Palavras – Chave: Vida humana – Biodireito – Dignidade da pessoa humana
INTRODUÇÃO:
No Direito Civil brasileiro existem três teorias que explicam quando se inicia a vida, quando é concedida a personalidade humana, são elas: a teoria natalista, teoria concepcionista e a teoria da personalidade condicional.
A teoria natalista diz que a personalidade somente se inicia quando o nascituro nasce e respira. Assim sendo pode se dizer que só é considera pessoa humana para esta teoria aqueles que nascem com vida.
A teoria da personalidade condicional é um desdobramento da teoria natalista
ela diz que o nascituro depende da condição de nascer com vida para que lhe seja concedida a personificação humana.
A teoria concepcionista diz que o nascituro adquire personalidade antes mesmo de seu nascimento. Para esta teoria a personalidade se inicia quando o embrião se fecunda na parede uterina. Segundo a afirmação de Carlos Roberto Gonçalves (2013, p. 103)
A teoria natalista afirma que a personalidade civil somente se inicia com o nascimento com vida; a da personalidade condicional sustenta que o nascituro é pessoa condicional, pois a aquisição da personalidade acha – se sob a dependência de condição suspensiva, o nascimento com vida, não se tratando propriamente de uma terceira teoria, mas de um desdobramento da teoria natalista, visto que também parte da premissa de que a personalidade tem início com o nascimento com vida.
O Código Civil brasileiro adotou a mistura destas duas teorias em seu artigo 2° in verbis:
A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo os direitos do nascituro.
Este artigo trata da consideração de pessoa humana para exercer direitos patrimoniais, quando diz personalidade civil e não da condição de ser humano.
Além disso, a lei põe a salvo os direitos do nascituro, portanto fica claro que a partir do momento da concepção o nascituro tem direito a vida, alimentação e a dignidade da pessoa humana. O nascituro não é pessoa para exercer direito patrimoniais, mas já protegido e considerado pessoa com direito a vida e a dignidade.
1- ABORTAMENTO DO ÚTERO MATERNO OU ABORTAMENTO DO ÚTERO SOCIAL
Aborto hodiernamente deixou de ser conceituado apenas como quando a mãe expele a criança de seu útero por não a querer para si.
Existe aborto também quando a sociedade excluí a criança, não permitindo que esta tenha elementos básicos para a constituição de uma vida digna. O nascituro quando não sofre pela exclusão da mãe sofre pela ignorância social.
A lei n°8.069, de julho de 1990, protege os direitos da criança e do adolescente, neste sentido dispõe em seu título I, art. 4°:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
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destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Ao falar de aborto é preciso é preciso considerar também diversos fatores, sendo sociais, problemas relacionados a saúde e também olhar para o aborto de maneira antropológica.
É preciso se preocupar também como esta criança será acolhida pela sociedade. Garantir alimentação, educação, saúde e outros direitos fundamentais inerentes a dignidade da pessoa humana, através de políticas públicas, tais como: controle de natalidade através de uso de contraceptivos, melhor distribuição de renda, etc. Segundo a afirmação de José Roque Junges (1999, p.132)
A defesa da vida humana desde a fecundação é hipócrita quando não se preocupa com o útero social que vai receber esta criança.Quando não é abortada pelo útero materno, o útero social a expelirá pela falta de condições de uma vida digna.
2- O ABORTO COMO SOLUÇÃO
As mentalidades abortistas pressupõem o aborto como solução para resolver problemas como a fome, como a violência, por exemplo.
Para obter melhorias pela diminuição de violências é preciso ter coragem para lutar, o que demanda muito trabalho e esforço . Por isso a mentalidade abortista adota o caminho mais fácil dizendo proteger a vida da mulher esquecem – se de proteger a vida mais frágil.
Como resultado é um ser vivente a menos e a violência não deixa de existir pela redução da vida deste ser.
Para resolver as questões de violência se faz mister criar políticas que valorizem a vida humana como por igual e não sobrepondo a vida do mais vuneravél como menos importante. Políticas que atendam a defesa e a promoção da mulher, tais como controle de natalidade. A respeito José Roque Junges (1999, p. 132) diz:
O aborto como solução é uma posição conservadora e burguesa que não tem coragem de ir até a fundo nesta questão. Uma posição coerente e honesta contra o aborto precisa lutar com a mesma força por condições sociais dignas para a criança já nascida e estar mais atenta para a defesa e na promoção da mulher. Este posicionamento não pode estar baseado apenas em dogmas religiosos, como pensam alguns, mas em argumentos antropológicos racionais.
É preciso focar nos problemas, encontrar soluções, políticas que realmente venham a sanar os problemas de forma coesa e eficaz exterminando de uma vez por todas a fome e a violência com a criação destas políticas públicas que envolvam controle de natalidade, promoção de educação de qualidade ao alcance de todos e melhor distribuição de renda a população.
3 – CONFLITOS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS, NOS CASOS DE ABORTO DE ANENCÉFALOS
Quando se trata do aborto de anencéfalos nota se que existem conflitos de direitos garantidos constitucionalmente.
O primeiro direito diz respeito á vida uterina, a criança que está por vir tem direito a viver e este direito é garantido pela Constituição em seu artigo 5°, caput, in verbis:
Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo – se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito a vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade (...)
O segundo direito refere - se ao direito a saúde, física, psíquica e social. A criança anencéfala nasce sem o cérebro órgão que é fundamental para a sua sobrevivência oque faz com que a sua estimativa de tempo de vida seja extremamente curta. O direito a saúde física, psíquica e social está previsto no artigo 196 da constituição federal in verbis:
A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e outros agravos ao acesso universal e igualitário as ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
O terceiro direito diz respeito à autonomia da mulher em escolher entre dar a luz a criança ou fazer os procedimentos abortivos logo no início da gestação, quando se constata a anencefalia. Este direito é garantido constitucionalmente á mulher através do artigo 5°, inciso II, in verbis:
Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei.
Discutir acerca do tema de aborto de anencéfalos é sempre muito polêmico pelo fato de envolver estes três direitos fundamentais. No Brasil o abortamento nestes casos deixou de ser considerada conduta criminosa tipificada nos artigos 124, 126 e 128 incisos I e II, do Código Penal brasileiro. No dia 12 de abril de 2012 o Supremo Tribunal Federal julgando a ADPF 54, afastou a ilicitude da conduta abortiva. Nestes casos entendendo haver o exercício regular de um direito conferido a gestante, nos termos do inciso III, do artigo 23 do Código penal.
4 – O PROBLEMA DO ABORTO SENTIMENTAL
Aborto sentimental é o aborto praticado pela gestante que foi figurada como vítima de um estupro e contraiu a gravidez através deste ato.
A presidente Dilma Rousseff sancionou a Portaria 415 do Ministério da Saúde, que permite a realização do aborto nos casos de gravidez decorrente de estupro e anencefalia. A lei foi publicada na imprensa oficial no dia 22 de maio de 2.014.
Entretanto nota-se a existência de lacuna normativa, notadamente por que não fez menção à necessidade da gestante de comunicar a autoridade policial sobre o crime sexual que a tenha vitimado, possibilitando, com isto, a realização de aborto indistintamente.
5 – ABORTO SOBRE A VISÃO ANTROPOLÓGICA
Uma criança não é parte do corpo da mãe, embora tendo suas características genéticas, a criança tem suas origens em sua mãe, mas não é parte de seu corpo. É uma outra pessoa alheia a mãe e que tem direitos fundamentais que devem ser observados.
A vida humana é única, quando se pratica o aborto, subtrai – se uma vida humana, que nunca mais será reposta. Para a antropologia cada vida é considerada como uma peça que quando quebra é um mal irreparável.
Não é só a vida que está por vir que é uma obra em conclusão o ser humano por si só é um ser inacabado, pois está sempre evoluindo, fazendo, indo, vindo, acrescentando e formando. Sendo o ser humano eterna obra inacabada, como se pode dizer que o nascituro não é pessoa, teria então que dizer o mesmo da criança já nascida. A antropologia considera a expressão egoísta e mesquinha o termo perfeito para traduzir as palavras, “interrupção da gravidez”, a respeito Julián Marías diz:
Às vezes lançam mão de uma expressão de refinada hipocrisia para denominar o aborto provocado; dizem que é a “interrupção da gravidez”. Os partidários da pena de morte teriam suas dificuldades resolvidas: para que falar de tal pena, de tal morte? A forca ou o garrote podem chamar-se “interrupção da respiração” (e basta um par de minutos); já não há mais problema. Quando provoca-se o aborto ou enforca-se alguém, não se interrompe a gravidez ou a respiração; em ambos os casos mata-se alguém.
Considera hipócrita a idéia de traçar um certo tempo para dizer que até certo mês pode – se abortar que não trará dor e sofrimento para o bebê. A dor é a mesma, é um ser vivo que sente dor, fome e frio assim como um adulto racional.
No conceito antropológico a vida deve ser respeitada em todos os aspectos e formas possíveis e rejeita totalmente a idéia de aborto nos casos de anomalias. Questiona que se uma criança não pode vir ao mundo por que apresenta anomalia, quer dizer que seria correto também que extinguir a vida de uma pessoa quando contrai anomalias durante a velhice ou acidente, por exemplo. Por isso abomina a conduta abortiva e a considera desumana e cruel.
A criança passou a ser considerada como coisa ou até algo nojento como um tumor a respeito Julían Marías diz:
(...) um caminho foi aberto na mente de inúmeras pessoas a interpretação da criança-objeto, da criança-tumor, que se pode extirpar como um crescimento nojento. Trata-se de obliterar literalmente o caráter pessoal do humano. Para isso fala-se do “direito de dispor do próprio corpo”. Mas, além da criança não ser o corpo da mãe, senão que é alguém corporalmente implantado na realidade corporal de sua mãe, é que esse suposto direito não existe. A ninguém se permite a mutilação: se eu quero cortar minha mão num golpe só, os outros, e em última instância o poder público, me impedirão; sem falar no caso de querer cortar a mão de outrem, mesmo com seu consentimento. E se quero me atirar da janela ou de um terraço, a polícia e os bombeiros acudir-me-ão e pela força me impedem de realizar esse ato, do qual me pedirão explicações.
A mentalidade abortista afasta a paternidade deixando a mãe apenas para decidir sobre a vida do filho, pai deixa de participar na decisão pela vida de seu filho. A idéia de vida humana está sendo desumana ao dar a uma pessoa a o direito de reduzir a vida de outrem.
O argumento que diz que é um direito abortar, pois o feto é parte do corpo da gestante é errôneo mesquinho e cruel, pois até gêmeos idênticos são vidas distintos. O que a antropologia mais critica é isso, poder dado ás mãos de uma pessoa para decidir se o ser viverá ou não. Em uma sociedade em que se fala de direitos humanos acima de tudo, estão esquecendo da vida mais fragilizada e extinguindo um direito fundamental que é o principal pilar de todas as constituições, a inviolabilidade do direito a vida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando falamos na questão de aborto por anencefalia temos um confronto de três direitos com três garantias constitucionais.
O primeiro é o direito à vida do nascituro, segundo o direito a saúde física psíquica e social da criança e enfim o terceiro diz respeito á mãe que tem autonomia reprodutiva como mulher e mãe.
É preciso avaliar outros princípios constitucionais para avaliar estas questões de forma mais uniforme.
Ninguém tem direito a excluir a vida de um ser pelo motivo deste apresentar má formação. Não estamos nós voltando ao estado de selvageria?
A vida deve ser preservada sem exeções, a mãe ao optar pela morte do filho está sobrepondo a sua vida acima da vida do nascituro.
Em uma sociedade civilizada é preciso conviver com as diferenças e não tratar o diferente de forma exclusa, mas sim o tratar com a fraternidade que a nossa constituição nos manda, garantindo a este o direito a uma vida digna.
Aos casos de aborto sentimental é preciso criar regulamentações para que o aborto terapêutico seja efetivado pelas pessoas que realmente tenham sofrido violência sexual. Levando a vítima a tratamentos psícológicos durante o processo e após.
Neste tipo de caso é nescessário o aborto da criança, para que esta não venha a ser vítima da exclusão da sociedade ou de violência podendo até ser praticada pela mãe, por seu estado emocional se encontrar debilizado.
REFERÊNCIAS:
BRASIL, Código Civil – Artigo 2°.
BRASIL, Constituição Federal – Artigo 5° caput e inciso II, Artigo 1° inciso III e Artigo 196.
BRASIL, Código Penal – Artigos 124, 126, 128 incisos I e II e Artigo 23, Inciso III.
BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de julho de 1990, Título I, Artigo 4°.
BRASIL, Portaria 415 do Ministério da Saúde.
GONÇALVES, Carlos Roberto – Direito Civil Parte Geral. São Paulo: Saraiva, ed.11, 2013
Junges, José Roque – Bioética perspectivas e desafios, Editora: Unisinhos, ed.1, 1999.
LIMA, Carolina Alves de Souza – Aborto e anencefalia – Direitos fundamentais em colisão, Editora: Juruá, 2008
Mídia SEM MÁSCARAS - UMA VISÃO ANTROPOLÓGICA DO ABORTO, Autoria: Marías , Julían. Disponível em: http://www.midiasemmascara.org/arquivos/4805-uma-visao-antropologica-do-aborto.html, acessado em: 12 de agosto de 2014.