau Dowbor, sintetiza tal política na seguinte fórmula: “quando a panela de pressão está explodindo, em vez de baixar o fogo, reforça-se a tampa[28]”, daí o surgimento em massa de normas penais, visando uma punição mais rigorosa, as quais se tornam na prática, um pré-texto para punir as massas de excluídos, o que revela sua função estritamente ideológica, seja político-eleitoral ou enquanto fonte legitimadora do sistema socioeconômico.
A dimensão ideológica da política de endurecimento penal não se manifesta apenas através da criação de normas penais ou da ampliação de penas, mas também pelo processo de deturpação da realidade social, realizada pelos grandes veículos de comunicação, que afasta o indivíduo de sua dimensão de sujeito, conduzindo-o a um estado de “alienação”, no qual passa a apoiar inconscientemente o senso comum punitivo, moldado por um discurso penal maniqueísta, que nega qualquer traço de humanidade ao “criminoso”, e isenta o Estado de suas responsabilidades constitucionais.
Assim, diante deste estado de coisas, faz-se mister uma reflexão em torno do Estado Brasileiro enquanto Estado Democrático de Direito, passadas mais de duas décadas desde a promulgação da Constituição Cidadã, a rigidez da Carta Constitucional, não tem sido suficiente para se efetivar suas diretrizes. Neste sentido, a professora Laureano questiona:
Por que normas de mesma natureza não tem a mesma eficácia? Por que umas são de aplicação imediatas e outras de normas programáticas, um projeto a ser implantado se o Estado dispuser de orçamento? Assim a previdência social. A saúde, a reforma agrária, as medidas necessárias para aumentar a oferta de trabalho e a oportunidade de educação para todos vão ficando sempre para depois[29].
Enquanto que algumas normas penais devem ser aplicadas preventivamente e com aval da “opinião pública”.
Em suma, o recrudescimento penal observado modernamente, pouco ou nada tem a ver, com o combate efetivo à criminalidade, mas sim ao jogo de interesses dos grupos econômicos, e que, portanto jamais produzirá resultados qualitativos, no que tange à promoção da paz social. Muitas propostas que, segundo seus idealizadores, visam o combate ao crime, representam, na realidade, uma ameaça às garantias constitucionais e à segurança jurídica, mas que, usando o argumento do clamor popular, neutraliza as possibilidades de questionamentos de sua eficácia.
Para concluirmos, cabe afirmar que nenhuma política de combate à violência será suficiente se não estiver alicerçada em políticas públicas de cunho social, como distribuição de renda, geração de emprego, educação, reforma agrária, etc. que devem ser encaradas como um projeto político de Estado, que para ser democrático de fato, não pode estar a serviço de uma classe.
Referências
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Notas
[1] COLET, Charlise Paula. Mecanismos restaurativos versus processo de criminalização e exclusão social: uma Abordagem a Partir do Papel do Estado no enfrentamento do senso comum punitivo. p.11-12.
[2] Bauman denomina modernidade líquida, a sociedade pós-fordista, na qual as relações sociais são liquefeitas, ou seja tomam forma conforme às circunstâncias, em contraposição à modernidade sólida (fordista) na qual as relações humanas possuíam maior consistência.
[3] BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. p.2.
[4] WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. A Dimensão (des) Humana do processo de expansão do direito penal: o papel do medo no e do direito punitivo brasileiro e o disciplinamento das classes populares. p.16.
[5] ARRUDA, Patricia Cabral de. “Cidades líquidas”. p 470.
[6] BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. p. 2.
[7] BATISTA, Nilo. Mídia e Sistema Penal no Capitalismo Tardio p.1.
[8] COLET, Charlise Paula. Op. cit. p. 103.
[9] Cf. DOWBOR, Ladislau. “O Poder Local diante dos novos desafios sociais”. p.5
[10] BATISTA, Nilo. Op. cit. p.3.
[11] WACQUANT, Löic. As prisões da Miséria. p.7.
[12] BATISTA, Nilo. Op. cit. p.4-5.
[13] WACQUANT, Löic. Op. cit. p.30.
[14] Cf. BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar
[15] WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Op. cit. p.111.
[16] COLET, Charlise Paula. Op. cit. p.5.
[17] WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Op. cit. p.33.
[18] Cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal.
[19] FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. p.5.
[20] Ibidem. p.2
[21] BATISTA, Nilo. Op. cit. p.4.
[22] Ibidem. p.3.
[23] SILVA, João Maikel. Causas Econômico-Sociais do encarceramento em massa. p.68.
[24] COLET, Charlise Paula. Op. cit. p. 74
[25] WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Op. cit. p.74.
[26] Ibidem. p.5.
[27] JÚNIOR, Aury Lopes. Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional. p.12.
[28] DOWBOR, Ladislau. “O neoliberalismo brasileiro e seus mentores”. p.2.
[29] LAUREANO, Delze dos Santos. O MST e a Constituição: Um sujeito histórico na luta pela reforma agrária. p.172-173