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Estudos sobre a Lei nº 9.807/99.

Proteção a vítimas e testemunhas

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01/11/2002 às 00:00
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III – Da Proteção aos Réus Colaboradores (Artigos 13 a 15)

Conforme o próprio capítulo estabelece, os artigos seguintes tratarão da proteção aos réus colaboradores.

De início, devemos perguntar sobre o verdadeiro significado da expressão "réus". Devemos entender que somente aqueles já denunciados e com processo crime em trâmite merecem proteção. E os eventualmente "indiciados" em inquéritos policiais? Também farão jus aos benefícios legais?

Levando-se em conta o disposto no artigo 14 que a seguir comentaremos, onde o legislador utilizou as expressões "indiciado ou acusado" que colaborar na investigação e processo criminal, entendemos que apesar da utilização da expressão "réus", no que andou mal o legislador, incluiu aí também os indiciados nos inquéritos policiais.

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:

I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;

II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;

III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

· Trata o artigo da possibilidade do juiz conceder perdão judicial com a extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, colaborar efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal.

A princípio devemos notar que o artigo estabelece que o juiz poderá. Trata-se de faculdade ou poder-dever? Entendemos que se trata realmente de uma faculdade do juiz uma vez que deverá levar em conta para a concessão o disposto no parágrafo único do mesmo artigo, ou seja, deverá levar em conta para a concessão, a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso. Trata aqui das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal.

Para a concessão do perdão o juiz poderá agir de ofício ou a requerimento das partes. Como requerimento das partes podemos entender o pedido do próprio colaborador ou seu advogado e, ainda, do Ministério Público.

Perdão judicial

é o instituto pelo qual o juiz, não obstante comprovada a prática da infração penal pelo sujeito culpado, deixa de aplicar a pena em face de justificadas circunstâncias (Damásio E. de Jesus). É causa extintiva de punibilidade conforme estabelece o artigo 107, IX do Código Penal.

Para a concessão do perdão judicial é necessário que o acusado seja primário (Há duas orientações sobre seu conceito: 1ª) é não só o que foi condenado pela primeira vez, como também o que foi condenado várias vezes, sem ser reincidente. Posição majoritária; 2ª) é o que, na data da sentença ou decisão que aprecia algum benefício, não tem condenação anterior irrecorrível) e tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação ou o processo criminal.

O artigo estabelece ainda que o perdão somente poderá ser concedido se, da colaboração tenha resultado:

a) a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;

b) a localização da vítima com a sua integridade física preservada;

c) a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Entendemos que tendo ocorrido apenas um dos itens acima, é o suficiente para a concessão do perdão. Os requisitos são alternativos e não cumulativos.

Esse também é o entendimento de Alexandre Demetrius Pereira[4], Promotor de Justiça em São Paulo em artigo publicado na Internet sobre a questão:

"No crime de latrocínio consumado (crime mais severamente apenado do Código Penal Brasileiro) o réu delator diz onde estão os bens roubados que são parcialmente ou até totalmente recuperados, não obstante a vítima violentamente morta. Segundo a literalidade da lei fará jus ao perdão judicial, pois basta que alternativamente se façam presentes uma das condições dos incisos do art. 13 ( I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; OU II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada; OU III - a recuperação total ou parcial do produto do crime." (grifo nosso)

E ainda, no mesmo sentido André Stefam Araújo Lima, também em artigo publicado na Internet:

"Requisitos legais alternativos ou cumulativos: os requisitos do art. 13 são alternativos, de modo que não é preciso sempre permitir a identificação dos demais autores, mais a recuperação do produto do crime e mais a libertação da vítima. Fossem cumulativos os requisitos, somente a extorsão mediante seqüestro o admitiria." (grifo nosso).

Esse não é o entendimento de Bruno Cezar da Luz Pontes: "cabe indagar sobre a cumulatividade ou alternatividade dos incisos do art. 13. Trata-se de cumulatividade, e não de alternatividade. Salvo impossibilidade de efetivação dos três requisitos, como no caso de homicídio onde não se fala em recuperação total ou parcial do produto do crime, necessário sempre que a colaboração do co-autor seja efetiva, voluntária, que ele seja primário e que desta colaboração tenha resultado a identificação dos demais participantes, a localização da vítima com sua integridade física preservada e a recuperação total ou parcial do produto do crime." (grifo nosso)

Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.

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· O artigo em questão trata praticamente da mesma situação anterior, entretanto, obriga o juiz a, em não concedendo o perdão judicial, ou seja, no caso de condenação, reduzir a pena de um a dois terços, nos casos em que o indiciado ou acusado colaborou voluntariamente com a investigação e o processo criminal sem que ocorra os resultados acima elencados (itens a,b e c). Ou seja, basta a colaboração voluntária sem que dela resulte a efetiva localização da vítima, recuperação do produto do crime ou identificação dos co-autores. Esse também o entendimento de Alexandre Demetrius Pereira e Bruno Cezar da Luz Pontes.

O Decreto Federal nº 3.518/00 que regulamenta a lei em análise, conceitua, no artigo 10, como depoente especial, o réu detido ou preso, aguardando julgamento, indiciado ou acusado sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades, que testemunhe em inquérito ou processo judicial, se dispondo a colaborar efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração possa resultar a identificação de autores, co-autores ou partícipes da ação criminosa, a localização da vítima com sua integridade física preservada ou a recuperação do produto do crime e também a pessoa que, não admitida ou excluída do programa, corra risco pessoal e colabore na produção da prova.

O depoente especial está sujeito ao Serviço de Proteção ao Depoente Especial (artigo 11 do Decreto nº 3.518/00) que consiste na prestação de medidas de proteção assecuratórias da integridade física e psicológica do depoente especial, aplicadas isoladas ou cumulativamente, consoante as especificidades de cada situação, compreendendo, dentre outras: segurança na residência, incluindo o controle de telecomunicações; escolta e segurança ostensiva nos deslocamentos da residência, inclusive para fins de trabalho ou para a prestação de depoimentos; transferência de residência ou acomodação provisória em local compatível com a proteção; sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida e; medidas especiais de segurança e proteção da integridade física, inclusive dependência separada dos demais presos, na hipótese de o depoente especial encontrar-se sob prisão temporária, preventiva ou decorrente de flagrante delito.

Art. 15. Serão aplicadas em benefício do colaborador, na prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física, considerando ameaça ou coação eventual ou efetiva.

§ 1º Estando sob prisão temporária, preventiva ou em decorrência de flagrante delito, o colaborador será custodiado em dependência separada dos demais presos.

§ 2º Durante a instrução criminal, poderá o juiz competente determinar em favor do colaborador qualquer das medidas previstas no art. 8º desta Lei.

§ 3º No caso de cumprimento da pena em regime fechado, poderá o juiz criminal determinar medidas especiais que proporcionem a segurança do colaborador em relação aos demais apenados.

Finalmente, estipula o "caput" que o colaborador terá, na prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física. Difícil é acreditar que isso realmente ocorra face, a falência dos programas de proteção existentes. Isso, em virtude de desinteresse da administração que parece não levar a sério o programa de proteção a vítimas e testemunhas.

O §1º estabelece que se o colaborador estiver sob prisão temporária, preventiva ou flagrante, será custodiado em dependência separada dos demais presos. Para a real garantia do colaborador, devemos entender "dependência separada", local realmente diverso. Não basta a nosso ver, cela separada, tendo em vista as constantes rebeliões e o fácil acesso dos demais presos quando, então, estaria o colaborador sofrendo sério risco. Da mesma forma, se o colaborador estiver cumprindo pena em regime fechado, o juiz também poderá adotar medidas para sua proteção (§ 3º).

Durante a instrução criminal, o juiz poderá determinar qualquer das medidas previstas no artigo 8º da presente lei, ou seja, medidas cautelares direta ou indiretamente relacionadas com a eficácia da proteção(§ 2º).

Pelo que podemos observar nessa análise sobre a legislação de proteção a vítimas e testemunhas no Brasil, chegamos a duas conclusões: a primeira é que a lei apresenta vários aspectos positivos, entretanto, face a falência e desinteresse da administração pública em realizar um programa sério, muito se perde quanto a benefícios na área de segurança pública; a segunda é que a lei apresentou também muitos aspectos negativos (comentados no artigo) que, em parte, contribuem para o insucesso do programa.


Bibliografia e pesquisas:

[1] LIMA, André Estefam Araújo, Lei de proteção a vítimas e testemunhas – Lei n. 9.807/99, in www.damasio.com.br, dez. 2000

[2] PONTES, Bruno Cezar da Luz. Alguns comentários sobre a Lei 9807/99(proteção às testemunhas). In: Jus Navigandi, n. 36. [Internet] http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=1005

[3] JESUS, Damásio E. de, Código Penal Anotado –Saraiva 1989

[4] PEREIRA, Alexandre Demetrius. Lei de proteção: às testemunhas ou aos criminosos?.In:Jus Navigandi, n. 34. [Internet] http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=100

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Sobre o autor
Luís Carlos Agudo

delegado de Polícia em Itápolis (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUDO, Luís Carlos. Estudos sobre a Lei nº 9.807/99.: Proteção a vítimas e testemunhas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3498. Acesso em: 26 abr. 2024.

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