Direito penal sólido e a modernidade líquida

Exibindo página 2 de 2
04/12/2014 às 15:59
Leia nesta página:

5 Conclusão

Ao longo deste trabalho procuramos evidenciar a omissão do Estado, enquanto provedor dos direitos sociais, o que acarreta o completo abandono dos indivíduos a sua própria “sorte”, o que inevitavelmente os conduzem a um estado de exclusão, dentro de um contexto sócio-econômico adverso.  

Neste ambiente, em que a massa de excluídos aumenta diariamente e pode perturbar o modelo econômico vigente, entra em ação o enrijecimento penal e seu discurso legitimador, como (única) forma de controle social. O economista Ladislau Dowbor, sintetiza tal política na seguinte fórmula: “quando a panela de pressão está explodindo, em vez de baixar o fogo, reforça-se a tampa[28]”, daí o surgimento em massa de normas penais, visando uma punição mais rigorosa, as quais se tornam na prática, um pré-texto para punir as massas de excluídos, o que revela sua função estritamente ideológica, seja político-eleitoral ou enquanto fonte legitimadora do sistema socioeconômico.

 A dimensão ideológica da política de endurecimento penal não se manifesta apenas através da criação de normas penais ou da ampliação de penas, mas também pelo processo de deturpação da realidade social, realizada pelos grandes veículos de comunicação, que afasta o indivíduo de sua dimensão de sujeito, conduzindo-o a um estado de “alienação”, no qual passa a apoiar inconscientemente o senso comum punitivo, moldado por um discurso penal maniqueísta, que nega qualquer traço de humanidade ao “criminoso”, e isenta o Estado de suas responsabilidades constitucionais.  

Assim, diante deste estado de coisas, faz-se mister uma reflexão em torno do Estado Brasileiro enquanto Estado Democrático de Direito, passadas mais de duas décadas desde a promulgação da Constituição Cidadã, a rigidez da Carta Constitucional, não tem sido suficiente para se efetivar suas diretrizes. Neste sentido, a professora Laureano questiona:

Por que normas de mesma natureza não tem a mesma eficácia? Por que umas são de aplicação imediatas e outras de normas programáticas, um projeto a ser implantado se o Estado dispuser de orçamento? Assim a previdência social. A saúde, a reforma agrária, as medidas necessárias para aumentar a oferta de trabalho e a oportunidade de educação para todos vão ficando sempre para depois[29].  

Enquanto que algumas normas penais devem ser aplicadas preventivamente e com aval da “opinião pública”.

Em suma, o recrudescimento penal observado modernamente, pouco ou nada tem a ver, com o combate efetivo à criminalidade, mas sim ao jogo de interesses dos grupos econômicos, e que, portanto jamais produzirá resultados qualitativos, no que tange à promoção da paz social. Muitas propostas que, segundo seus idealizadores, visam o combate ao crime, representam, na realidade, uma ameaça às garantias constitucionais e à segurança jurídica, mas que, usando o argumento do clamor popular, neutraliza as possibilidades de questionamentos de sua eficácia.

Para concluirmos, cabe afirmar que nenhuma política de combate à violência será suficiente se não estiver alicerçada em políticas públicas de cunho social, como distribuição de renda, geração de emprego, educação, reforma agrária, etc. que devem ser encaradas como um projeto político de Estado, que para ser democrático de fato, não pode estar a serviço de uma classe.


Referências

ARRUDA, Patricia Cabral de. “Cidades líquidas”. In: Sociedade e Estado. Brasília, v. 23, n. 2, maio/ago 2008.

BATISTA, Nilo. Mídia e Sistema Penal no Capitalismo Tardio. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt acesso em 10 de agosto de 2010.

BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1986.

COLET, Charlise Paula. Mecanismos restaurativos versus processo de criminalização e exclusão social: uma Abordagem a Partir do Papel do Estado no enfrentamento do senso comum punitivo. Santa Cruz do Sul: UNISC – Universidade de Santa Cruz do Sul – Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado, 2009. 164f.  

DOWBOR. Ladislau. “O neoliberalismo brasileiro e seus mentores”. Disponível em: www.dowbor.org.br acesso em 18 de agosto de 2010.

_________________. “O poder Local diante dos novos desafios”. In: CEPAM. O Município no século XXI: cenários e perspectivas. São Paulo: FPFL, 1999. p.3-23.   

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 5 ed. São Paulo: Loyola, 1999.

LAUREANO, Delze dos Santos. O MST e a constituição: Um sujeito histórico na luta pela reforma agrária. São Paulo: Expressão popular, 2007.

JÚNIOR, Aury Lopes. Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional. 4 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.

SILVA, João Maikel. Causas Econômico-Sociais do encarceramento em massa. UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina – Bacharelado em Direito: Florianópolis-SC, 2009. 98f.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 2 ed. Trad: Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. Rio de janeiro, Revan: 1996.

WACQUANT, Löic, As prisões da Miséria. Trad: Andre Teles.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. A Dimensão (des) humana do processo de expansão do direito penal: o papel do medo no e do direito punitivo brasileiro e o disciplinamento das classes populares. Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Ciências Jurídicas – Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado, São Leopoldo-RS, 2010. 149f.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Notas

[1] COLET, Charlise Paula. Mecanismos restaurativos versus processo de criminalização e exclusão social: uma Abordagem a Partir do Papel do Estado no enfrentamento do senso comum punitivo. p.11-12.

[2] Bauman denomina modernidade líquida, a sociedade pós-fordista, na qual as relações sociais são liquefeitas, ou seja tomam forma conforme às circunstâncias, em contraposição à modernidade sólida (fordista) na qual as relações humanas possuíam maior consistência.         

[3] BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. p.2. 

[4] WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. A Dimensão (des) Humana do processo de expansão do direito penal: o papel do medo no e do direito punitivo brasileiro e o disciplinamento das classes populares. p.16.

[5] ARRUDA, Patricia Cabral de. “Cidades líquidas”. p 470.

[6] BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. p. 2.

[7] BATISTA, Nilo. Mídia e Sistema Penal no Capitalismo Tardio p.1.

[8] COLET, Charlise Paula. Op. cit. p. 103.

[9] Cf. DOWBOR, Ladislau. “O Poder Local diante dos novos desafios sociais”. p.5

[10] BATISTA, Nilo. Op. cit. p.3.

[11] WACQUANT, Löic. As prisões da Miséria. p.7.

[12] BATISTA, Nilo. Op. cit. p.4-5.

[13] WACQUANT, Löic. Op. cit. p.30.

[14] Cf. BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar

[15] WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Op. cit. p.111.

[16] COLET, Charlise Paula. Op. cit. p.5.

[17] WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Op. cit. p.33.

[18] Cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal.

[19] FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. p.5.

[20] Ibidem. p.2

[21] BATISTA, Nilo. Op. cit. p.4.

[22] Ibidem. p.3.

[23] SILVA, João Maikel. Causas Econômico-Sociais do encarceramento em massa. p.68.

[24] COLET, Charlise Paula. Op. cit. p. 74

[25] WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Op. cit. p.74.

[26] Ibidem. p.5.

[27] JÚNIOR, Aury Lopes. Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional. p.12.

[28] DOWBOR, Ladislau. “O neoliberalismo brasileiro e seus mentores”. p.2.   

[29] LAUREANO, Delze dos Santos. O MST e a Constituição: Um sujeito histórico na luta pela reforma agrária. p.172-173

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Arielson Silva

Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB, advogado inscrito na OAB BA, pós-graduando em Gestão Pública pela Universidade Federal do Vale do São Francisco - UNIVASF.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos