Um olhar antropológico da bioética sobre o aborto

12/12/2014 às 13:23
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Este artigo trata do tema aborto inseridos conceitos de antropologia, bioética e biodireito.

Palavras – Chave: Vida humana – Biodireito – Dignidade da pessoa humana

INTRODUÇÃO:

No Direito Civil brasileiro existem três teorias que explicam quando se inicia a vida, quando é concedida a personalidade humana, são elas: a teoria natalista, teoria concepcionista e a teoria da personalidade condicional.

A teoria natalista diz que a personalidade somente se inicia quando o nascituro nasce e respira. Assim sendo pode se dizer que só é considera pessoa humana para esta teoria aqueles que nascem com vida.

A teoria da personalidade condicional é um desdobramento da teoria natalista

ela diz que o nascituro depende da condição de nascer com vida para que lhe seja concedida a personificação humana.

A teoria concepcionista diz que o nascituro adquire personalidade antes mesmo de seu nascimento. Para esta teoria a personalidade se inicia quando o embrião se fecunda na parede uterina. Segundo a afirmação de Carlos Roberto Gonçalves (2013, p. 103)

A teoria natalista afirma que a personalidade civil somente se inicia com o nascimento com vida; a da personalidade condicional sustenta que o nascituro é pessoa condicional, pois a aquisição da personalidade acha – se sob a dependência de condição suspensiva, o nascimento com vida, não se tratando propriamente de uma terceira teoria, mas de um desdobramento da teoria natalista, visto que também parte da premissa de que a personalidade tem início com o nascimento com vida.

O Código Civil brasileiro adotou a mistura destas duas teorias em seu artigo 2° in verbis:

A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo os direitos do nascituro.

Este artigo trata da consideração de pessoa humana para exercer direitos patrimoniais, quando diz personalidade civil e não da condição de ser humano.

Além disso, a lei põe a salvo os direitos do nascituro, portanto fica claro que a partir do momento da concepção o nascituro tem direito a vida, alimentação e a dignidade da pessoa humana. O nascituro não é pessoa para exercer direito patrimoniais, mas já protegido e considerado pessoa com direito a vida e a dignidade.

1- ABORTAMENTO DO ÚTERO MATERNO OU ABORTAMENTO DO ÚTERO SOCIAL

Aborto hodiernamente deixou de ser conceituado apenas como quando a mãe expele a criança de seu útero por não a querer para si.

Existe aborto também quando a sociedade excluí a criança, não permitindo que esta tenha elementos básicos para a constituição de uma vida digna. O nascituro quando não sofre pela exclusão da mãe sofre pela ignorância social.

A lei n°8.069, de julho de 1990, protege os direitos da criança e do adolescente, neste sentido dispõe em seu título I, art. 4°:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

  1. destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Ao falar de aborto é preciso é preciso considerar também diversos fatores, sendo sociais, problemas relacionados a saúde e também olhar para o aborto de maneira antropológica.

É preciso se preocupar também como esta criança será acolhida pela sociedade. Garantir alimentação, educação, saúde e outros direitos fundamentais inerentes a dignidade da pessoa humana, através de políticas públicas, tais como: controle de natalidade através de uso de contraceptivos, melhor distribuição de renda, etc. Segundo a afirmação de José Roque Junges (1999, p.132)

A defesa da vida humana desde a fecundação é hipócrita quando não se preocupa com o útero social que vai receber esta criança.Quando não é abortada pelo útero materno, o útero social a expelirá pela falta de condições de uma vida digna.

2- O ABORTO COMO SOLUÇÃO

As mentalidades abortistas pressupõem o aborto como solução para resolver problemas como a fome, como a violência, por exemplo.

Para obter melhorias pela diminuição de violências é preciso ter coragem para lutar, o que demanda muito trabalho e esforço . Por isso a mentalidade abortista adota o caminho mais fácil dizendo proteger a vida da mulher esquecem – se de proteger a vida mais frágil.

Como resultado é um ser vivente a menos e a violência não deixa de existir pela redução da vida deste ser.

Para resolver as questões de violência se faz mister criar políticas que valorizem a vida humana como por igual e não sobrepondo a vida do mais vuneravél como menos importante. Políticas que atendam a defesa e a promoção da mulher, tais como controle de natalidade. A respeito José Roque Junges (1999, p. 132) diz:

O aborto como solução é uma posição conservadora e burguesa que não tem coragem de ir até a fundo nesta questão. Uma posição coerente e honesta contra o aborto precisa lutar com a mesma força por condições sociais dignas para a criança já nascida e estar mais atenta para a defesa e na promoção da mulher. Este posicionamento não pode estar baseado apenas em dogmas religiosos, como pensam alguns, mas em argumentos antropológicos racionais.

É preciso focar nos problemas, encontrar soluções, políticas que realmente venham a sanar os problemas de forma coesa e eficaz exterminando de uma vez por todas a fome e a violência com a criação destas políticas públicas que envolvam controle de natalidade, promoção de educação de qualidade ao alcance de todos e melhor distribuição de renda a população.

3 – CONFLITOS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS, NOS CASOS DE ABORTO DE ANENCÉFALOS

Quando se trata do aborto de anencéfalos nota se que existem conflitos de direitos garantidos constitucionalmente.

O primeiro direito diz respeito á vida uterina, a criança que está por vir tem direito a viver e este direito é garantido pela Constituição em seu artigo 5°, caput, in verbis:

Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo – se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito a vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade (...)

O segundo direito refere - se ao direito a saúde, física, psíquica e social. A criança anencéfala nasce sem o cérebro órgão que é fundamental para a sua sobrevivência oque faz com que a sua estimativa de tempo de vida seja extremamente curta. O direito a saúde física, psíquica e social está previsto no artigo 196 da constituição federal in verbis:

A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e outros agravos ao acesso universal e igualitário as ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

O terceiro direito diz respeito à autonomia da mulher em escolher entre dar a luz a criança ou fazer os procedimentos abortivos logo no início da gestação, quando se constata a anencefalia. Este direito é garantido constitucionalmente á mulher através do artigo 5°, inciso II, in verbis:

Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei.

Discutir acerca do tema de aborto de anencéfalos é sempre muito polêmico pelo fato de envolver estes três direitos fundamentais. No Brasil o abortamento nestes casos deixou de ser considerada conduta criminosa tipificada nos artigos 124, 126 e 128 incisos I e II, do Código Penal brasileiro. No dia 12 de abril de 2012 o Supremo Tribunal Federal julgando a ADPF 54, afastou a ilicitude da conduta abortiva. Nestes casos entendendo haver o exercício regular de um direito conferido a gestante, nos termos do inciso III, do artigo 23 do Código penal.

4 – O PROBLEMA DO ABORTO SENTIMENTAL

Aborto sentimental é o aborto praticado pela gestante que foi figurada como vítima de um estupro e contraiu a gravidez através deste ato.

A presidente Dilma Rousseff sancionou a Portaria 415 do Ministério da Saúde, que permite a realização do aborto nos casos de gravidez decorrente de estupro e anencefalia. A lei foi publicada na imprensa oficial no dia 22 de maio de 2.014.

Entretanto nota-se a existência de lacuna normativa, notadamente por que não fez menção à necessidade da gestante de comunicar a autoridade policial sobre o crime sexual que a tenha vitimado, possibilitando, com isto, a realização de aborto indistintamente.

5 – ABORTO SOBRE A VISÃO ANTROPOLÓGICA

Uma criança não é parte do corpo da mãe, embora tendo suas características genéticas, a criança tem suas origens em sua mãe, mas não é parte de seu corpo. É uma outra pessoa alheia a mãe e que tem direitos fundamentais que devem ser observados.

A vida humana é única, quando se pratica o aborto, subtrai – se uma vida humana, que nunca mais será reposta. Para a antropologia cada vida é considerada como uma peça que quando quebra é um mal irreparável.

Não é só a vida que está por vir que é uma obra em conclusão o ser humano por si só é um ser inacabado, pois está sempre evoluindo, fazendo, indo, vindo, acrescentando e formando. Sendo o ser humano eterna obra inacabada, como se pode dizer que o nascituro não é pessoa, teria então que dizer o mesmo da criança já nascida. A antropologia considera a expressão egoísta e mesquinha o termo perfeito para traduzir as palavras, “interrupção da gravidez”, a respeito Julián Marías diz:

Às vezes lançam mão de uma expressão de refinada hipocrisia para denominar o aborto provocado; dizem que é a “interrupção da gravidez”. Os partidários da pena de morte teriam suas dificuldades resolvidas: para que falar de tal pena, de tal morte? A forca ou o garrote podem chamar-se “interrupção da respiração” (e basta um par de minutos); já não há mais problema. Quando provoca-se o aborto ou enforca-se alguém, não se interrompe a gravidez ou a respiração; em ambos os casos mata-se alguém.

Considera hipócrita a idéia de traçar um certo tempo para dizer que até certo mês pode – se abortar que não trará dor e sofrimento para o bebê. A dor é a mesma, é um ser vivo que sente dor, fome e frio assim como um adulto racional.

No conceito antropológico a vida deve ser respeitada em todos os aspectos e formas possíveis e rejeita totalmente a idéia de aborto nos casos de anomalias. Questiona que se uma criança não pode vir ao mundo por que apresenta anomalia, quer dizer que seria correto também que extinguir a vida de uma pessoa quando contrai anomalias durante a velhice ou acidente, por exemplo. Por isso abomina a conduta abortiva e a considera desumana e cruel.

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A criança passou a ser considerada como coisa ou até algo nojento como um tumor a respeito Julían Marías diz:

(...) um caminho foi aberto na mente de inúmeras pessoas a interpretação da criança-objeto, da criança-tumor, que se pode extirpar como um crescimento nojento. Trata-se de obliterar literalmente o caráter pessoal do humano. Para isso fala-se do “direito de dispor do próprio corpo”. Mas, além da criança não ser o corpo da mãe, senão que é alguém corporalmente implantado na realidade corporal de sua mãe, é que esse suposto direito não existe. A ninguém se permite a mutilação: se eu quero cortar minha mão num golpe só, os outros, e em última instância o poder público, me impedirão; sem falar no caso de querer cortar a mão de outrem, mesmo com seu consentimento. E se quero me atirar da janela ou de um terraço, a polícia e os bombeiros acudir-me-ão e pela força me impedem de realizar esse ato, do qual me pedirão explicações.

A mentalidade abortista afasta a paternidade deixando a mãe apenas para decidir sobre a vida do filho, pai deixa de participar na decisão pela vida de seu filho. A idéia de vida humana está sendo desumana ao dar a uma pessoa a o direito de reduzir a vida de outrem.

O argumento que diz que é um direito abortar, pois o feto é parte do corpo da gestante é errôneo mesquinho e cruel, pois até gêmeos idênticos são vidas distintos. O que a antropologia mais critica é isso, poder dado ás mãos de uma pessoa para decidir se o ser viverá ou não. Em uma sociedade em que se fala de direitos humanos acima de tudo, estão esquecendo da vida mais fragilizada e extinguindo um direito fundamental que é o principal pilar de todas as constituições, a inviolabilidade do direito a vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando falamos na questão de aborto por anencefalia temos um confronto de três direitos com três garantias constitucionais.

O primeiro é o direito à vida do nascituro, segundo o direito a saúde física psíquica e social da criança e enfim o terceiro diz respeito á mãe que tem autonomia reprodutiva como mulher e mãe.

É preciso avaliar outros princípios constitucionais para avaliar estas questões de forma mais uniforme.

Ninguém tem direito a excluir a vida de um ser pelo motivo deste apresentar má formação. Não estamos nós voltando ao estado de selvageria?

A vida deve ser preservada sem exeções, a mãe ao optar pela morte do filho está sobrepondo a sua vida acima da vida do nascituro.

Em uma sociedade civilizada é preciso conviver com as diferenças e não tratar o diferente de forma exclusa, mas sim o tratar com a fraternidade que a nossa constituição nos manda, garantindo a este o direito a uma vida digna.

Aos casos de aborto sentimental é preciso criar regulamentações para que o aborto terapêutico seja efetivado pelas pessoas que realmente tenham sofrido violência sexual. Levando a vítima a tratamentos psícológicos durante o processo e após.

Neste tipo de caso é nescessário o aborto da criança, para que esta não venha a ser vítima da exclusão da sociedade ou de violência podendo até ser praticada pela mãe, por seu estado emocional se encontrar debilizado.

REFERÊNCIAS:

BRASIL, Código Civil – Artigo 2°.

BRASIL, Constituição Federal – Artigo 5° caput e inciso II, Artigo 1° inciso III e Artigo 196.

BRASIL, Código Penal – Artigos 124, 126, 128 incisos I e II e Artigo 23, Inciso III.

BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de julho de 1990, Título I, Artigo 4°.

BRASIL, Portaria 415 do Ministério da Saúde.

GONÇALVES, Carlos Roberto – Direito Civil Parte Geral. São Paulo: Saraiva, ed.11, 2013

Junges, José Roque – Bioética perspectivas e desafios, Editora: Unisinhos, ed.1, 1999.

LIMA, Carolina Alves de Souza – Aborto e anencefalia – Direitos fundamentais em colisão, Editora: Juruá, 2008

Mídia SEM MÁSCARAS - UMA VISÃO ANTROPOLÓGICA DO ABORTO, Autoria: Marías , Julían. Disponível em: http://www.midiasemmascara.org/arquivos/4805-uma-visao-antropologica-do-aborto.html, acessado em: 12 de agosto de 2014.

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Sobre a autora
Débora da Silva Antonio

Sou estudante de Direito no Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio em Salto - SP

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo feito para apresentar em sala na faculdade de Direito Ceunsp - Salto - SP

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