1. Introdução:
A distinção entre regras e princípios é assunto antigo e controverso. A doutrina tem se debruçado sobre o tema há algum tempo. As discussões se acirraram com as idéias pós-positivistas de Ronald Dworkin e Robert Alexy. A conjugação da idéia de ambos passou a constituir o conhecimento convencional da matéria[1].
Segundo LENZA (2012, p. 145), “a doutrina parte da premissa de que regras e princípios são espécies de normas e que, enquanto referenciais para o intérprete, não guardam, entre si, hierarquia, especialmente diante da idéia da unidade da Constituição”.
Este pequeno ensaio procurará conceituar o que vem a ser o Pós-positivismo e analisar as doutrinas de Alexy, Dworkin e Humberto Ávila, sobre a distinção entre regras e princípios.
2. Pós Positivismo
Segundo Barroso, a superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo, abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação.
O pós-positivismo, segundo autor, é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana.
A valorização dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre Direito e Ética.
Gradativamente, diversas formulações antes dispersas ganham unidade e consistência, ao mesmo tempo em que se desenvolve o esforço teórico que procura transformar o avanço filosófico em instrumental técnico-jurídico aplicável aos problemas concretos[2].
3. A distinção entre regras e princípios em Dworkin
Para falarmos de uma abordagem pós-positivista do Direito, obrigatoriamente temos que fazer menção a Ronald Dworkin. Segundo este renomado autor, as regras deveriam ser aplicadas a maneira do tudo ou nada. Ou seja, as contradições normativas manifestas por duas regras, resolveriam com a declaração de invalidade de uma delas[3].
A maneira do tudo ou nada, na aplicação das regras, não pode ser mudado pelas várias exceções possíveis. A descrição exata de uma regra deve conter sempre a enumeração de suas exceções, se não o fizer, será incompleta[4].
Já os princípios, segundo Dworkin, não se contradizem no plano da validade. Mesmo que os princípios concorram entre si pela aplicação em uma determinada situação, a prevalência de um sobre o outro, não implica necessariamente, na declaração de invalidade do principio vencido. Sendo assim, o principio vencido, não implicaria a impossibilidade de este vir a ser utilizado em outro caso[5].
A idéia de Dworkin sobre a inter-relação entre regras e princípios dá lugar a três possibilidades no marco da argumentação jurídica. A primeira delas faz menção a concorrência normativa entre as regras. Para tais casos, somente uma regra pode ser válida[6]. Como as regras são a principio, igualmente válidas, dentro do âmbito estrito das regras o conflito não pode ser resolvido. É necessário então, apelarmos para considerações que se encontram para além das regras em conflito. Sendo assim, a decisão sobre a validade ou invalidade de uma regra no caso concreto, só pode ser resolvida com base em uma regra para soluções de concorrências normativas[7].
A segunda possibilidade de casos de concorrências normativas se apresentam em forma de concorrência entre princípios. Quando dois princípios são colocados em concorrência, aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um, na verdade, o que sobressai é o que possui maior peso, que seja mais significativo[8].
O terceiro caso de concorrências normativas se apresenta entre uma regra e um principio[9]. Para Dworkin, quando ocorre tal concorrência não existe um conflito aparente. Isto porque uma regra é o resultado de um conjunto de princípios e objetivos políticos que são levados a efeito no processo legislativo[10].
4. A distinção entre regras e princípios em Robert Alexy
Alexy faz uma distinção qualitativa entre regras e princípios. Para o autor alemão, tanto os princípios quanto as regras seriam normas[11]. Os princípios seriam normas que ordenariam algo a ser realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização[12] que poderiam ser satisfeitos em graus variados por dependerem tanto de possibilidades fáticas quanto jurídicas.
As regras seriam normas que são sempre satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível[13].
Essa diferença entre princípios e regras, se mostra com mais clareza:
“en las colisiones de principios y en los conflictos de reglas. Común a las colisiones de principios y en los conflitos de reglas es el hecho de que dos normas, aplicadas independientemente, conducen a resultados incompatibles, es decir, a dos juicios de deber ser jurídico contradictorios. Se diferencian en la forma cómo se soluciona el conflicto.”[14]
No caso de conflito de regras, somente poderia ser solucionado pela declaração de invalidade de uma delas, ou se fosse inserida uma regra de exceção que eliminasse o conflito. Já o conflito de princípios, teria uma solução diferente. Vejamos:
Cuando dos princípios entran en colisión – tal como es el caso cuando según un principio algo está prohibido y, según otro principio, está permitido – uno de los princípios tiene que ceder ante el outro. Pero, esto significa declarar invalido al principio desplazado ni que em el principio desplazado haya que introducir una cláusula de expeción. Más bien lo que sucede es que, bajo ciertas circunstancias uno de los princípios precede al outro. Bajo otras circunstancias, la cuestión de la precedência puede ser solucionada de manera inversa. Esto es lo que se quiere decir cuando se afirma que en los casos concretos los princípios tienen diferente peso y que prima el principio con mayor peso.”[15]
No entanto, as diferenças citadas por Robert Alexy vão além. Os Princípios também seriam mandamentos prima facie, ou seja, “los princípios ordenan que algo debe ser realizado en la mayor medida posible, teniendo en cuenta las posibilidades jurídicas y fácticas. Totalmente distinto es el caso de las reglas. Como las reglas exigen que se haga exactamente lo que en ellas se ordena, contienen una determinación en el âmbito de las posibilidades jurídicas y fácticas”[16].
5. Considerações de Humberto Ávila
Ávila, por sua vez, esclarece que “um sistema não pode ser composto só de princípios ou de regras. Um sistema só de princípios seria demasiado flexível, pela ausência de guias claros de comportamento, ocasionando problemas de coordenação, conhecimento, custos e controle de poder. Um sistema só de regras, aplicadas de modo formalista, seria demasiado rígido, pela ausência de válvulas de abertura para o amoldamento das soluções às particularidades dos casos concretos”[17].
Para o referido autor, os princípios não são mais importantes do que as regras, nem as regras são mais necessárias que os princípios. Cada espécie normativa desempenha funções diferentes e complementares, não se podendo sequer conceber uma sem a outra. Ainda segundo Ávila, a interpretação e a aplicação de princípios e regras dar-se-ão com base nos postulados normativos inespecíficos e específicos. Os primeiros se apresentam pela ponderação, concordância prática e a proibição do excesso. Já os segundos, destacam-se pelos postulados da igualdade, da razoabilidade e da proporcionalidade[18].
6. Considerações finais
Ouso transcrever as palavras o professor Guilherme Sandoval, que assim resume as distinções existentes entre regras e princípios:
“É por isso que é importante reconhecer que as diferenças existentes entre regras e princípios se perfazem apenas no plano abstrato, o que não significa dizer que não sejam importantes para o intérprete na fixação de sua norma-decisão na medida em que induzem determinado tipo de interpretação. Assim, as regras - por serem normas com alta densidade normativa, cujo texto já contém a hipótese de incidência e a conseqüência jurídica - geram uma área nuclear muito grande, o que evidentemente induz o intérprete a subsumir sem ponderar, já os princípios – por serem enunciados normativos que indicam apenas o fim ou o valor a ser perseguido – não se prestam a subsunção, o que induz o intérprete a ponderar sem subsumir.”[19]
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Tradução: Ernesto Garzón Valdés. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.
BARROSO, Luiz Roberto; BARCELLOS, Ana Paula. O começo da história: a nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Disponível em <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/temas_de_direito_ constitucional_tomo_iii_sumario.pdf> Acesso em 25 de Julho de 2013.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina,1993.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
GÓES, Guilherme Sandoval. Neoconstitucionalismo e dogmática pós-positivista. [s.n.t]
LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 13 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.
NOTAS:
[1] LENZA, 2012.p. 145.
[2] BARROSO, Luiz Roberto; BARCELLOS, Ana Paula. O começo da história: a nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro.
[3] DWORKIN, R. 2002, p. 39
[4] Idem. p. 40.
[5] Ibidem p. 42
[6] Ibidem p. 43
[7] Ibidem p.44
[8] DWORKIN, R. op. cit. p. 42
[9] Segundo o professor Guilherme Sandoval Góes, regras e princípios têm a mesma estrutura normativa tridimensional, o que varia são as dimensões de cada espectro de per si, sendo certo, portanto, afirmar que a área nuclear dos princípios será muito reduzida quando comparada com o núcleo essencial de uma regra, que, por sua vez, terá uma zona de ponderabilidade muito menor quando comparada com a de um princípio. Cf. GÓES, G.S. Neoconstitucionalismo e dogmática pós-positivista.
[10] DWORKIN, R. op. cit. p. 60
[11] ALEXY, R. 1993. p. 87
[12] Nessa linha, partindo da proposta de diferenciação formulada por Dworkin, Robert Alexy dela se afasta e avança ao caracterizar os princípios como mandamentos ou mandados de otimização, sendo esta a sua principal contribuição à idéia inicial. LENZA, op. cit. p. 148.
[13] Idem p. 148
[14] ALEXY, R. op. cit. p. 87
[15] ALEXY, R. op. cit. p. 89
[16] Idem p. 99
[17] Humberto Ávila apud LENZA, 2012, p. 146
[18] LENZA, 2002. op. cit. p. 146
[19] GÓES, Guilherme Sandoval. Neoconstitucionalismo e dogmática pós-positivista. [s.n.t]