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Desmistificando a unificação das carreiras da advocacia pública federal

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17/02/2015 às 07:27
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A unificação de carreiras na Advocacia Pública Federal oportunizaria à população uma melhor identificação do papel da instituição e das atribuições de seus membros, já que estariam todos reunidos em uma mesma nomenclatura de cargo, à feição do que ocorre com designação dos Procuradores do Estado e dos Procuradores do Distrito Federal.

 

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 205/2012[1], que visa aprimorar a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União – AGU. Trata-se de momento propício para debater um tema fundamental para a instituição: a unificação das carreiras da advocacia pública federal[2]/[3]. O assunto é polêmico, desperta debates apaixonados entre os membros da Instituição e, até mesmo, costuma causar notável acirramento de ânimos, entretanto, apesar de toda celeuma, o tema precisa ser enfrentado.

Sempre que a unificação das atuais carreiras da advocacia pública federal é cogitada, óbices jurídicos e inadequações fático-organizacionais são levantados por aqueles que são contrários à fusão das carreiras. O objetivo deste artigo é analisar os principais argumentos contrários à unificação das carreiras da advocacia pública federal, para romper com a ideia de sua impossibilidade jurídica, bem como deixar assentado que a unificação é recomendável do ponto de vista fático-organizacional.

A Advocacia Pública Federal atualmente é composta de quatro carreiras de advogados: 1) Advogados da União[4], responsáveis pela representação judicial e extrajudicial da União e pela consultoria e assessoramento jurídico desta, ressalvadas as atribuições dos membros da carreira de Procurador da Fazenda Nacional; 2) Procuradores da Fazenda Nacional[5], aos quais incumbem representar judicial e extrajudicialmente a União em causas de natureza fiscal e desempenhar atividades de consultoria e assessoramento jurídico junto aos órgãos integrantes da administração tributária federal; 3) Procuradores Federais[6], responsáveis pela representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas federais e pelas atividades de consultoria e assessoramento jurídico destes entes, ressalvadas as atribuições dos membros da carreira de Procurador do Banco Central; 4) Procuradores do Banco Central[7], aos quais tocam representar judicial e extrajudicialmente o Banco Central do Brasil e desempenhar atividades de consultoria e assessoramento jurídicos desta entidade.

Convém abordar um pouco da história da Advocacia-Geral da União - AGU, instituição criada pela Constituição de 1988. Pois bem, sob a égide da Carta Política de 1967, ao Ministério Público Federal - MPF tocava a representação judicial da União[8]. O advento da Emenda Constitucional nº 1 de 1969[9]não modificou a incumbência do MPF[10]. A partir da Constituição de 1988, a atribuição representar a União, judicial e extrajudicialmente, passou à Advocacia-Geral da União, diretamente ou através de órgão vinculado, cabendo-lhe, ainda, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. Ao Ministério Público, ficaram constitucionalmente reservadas as atribuições de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis[11].

Como é possível notar, a função de representação judicial da União, por força da nova ordem constitucional inaugurada em 1988, passou do Ministério Público Federal para a Advocacia-Geral da União. Aos membros do MPF que até então integravam a instituição restou assegurada a escolha entre continuar no órgão ministerial ou ingressar nos quadros do inaugurado órgão AGU[12].

Esta segmentação entre AGU e MPF foi interpretada como uma adequação das Instituições Essenciais à Justiça à doutrina que distingue o Interesse Público em Primário e Secundário. Sobre este assunto, curial é trazer à baila a lição de Luís Roberto Barroso:

“O interesse público primário é a razão de ser do Estado e sintetiza-se nos fins que cabe a ele promover: justiça, segurança e bem-estar social. Estes são os interesses de toda a sociedade. O interesse público secundário é o da pessoa jurídica de direito público que seja parte em determinada relação jurídica – quer se trate da União, quer se trate do Estado-membro, do Município ou de suas autarquias. Em ampla medida, pode ser identificado como interesse do erário, que é o de maximizar a arrecadação e minimizar as despesas. (...) essa distinção não é estranha à ordem jurídica brasileira. É dela que decorre, por exemplo, a conformação constitucional das esferas de atuação do Ministério Público e da Advocacia Pública. Ao primeiro cabe a defesa do interesse público primário; à segunda, a do interesse público secundário. Aliás, a separação clara dessas duas esferas foi uma importante inovação da Constituição Federal de 1988.”[13]/[14]

Feita uma breve explanação acerca do surgimento da Advocacia-Geral da União, cumpre analisar a atual segmentação da Advocacia Pública Federal - APF em quatro carreiras.

A existência atualmente de quatro carreiras na APF resulta de construção histórica que se caracterizou por unificações parciais e transformações de carreiras. Houve a transformação dos cargos de Assistente Jurídico da AGU em cargos de Advogado da União (Medida Provisória nº43, de 2002), e houve a criação da Carreira de Procurador Federal, que absorveu os cargos efetivos de Procurador Autárquico, Advogado e Assistente Jurídico de autarquias e fundações públicas federais (Medida Provisória n. 2.048-26 de 29 de junho de 2000).

Como dito, em Junho de 2000, por meio da Medida Provisória n. 2.048-26/2000, foi criada a carreira de Procurador Federal, e os cargos efetivos de Procurador Autárquico, Procurador, Advogado, Assistente Jurídico de autarquias e fundações públicas federais e Procurador e Advogado da Superintendência de Seguros Privados e da Comissão de Valores Mobiliários foram transformados em cargos de Procurador Federal.

Dois anos após, por força da Medida Provisória nº 43, de 2002, houve a transformação dos cargos de Assistente Jurídico da AGU em cargos de Advogado da União.

A Advocacia Pública Federal, que até então era integrada por dezenas de carreiras de procuradores jurídicos, passou a contar com somente quatro carreiras: Advogados da União, Procuradores da Fazenda Nacional, Procuradores Federais e Procuradores do Banco Central.

A unificação de carreiras da advocacia pública federal é tema que teve sua constitucionalidade submetida ao crivo do Supremo Tribunal Federal. A transformação dos cargos de Assistente Jurídico da AGU em cargos de Advogado da União foi analisada pelo STF, no ano de 2002, na ADIn 2.713-1, de relatoria da Min. Ellen Gracie. Trecho da ementa do acórdão transcreve-se a seguir:

"Rejeição, ademais, da alegação de violação ao princípio do concurso público (CF, arts. 37, II, e 131, parágrafo 2º). É que a análise do regime normativo das carreiras da AGU em exame apontam para uma racionalização, no âmbito da AGU, do desempenho de seu papel constitucional por meio de uma completa identidade substancial entre os cargos em exame, verificada a compatibilidade funcional e remuneratória, além da equivalência dos requisitos exigidos em concurso. Precedente: ADI nº1.591, Rel. Min. Octavio Gallotti".

E, a conveniência administrativa da unificação dos cargos da Advocacia Pública Federal foi objeto de manifestação do Advogado-Geral da União no ano de 2002, Dr. José Bonifácio Borges de Andrada, que assim se manifestou no EMI nº 00009/2002 – AGU/MF:

“(...)

4.As alterações, no tocante aos cargos e servidores da área jurídica, vêm ao encontro do esforço despendido pelo Poder Executivo no sentido de reunir e organizar em carreira única servidores públicos federais que desempenham atribuições semelhantes e, em muitos casos, iguais, como já ocorreu com as áreas de gestão, auditoria, controle, finanças, etc., de modo a racionalizar a sua atuação em prol da eficiência e da economia.

5.Nessa área já foi feita, com visível sucesso, a unificação da Carreira de Procurador Federal e, no que diz respeito às outras carreiras jurídicas da Advocacia-Geral da União, enquanto não se atinge o ideal da carreira única, o art. 11 da Medida Provisória no 43, de 2002, já representou passo significativo ao transformar e incluir na Carreira de Advogado da União cargos de Assistente Jurídico da AGU. Todavia algumas pendências ainda restaram.

6.Não é desconhecido o fato de que conviviam na Administração Federal diversas denominações para cargos com iguais ou semelhantes atribuições. Na área jurídica elas são variadas – Advogado da União, Assistente Jurídico, Advogado, Procurador, Procurador Autárquico, Especialista-Advogado, Técnico de Nível Superior-Advogado, Procurador da Procuradoria Especial da Marinha, "Apoio Industrial, Nível Superior, na Especialidade de Direito do Trabalho", "Advogado em Direito Marítimo Público", etc. Os cargos das autarquias e fundações federais foram reunidos sob a denominação de Procurador Federal e aqueles da Administração direta, apesar de algumas medidas já adotadas no mesmo sentido, ainda permanecem com diferentes denominações, fato que dificulta, em muito, sua identificação, administração, etc.

7.As transformações de cargos e os enquadramentos de servidores são formas adotadas não só no Poder Executivo mas também no Poder Judiciário e no Ministério Público Federal, conforme se vê nas Leis nos 9.421, de 24 de dezembro de 1996, e 9.953, de 4 de janeiro de 2000.

(...)” (Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Exm/2002/9-AGU-MF-02.htm.> Acesso em 07 Set. 2013).

Até este ponto do texto, foi feito uma indicação simplificada das atribuições da Instituição Advocacia Pública Federal; foram apresentadas as atuais quatro carreiras (Advogados da União, Procuradores da Fazenda Nacional, Procuradores Federais e Procuradores do Banco Central) que compõem a instituição; foi sucintamente relatado o processo histórico de unificações parciais e transformações de cargos que cumularam na existência das quatro carreiras atuais; foi relatada a manifestação do STF sobre a constitucionalidade de fusão/transformação de carreiras da APF; e foi relatada uma manifestação, datada de 2002, de dirigente máximo da própria Advocacia-Geral da União (EMI nº 00009/2002 – AGU/MF) no sentido de que é objetivo do Poder Executivo “reunir e organizar em carreira única servidores públicos federais que desempenham atribuições semelhantes”. Superadas estas preliminares, contudo necessárias etapas, o próximo passo é analisar os supostos óbices jurídicos e óbices fático-organizacionais que costumam ser levantados contra a fusão total das carreiras da Advocacia Pública Federal. É o que se faz a partir de agora.


Supostos óbices jurídicos

1) O texto Constitucional traz a expressão “carreiras” (art. 131, §2), então a unificação das carreiras da Advocacia Pública Federal teria que, necessariamente, ocorrer por Emenda Constitucional.

Costuma ser levantada a impossibilidade de unificação das carreiras da Advocacia Pública por meio de lei ordinária, ao argumento de que a redação conferida ao §2º do art. 131 da CF/88 contempla a expressão “carreiras”[15], no plural.

Ocorre que a expressão “carreiras” apenas denotou a organização da advocacia pública federal ao tempo da promulgação da Carta Política de 1988, de forma alguma impediu a organização dos membros da advocacia pública federal conforme melhor atendesse ao interesse público. Vale notar, ademais, que o texto constitucional não especificou nenhuma carreira, portanto o legislador constituinte originário não parece ter querido “engessar”, via quórum qualificado para emendas constitucionais, a existência de nenhuma específica carreira da advocacia pública.

Nem é preciso lançar mão da doutrina da mutação constitucional[16]para desconstruir este suposto óbice jurídico para a fusão das carreiras da AGU, pois se de efetivo impedimento jurídico se tratasse jamais poderia ter havido a transformação da carreira de Assistente Jurídico da AGU em Advogado da União, nem a criação da carreira de Procurador Federal. E neste ponto, avulta demonstrar que o entendimento assentado pelo STF no julgamento das ADIs 1.591-EI/RS e 2.713-ED/DF é pela constitucionalidade da unificação de carreiras pertencentes à mesma classe e com afinidade de atribuições, situação na qual se enquadram as carreiras dos advogados públicos federais[17].

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Acerca da interpretação de um texto jurídico, no geral, e da Constituição, no particular, importa relembrar que existem elementos de interpretação da sistematização tradicional, como o gramatical, o histórico, o sistemático e o teleológico; e também existem “princípios específicos de interpretação constitucional, como os da supremacia da Constituição, da presunção de constitucionalidade, da interpretação conforme a Constituição, da unidade, da razoabilidade e da efetividade”[18]. Vale ainda lembrar, conforme lições de Luís Roberto Barroso[19], alguns métodos da teoria constitucional alemã: (1) Método lógico-formal, por este método a interpretação constitucional, as questões constitucionais seriam solucionadas pela aplicação das normas gerais ao caso concreto, numa simples atividade de subsunção, a interpretação constitucional seria, então, “uma atividade puramente técnica de conhecimento do sentido do texto constitucional, a ser aplicado de modo mecânico, por via de raciocínio silogístico”; (2) Método tópico-problemático, este método prioriza alcançar uma solução razoável para o caso concreto, ainda que a solução não decorra diretamente do texto constitucional, o papel do intérprete seria o de construir a melhor solução para o problema, para tanto podendo se valer de argumentos baseados em fatos relevantes, na realidade social, nos valores e princípios gerais do Direito, não nega a importância do texto de lei, mas não o considera primordial; (3) Método Hermenêutico-concretizador, este método procura harmonizar os dois anteriores, vale dizer, pugna por encontrar a solução mais razoável para o problema, desde que orientada pelo texto constitucional, procura encontrar o equilíbrio entre a construção criativa do interprete, a realidade social e o Direito posto.

Importa atentar, também, que a interpretação literal é sabidamente a menos pródiga dos métodos de interpretação, devendo ser conjugada com outros métodos, como o lógico, o sistemático, o sociológico, o teleológico, o axiológico e, na seara da interpretação constitucional, com métodos como o hermenêutico-concretizador, que, como visto acima, busca conciliar o método lógico-formal com o método tópico-problemático.

Ainda, cumpre notar que as interpretações não podem ser feitas de forma a se conduzir a um resultado absurdo. E, no caso em tela, a se extremar a interpretação do §2º do art. 131 da CF/88 de forma a que tenhamos na advocacia pública, imperiosamente, mais de uma carreira, estaria atendido esta interpretação literal se fossem unificadas as três maiores carreiras da AGU (Procuradores Federais, Advogados da União e Procuradores da Fazenda Nacional) sob o epíteto de Procuradores da União, mantendo-se, paralelamente, a carreira de Procurador do Banco Central, assim teríamos duas “carreiras”. Entretanto, esta medida não se afigura razoável, como também não é razoável a interpretação de que a advocacia pública federal deve estar obrigatoriamente dividida em carreiras. Neste sentido, vale citar o escólio do advogado público federal Manuel de Medeiros Dantas: “Quanto ao fato de referir o texto constitucional à expressão “carreiras”, está apenas a indicar a possibilidade da existência de mais de uma, não tendo razão interpretação que tem o viés de vedar a existência de carreira única.”[20].

Por fim, há que se observar que a interpretação constitucional é uma particularização da interpretação jurídica geral, mas não podemos olvidar que uma interpretação constitucional moderna, mesmo sem perder de vista os lindes dos textos normativos, acomoda elementos políticos, morais e pragmáticos. Neste sentido:

“A moderna interpretação constitucional, sem desgarra-se das categorias do Direito e das possibilidades e limites dos textos normativos, ultrapassa a dimensão puramente positivista da filosofia jurídica, para assimilar argumentos da filosofia moral e da filosofia política. Ideias como interpretação evolutiva, leitura moral da Constituição e interpretação pragmática inserem-se nessa ordem de considerações.”[21]

2) Texto Constitucional (caput e §1º do art. 131) conter a expressão Advocacia-Geral da União e, portanto, o ente a ser representado seria somente a União, inviabilizado, assim, a representação das demais entidades de direito público (Autarquias e Fundações).

O argumento de restringir apenas à União, o ente público passível de ser juridicamente acompanhado pela Instituição Advocacia-Geral da União não resiste ao cotejo com o próprio caput do art. 131[22], que menciona in fine a expressão “Poder Executivo”, conceito mais amplo que o conceito de União, equivalente à expressão Administração Pública, que, em sentido subjetivo ou orgânico, “compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa”[23], e que, em sentido material ou funcional, “designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo”[24]/[25].

Importa também notar que o Art. 29 do Ato Das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal estabelece que, enquanto não aprovada a lei complementar relativa à Advocacia-Geral da União, as Procuradorias e Departamentos Jurídicos de autarquias federais com representação própria e os membros das Procuradorias das Universidades fundacionais públicas continuarão a exercer suas atividades na área das respectivas atribuições. Vale a transcrição integral do artigo:

Art. 29. Enquanto não aprovadas as leis complementares relativas ao Ministério Público e à Advocacia-Geral da União, o Ministério Público Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, as Procuradorias e Departamentos Jurídicos de autarquias federais com representação própria e os membros das Procuradorias das Universidades fundacionais públicas continuarão a exercer suas atividades na área das respectivas atribuições.

Acerca do supra citado dispositivo constitucional, o advogado público federal Carlos André Studart Pereira observa que:

“(...) o artigo 29 do ADCT se referiu, expressamente, a apenas duas leis complementares, uma para o Ministério Público, outra para Advocacia-Geral da União, que deveria abarcar as carreiras da Advocacia Pública existentes àquela época: a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as consultorias jurídicas dos ministérios, as procuradorias e departamentos jurídicos de autarquias federais com representação própria e os membros das procuradorias das universidades fundacionais públicas.”[26]

A partir do dispositivo constitucional em comento, se conclui peremptoriamente que não só a consultoria e assessoramento jurídico das Autarquias e Fundações Federais (Poder Executivo) estariam a cargo da Instituição Advocacia-Geral da União, mas também a representação judicial dos entes públicos componentes da administração indireta federal (autarquias e fundações de direito público).

Neste ponto, em reforço argumentativo, vale citar dois relevantes dados históricos: (1) No início dos anos 2000 a Medida Provisória nº 2.180-35/2001 atribuiu à Advocacia-Geral da União a representação judicial de diversas autarquias e fundações federais[27], posteriormente, houve a criação da Procuradoria-Geral Federal pela Lei 10.480/2002 (órgão componente da administração direta, com status legal de órgão vinculado à AGU) e, então, a representação judicial das autarquias e fundações federais passou a ser gradativamente assumida por este órgão; e (2) no julgamento do RE 627.709/DF, o ministro Ricardo Lewandowski entendeu que o critério de competência definido pelo artigo 109, § 2º da CF, em que pese a ausência de expressa referência às autarquias federais, deve lhes ser estendido, assim podendo tais entes públicos ser demandados nos mesmos foros em que a União é acionada[28].

Assim, uma interpretação sistemática e teleológica, enriquecida pelo método hermenêutico-concretizador dos dispositivos constitucionais que tratam da Advocacia Pública Federal (Artigos 131 e 29 do ADCT) conduz a atrelar a representação judicial, consultoria e assessoramentos jurídicos de atribuição da Advocacia-Geral da União a toda Fazenda Pública Federal, conceito este que abarca não somente o ente político União, mas também as entidades de direito publico da administração indireta (autarquias e fundações)[29].

Por fim, porém não menos importante, cumpre citar que no âmbito dos Estados-Membros é comum a representação das autarquias e fundações estaduais pelos procuradores dos Estados, esta observação é do jurista Leonardo José Carneiro da Cunha, que relata: “É frequente, contudo, que, no caso de autarquias ou fundações estaduais, seja atribuída sua representação aos procuradores do Estado, os quais, além de representar o Estado, detêm igualmente a representação das autarquias e/ou fundações estaduais.”[30]. Dentre as unidades da Federação cujas Procuradorias-Gerais representam, por meio da carreira de procuradores, não só o ente político como também suas autarquias e fundações estaduais podemos citar, entre outros: Rio Grande do Sul[31], São Paulo[32], Espírito Santo[33]e Distrito Federal[34].

3) Texto Constitucional mencionar a expressão “órgão vinculado” (caput do art. 131) e também fazer referência expressa ao órgão Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (§3º do art. 131).

Argumenta-se que a expressão “órgão vinculado” seria incompatível com a ideia de órgãos coincidentes, e argumenta-se que a expressa menção a um órgão – Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional impediria a unificação das carreiras por dispositivo infraconstitucional.

Ocorre que o conceito de órgão, quer ostente ele o status de órgão integrante ou de órgão vinculado, não pode ser confundido com o conceito de carreiras. Não existe óbice jurídico-constitucional a que órgãos diferentes, componentes de uma mesma instituição, sejam preenchidos com agentes públicos pertencentes a uma mesma carreira.

Sobre o tema, vale conferir a lição do advogado público federal Carlos André Studart Pereira:

“O fato de a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que existe desde o Império, ter sido mencionada pelo parágrafo 3º do artigo 131 da CRFB, a torna um órgão de existência obrigatória dentro da AGU, mas não uma carreira própria de procurador da Fazenda Nacional. Essa conclusão deriva de uma interpretação sistemática da Lei Maior, que também se refere aos juizados especiais e ao tribunal do Júri, que são órgãos do Poder Judiciário providos por cargos integrantes da mesma carreira de juiz federal ou juiz de Direito.”[35]

4) Impossibilidade de fusão dos cargos da Advocacia Pública Federal por Lei Ordinária ou por Medida Provisória, considerando que o Art. 131 da CF estabelece que Lei Complementar que disporá sobre organização e funcionamento da Advocacia-Geral da União.

Cabe notar que o tema segmentação ou fusão de carreiras da Advocacia Pública Federal não está abarcado no conceito de organização e funcionamento. O Supremo Tribunal Federal no Acórdão do Recurso Extraordinário n º 539.370/RJ decidiu que “organização e funcionamento” de um órgão não é a mesma coisa que relações funcionais e regime jurídico de servidores públicos[36]. Em outra ocasião, a Suprema Corte, instada a se manifestar acerca da transformação dos cargos de Assistente Jurídico da AGU em cargos de Advogado da União por meio da Medida Provisória nº43/2000, se posicionou na ADIn 2.713-1 pela constitucionalidade da transformação[37]. Releva notar, ainda, que a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União (Lei Complementar nº 73/93) já sofreu alteração de artigo por instrumento Medida Provisória: a MP nº 2180-35/2001 revogou o Art. 55 da mencionada LC nº 73/93. Por fim, vale também lembrar que a criação da carreira de Procurador Federal ocorreu pelo instrumento legal Medida Provisória (MP n. 2.048-26 de 29 de junho de 2000).

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Sobre o autor
Lênio Mercês Sampaio

Procurador Federal, Especialista em Direito Público, Especialista em Direito Processual Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAMPAIO, Lênio Mercês. Desmistificando a unificação das carreiras da advocacia pública federal . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4248, 17 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35361. Acesso em: 29 mar. 2024.

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