CONCLUSÃO
O Programa de Reforma do Estado decorre da incapacidade de o setor público prosseguir como principal agente financiador do desenvolvimento econômico, sendo imperiosa a necessidade de atração de capitais privados para os setores de interesse público.
Ocorre que esses investimentos só ocorrerão se os empresários tiverem lucratividade e segurança, pois trata-se de regime de livre iniciativa, em que essas são condições importantíssimas para o investimento.
A flexibilização dos monopólios e a abertura ao capital estrangeiro são, sem dúvida, instrumentos de competitividade e de possibilidade de lucro ao setor privado.
A segurança, por sua vez, só será alcançada com estabilidade das regras e autonomia dos agentes encarregados de sua aplicação, que não podem ficar aos sabores da predileção política e pressionados por critérios demagógicos de decisão, mas, sim, por fatores técnicos e financeiros que equilibrem os interesses entre fornecedores, consumidores e poder público.
Daí a relevância da criação de agências reguladoras dotadas de especialização, independência, autonomia e poder normativo, nos moldes colhidos no direito comparado.
Como visto, a questão referente à outorga de poderes normativos às agências reguladoras, pelo fato de ainda não ser algo pacificado no âmbito doutrinário, tampouco jurisprudencial, está longe de possuir uma resposta única, quanto à sua natureza jurídica.
Nota-se, todavia, que a importação de experiências estrangeiras, tal qual o caso da doutrina da delegificação, não atende, no mais das vezes, às expectativas do ordenamento jurídico brasileiro. De fato, não se admite no direito brasileiro a chamada reserva do regulamento, tal qual ocorre no direito francês.
Também se vislumbra que a elaboração teórica existente permite a exclusão da opinião que admite que o poder normativo das agências se exterioriza por regulamentos autônomos, ante a sua flagrante inconstitucionalidade.
Em verdade, de acordo com a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADIn 1.668 – DF, concluímos que a Constituição impõe limitações à competência normativa abstrata das agências, que se pode desenvolver apenas como manifestação de cunho regulamentar não-autônoma. Em assim sendo, verifica-se que o posicionamento mais adequado à realidade do ordenamento jurídico brasileiro é aquele apresentado por Marçal Justen Filho, segundo o qual o poder normativo das agências reguladoras seria a manifestação do poder discricionário conferido à Administração Pública, o qual possui seus limites predeterminados na própria lei instituidora dos entes reguladores, bem como no fato de somente poder ser exercida sob o seu amparo, não podendo inovar em matérias abstrata e insuficientemente tratadas nos referidos diplomas legais e, ainda, invadindo matérias de reserva absoluta de lei, como as matérias tributária e penal.
Além disso, devem ser objeto de pleno controle judicial, conforme determina o artigo 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988, de maneira a viabilizar a própria existência do Estado Democrático de Direito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, J. M. C. de. Sobre os regulamentos administrativos e o princípio da legalidade. Coimbra: Almedina, 1987.
AGUILLAR, F. H. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999.
ARAGÃO, A. S. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
__________. “O poder normativo das agências reguladoras independentes e o Estado Democrático de Direito”.Revista de Informação Legislativa, nº 148, out./dez. 2000. Brasília.
__________. “O conceito jurídico de regulação da economia”. Revista de Direito Administrativo e Constitucional, n.06.
__________. “O contrato de gestão e a ouvidoria no anteprojeto de lei sobre a gestão, a organização e o controle social das agências reguladoras”. ABAR – Associação Brasileira de Agências de Regulação. Porto Alegre.
ARAÚJO, E. N. de. "A aparente autonomia das agências reguladoras", in MORAES, A. de (coordenador). Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002, p. 39-57.
ATALIBA, G. "Poder regulamentar do Executivo". Revista de direito público, nº 57-58. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, jan.-jun. 1981, p. 184-208.
__________. República e constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
BARROSO, L. R. "Disposições constitucionais transitórias (natureza, eficácia e espécies); delegações legislativas (validade e extensão); poder regulamentar (conteúdo e limites)". Revista de direito público, nº 96. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, out./dez. 1990, p. 69-80.
_________. "Agências reguladoras. Constituição, transformações do estado e legitimidade democrática". Revista de direito administrativo, nº 229. Rio de Janeiro: Renovar, jul./set. 2002, p 285-311.
BASTOS, C. R. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
__________.Direito econômico brasileiro. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 2000.
BOBBIO, N..El Futuro de la democracia. Tradução José Fernandez Santillan. México: Fondo de Cultura econômica, 1986. p. 89.
BRUNA, S. V. Agências reguladoras: poder normativo, consulta pública, revisão judicial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
CAETANO, M. Princípios fundamentais do direito administrativo. Reimpressão da edição brasileira de 1977. Coimbra: Livraria Almedina, 1996.
CAL, A. R. B. As agências reguladoras no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
CANOTILHO, J.J.G. Estado de direito. Lisboa: Gradiva, sem data.
CARVALHO, V. M. de. "Regulação dos serviços públicos e intervenção estatal na economia". in FARIA, J. O. de (organizador). Regulação, direito e democracia. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002, p. 13-25.
CLÈVE, C.M. Atividade legislativa do poder executivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
CONSTANT, B. Princípios políticos constitucionais: princípios políticos aplicáveis a todos os governos representativos e particularmente à Constituição atual da França (1814). Tradução de Maria do Céu Carvalho. Rio de Janeiro: Líber Juris, 1989.
CUÉLLAR, L. As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001.
DALLARI, D. de A. Elementos de teoria geral do estado. 21.ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
DI PIETRO, M. S. Z. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
___________. Direito Administrativo. 2 ed. São Paulo:Atlas, 2001.
FAGUNDES, M. S. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 1984.
FERRAZ, A. C. da C. Conflito entre poderes: o poder congressual de sustar atos normativos do poder executivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
FIGUEIREDO, L. V. Curso de direito administrativo. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
GARCÍA DE ENTERRÍA, E.; FERNÁNDEZ, T.-R. Curso de direito administrativo. Tradução de Arnaldo Setti e colaboração de Almudena Marin López e Elaine Alves Rodrigues. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991.
GASPARINI, D. Poder regulamentar. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982.
GONÇALVES FILHO, M. F. O processo legislativo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
GORDILLO, A. Princípios gerais de direito público. Tradução de Marco Aurélio Greco; revisão de Reilda Meira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977.
GRAU, E.R. O direito posto e o direito pressuposto. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
JUSTEN FILHO, M. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002.
KELSEN, H. Teoria pura do direito. Tradução: João Baptista Machado. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes.
LEAL, V. N. "Delegações legislativas". Problemas de direito público. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 92-108.
LEITE, L. F. O Regulamento no Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1986.
MACHADO, H. de B. Princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.
MEIRELLES, H. L. Direito administrativo brasileiro. 18.ed. atualizada por Enrico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1993.
MELLO, C. A. B. de. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
____________. "Poder regulamentar ante o princípio da legalidade". Revista trimestral de direito público, nº 4. São Paulo:Malheiros, 1993, p. 71-78.
MELLO, O. A. B. de. Princípios gerais de direito administrativo. 2. ed., vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 1979.
MELLO, V. V. de. Regime jurídico da competência regulamentar. São Paulo: Dialética, 2001.
MELO, J. E. S. de. Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética, 1997.
MENEZES, R. F. de M. "As agências reguladoras no direito brasileiro". Revista de direito administrativo, nº 227. Rio de Janeiro: Renovar, jan.-mar. 2002, p. 47-68.
MOREIRA, E. B. "Agências administrativas, poder regulamentar e o sistema financeiro nacional". Revista de direito administrativo, nº 218. Rio de Janeiro: Renovar, out./dez. 1999, p. 93-112.
MOREIRA, V. Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra: Livraria Almedina, 1997.
MOREIRA NETO, D. de F. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
____________. Direito regulatório: a alternativa participativa e flexível para a administração pública de relações setoriais complexas no estado democrático. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
____________. Mutações do direito administrativo. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
MOTTA, P. R. F. Agências reguladoras. Barueri: Manole, 2003.
ROCHA, C. L. A. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994.
ROSA, R. P. A. de. "Reflexões sobre a função reguladora das agências estatais". Revista de direito administrativo, nº 226. Rio de Janeiro: Renovar, out./dez. 2001, p. 243-250.
SAMPAIO, M. de A. e S. "O poder normativo das agências reguladoras". Revista de direito administrativo, nº 227. Rio de Janeiro: Renovar, jan.-mar., 2002, p. 339-347.
SILVA, J. A. da. Curso de direito constitucional positivo. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
_________."O estado democrático de direito". Revista de direito administrativo, nº 173. Rio de Janeiro: Renovar, jul./set.1988, p. 15-34.
SOUTO, M. J. V. Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
SOUZA, A. de B. G. "O estado contemporâneo frente ao princípio da indelegabilidade legislativa". Revista trimestral de direito público, nº 13. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 193-202.
SUNDFELD, C. A. "Introdução às agências reguladoras" in SUNDFELD, C. A. (coordenador) Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 17-38.
_________. Direito administrativo ordenador. 1.ed., 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997.
TÁCITO, C. "Princípio da legalidade: ponto e contraponto". Revista de direito administrativo, nº 206. Rio de Janeiro: Renovar, out./dez. 1996, p. 1-8.
_________. "Agências reguladoras da administração". Revista de direito administrativo, nº 221. Rio de Janeiro: Renovar, jul./set. 2000, p 1-5.
TAVARES, A. R. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002.
NOTAS
4 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, 2001, p. 396.
[2] Meirelles, Hely Lopes, 2000, p. 326.
[3] Azevedo, 1998, p. 143.
[4] Tais privilégios são assim visualizados por Diogo de Figueredo Moreira Neto. (2000, p. 148).
[5] Cuéllar, Leila. As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001.
[6] ARAGÃO, Alexandre Santos. “O poder normativo das agências reguladoras independentes e o Estado Democrático de Direito”.Revista de Informação Legislativa, nº 148, out./dez. 2000. Brasília.
[7] BOUCIER, Daniele. La décision artificielle. [S.l.]: PUF, 1995, p. 61. Maurice Hariou destaca a grande importância dessa técnica legislativa no Direito Administrativo, vez que, “o standard, flexível e mutável, representa, no direito, o elemento de mobilidade” (in op. cit., p. 150-1).
[8] Lei n. 9.427/96, art. 3, I; Lei n. 9.472/97, art. 19, IV, X, XII, XIII, XIV, XV; Lei n. 9.478/97, art. 8, III, XV.
[9] TAVARES, A. R. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002.
[10] ATALIBA, G. "Poder regulamentar do Executivo". Revista de direito público, nº 57-58. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, jan.-jun. 1981, p. 184-208.
[11]MELLO, Celso Antonio Bandeira de. "Poder regulamentar ante o princípio da legalidade". Revista trimestral de direito público, nº 4. São Paulo:Malheiros, 1993, p. 71-78.
[12] DJU, Seção I, 31.08.1998, p. 17.
[13] DJU, Seção I, 31.08.1998, p. 17.
[14] ROSA, Renata Porto Adri de. "Reflexões sobre a função reguladora das agências estatais". Revista de direito administrativo, nº 226. Rio de Janeiro: Renovar, out./dez. 2001, p. 243-250.
[15] Cuéllar, Leila, op. cit.
[16] Cuélar, Leila, op. cit.
[17] Cuéllar, Leila, op.cit.
[18]Justen Filho, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002.
[19] Cal, Arianne R. Brito. As agências reguladoras no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2003