A Tutela Jurisdicional Efetiva na Esfera Penal

O repensar de um sistema fadado ao fracasso

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Considerando a preponderante impunidade estabelecida neste país tupiniquim, diversas causas se apresentam como responsáveis diretas ou indiretas da ausência de efetividade da tutela jurisdicional penal prestada pelo Estado. É preciso repensá-la.

PRIMEIRAS PALAVRAS

            Diante da amedrontadora impunidade cada vez mais presente no cenário penal brasileiro, faz-se mister o estudo acerca das causas desta impunidade. Por isso, tal é tema da presente pesquisa.

            Primeiro, destacando a necessária existência do direito de punir do Estado, frente à monopolização da jurisdição, adentrar-se-á no estudo da tutela jurisdicional, donde ficam claras as peculiaridades da jurisdição penal, considerando o interesse público em uma tutela efetiva.

            Em seguida, far-se-á uma minuciosa, mas necessária, abordagem dos mais importantes empecilhos para a efetividade da tutela, tais como princípios e garantias excessivamente aplicados, institutos despenalizadores e falhas na execução da pena.

            Sendo assim, em suma, o presente estudo tem por escopo uma análise objetiva, clara e útil da tutela jurisdicional penal, esclarecendo que esta não se encerra na sentença penal condenatória irrecorrível, porém sim perpassa todo o cumprimento da pena, ao passo que de nada ou pouco adianta um título executivo se não houver meios específicos de execução. Uma sentença condenando um homicida a trinta anos de reclusão pouco terá utilidade se a pena não for cumprida devido a uma fuga durante o lapso temporal entre a decisão recorrível e o julgamento do recurso (quando o preso não pode ainda iniciar o cumprimento da pena, segundo o entendimento atual), por exemplo.

            Logo, a aplicação e a execução do direito de punir do Estado precisam ser repensadas, no sentido de se formar uma certeza da punição, a partir da qual, indubitavelmente, cumprir-se-á a função preventiva geral da pena, em busca de, em meio a esta realidade violenta encontrada nas ruas, ao menos se restabelecer a esperança em uma fática pacificação social.

1 DO DIREITO DE PUNIR

O Ordenamento Jurídico desempenha sua função social criando um complexo de obrigações, permissões e, por conseguinte, restrições.  As restrições se encontram nas mais diversas áreas do Direito, mas as que serão alvo do aqui exposto serão as sanções de natureza Penal.

Segundo o autor Nucci (2009, p. 61),

O Direito Penal é o ramo do ordenamento jurídico que se ocupa dos mais graves conflitos existentes, devendo ser utilizado como a última opção do legislador para fazer valer as regras legalmente impostas a toda comunidade, utilizando-se da pena como meio de sanção, bem como servindo igualmente para impor limites à atuação punitiva estatal, evitando abusos e intromissões indevidas na esfera de liberdade individual.

O art. 5º da Constituição Federal de 1988 traz um vasto rol de direitos e garantias individuais, dentre elas a liberdade, inviolabilidade de correspondência, ampla defesa e muitas outras. Estas garantias são fundamentais e estão entre a proteção que a “Lei maior” traz aos seus subordinados.

Contudo, o Estado tem legitimidade para intervir no campo dos direitos e garantias fundamentais, como resposta a uma ofensa causada a um bem jurídico tutelado pelo mesmo.

Entre os muitos princípios norteadores do Direito Penal temos o Principio da Legalidade, disposto no artigo 1º do Código Penal:

“Art. 1° Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.

 Este Princípio é de suma importância para o correto entendimento do Direito Penal como um todo. Pois, para legitimar a ação do Estado em privar um indivíduo de uma garantia constitucional, há no mínimo que existir uma norma penalizando tal conduta.

Sendo assim, o Estado tem o dever de punir aquele que atenta contra um bem jurídico tutelado pela norma penal, pois é o detentor da “espada da punibilidade”, que deve impreterivelmente agir sempre que alguém transgrida uma norma.

 De maneira bastante clara, preleciona o autor Bittencourt (2011, p. 505): “a prisão é uma exigência amarga, mas imprescindível. [...] A prisão é concebida modernamente como um mal necessário”.

Quando a sociedade toma conhecimento do acontecimento de um crime, os primeiros pensamentos são: “quem cometeu?”, “já foi preso?”, “quanta maldade!”. A sociedade anseia por justiça, e de certa forma se sente confortada quando sabe que o Poder Judiciário está fazendo seu serviço e punindo os infratores.

Na prática, a coisa se mostra de outra forma. A punibilidade encontra inúmeros entraves que na maioria das vezes atendem pelo nome de “Direitos Humanos”. A grande conquista alcançada pela humanidade com a Declaração Universal dos Direitos Humanos acabou criando certos obstáculos à aplicação das sanções de natureza penal. Uma interpretação extensiva e exagerada aparentemente permite que réus mintam, dissimulem e se neguem a produzir provas importantes ao efetivo cumprimento do jus puniendi estatal.    

2 DA TUTELA JURISDICIONAL

1.1 Lato sensu

            Tendo em vista que o Estado monopolizou a resolução de conflitos, impedindo que particulares façam justiça com as próprias mãos (a não ser em casos muito excepcionais previstos no ordenamento jurídico), ele chamou para si toda a responsabilidade para tal.

            Assim, surge o poder jurisdicional estatal de aplicar a lei abstrata ao caso concreto, através de um devido processo legal, em vista da pacificação social.

            Destarte, em regra ao menos, quando a população precisar de sua intervenção, nas mais diversas áreas (penal, civil, trabalhista, etc.), provocando-o, direta ou indiretamente, o Estado terá de dar uma resposta, prestando aquilo que se tem chamado de Tutela Jurisdicional. Restando bastante claro que o Estado não pode se negar a prestá-la, assim como a prestar de modo ineficaz (o que é praticamente o mesmo que não prestar).

1.2 Aspectos especiais da tutela penal

1.2.1 Do interesse público

            Mister a percepção de que no Direito Penal a acepção de Tutela Jurisdicional efetiva ganha relevância inexoravelmente maior. Tal se dá devido ao interesse público.

            Quando o Estado deixa de prestar uma tutela a respeito de uma indenização por dano material, por exemplo, em regra só são atingidas as partes envolvidas (autor e réu), prejudicando o pleiteante. Entretanto, quando se trata de esfera penal, é diferente. Quando o Estado deixa de prestar uma tutela penal condenatória, ele atinge não só o autor do crime e a vítima, mas toda a população, que anseia por segurança e pela efetiva punição atinente à prática de crimes.

1.2.2 Da finalidade

            Entende Melo (2008, p. 1) que

a pena exerce duas funções: a função preventiva e a função retributiva. A primeira tem como premissa a de que a prevenção geral é tanto mais eficiente quanto maior é a certeza da punição e a segunda é a de que a finalidade da pena é o restabelecimento da ordem violada pelo delito, na medida em que a pena deve ser proporcional ao crime cometido.

            A partir disso, qual é então a finalidade da tutela jurisdicional penal? Em princípio, dar uma resposta ao anseio do interesse público a respeito da ocorrência de um crime e de sua autoria. Todavia, não é só isso. Tal deve ser satisfatória. Não basta o Estado dizer que não ocorreu o crime ou que a pessoa apontada não é o autor. É preciso que se investigue, que haja a produção de provas. Para, assim, fundamentar a resposta, e prestar a tutela jurisdicional.

Por fim, quando condenatória, a tutela abrange inclusive a efetivação das funções da pena. Uma tutela condenatória precisa garantir a prevenção geral, mostrando à população que existe punição, e a retribuição, garantindo o cumprimento da pena.

Isto significa que, para a tutela jurisdicional penal ser efetiva, não basta a previsão abstrata de punição, não basta o término de um processo penal com uma sentença absolutória ou condenatória. É indispensável, primeiro, que todas as possibilidades de produção de provas sejam esgotadas, de modo a esclarecer os fatos e fundamentar a decisão. Contudo, mais do que isso, é preciso que existam meios garantidores do cumprimento integral desta pena. A pena precisa ser cumprida.

Em linhas gerais, a tutela jurisdicional penal tem, portanto, a finalidade de garantir (ou ao menos possibilitar) uma melhor convivência social, restabelecendo a ordem social.

Vencidos estes temas preliminares indispensáveis a real compreensão do estudo, passemos a análise dos empecilhos à efetividade de tutela jurisdicional penal.

3 DOS ENTRAVES À EFETIVIDADE DA TUTELA

3.1 O princípio da presunção de inocência e o direito de não produzir provas contra si mesmo

O Princípio da Presunção da Inocência – também conhecido como princípio da não culpabilidade - encontra-se consagrado e assegurado expressamente na Constituição Brasileira de 1988, em seu art. 5º, inciso LVII, de forma que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Logo, enquanto não tiver ocorrido o devido processo legal, e o réu condenado em sentença penal não mais recorrível, este será presumido inocente.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, também prevê a presunção de inocência em seu artigo XI. Nela nenhuma pena pode ser imposta ao réu de forma antecipada, e “toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.   

Este princípio tem por objetivo garantir que o ônus da prova é admitido à acusação e não à defesa, vez que cabe ao Estado provar que o indivíduo que nasceu inocente é culpado do crime que lhe é imputado (NUCCI, 2008, p. 39) e também visa impedir o cumprimento da sentença penal condenatória antes de seu trânsito em julgado.

Surge aqui então a questão acerca do fato de diversos réus aguardarem o desenrolar de seu processo penal reclusos em estabelecimento prisionais. Nestes casos a prisão antecipada não se confronta com o princípio da presunção de inocência (ou da não culpabilidade), porém essa deve ocorrer a título de cautela, sendo admitida somente quando for justificada e necessária aos fins do próprio processo (TOURINHO FILHO, 2009, p. 65).

O direito dado ao cidadão de não produzir provas contra si mesmo advém do art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica, que fora assinado em 22 de novembro de 1969, na cidade de San José, na Costa Rica, e ratificado pelo Brasil em setembro de 1992. Este tratado teve como objetivo consolidar entre os países americanos um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito aos direitos humanos essenciais, independentemente do país onde a pessoa resida ou tenha nascido (STF, 2009). Vejamos:

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"Art. 8º - Garantias judiciais:

2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada".

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) não foi submetido ao procedimento descrito no art. 5º, §3º da Constituição Federal, mas possui status supralegal, não podendo a legislação ordinária contrariá-lo (JESUS, 2011).

A Carta Magna deste país, por sua vez, adotou o previsto no Pacto de São José de forma um pouco diferenciada, instituindo em seu artigo 5º, inciso LXIIII que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Ao usar a expressão “o de permanecer calado”, através de um interpretação extensiva, o constituinte protegeu o direito do detido de não produzir provas contra si mesmo, permanecendo sem pronunciar-se sobre o fato ocorrido, caso assim achar melhor.

É fato que tanto o instituto da presunção da inocência quanto o direito garantido ao cidadão de não produzir provas contra si mesmo impõem certas limitações à efetiva prestação da tutela jurisdicional pelo Estado.

 O direito de punir do Estado nasce mediante a prática de um fato descrito em lei como crime, tendo o Estado o dever de punir esta pessoa que violou um bem jurídico tutelado pela lei penal. Deste modo, se a pessoa cometeu certo delito, fora processado e declarado inocente devido à falta de provas, o Estado não cumpriu o seu dever, pois não aplicou uma sanção àquele que transgrediu uma norma penal e, consequentemente, a prestação da tutela esperada pelo interesse público não foi efetivada.

Por diversas vezes seria possível que outros tipos de provas fossem produzidas se não existissem os limites impostos pelas garantias constitucionais e supraconstitucionais. Em muitos julgados o STF posicionou-se de modo que ninguém tem o dever de colaborar na produção de provas que exijam a sua participação ativa e que possam importar em assunção de culpa, em observância às garantias constitucionais da não produção de provas contra si mesmo (art. 5º, LXIII, CR) e da presunção de não-culpabilidade (art. 5º, LVII, CR) (BERGUER, 2008). No ano de 1987, o Superior Tribunal Federal considerou constrangimento ilegal a decretação de prisão preventiva em razão da recusa à participação na reconstituição do crime (Pleno. Rel. Min. Sydney Sanches. RHC 64.354, j. 1.7.1987).

O problema aqui explicitado é em relação à pessoa que é realmente culpada pelo delito a ele imputado e que, ante a sua recusa em participar da reconstituição do crime, por exemplo, acaba por ser considerado inocente devido à falta de provas.

É interessante o fato de que, segundo pesquisa do próprio STF, o princípio da não culpabilidade foi o principal motivo para que o Superior Tribunal concedesse habeas corpus no ano de 2009 (STF, 2009).

Sobre o silêncio do preso, tem-se ainda que o fato de ele permanecer calado não pode ser interpretado contra ele. Aqui não se pode aplicar o dito popular “quem cala, consente”, vez que a máxima no direito penal é que “quem cala, realmente cala”. Extrai-se tal máxima de julgado do STF do ano de 2004, onde:

 "[...] III. Nemo tenetur se detegere: direito ao silêncio. Além de não ser obrigado a prestar esclarecimentos, o paciente possui o direito de não ver interpretado contra ele o seu silêncio. IV. Ordem concedida, para cassar a condenação" (STF, HC n. 84.517/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 19.10.2004).

Por outro caminho, no momento que o réu deixar de fornecer algum tipo de prova ele estará sim deixando de produzir provas contra si mesmo, mas estará simultaneamente cometendo abuso do seu direito de defesa, eis que o exercendo em prejuízo da outra parte do processo que no processo penal é normalmente o Ministério Público (COLARES 2010).

Sobre o tema, exemplificou Samuel Miranda Colares (2010):

“Entendemos que a aplicação do processo penal não serve ao réu, mas sim a toda a sociedade (inclusive ao réu), para esclarecer a existência ou inexistência de um determinado crime. Se de um lado a persecução penal é um mal, em si mesmo, para o réu, de outro, pode ser um mal necessário, caso o crime realmente exista e o acusado seja o seu autor. Será imperativa a aplicação da pena para “reprovar o mal produzido pela conduta praticada pelo agente, bem como prevenir futuras infrações penais”, e neste contexto o processo penal é o único instrumento aceitável para se chegar a este objetivo”.

            Ademais, um aspecto importante a ser destacado é que o princípio da presunção de inocência impede a prisão após sentença recorrível. É o que nos ensina Silveira (s.a., p. 2):

Pelo entendimento vigorante, ele não poderá ser encarcerado (a menos que venha a sê-lo por conta de uma prisão preventiva decretada judicialmente), enquanto não esgotar o seu último recurso, inclusive aqueles que não têm efeito suspensivo, como o recurso especial interposto junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), ou o recurso extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal (STJ), ou seja, não ocorrerá a prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, salvo se decretada a prisão cautelar.

            O resultado disso muitas vezes é a própria fuga do ora condenado, que já sabendo da provável confirmação se esconde, evitando a execução da pena (o que teria sido dificultado com a prisão imediatamente após a condenação, como acontece nos Estados Unidos, onde o condenado apela encarcerado).

Assim, estas prerrogativas da presunção de inocência e do direito de não produzir provas contra si mesmo devem ser utilizadas com bastante cautela, de modo que não atrapalhem a persecução penal. O réu tem o direito de não facilitar a própria condenação, mas não pode fazer isso de modo a atrapalhar a investigação do Estado, haja vista que a aplicação excessiva destes princípios impede a efetividade da tutela jurisdicional.

3.2 Institutos da Lei de Juizados Especiais

            Assim como os demais institutos desta Lei, os que a seguir serão analisados visam objetivamente diminuir o número de processos, excluindo da apreciação do Poder Judiciário crimes com penas menores. De onde já se verifica uma equivocada ideia de não prestação da tutela devido a problemas estruturais do Poder Público.

3.2.1 Transação penal

            Prevista no artigo 76 da Lei de Juizados Especiais (Lei Federal 9099/95), a Transação penal é um instituto despenalizador. Trata-se de um acordo realizado nos crimes de menor potencial ofensivo (pena máxima de até dois anos), com o qual o Ministério Público pode propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas (antes de oferecer a denúncia).

            Em outras palavras, o criminoso pode comprar a justiça, pagando uma multa e se vendo livre das consequências penais do seu ato. Nestes casos, o Estado simplesmente deixa de prestar a tutela jurisdicional.

3.2.2 Suspensão condicional do processo

            Sendo também um instituto despenalizador, com base no artigo 89 da Lei 9099/95, a suspensão condicional do processo se aplica aos crimes com pena mínima não superior a 1 ano, suspendendo o processo de 2 a 4 anos e impondo condições ao acusado. Caso cumpridas as condições, a punibilidade é extinta.

            Outra vez, o Estado deixa de prestar a tutela.

            O fato é que não há lógica. Tanto na suspensão quanto na transação, independentemente do tamanho da pena, a tutela deve ser prestada, e, se for caso de condenação, tal pena deve ser cumprida.

3.3 Institutos da Lei de Execução Penal

Na fase executória, grande maioria da população gostaria que o condenado entrasse na sua cela e de lá só saísse após cumprir cada dia de sua pena, haja vista a já devida comprovação da materialidade do crime e da autoria. Porém, a realidade é outra, e pode ser entendida na maioria das vezes como um descaso das autoridades com a segurança pública, deixando em liberdade criminosos de todos os tipos e aumentando na sociedade a sensação de impunidade. O que se vê na pratica é a edição de medidas pró-preso com a finalidade de esvaziar cadeias, e dificultar a aplicação e execução da lei penal.

3.3.1 Livramento condicional

            Depois de iniciada a execução da pena, há o livramento condicional (artigos 83/90 do Código Penal e 141/146 da Lei de Execução Penal), que permite ao condenado requerer a liberdade depois de cumprida parcela da pena (conforme o caso), sob algumas condições. Novamente, tal leva a extinção da pena.

            Aqui, há a prestação da tutela jurisdicional. Porém, sua efetividade acaba por ser apenas parcial, vez que a pena não é cumprida integralmente.

3.3.2 Remição

           

Um dos institutos criados para “esvaziar cadeias” é a remição, que permite o abatimento de parte da pena a ser cumprida pelo trabalho ou estudo realizado dentro da prisão. Além do salário recebido pelo preso, ele recebe um beneficio a mais, um extra, que não é visto comumente entre trabalhadores assalariados e não apenados.  Ela ocorre na forma de três dias de trabalho trocados por um dia de pena, e doze horas de estudo (divididas em pelo menos três dias) por um dia de pena, totalizando uma redução hipotética de 2/3 da pena para o preso que trabalha e estuda (caso trabalhasse e estudasse todos os dias).

 De acordo com os defensores deste instituto, ele traz como finalidade reintegrar o preso à sociedade, desenvolvendo dentro dos presídios o aperfeiçoamento técnico e o aprimoramento intelectual, necessário para a retomada ao mercado de trabalho. Buscando, com isso a ressocialização dos presos, possibilitando a inserção destes novamente ao convívio social.

Ao conceituar pena de prisão, o autor Nucci (2010, p. 309) assevera: “Pena de prisão é a sanção imposta pelo Estado, por meio de ação penal, ao criminoso como retribuição ao delito perpetrado e prevenção a novos crimes.”

Mas a realidade é que aplicando a remição o judiciário afasta o objetivo fundamental da pena de prisão e a missão do Direito Penal. O autor Capez (2011, p. 19) expõe o seguinte pensamento:

A missão do Direito Penal é proteger os valores fundamentais para a subsistência do corpo social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade etc... denominados bens jurídicos. Essa proteção é exercida não apenas pela intimidação coletiva, mais conhecida como prevenção geral e exercida mediante a difusão do temor aos possíveis infratores do risco da sanção penal, mas, sobretudo pela celebração de compromissos éticos entre o Estado e o indivíduo, pelos quais se consiga o respeito às normas, menos por receio de punição e mais pela convicção da sua necessidade e justiça.

E o que se percebe na pratica é o aumento da sensação de impunidade, que tem respaldo tanto na população trabalhadora quanto nos delinquentes.

3.6 Fuga

            Ainda dentro da execução da pena, outro ponto muito relevante pode ser abordado. Não existe no ordenamento brasileiro qualquer tipo de penalização para o condenado que foge. Quando muito, a fuga gera reflexos disciplinares para o condenado dentro do próprio sistema prisional, (caso volte a ser capturado).

            Analisando o Código Penal, encontramos apenas dois crimes ligados à fuga. No entanto, inexplicavelmente, nenhum deles tem relação com a fuga propriamente dita (referentemente ao preso).

            O crime do artigo 351 (fuga de pessoa presa ou submetida à medida de segurança) expressamente toca à pessoa que “promover ou facilitar a fuga de pessoa legalmente presa ou submetida à medida de segurança detentiva”. Isto é, para a pessoa que ajuda o preso a fugir existe pena, enquanto que para o próprio preso não.

            Já o crime de evasão mediante violência contra a pessoa, do artigo 352, por sua vez, é voltado ao preso. No entanto, é fácil notar que o que é criminalizado não é a conduta de fugir, e sim o meio empregado (uso de violência). Por isso, inclusive, critica-se a redação deste artigo, por ter a evasão como núcleo, enquanto o verdadeiro objeto material é a integridade física das pessoas que possam sofrer lesões nas fugas. Portanto, mais uma vez, o preso não é punido pela fuga, e sim pela violência.

            Não obstante, mister destacar que a fuga reabre o prazo prescricional (pretensão executória). Logo, a fuga pode levar à prescrição e à consequente extinção da punibilidade.

            Com isso, nota-se que o preso não tem praticamente nada a perder com a fuga. Em outras palavras, o preso tem, por uma leitura inversa, o direito de fugir.

3.7 Execução inadequada

            Já consolidado o entendimento de que a efetividade da tutela jurisdicional depende da execução da pena, vale ainda acrescentar a este raciocínio a questão referente à execução adequada.

            O título IV da Lei de Execução Penal trata dos estabelecimentos penais, relacionando os diversos estabelecimentos com as devidas ocasiões. Por exemplo, “a Casa do Albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto, e da pena de limitação de fim de semana” (artigo 93) e “a Colônia Agrícola, Industrial ou Similar destina-se ao cumprimento da pena em regime semiaberto” (artigo 91).

            Desde logo, sabemos que a estrutura atual não é suficiente. Assim, há diversos entendimentos concernentes ao destino do condenado. Segundo Mendonça (2005, p. 1), à época do seu estudo havia duas principais saídas: “a)- o condenado deve aguardar, no regime semiaberto, fechado ou em cadeia pública, a vaga em casa de albergado, b)- o condenado poderá cumprir o regime albergue em prisão domiciliar”.

Hodiernamente, o tema já está pacificado no Superior Tribunal de Justiça no sentido de ser assegurada a prisão domiciliar nestes casos. Conforme o ministro Og Fernandes, “constitui ilegalidade submetê-lo [o preso], ainda que por pouco tempo, a local apropriado a presos em regime mais gravoso, em razão da falta de vaga em estabelecimento adequado”.

            O fato é que em um ou em outro caso a tutela jurisdicional não alcançará sua efetividade, pois leva a uma desproporcional retribuição (para mais ou para menos) à pena. Sendo assim, resta claro que a atual estrutura é um flagrante impedimento à tutela jurisdicional efetiva ora proposta.

3.8 Garantismo penal

            Enfim, importante abordar brevemente aqui ainda o chamado garantismo.

O posicionamento garantista surgiu das teorias do jusfilósofo italiano Luigi Ferrajoli expostas em seu livro Direito e Razão, como uma forma de resposta ao exacerbado poder punitivo conferido ao Estado.

Segundo Cléber Rogério Masson (apud MAZO; NUNES, 2013) “a visão garantista engloba desde a criação da lei penal, abarcando a escolha dos bens jurídicos tutelados, a validade das normas e princípios do direito material e processual penal, o respeito pelas regras e garantias inerentes à atividade jurisdicional, a regular função dos sujeitos processuais e até mesmo as particularidades da execução penal, entre outros temas”.

O termo garantismo exposto por Ferrajoli tem ligação com o princípio da legalidade estrita, da materialidade e lesividade dos delitos, da responsabilidade pessoal, do contraditório entre as partes, da ampla defesa, da presunção de inocência, entre outros, buscando aproximar o conceito de validade do conceito de efetividade (ALVES, 2010; FERREIRA, 2010).

O que Ferrajoli fez foi formular um sistema que se preste a orientar (limitar) a atividade estatal naquilo que diz respeito ao exercício do chamado ‘direito-dever’ de punir do Estado, sempre visando proteger o cidadão de qualquer eventual arbitrariedade do Estado no legítimo exercício de seu poder (FERREIRA, 2010).

            Em suma, à luz da nova realidade social, do novo contexto, é evidente que tal posicionamento prejudica a efetividade da tutela, resguardando excessivamente as garantias dos criminosos e impedindo produção de provas, medidas, etc.

4 APONTAMENTOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Diante de todo o vasto conteúdo abordado neste estudo, evidencia-se que, atualmente, no Brasil, a tutela jurisdicional penal prestada pelo Estado raramente é efetiva.

Uma sentença absolutória por falta de provas, quando a falta poderia ser suprida por procedimentos a priori violadores de garantias, não é efetiva, tendo em vista que os interessados na tutela não obtiveram uma resposta adequada: demonstração da inocência ou condenação (e consequente retirada do meio social).

            Em casos como a transação penal e a suspensão condicional do processo, nem sequer há prestação de tutela jurisdicional. Enquanto que a concessão de livramento condicional quebra a efetividade da tutela já prestada, assim como acontece com a remição e com os casos de fuga e falta de vagas nos devidos estabelecimentos penais.

            Conforme explica com maestria Melo (2008, p. 1), “é lógico que a criminalidade crescente em nosso país não será reduzida com a supressão de direitos e benefícios legais previstos para os que delinquirem, mas sim pela certeza da punição estatal”.

            O efeito colateral da proposta contida neste estudo é exata e primordialmente a certeza da punição, plenamente inexistente na população brasileira nos dias atuais.

            Conclui-se, portanto, que não podemos nos contentar com a simples prestação da tutela jurisdicional. Devemos sempre perquirir acerca de uma tutela jurisdicional efetiva. Ou seja: 1) durante a investigação e o processo penal, a produção de provas deve acontecer à luz do interesse coletivo, relativizando as garantias do investigado/acusado, vez que nenhum direito pode ser absoluto em um Estado não autoritarista; 2) a concessão de benefícios justificados pela superlotação deve ser repensada (trata-se de corrigir uma falha com outra); 3) e, indo ainda mais além, após a condenação (prestação da tutela), é indispensável que sejam garantidos meios para a execução desta pena, não meios comuns, mas meios de execução específicos para cada caso, garantindo o cumprimento integral e a proporcionalidade da retribuição punitiva pela prática do ato delitivo.

Ademais, a população que trabalha duro para garantir o sustento próprio e de sua família se sente insegura sabendo que os mecanismos criados para esvaziar cadeias estão funcionando muito bem e cada vez menos os infratores estão sendo realmente punidos por suas transgressões. Por outro lado, esta sensação de impunidade também cria nas mentes mais propensas a delinquência as garantias de impunidade. A remição, o livramento condicional, a transação penal, a suspensão condicional do processo, entre outros tantos benefícios e regalias, estimulam a criminalidade, visto que o medo de ser privado do convívio social já não está mais assombrando as mentes criminosas.

REFERÊNCIAS

ALVES, Março Túlio Fernandes. Uma análise crítica acerca da teoria do garantismo penal à luz das concepções de Luigi Ferrajoli. 2010. Disponível em: <http://www.lfg.com.br>. Acesso em 15 maio 2013.

BERGHER, Ary. Quem se recusa a fazer teste do bafômetro não pode ser punido. Revista Consultor Jurídico, 2008. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2008-ago-15/quem_recusa_teste_bafometro_nao_punido>. Acesso em 15 maio 2013.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2011.

BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em 20 maio 2013.

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

______. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Lei de Execução Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L7210.htm>. Acesso em 18 maio 2013.

______. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Lei dos Juizados Especiais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em 18 maio 2013.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume 1, parte geral: (arts. 1° a 120); 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

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TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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Sobre os autores
David Schlickmann

Acadêmico do curso de Direito, Centro Universitário Barriga Verde - UNIBAVE, Orleans/SC.

Caroline Hobold

Acadêmica do curso de Direito do UNIBAVE, Orleans/SC.

Rosiane da Rosa Bianco

Acadêmica do curso de Direito do UNIBAVE, Orleans/SC.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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