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Juízo arbitral

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17/12/2014 às 15:22
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5 - Capacidade e objeto

Dispõe o artigo 1º da Lei da Arbitragem: “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”[15].

“Todas as coisas já foram ditas, mas como ninguém escuta é preciso sempre recomeçar”[16], assim há que se fixarem como essenciais à arbitragem: a) a capacidade em contratar e b) a disponibilidade do direito em ser passível de transação. O artigo 7º do Código de Processo Civil norteia que “toda pessoa que se acha no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo”. E os requisitos de admissibilidade da demanda válida são os mesmos da teoria geral do processo tradicional: interesse para agir, legitimidade ad causam, e possibilidade jurídica do pedido[17].

Como se depreende das normas acima, para que se possa falar em juízo arbitral, é necessário que as partes, pessoas físicas ou jurídicas civilmente capazes, assim o tenham convencionado contratualmente, mediante estabelecimento de cláusula compromissória ou de posterior compromisso arbitral, respeitado o direito de escolha, princípio da autonomia da vontade[18], determinando-se, precisamente, o objeto litigioso[19], observados os requisitos legais.

A respeito do objeto alvo de arbitragem as coisas complicam e a maior atenção é requisitada, daí que não avançaremos além do estritamente necessário ao pleno desenvolvimento desse labor[20].

O artigo 1º, in fine, da Lei de Arbitragem não deixa dúvidas: o juízo arbitral cinge-se tão somente a “direitos patrimoniais disponíveis”. Scavone Júnior (2010, p.22) diz que “a disponibilidade dos direitos se liga, conforme pensamos, à possibilidade de alienação e, demais disso e principalmente, àqueles direitos que são passíveis de transação” [21].

Os direitos indisponíveis - matérias patrimoniais de natureza sensível -, são aqueles referentes a procedimentos especiais de jurisdição voluntária, interesse público, direitos difusos e coletivos (porquanto indivisíveis), causas criminais, falimentares, e que envolvam bens de menores ou de civilmente incapazes, todos os quais são afetos a Justiça Comum. Ademais, o artigo 852 do Código Civil instrui que: “é vedado compromisso [convenção] para solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial”.

Para concluir, no geral, torna-se inviável a arbitragem quando incoerente com o prescrito na Lei, vez que se trata de nulidade absoluta da convenção por ser impossível seu objeto, nos termos do artigo 139, inciso I, combinado com o artigo 166, inciso II, ambos do Código Civil[22], de maneira que, havendo incerteza sobre a natureza do bem litigioso, isto é, se o objeto é ou não disponível, caberá à Justiça Comum dirimir a prejudicial, declarando a viabilidade, ou não, do juízo arbitral.

Os três últimos parágrafos são muito importantes. Não se trata tão somente de reconhecer a disponibilidade legal do objeto, mas sim de se aferir se a livre negociação acerca do direito é possível. A transação de interesses acha-se no cerne dessa prática extrajudicial. Com isso em mente, talvez a redação do artigo primeiro da Lei de Arbitragem, para fins da linha adotada para estudo e do que pretende o nosso trabalho de pesquisa, devesse ser a seguinte: “As pessoas capazes de contratar, incluídas o Estado, poderão valer-se da arbitragem para dirimir todo e qualquer litígio relativo a direitos patrimoniais passíveis de transação, nos termos da lei”. Estariam, com isso, resolvidos grandes desafios teóricos em se efetivar a arbitragem em certas áreas estigmatizadas como de direito indisponível. Falaríamos agora em direito transacionável ou não. Eis uma mera sugestão.


6 - Convenção de arbitragem

A arbitragem decorre da vontade expressa pelas partes na dita “convenção de arbitragem”, que é gênero, do qual são espécies a cláusula compromissória e o compromisso arbitral[23].

O artigo 851 do Código Civil prescreve que “é admitido compromisso, judicial ou extrajudicial, para resolver litígios entre pessoas que podem contratar”. E o artigo 3º, da Lei de Arbitragem, diz que “as partes interessadas podem submeter à solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral”.

Em resumo, ninguém é obrigado a participar de arbitragem. No entanto, dada a possibilidade de escolha, havendo um acordo de vontades, legalmente formalizado, não poderá, qualquer das partes, recusar a solução alternativa. Eis o que se depreende da inteligência dos arts. 267, VII, e 301, IX, do Código de Processo Civil[24]. Scavone Júnior (2010, p.67), leciona: “Sendo assim, em razão do contrato, que é um acordo de vontades, surgem duas obrigações, ou seja, a obrigação de não fazer, que implica em não ingressar com pedido junto ao Poder Judiciário e, consequentemente, de fazer, que consiste em levar os conflitos à solução arbitral”. Isso porque a convenção estabelecida tem força vinculante, não podendo as partes buscarem o Poder Judiciário, ressalvados os casos previstos em lei.

Cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes, na vigência de um contrato (doméstico ou internacional), comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam surgir no decorrer do cumprimento daquele “relacionamento”, obrigando-as a cumprir a opção feita, qual seja pela justiça privada. Em síntese, é promessa de que, futuramente, na iminência de um conflito, as partes irão firmar compromisso arbitral, elegendo árbitros para solucionar a divergência. Assim, o artigo 853, in verbis, do Código Civil: “Admite-se nos contratos a cláusula compromissória, para resolver divergências mediante juízo arbitral, na forma estabelecida em lê especial”.

 “Entre as diversas funções da cláusula compromissória, ressalta a de constituir-se em prova de que as partes admitiram submeter-se ao regime arbitral para solver suas pendências na execução de um contrato. Esse é o elemento consensual, sem o qual a arbitragem não pode existir validamente” (STRENGER, 1996, p.109). “É possível que o contrato no qual as partes convencionaram a arbitragem através da cláusula compromissória, ao mesmo tempo em que destina parte dos eventuais conflitos à solução arbitral, espelha obrigação certa, líquida e exigível, configurando título executivo” (SCAVONE JÚNIOR, 2010, p.69).

A existência da cláusula compromissória, quando ainda não há conflito instalado, é imperativa para a eficácia da arbitragem (pact sunt servanda), pois inexistindo ancoragem específica da mesma no corpo do contrato, impossível de se concretizar a solução extrajudicial, figurando como importante requisito para a segurança jurídica do negócio.

De todo o argumentado, a cláusula compromissória pode vincular a realização da arbitragem, rompendo-se com o posicionamento de que o seu descumprimento só seria capaz de gerar o direito à percepção de indenização por perdas e danos, constituindo verdadeira obrigação de fazer. Se estipulada contratualmente a solução pela via paraestatal, deve ela ser obedecida, a não ser que seja declarada nula nos termos da legislação.

Deve ser estipulada por escrito (não se presume jamais), podendo ser inserta no próprio contrato ou em termo apartado que a ele se refira (artigo 4º, §1º, Lei nº. 9.307/96). “Art. 7º. Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecerem juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim” (Lei de Arbitragem).

Eventual nulidade da cláusula compromissória, desde que absoluta, deverá ser decretada pelo juiz na primeira oportunidade que dela tomar conhecimento, independentemente de provocação das partes, consoante os artigos 166, 168 e 169, do Código Civil[25]. Sendo apenas anulável (artigos 171 e 172, do Código Civil), a cláusula produzirá efeitos até que seja anulado[26].

A cláusula deve, ainda, discriminar os elementos passíveis de serem arbitrados, haja vista que se podem ser estendidas as suas regras a todo o contrato ou não, determinar os árbitros, quando não se optar pela arbitragem institucional, definir as regras para o procedimento, tais como número de audiências e perícias, estipular o local a ser realizado o julgamento, e regulamentar outros pontos, a exemplo dos custos, da interposição de recursos, tentativa de reconciliação etc. [27] Marinoni (2007, p.767), ainda distingue a cláusula compromissória “cheia” da “vazia”. Para esse autor, a “cheia” é aquela em que surgem predeterminados todos os elementos essenciais para que possa se instaurar a arbitragem, ao passo que a “vazia” seria a que não os traz, ficando sua estipulação para o momento em que sejam realmente necessários.

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"A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória” (artigo 8º, Lei de Arbitragem). Outra observação importante se faz quanto à presença da cláusula compromissória em contratos de adesão. O §2º do artigo 4º, da Lei de Arbitragem estabelece que, “nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição”, viabilizando a inserção da convenção vinculativa da arbitragem se esta for redigida em destaque, “de maneira a permitir sua imediata e fácil compreensão”.

Por seu turno, “o compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial” (artigo 9º, Lei n°. 9.307/96). Para Câmara (2005, p. 37), é “um contrato de direito privado, cujo efeito é a instauração de um processo arbitral”. “Trata-se de verdadeiro negócio jurídico de direito material que expressa a renúncia à atividade jurisdicional do Estado” (FIGUEIRA JÚNIOR, 1999, p.193).

O pressuposto de existência do compromisso é o acontecimento de uma discórdia, com a consequente colisão de interesses entre as partes do contrato, em oposto à cláusula compromissória, a qual deverá ser firmada e inscrita no contrato antes da ocorrência do litígio (GARCEZ, 2004, p. 71). “Observe-se, porém, que a ideia de compromisso é muito mais ampla que a de arbitragem, pois é através do primeiro que, pela manifestação livre da vontade, as partes de dirigem para o segundo, como forma de solução de conflitos de interesses” (STOLZE, 2007).

O compromisso arbitral poderá originar-se judicialmente, nas hipóteses de haver resistência de uma das partes signatárias da cláusula compromissória (artigo 7º, §7º, Lei da Arbitragem), com a propositura de ação com esse propósito, oportunidade em que a sentença valerá como se compromisso fosse, substituindo a convenção (em decorrência dessa demanda, o ajuste alcançado no tribunal tem que constar nos autos do processo), ou extrajudicialmente, o acordo tem que ser firmado por escrito público ou particular, assinado pelas partes, na presença de duas testemunhas, para que este assuma o perfil de contrato (§§ 1º e 2º, artigo 9º, Lei de Arbitragem).

Ao desfecho, cabe repisar que a diferença existente entre a cláusula compromissória e o compromisso arbitral é estritamente temporal, vez que, enquanto a cláusula visa resolver futuras controvérsias através da arbitragem, no compromisso têm-se já a existência do conflito, onde as partes concordam que a solução seja obtida através da justiça privada. Morais (1999, p.210), ao falar sobre a validade e eficácia da cláusula compromissória e do compromisso arbitral[28], coloca que “qualquer que seja a convenção de arbitragem ela configura um impedimento processual. Se uma das partes, inobstante ter convencionado a utilização da arbitragem, for ao Judiciário, tal processo deverá ser extinto sem resolução do mérito”.

Anote-se, em tempo, que, invalidada a convenção de arbitragem, por nulidade, ineficácia ou inobservância dos requisitos legais, figurará ilegítima a instalação do juízo privado, e nulo o laudo gerado (artigo 32, inciso I, Lei de Arbitragem), restando às partes serem remetidas ao órgão do Poder Judiciário competente para julgar a causa (artigo 20, § 1º, in fine, Lei nº. 9.307/96).


7 - Árbitros

“É na figura do árbitro, diz-se, que descansa a confiabilidade e eficácia da arbitragem como método de resolução de conflitos” (MORAIS, 1999, p.207). Até porque, “considera-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro” (artigo 19, Lei nº. 9.307/96). Para Câmara (2005, p. 76), trata-se “de norma extremamente relevante, equiparável à norma contida no art. 263 do Código de Processo Civil, que determina o momento em que se considera proposta a demanda”.

Árbitro é “toda pessoa natural que, sem estar investida da judicatura pública, é eleita por duas ou mais pessoas para solucionar conflito entre elas surgido, prolatando decisão de mérito” (FIUZA, 1995, p.120) (apud, CÂMARA, 2005, p.45). “Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes” (artigo 13, Lei de Arbitragem). “O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou à homologação do Poder Judiciário” (artigo 18, Lei nº. 9.307/96). “Ninguém é árbitro e sim está árbitro” (DOLINGER;TIBURCIO, 2003, p. 233).

Concluindo, o árbitro, assumindo o mister arbitral, inaugura uma função pública – não há como se questionar ou duvidar disso –, haja vista que a arbitragem é a jurisdição revestida de caráter privado, guarnecida pelo princípio da autonomia da vontade, lastreada no poder de escolha dos pactuantes envolvidos, e a sentença dele oriunda, além de ter força impositiva para os envolvidos nesse processo paraestatal, exclui a apreciação ou correção por parte do Judiciário, desde que observados os requisitos legais. É o juiz arbitral equiparado a funcionário público[29], enquanto (e somente enquanto) perdurar a obrigação extrajudicial, respondendo por seus atos, quer civil, quer penalmente falando, e gozando da proteção necessária, como se assim o fosse.

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Sobre o autor
Thiago Nóbrega Tavares

Advogado, Especialista em Direito Tributário, Mestre em Ciências Jurídicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAVARES, Thiago Nóbrega. Juízo arbitral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4186, 17 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35055. Acesso em: 28 mar. 2024.

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