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O discurso penal em épocas eleitorais: o efeito rebote.

O que está na essência do homem não pode ser eliminado por leis

11/06/2016 às 11:23
Leia nesta página:

É preciso analisar as reais causas da criminalidade e não inventar fórmulas mágicas pensando em acabar com o problema de uma hora para outra. A vetusta fórmula mais crimes, mais penas nunca resolveu, nem resolverá. É preciso amadurecer.

Há discursos que, infelizmente, nunca saem de moda.

Mais uma época de campanha eleitoral se passou e, com ela, “mais do mesmo”. O problema é que este “mais do mesmo” já está desgastado, vencido, enferrujado, apodrecido.

Mais uma vez o discurso do populismo penal midiático, feliz expressão cunhada pelo hercúleo jurista pátrio Luiz Flávio Gomes, já deu o que tinha que dar.

O jurista francês Jean Cruet, em sua obra “A vida do Direito e a inutilidade das Leis” fez constar: “Vê-se todos os dias a sociedade reformar a lei, nunca se viu a lei reformar a sociedade[1]”.

Tempos atrás, ao conversar com um grande amigo e irmão de caminho, foi-me dito pelo mesmo que, quanto mais moralmente retrógrada é uma sociedade, mais a mesma necessita de leis.

Estávamos na ocasião (8.10.2014) falando sobre religião. E ele me fez ver que, ao analisarmos o povo seguidor do cristianismo, verifica-se que, no Antigo Testamento, uma avalanche de leis foi imposta ao povo. E com penas extremamente pesadas e cruéis na visão de alguns. E ele me explicou que, somente com o progresso da consciência e a interiorização de certos conceitos de vida, a pessoa, paulatinamente, vai deixando de necessitar de tantas leis.

Tanto que, quando Jesus Cristo passou pela Terra, resumiu todas as leis em apenas uma: “Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”.

Jesus Cristo estava com os olhos bem no futuro (um futuro até mais à frente do que o tempo atual), pois, ainda hoje necessitamos de inúmeras leis para pautar nossos comportamentos, prevendo severas punições em caso de transgressão.

E, pensando nisso, obrigo-me a concluir que leis penais realmente são para sociedades incivilizadas e moralmente rebaixadas evolutivamente, porque, quanto mais se adquiri a consciência do que é certo e justo, menos deve a pessoa preocupar-se com regramentos, pois estes já farão parte de sua essência.

Já foi dito que “o grau de civilidade de um povo, mede-se pelo maior ou menor uso que este povo faz do direito penal”.

Portanto, quanto mais se fizer uso do Direito Penal, mais incivilizada será a sociedade usuária do mesmo.

O filósofo Mokiti Okada (conhecido como Meishu-Sama: Senhor da Luz) ensinou:

É a tendência para fazer o mal ou agir desonestamente que deve ser eliminada, pois as pessoas inclinadas à prática de ações corruptas têm preferência por elas. Por exemplo, a essas pessoas parece, por vezes, que ganhar dinheiro por meios desonestos é mais fascinante do que adquiri-lo honestamente. Em tais casos, a natureza Divina ou primária encontra-se num estado enfraquecido, enquanto que a natureza animal ou secundária está fortalecida, o que significa que a alma está num nível baixo. Quando a alma está em plano mais elevado, são incapazes de tais ações[2]. (sem grifos no original)

Como se nota é a essência do homem que o inclina para o mal ou para o bem. Em países mais avançados, como a Suécia (atualmente considerado o melhor país do mundo para se viver), por exemplo, tudo funciona perfeitamente. Lá tudo é feito e pensado para o bem-estar de todos. Isso só é possível para povos que investem em educação. Não qualquer educação, mas uma educação altruísta, que faça nascer em cada pessoa o desejo de auxiliar, desinteressadamente, seu semelhante[3].

Servir o semelhante objetivando algo em troca não é altruísmo. É interesse! Com este pensamento, faz-se da prática do bem uma moeda de troca. Algo incompatível com os mais basilares princípios altruístas.

Começamos a verificar que, talvez, Cesare Lombroso não estivesse tão errado. Cesare Lombroso é considerado o pai da Escola Positiva, que considerava o crime como algo inato a certas pessoas, decorrente de fatores genéticos. Por essa visão, a criminalidade era transmitida geneticamente de pais para filhos. Portanto, filho de criminoso, criminoso seria. A pessoa, filha de delinquente, estaria fadada a levar uma vida de transgressão à lei e sua vaga, por conseguinte, já estaria garantida no sistema penitenciário.

A teoria de Lombroso baseava-se em suas observações como psiquiatra. Lombroso passou a perceber que certas pessoas, portadoras de determinadas patologias psíquicas, possuíam certas características físicas comuns. Tal teoria, com o avanço da ciência, perdeu terreno e hoje está ultrapassada. Será!?

Voltaremos a este assunto em outra oportunidade, tendo em vista a complexidade do mesmo.

A questão é que a maldade, a falta de altruísmo do ser humano não pode ser combatida simplesmente por leis.

A este respeito, Mokiti Okada (Meishu-Sama) disse:

As ameaças e os castigos não são os melhores meios para evitar que o homem pratique maldades. Um alcoólatra provavelmente não deixará de beber apenas porque lhe dizem que o álcool lhe faz mal. Um meio muito melhor é dissolver as máculas do seu corpo espiritual, elevando-o a um nível onde sua Divina natureza possa ser despertada, o que o levará a sentir uma natural repugnância pelo álcool, ou pela maldade, conforme o caso[4]. (sem grifos no original)

Essa a chave, a resposta para uma antiga pergunta dos penalistas e criminólogos: por que o aumento das leis penais e o agravamento das penas não diminuem a criminalidade? Enfim: por que a equação mais crimes, mais penas não funciona? Resposta: porque leis não mudam a essência do homem.

O homem precisa ser ensinado e incentivado a ser bom e altruísta e não obrigado a ser bom, sob pena de responder penalmente por isso.

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A resposta, portanto, é tão simples que ninguém se preocupa em procurá-la. Todos querem respostas complexas e que nunca atingem o epicentro do problema.

Quando os políticos erguem a bandeira do endurecimento do Direito Penal em suas plataformas políticas estão, em verdade, dizendo ao povo (no caso nós, brasileiros) o quanto somos incivilizados, brutos e incapazes de enxergar a verdadeira solução do problema. Estão, em verdade, nos chamando de trogloditas, bárbaros, ignorantes e incapazes de nos auto-gerir. Ao fazer com que pensemos assim, os políticos se erigem à categoria de “indispensáveis” e, assim, podem transformar a política em uma carreira profissional[5] que se eterniza no tempo.

Em razão disso, o povo passa a acreditar (em decorrência de uma perigosa ilusão) que precisa cada vez mais do Direito Penal e dos políticos ignorantes, que não conhecem as mais basilares lições de Direito Penal e se aventuram nos discursos mais teratológicos e absurdos que se possa imaginar. E nós, ao ouvirmos nossos parlamentares, lhes aplaudimos, candidamente, por nos chamar de retrógrados, de selvagens indisciplinados. Pensemos nisso antes de aplaudirmos o vetusto e remendado discurso do “endurecimento penal” como forma de “salvar” a humanidade!

Fica claro que aquilo que se vislumbra como a “tábua de salvação” é, em verdade, a “tábua da perdição” da sociedade.

O problema é que a população, perdida e anestesiada com o sofrimento pelo qual passa, acredita, até com certa inocência, que essa é a solução dos problemas.

Penso que políticos verdadeiramente compromissados com o bem-estar da sociedade atacariam a causa da doença e não apenas seus sintomas.

O que falta, em verdade, é educação. É preciso que se bata nesta tecla. Não qualquer educação. Não aquela educação meramente formal que se recebe nas escolas. Mas sim, uma educação integral. Que leve a pessoa a expandir sua consciência e procurar, sozinha, as respostas às suas inquietações.

Mais leis, mais penas e mais presídios não diminuirão a criminalidade. Não a reduziu no passado, quando as penas eram desumanas e cruéis e não a reduzirá agora, época em que, pelo menos em tese, os direitos humanos estão em plena ascensão e as penas cruéis e desumanas são vedadas pelo ordenamento jurídico.

O mais triste é verificarmos que é justamente a maior clientela do Direito Penal, quem aplaude, de pé e com um enorme sorriso no rosto, seu recrudescimento.

É a população, acostumada desde a Roma Antiga, no Coliseu, com o “panem et circensis” (pão e circo) que será alvo do endurecimento do Direito Penal. É como se o condenado aplaudisse e agradecesse ao carrasco que coloca a corda em seu pescoço e ainda puxasse, por si mesmo, a alavanca do cadafalso.

As pessoas aplaudem um discurso aparentemente bem feito, geralmente não escrito por quem o faz, pois falta a este capacidade para tanto, mas não se preocupam com o conteúdo do mesmo. Quando caem em si, assinaram a própria sentença de morte.

Este é o efeito rebote do discurso penal em épocas eleitorais. Aquilo que deveria produzir determinado efeito produz, exatamente, o efeito inverso.

Leis penais em excesso são para sociedades incivilizadas ao excesso.

Ao concluir seu pensamento, Mokiti Okada diz:

Até que a sociedade supere esse baixo nível de consciência, é perigoso ficar sem regulamentos legais e instituições penais. A despeito da forte ação coercitiva das leis reguladoras, existirão muitas pessoas inclinadas a transgredi-las. Entre elas podem ser incluídos homens que ocupam altas funções e que têm responsabilidade social, homens que são vistos como grandes personagens. Posição social e cargos políticos não indicam necessariamente desenvolvimento espiritual.

Abster-se de fazer o mal, apenas pela ameaça das penalidades ou da crítica, não é o bastante. Somente quando o homem atinge um nível em que não sente mais o desejo de fazer o mal, em que não são as leis e regulamentos que o impedem, quando realmente encontrou a alegria de fazer o bem, é que ele desperta para sua verdadeira natureza[6]. (sem grifos no original)

Muito embora não possamos, ainda, dispensar o uso dos “regulamentos legais e instituições penais” é forçoso que se reconheça que o aumento das leis penais, o endurecimento das penas e o aumento das vagas no sistema penitenciário não reduzirão a criminalidade, pois, o que está na essência do homem não pode ser eliminado por leis.


Notas

[1] CRUET, Jean. A vida do Direito e a inutilidade das leis. 3.ed. Leme: CL Edijur, 2008.

[2] OKADA, Mokiti (Meishu-Sama). Ensinamentos de Meishu-Sama: Meishu-Sama e o johrei. Coletânea Alicerce do Paraíso. 5.ed. São Paulo: Fundação Mokiti Okada, 2007, p. 31.

[3] “Só tem direito ao Reino dos Céus quem serve desinteressado”.

[4] Idem.

[5] O professor Luiz Flávio Gomes iniciou uma campanha nacional pelo fim do político profissional. Para maiores informações acesse www.fimdopoliticoprofissional.com.br.

[6] Ibidem, p. 31-32.

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Sobre o autor
Rodrigo Mendes Delgado

Advogado. Escritor. Palestrante. Parecerista. Pós-Graduado (título de Especialista) em Ciências Criminais pela UNAMA – Universidade do Amazonas/AM. Ex-presidente da Comissão e Ética e Disciplina da 68ª subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo por dois triênios consecutivos. Membro relator do Vigésimo Primeiro Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP pelo 3º triênio consecutivo. Autor dos livros: O valor do dano moral – como chegar até ele. 3.ed. Leme: Editora JH Mizuno, 2011; Lei de drogas comentada artigo por artigo: porte e tráfico. 3.ed. rev., atual. e ampl. Curitiba: Editora Belton, 2015; Soluções práticas de direito civil comentadas – casos concretos. Leme: Editora Cronus, 2013 (em coautoria com Heloiza Beth Macedo Delgado). Personal (Life) & Professional Coach certificado pela SOCIEDADE BRASILEIRA DE COACHING – SBCOACHING entidade licenciada pela BEHAVIORAL COACHING INSTITUTE e reconhecida pelo INTERNACIONAL COACHING COUNCIL (ICC). Carnegiano pela Dale Carnegie Training Brasil. Trainer Certificado pela DALE CARNEGIE UNIVERSITY, EUA, tendo se submetido às certificações Core Competence e Endorsement, 2014. (Contatos profissionais: Cel./WhatsApp +55 018 9.9103-5120; www.linkedin/in/mdadvocacia; [email protected])

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELGADO, Rodrigo Mendes. O discurso penal em épocas eleitorais: o efeito rebote.: O que está na essência do homem não pode ser eliminado por leis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4728, 11 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35003. Acesso em: 29 mar. 2024.

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