Milhares de franco-argelinos e franco-marroquinos foram recrutados nas colonias francesas na África para lutar contra o III Reich durante a II Guerra Mundial. A França tratou estes recrutas como soldados de segunda classe, obrigando-os a lutar no inverno europeu sem equipamentos, sem roupas e até sem botas. Esta questão delicada foi tratada no filme Dias de Glória.
Vários daqueles soldados franceses adeptos do islamismo se destacaram durante a reconquista do país. Mesmo assim, ao fim da II Guerra Mundial eles não receberam o mesmo tratamento que os soldados franceses católicos, brancos e de olhos claros. As pensões, aposentadorias, indenizações por falecimento e mutilação, prêmios etc… devidas aos mesmos e seus familiares não foram pagos pelo governo da França. Estes franco-marroquinos e franco-argelinos receberam autorização para residir na França, mas foram condenados a uma vida miserável num país empobrecido.
Durante o Pós Guerra a França supostamente superou seu passado colonialista e racista. Digo “supostamente”, porque aquele país não foi tão mesquinho com todos os soldados franceses. Apenas os cidadãos de segunda classe das colônias africanas, que por definição eram “inferiores racialmente” aos europeus segundo Arthur de Gobineau (teórico muito em voga durante o século XIX, período de ouro do colonialismo francês) tiveram seus direitos pisoteados pelo Elysee e pela Justiça francesa.
A segunda geração de franceses adeptos do ilamismo, os filhos destes soldados franco-argelinos e franco-marroquinos, são franceses por terem nascido na França. Apesar disto, eles não tiveram as mesmas oportunidades educacionais e profissionais que os demais franceses. Idem para a terceira geração, constituída por centenas de milhares de homens e mulheres jovens, com 23 anos ou mais, que moram em bairros pobres na periferia de Paris.
É fato: a maioria dos descendentes de franco-argelinos e franco-marroquinos não teve acesso à educação universitária e foi condenada à trabalhar em profissões indesejadas pelos franco-franceses. Desde 2008 milhares destes franceses "menos iguais" que tem formação universitária sofrem em razão do desemprego crônico. A crise financeira que começou nos EUA e rapidamente se propagou pela Europa fez com que as oportunidades de trabalho ficassem escassas na França. Quando disputam vagas com franco-franceses os franceses “menos iguais” são geralmente preteridos. Nos últimos anos, a França tem sido tão “não racista” quanto o Brasil.
Apesar da lenga-lenga oficial e oficiosa sobre os valores da revolução francesa (liberdade, igualdade e fraternidade), o racismo na França é um fato. É também um fardo. Um fardo que três gerações de franceses tem carregado. Alguns foram capazes de sublimar as frustrações impostas pelo cotidiano europeu, imaginando que a vida nas ex-colonias da França seria pior. Outros resolveram trocar uma civilização que não os deseja pelas guerras santas no Oriente Médio. Mas sempre existirão aqueles que ficarão em casa e praticarão atentados terroristas como o que ceifou dezenas de vidas esta semana.
A França precisa combater o terrorismo, dizem hoje os jornalistas em uníssono. Não seria melhor aquele país parar de se constituir num fardo racista para milhares de franceses? Não é possível derrotar o terrorismo sem atacar as raízes profundas de suas causas. Executar terroristas preservando as desigualdades socio-econômicas é algo inútil. Ao fazer isto a França só conseguirá uma coisa: renovar um regime político odioso aos olhos daqueles que tem sido deliberadamente excluídos dos benefícios da civilização francesa.