Direito à saúde e fornecimento de medicamentos pelo poder público

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O presente artigo trata do direito à saúde, intimamente ligado ao direito à vida, constitucionalmente previsto como fundamental ao cidadão, sendo dever do Estado promover políticas públicas garantindo sua efetivação, inclusive fornecendo medicamentos.

O direito à vida é elementar ao ser humano, previsto em destaque pela Constituição da República Federativa do Brasil como direito fundamental proeminente sobre as demais garantias previstas no ordenamento jurídico pátrio. Uma análise prática do direito à vida permite entende-lo como o direito de viver – esse mais abrangente e diretamente ligado com os outros direitos básicos legalmente previstos.

Com isso, para que o constitucional – e até mesmo natural – direito à vida seja efetivado, deve o Estado garantir aos cidadãos o mínimo para existência digna e saudável. Só a manutenção da vida (ausência da morte) não é suficiente; cabe ao Poder Público instituir medidas sociais garantindo educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança etc., para materializar o direito à vida com dignidade ao cidadão.

Partindo dessa premissa, evidencia-se a importância do direito à saúde a par de sustentação do direito à vida. Por óbvio, sem a devida atenção e garantia da saúde do sujeito, a consequência inevitável será sua morte, talvez com prévia afronta à dignidade. Nota-se a interligação dos direitos fundamentais e sociais, ao que a extrema consequência da inobservância de qualquer deles seria ceifar o ser humano do direito à vida.

Isso é ainda mais evidente quando observamos o direito à saúde e o direito à vida conjuntamente. Dentre os direitos sociais de maior destaque, sob a ótica proposta no presente artigo, salienta-se o direito à saúde, cuja Constituição Federal assegurou uma seção específica (artigos 196 a 200).

O artigo 196 da CRFB/1988 dispõe ser “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Merece destacar o referido artigo por três pontos específicos em relação à saúde: direito de todos; dever do estado; e acesso universal e igualitário. Isso significa que todos os cidadãos brasileiros têm garantido o referido direito, a ser promovido pelo Estado, porquanto seu dever constitucional, de forma acessível e universal.

Ao estabelecer a saúde como direito acessível universal, a Constituição Federal preconiza a igualdade dos cidadãos, garantido sem qualquer discriminação o acesso à políticas sociais tendentes a reduzir os riscos de doenças e garantir o bem-estar físico e psíquico da população. Para isso, diz ser dever do Estado essa promoção, nas três esferas de poder, conforme organização política nacional: Municipal, Estadual e Federal.

O direito à saúde é de extrema importância para o ser humano, porquanto pressuposto à sua vida e dignidade; não soa absurdo afirmar que a negativa ao direito à saúde corresponde a negar todos os demais direitos do cidadão, pois sem saúde, de nada valeria ter acesso à educação, lazer etc.

Dada importância do referido direito social, bem como o dever do Estado em garanti-lo, foi instituído no Brasil o SUS – Sistema Único de Saúde, pela Lei n. 8.080/90, a qual enumera os objetivos e diretrizes para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes.

Essa mesma lei estabelece estar incluída no campo de atuação do SUS a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica (artigo 6º, I, d). Esse dispositivo legal consigna, na prática, o dever estatal do fornecimento de medicamentos àqueles que necessitam. O fornecimento dos medicamentos necessários ao enfermo nada mais é do que a efetivação parcial do direito à saúde determinado constitucionalmente.

Teoricamente, após análise, mesmo superficial, dos ditames legais acerca do direito à saúde, seja na Constituição da República Federativa do Brasil, seja pela legislação infraconstitucional, notadamente a Lei n. 8.080/90, tem-se o Sistema Único de Saúde brasileiro como um dos mais modernos e amplos do mundo, com abrangência total da população e dever inarredável do Estado em garantir-lhes a saúde de forma ampla, com acesso a todas as políticas sociais tendentes ao bem-estar físico e psíquico.

Na prática, todavia, é notória a precariedade do sistema de saúde brasileiro. Diariamente a imprensa noticia a superlotação de hospitais, a falta de profissionais e equipamentos em postos de saúde, a carência de equipamentos e medicamentos necessários para correto e eficaz atendimentos dos enfermos. Em raras ocasiões o atendimento médico-hospitalar público é eficiente e satisfatório, com mérito aos profissionais, tolhendo, assim, o direito constitucional à saúde dos cidadãos, principalmente os mais pobres.

Toda essa discrepância entre o serviço prestado e o direito legalmente previsto é também evidente quando o cidadão doente necessita do uso de medicamentos. Sob diversas alegações, que vão desde a “reserva do possível” até a “ausência” da lista oficial elaborada pelo Ministério da Saúde, o SUS deixa de conceder fármacos essenciais à subsistência saudável do cidadão.

Quando ocorre a negativa administrativa do fornecimento de medicamentos pelo Poder Público, resta ao doente, para preservar sua saúde e garantir-lhe o direito à vida, seu direito de viver, recorrer ao Poder Judiciário, postulando a imposição do cumprimento da legislação vigente, inclusive em âmbito constitucional, pelos Municípios, Estados e União. Infelizmente as ações cominatórias ao fornecimento de medicamentos têm sido cada vez mais comuns, certamente pela já mencionada condição falida do sistema público de saúde nacional e ausência (ou pelo menos escassas) de políticas públicas sociais tendentes a resolver essa situação.

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Cabe ao Poder Executivo implementar medidas práticas para preservar os direitos dos cidadãos previstos em nosso ordenamento jurídico. Não o fazendo, abre-se margem para a busca ao Poder Judiciário assim determinar. Isso não implica em interferência de um Poder sobre outro, pois a observância das regras constitucionais deveria ocorrer prontamente. Quando proferida uma decisão judicial determinando o fornecimento de medicamentos, o Judiciário está apenas aplicando a norma legislativa ao caso concreto, sem que isso implique em interferência no Poder Executivo ou desrespeito a tripartição dos poderes estatais.

As alegações contrárias em sede de defesa nas ações que objetivam o fornecimento de medicamentos pelo Poder Público parecem ser insuficientes quando o direito pleiteado consiste na dignidade da pessoa humana e a preservação da vida. Conforme mencionado inicialmente, o direito à vida é soberano e deve sobrepor-se aos demais direitos sociais do cidadão. Sem a garantia da vida, seria inócua a preservação de qualquer outro direito.

Incumbe ao Estado, nas esferas municipal, estadual e federal garantir a saúde de seus cidadãos, inclusive com o fornecimento de medicamentos àqueles que necessitam. Não o fazendo, cabe ao sujeito recorrer ao Poder Judiciário para fazer valer as normas constitucionais e infraconstitucionais acerca da garantia da saúde e até mesmo da sua vida.

Importante considerar a hipótese de o medicamento do qual necessita o enfermo não estar disponível no SUS, seja pela ausência na lista oficial, seja decorrente da falta de planejamento. Nesse caso o próprio julgador poderá determinar a disponibilização de quantia pecuniária suficiente para compra direta do fármaco pelo doente. Essa alternativa surge para derrubar a alegação de impossibilidade do cumprimento da medida judicial.

Destarte, mesmo que o medicamento necessário ao doente não esteja disponível no SUS, ainda assim estará garantido o seu tratamento adequado, conferindo preservação da saúde e da vida. Para evitar abusos, cabe ao julgador exigir do paciente a comprovação periódica da efetiva utilização desses valores para adquirir os medicamentos necessários, bem como da continuidade do tratamento realizado.

Com isso, tem-se a vida e a saúde, intimamente ligadas e indissociáveis, como direitos fundamentais soberanos garantidos pela Constituição da República Federativa do Brasil e também pela legislação complementar, que instituiu o Sistema Único de Saúde, garantindo o acesso completo e universal dos cidadãos aos serviços correspondentes, incluído o fornecimento de medicamentos, como dever do Estado em suas três esferas: Municipal, Estadual e Federal. Em caso de não-cumprimento das normas citadas, pode o Poder Judiciário, após provocação, determinar o fornecimento dos medicamentos necessários ao tratamento do doente, ou sua equivalente quantia em dinheiro para compra direta, tudo com base na premissa de prevalência do direito à vida e à saúde sobre qualquer entrave administrativo ou burocrático decorrentes da falência do sistema de saúde pública.

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Sobre o autor
Erones Faustino da Silva Junior

Advogado sócio-fundador do escritório Faustino & Zambarda Advocacia, com sede em Florianópolis/SC. Graduado pela UCS - Universidade de Caxias do Sul. Atuante na advocacia preventiva e contenciosa.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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