Nos dias de hoje, é cada vez mais comum que as pessoas busquem os consultórios estéticos e de cirurgias plásticas com o objetivo de realizar procedimentos embelezadores. Tudo isso em busca do almejado "corpo perfeito" ou mesmo de corrigir imperfeições de ordem física que, de algum modo, trazem algum tipo de incomodo.
Nesse sentido, no que se refere aos procedimentos médicos, sabe-se que, via de regra, as obrigações dos médicos são tidas pela doutrina e jurisprudência como de meio, isto é, o profissional médico se compromete com o paciente em adotar as melhores e mais avançadas técnicas sem, no entanto, garantir o resultado desejado.
Muito embora, na maioria das situações, os erros que se veem sejam decorrentes de um problema que pode ser considerado sistêmico e que culmina com o sucateamento da saúde, em verdade, quando se fala em falhas, estas estão diretamente ligadas ao profissional médico e não à estrutura a qual está vinculado e utiliza para a prestação de seus serviços.
Assim, em uma cirurgia de apendicectomia, por exemplo, o cirurgião deverá se utilizar de todas as ferramentas colocadas à sua disposição para a extração do apêndice e preservação da vida do paciente, mas caso algo não ocorra dentro do esperado, não poderá ser responsabilizado por suas ações.
Já com relação aos procedimentos cirúrgicos estéticos, o “exercício profissional da cirurgia plástica estética exige do médico não só profundos conhecimentos científicos, mas também uma visão certeira e humana. Impõe-se não só o que o médico faz como também o que deveria fazer, e muito mais do que isso, a maneira pela qual faz o que deve fazer”1. Sob esse pano de fundo, quando adentramos na seara estética/embelezadora e em especial quando se fala em cirurgias plásticas, o médico assume a responsabilidade pela obtenção do resultado almejado e, dessa forma, deve responder pelo insucesso do procedimento, excetuadas as hipóteses de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima.
Fundado nesse entendimento, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça assim tem se manifestado, in verbis:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. CIRURGIA ESTÉTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REGRA DE INSTRUÇÃO. ARTIGOS ANALISADOS: 6º, VIII, E 14, CAPUT E § 4º, DO CDC.
Omissis.
3. A cirurgia estética é uma obrigação de resultado, pois o contratado se compromete a alcançar um resultado específico, que constitui o cerne da própria obrigação, sem o que haverá a inexecução desta.
4. Nessas hipóteses, há a presunção de culpa, com inversão do ônus da prova.
5. O uso da técnica adequada na cirurgia estética não é suficiente para isentar o médico da culpa pelo não cumprimento de sua obrigação.
6. Omissis.
7. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1395254/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/10/2013, DJe 29/11/2013)
Em casos tais, há o entendimento de que nos encontramos diante de uma obrigação puramente de resultado, onde as implicações da responsabilidade subjetiva com culpa presumida se coadunam perfeitamente. Sob tal asserção, seria de responsabilidade do profissional liberal a comprovação de algo que, eventualmente, possa excluir sua responsabilidade. Alguns podem argumentar que é inerente aos procedimentos cirúrgicos algum grau de risco, mesmo os minimamente invasivos. No entanto, quando se fala em cirurgia plástica, há presunção de culpa do médico que a realizou.
Contudo, na verificação da ocorrência do dano ou insucesso do procedimento realizado, conforme acima asseverado, deve-se observar atentamente a conduta do paciente que, por vezes, age de forma desidiosa e não observa as regras impostas pelo médico para que o procedimento tenha o êxito esperado. Em verdade, muitos abandonam o tratamento antes mesmo da alta médica, outros terminam por procurar outro profissional que não aquele que realizou a cirurgia para finalização do tratamento, o que, de fato, concorre para que a culpa do profissional liberal seja afastada.
O art. 186 do Código Civil brasileiro, dispõe que “Aquele que, por ação ou omissão voluntaria, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Nesse sentido tem-se que:
A prática do ato ilícito coloca o que sofreu o dano em posição de recuperar, de forma mais completa possível, a satisfação de seu direito, recompondo o patrimônio perdido ou avariado do titular prejudicado2.
Noutro giro, o art. 927, assevera que “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Com efeito, em se tratando de profissionais liberais, “caso a obrigação seja resultado, responde objetivamente pelos danos causados, independentemente da relação jurídica (civil, comercial/empresarial ou de consumo). Na hipótese de a atividade do profissional liberal ser de risco, responderá também objetivamente, por força do CC 327 par. Ún. V. CDC 14 § 4º”3.
Conforme bem observa Nelson Nery, o assunto aqui tratado também é abordado pelo Código de Defesa do Consumidor. Tendo o profissional médico como “aquele que desenvolve atividade específica de serviços, com independência técnica, e com qualificação e habilitação determinadas pela Lei ou pela divisão social do trabalho”4, entende-se que são fornecedores de serviços sujeitos às disposições do Código Consumerista. Assim, conforme “precedentes firmados pelas turmas que compõe a Segunda Seção, é de se aplicar o Código de Defesa do Consumidor para os serviços prestados pelos profissionais liberais, com ressalvas do § 4º, do art. 14”5. Para o consumidor/paciente, sobretudo, a aplicação do CDC é suma importância, pois permite que o onus da prova possa ser invertido ou mesmo dinamizado, de modo a permitir que a parte com melhores condições de provar o faça.
Em casos tais, se mostra possível a ocorrência de dano moral haja vista o sofrimento suportado pelo paciente que, na expectativa da melhora de sua aparência, se vê deformado ou muito distante do resultado inicialmente pretendido. Isso posto, vislumbrado um dano patrimonial ou extrapatrimonial (neste compreendido o dano moral e estético), resta incontroverso o dever de indenização cível.
Assim, é indubitável que existem maus profissionais que terminam por desacreditar toda uma classe. Todavia, deve-se ter em mente que sempre haverão aqueles que prezam pelo nível de excelência dos serviços prestados, bem como pela constante atualização e aprendizado em busca do melhor resultado para seus pacientes. Que esses sejam os que prevalecem.
Notas
1 GROSSI, Diana Dapieve, LOPEZ, Elisa Vieira. Responsabilidade civil por erro médico na cirurgia plástica estética. Disponível em https://www.lfg.com.br. 08 agosto. 2008.
2 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 8. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 391.
3 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 8. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 800.
4 LOBO, Paulo. Responsabilidade Civil dos Profissionais Liberais e o ônus da prova. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: nº 26, p. 160.
5 STJ, REsp. 731.078, Rel. Min. Castro Filho, j. 13/12/05, DJ 13/02/06.