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Projetos de lei de reformas do Código Penal e da Lei de Execução Penal.

Uma análise crítica das reformas no instituto de penas do sistema de justiça criminal brasileiro

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01/11/2002 às 00:00
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Código Penal- Projeto de Lei nº 3.473, de 2.000. Mensagem nº 1.107/00 – do Poder Executivo.

Execução Penal- Projeto de Lei nº 5.075, de 2.001. Tendo sido apresentado à Presidência da República um segundo projeto que completa a alteração da LEP – Projeto de Lei nº 5.073, de 2.001, que "altera dispositrivos na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 que instituiu a Lei de Execução Penal e o Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Os referidos projetois de lei encontram-se na Câmara dos Deputados e têm como relator o deputado IBRAHIM ABI-ACKEL e com despacho apensado ao Projeto de Lei nº 37, de 1999, que "altera o art. 126 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, permitindo a remição pelo estudo" (Disponível na internet: http://www.mj.gov.br, 14.11.2.001).

As leis não devem ser sutis; são feitas para pessoas de medíocre entendimento; não são uma arte lógica, e sim o raciocínio simples de um pai de família. [3]

(MONTESQUIEU – 1746)


SUMÁRIO: CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS – 1. DO PROJETO DE REFORMA DO CÓDIGO PENAL (Parte Geral) – 1.1 Do Grupo de Trabalho Especial. 1.2 Exposição de Motivos (lato sensu). 1.3 Do anteprojeto não concluído – por NILO BATISTA. 1.4 Da palavra chave do anteprojeto: EFICÁCIA – DIREITO PENAL EFICAZ. 1.5 Pressupostos essenciais de eficácia do tratamento penal (item 39). 1.5.1 Alimentar no condenado a esperança da liberdade. 1.5.2 A aceitação da disciplina – 2. DA REFORMA FORA DO SISTEMA DE PENAS – 2.1 Artigo 12 Legislação Especial – Princípio da Especialidade (itens 10/11). 2.2 Art. 31 Do Concurso de Pessoas – Casos de Impunibilidade (item 12) – 3. DA REFORMA NO SISTEMA DE PENAS – 3.1 Constatações e intenções gerais (itens 14 a 21). 3.2 Das penas (item 22). 3.3 Da progressividade do regime da execução da pena de prisão e do ônus da prova (itens 23 a 25). 3.4 Do cumprimento da pena e do trabalho do preso (itens 26/27). 3.5 Das penas restritivas de direitos (itens 28 a 30). 3.6 Da pena de multa (itens 31 a 34). 3.7 Da individualização da pena (item 35). 3.8 Do cálculo da pena (itens 36/37). 3.9 Do concurso material e do crime continuado (item 38). 3.10 Do limite das penas e do livramento condicional (item 39). 3.11 Das espécies de medidas de segurança (itens 40 a 43). 3.12 Da suspensão da ação penal (itens 44/45). 3.13 Dos prazos da prescrição (itens 46/47) – 4. Considerações conclusivas – 5. Referências bibliográficas.


CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

O presente escrito em poucas páginas rabiscadas busca realizar uma análise crítica dos Projetos de Lei de Reformas do Código Penal e da Lei de Execução Penal. O enfoque estará concentrado nas reformas realizadas no sistema de penas de ambos os diplomas: penal e execução penal.

A intenção é de realizar algumas inserções nas discussões surgidas em torno dos aspectos mais polêmicos da reforma penal. Lembrando sempre que, tal inserção será realizada buscando cunhar uma provocação doutrinária acerca da reforma proposta, em outras palavras quer significar um convite a doutrina pátria para uma contribuição efetiva num momento tão importante para o Direito Penal brasileiro.

A primeira delas diz respeito a identificação dos integrantes do denominado Grupo de Trabalho Especial, que depois tornou-se a Comissão Especial elaboradora da reforma no sistema de penas dos diplomas referidos. Uma segunda, trata-se da polêmica envolvendo o ponto fundamental da reforma que é a expressão eficácia – direito penal eficaz, que tem suscitado manifestações críticas por parte da doutrina.

Não ficará de fora das poucas páginas escritas, a abordagem acerca da reforma realizada fora do sistema de penas, mais especificamente, no campo da legislação especial sobre o princípio da especialidade (art. 12 do CP). E, do concurso de pessoas envolvendo os casos de impunidade (art. 31 do CP). Assim como uma análise do substitutivo apresentado pelo Deputado Federal IBRAHIM ABI-ACKEL, que tem discordado de alguns pontos da reforma proposta pelo Projeto de Lei do Poder Executivo.

E, como últimas inserções, na reforma propriamente dita, realizada no sistema de penas, proposta através do Projeto de Lei nº 3.473/2000, analisaremos cada item da Exposição de Motivos do Ministro da Justiça, à luz dos trabalhos realizados pela Comissão Especial. Envolvendo institutos como: das penas; da progressividade do regime de pena; do cumprimento de pena e trabalho do preso; das penas restritivas de direitos; da pena de multa; da individualização da pena; do cálculo da pena; do concurso material e formal e do crime continuado; do limite constitucional da pena e do livramento condicional; das espécies de medidas de segurança; da suspensão da ação penal; e, dos prazos da prescrição.


1. DO PROJETO DE REFORMA NO CÓDIGO PENAL (Parte Geral)

1.1 Do Grupo de Trabalho Especial

Para a promoção da reforma do sistema de penas do Código Penal e da Lei de Execução Penal, o então Ministro da Justiça, Dr. JOSÉ CARLOS DIAS, através da Portaria de nº 531, de 29 de setembro de 1999, nomeou um GRUPO DE TRABALHO ESPECIAL, que ficou incumbido de realizar um diagnóstico do funcionamento do SISTEMA PENAL BRASILEIRO, com competência para oferecer sugestões visando a sua reorganização.

Foram convidados os mais eminentes professores e profissionais do mundo jurídico penal nacional. Compuseram, portanto, o GRUPO DE TRABALHO ESPECIAL, as seguintes personalidades: ALBERTO SILVA FRANCO, EDSON O’DWYER, IVETTE SENISE FERREIRA, JAIR LEONARDO LOPES, FERNANDO LUIZ XIMENES, LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, MIGUEL REALE JÚNIOR, este último designado Coordenador, NILO BATISTA, RENÉ ARIEL DOTTI e MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES, este previamente designado Secretário. Juntou-se, ainda, ao GRUPO na Secretaria, EDUARDO REALE FERRARI.

Dos trabalhos realizados pelo GRUPO DE TRABALHO ESPECIAL, bem como das audiências públicas efetivadas com a presença de diversos interlocutores e operadores do sistema penal, com reuniões programadas para diversos pontos das regiões do País, chegou-se a conclusão de uma necessária reforma, ao menos do SISTEMA DE PENAS DO CÓDIGO PENAL. A reforma necessária no SISTEMA DE PENAS, visa reordena-lo aos princípios constitucionais e garantir, simultaneamente, a segurança exigida pela cidadania e a dignidade humana de todos os personagens do processo criminal reclamada pela civilização e pelas leis [2].

O GRUPO DE TRABALHO ESPECIAL, entendeu que não apenas a reforma do sistema de penas seria necessária, mas outras também, que ficaram adiadas. Colocou-se como objeto de reforma a PARTE ESPECIAL DO CÓDIGO PENAL, a exemplo do que ocorreu na Reforma de 1984, com posterior reforma não apenas da PARTE ESPECIAL, que requer, urgentemente, um amplo processo de consolidação das leis penais com harmonização dos crimes ainda previstos na legislação complementar que se avoluma constantemente.

No entanto, a Reforma da PARTE ESPECIAL ficou adiada, assim como, a Reforma da TEORIA DO CRIME da própria PARTE GERAL, que vem suscitando discussões, mas que, o momento não se apresentava apropriado para tal. Tornou-se ponto de fundamental importância, diante dos trabalhos realizados pelo GRUPO DE TRABALHO ESPECIAL, uma Reforma da LEI DE EXECUÇÃO PENAL, visando harmonizar o texto da Lei nº 7.210/84, ao disposto, reformado, no novo sistema de penas apresentado na REFORMA.

Para o então Ministro JOSÉ GREGORI, tal "omissão não apenas tornaria inviável a edição isolada da Reforma da Parte Geral, mas potencialmente mais perigoso do que deixar as leis simplesmente como estão atualmente, uma vez que são documentos cuja tramitação deve ser inseparável. A precedência dada à reforma do sistema de penas na Parte Geral do Código, à semelhança do que se tem feito em outros países, antecipa a adoção de nova política criminal". [3]

Ao final dos trabalhos realizados, o então Ministro da Justiça, Dr. JOSÉ CARLOS DIAS, através da Portaria de nº 466, de 7 de junho de 2000, instituiu definitivamente a COMISSÃO ESPECIAL, com vistas a propor a elaboração de um ANTEPROJETO DE LEI que modificasse a LEI DE EXECUÇÃO PENAL, adaptando-a às alterações já sugeridas para a PARTE GERAL DO CÓDIGO PENAL. A composição da COMISSÃO ESPECIAL, assim ficou: MIGUEL REALE JÚNIOR, como presidente, ROGÉRIO LAURIA TUCCI, SÉRGIO MARCOS DE MORAES PITOMBO, MARIA TEREZA ROCHA ASSIS MOURA, e MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES. A Comissão sendo secretariada pelo EDUARDO REALE FERRARI. [4]

Posteriormente, sobreveio a Portaria de nº 848, de 22 de setembro de 2000, para designar a integração à COMISSÃO ESPECIAL, o Dr. MARDEN COSTA PINTO, consultor da União, como representante da Advocacia Geral da União.

1.2 Exposição de Motivos (lato sensu)

As exposições de motivos, seja do diploma penal, ou processual penal, representam a porta de entrada para o conhecimento dos princípios, preceitos e objetivos firmados nos respectivos estatutos, representam, fundamentalmente, uma introdução ao conhecimento do sistema de justiça criminal brasileiro. No entanto, no caso brasileiro não dar-se a importância de seu merecimento. Assim como acontece com o Preâmbulo da Constituição Federal, as Exposições de Motivos, não têm recebido o adequado tratamento de que merecem. Os professores de direito penal (curso de graduação) não estimulam no acadêmico a leitura reiterada da PORTA DE ENTRADA de tais diplomas.

Para FLORES DE QUIÑONES, citado por NILO BATISTA, as exposições de motivos têm não apenas "a função de fundamentar a norma, mas igualmente, o valor de esclarecer o sentido do preceito, quer em relação à norma na qual subjaz, quer em relação à plenitude do ordenamento jurídico". [5]

Estamos falando de uma parte integrante do diploma, não apenas de uma peça figurativa do mesmo, seu conteúdo produzirá efeito de imediato na realidade do sistema criminal. Todos aqueles ligados ao sistema penal – direta, ou indiretamente –, utilizar-se-ão do disposto. Trata-se de uma redação que trás em seu bojo os ditames do DIREITO PENAL BRASILEIRO. Para BATISTA, trata-se de um texto que, "na relação com a plenitude do ordenamento, pode informar-nos acerca do papel que tocará ao direito penal na ordem jurídica do projeto de reorganização econômica e política em curso". [6]

1.3 Do anteprojeto não concluído – por NILO BATISTA

Os trabalhos realizados tanto pelo GRUPO DE TRABALHO ESPECIAL, como pela COMISSÃO ESPECIAL, tiveram sua exteriorização através da EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS de nº 318/2000, encaminhada ao Presidente da República, pelo então Ministro da Justiça Dr. JOSÉ GREGORI.

A EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS foi submetida à consideração do chefe do Poder Executivo informando sobre o PROJETO DE LEI que alterava a PARTE GERAL do Decreto nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, mencionando sobre as inovações constantes do PROJETO DE REFORMA PENAL, sugerindo sua adoção e afirmando-se que transformada em lei constituiria em importante marco na reformulação do CÓDIGO PENAL, além de caminho seguro para a modernização da Justiça Criminal e dos Estabelecimentos Prisionais.

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No entanto, o meio acadêmico foi surpreendido com uma publicação do professor NILO BATISTA dirigida à senhora VIÉGAS, mencionando sobre o anteprojeto de reforma no sistema de penas não está concluído e requerendo a retirada de seu nome da EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS.

A carta de BATISTA menciona sobre o GRUPO DE TRABALHO ESPECIAL, é que aquele grupo de trabalho dissolveu-se com a demissão de JOSÉ CARLOS DIAS, e ver o meu nome – e de meus ilustres colegas – na exposição de motivos assusta porque, creia-me, na ocasião da dissolução do grupo não havia nenhum anteprojeto concluído. Havia, sim, um levantamento de dados, competentemente administrado pelo Prof. MIGUEL REALE JÚNIOR, e estava em andamento a elaboração de uma reforma no sistema de penas que, em algumas linhas, coincidia com o anteprojeto subscrito pelo Ministro JOSÉ GREGORI, mas em outras dele se afastava substancialmente. [7]

Porém, a surpresa causada pela carta do professor NILO BATISTA foi superada pelo silêncio de todos os integrantes do GRUPO DE TRABALHO ESPECIAL, assim como da COMISSÃO ESPECIAL. O que em nosso entendimento não deveria ter acontecido, pois, tal documento necessitava (ou necessita, ainda) de um pronunciamento público – em forma de resposta –, dirigido ao autor e ao meio acadêmico em geral.

Mais adiante, em diversos tópicos, voltaremos a mencionar pontos constantes da publicação do professor NILO BATISTA.

1.4 Da palavra chave do anteprojeto: EFICÁCIA – DIREITO PENAL EFICAZ [8]

A palavra EFICÁCIA trazida pela exposição de motivos, tornou-se o cerne do texto exteriorizador dos trabalhos realizados. É à luz da mencionada EFICÁCIA que reside (em boa parte), a indignação de BATISTA, com tal documento. A questão reside na interpretação do termo EFICÁCIA – DIREITO PENAL EFICAZ, que permeia diversos pontos da EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS do Ministro JOSÉ GREGORI, procurando-se saber qual o verdadeiro significado da expressão na CIÊNCIA PENAL.

Para DE PLÁCIDO E SILVA, o entendimento sobre a EFICÁCIA DA LEI é: "assim se diz da vigência da lei, após sua promulgação, seja em relação ao tempo de sua obrigatoriedade, seja em relação ao território em que passa a vigorar e tem aplicação. Nestas circunstâncias, diz-se eficácia da lei no tempo, para indicar o período ou o momento, em que passa a ser aplicada obrigatoriamente para todos os atos ou fatos por ela regulados, e eficácia da lei no espaço para significar o local ou limites territoriais em que pode exercer a sua influência. Da eficácia no tempo e no espaço, surge a questão dos conflitos de leis, seja também no tempo (a lei nova em conflito com a lei velha), ou seja, no espaço (a lei de uma região em conflito com a lei de outra região)". [9]

O que depreendemos da leitura da carta do professor NILO BATISTA é que o mesmo interpretou o termo EFICÁCIA da EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS como um maior poder punitivo do direito penal.

Fala sobre a decepção do leitor da exposição de motivos quando percebe que a palavra chave do texto é eficácia, referindo-se a um esquecimento daquela lição clássica para tal exigência do sistema penal. Vai dizer BATISTA, que a palavra eficácia "domina toda a exposição de motivos (resposta penal eficaz, item 12; meio eficaz, item 13; dar eficácia à justiça criminal, item 14; eficácia na tarefa punitiva, item 21; até o plano Real comparece, na lembrança de que já não é mais a inflação ou a desvalorização da moeda que tornou ineficaz no Brasil a força retributiva da multa, item 31). Mais do que isso, há duas menções, à busca e a tônica de um direito penal eficaz, itens 17 e 47), que soam como teor programático, como superação de paradigma e invenção de horizonte teórico". [10]

Uma outra questão envolvendo a EFICÁCIA reside nos campos da PREVENÇÃO e RETRIBUIÇÃO, em saber-se a qual das finalidades da pena está direcionada a EFICÁCIA trazida pela EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS. Mesmo porque é em torno da pena (principalmente a pena privativa de liberdade), que encontram-se as mais agudas questões do direito penal.

ANÍBAL BRUNO ao falar sobre PENAS menciona o termo eficácia no campo da prevenção geral, quando diz que "hoje se atribui a maior eficácia entre os meios de prevenção dos crimes a essa propagação da idéia do Direito realizada pela definição dos fatos puníveis com o reforço com a ameaça da pena contribui para a segurança dos valores ali protegidos. A cominação da pena imposta à violação do preceito implícito na norma para a proteção do bem jurídico exprime o máximo de reprovação da ordem de Direito e impõe necessariamente no espírito público o respeito pelo bem tutelado". [11]

Também falando sobre a questão da EFICÁCIA, procurando identifica-la seja no campo da prevenção, ou da retribuição, CARNELUTTI, na obra El problema de la pena, referindo-se a eficácia preventiva da pena, vai fazer a seguinte distinção: "Lo que hasta ahora se há dicho no exclue, em absoluto, que, aparte de la función represiva, consistente em restaurar el orden violado, la pena, además, la de impedir sus ulteriores violaciones; pero son dos fuciones distintas e diversas y la diversidad se resuelve em uma preeminencia de la primera em comparación com la cual la segunda es uma función acessória". [12]

O magistério de BECCARIA é no sentido da retribuição, seus escritos são claros não comportando uma interpretação outra que não a de identificar em suas palavras a opção pelo retribucionismo penal. Dissertando sobre finalidades da pena faz registrar o pensador milanês que "Da simples consideração das verdades, até aqui expostas, fica evidente que o fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer o delito já cometido. É concebível que um corpo político que, bem longe de agir por paixões, é o tranqüilo moderador das paixões particulares, possa albergar essa inútil crueldade, instrumento do furor e do fanatismo, ou dos fracos tiranos? Poderiam talvez os gritos de um infeliz trazer de volta, do tempo, que não retorna, as ações já consumadas? O fim, pois, é apenas o de impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover ou outros de agir desse modo. É, pois, necessário selecionar quais penas e quais os modos de aplica-las de tal modo que, conservadas as proporções, causem impressão mais eficaz e mais duradoura no espírito dos homens, e a menos tormentosa no corpo do réu" [13].

O que temos ouvido do professor MIGUEL REALE JÚNIOR [14] é que procura-se fazer um barulho desproporcional com o termo eficácia. Para ele tal termo não está direcionado nem a prevenção, nem a retribuição, como finalidades da pena. A interpretação a ser dada a expressão seja eficácia, ou direito penal eficaz, tem que ser entendida como força jurídica e efeitos atribuídos ao ato ou fato jurídico. Trata-se de demonstrar que o direito penal aplicado no Brasil, desde a edição do Código de 1940, fracassou. Não quer significar o entendimento – maior poder punitivo do direito penal –, expressado pelo professor NILO BATISTA.

Em recente encontro jurídico organizado pela AASP – Associação dos Advogados de São Paulo, o professor PITOMBO, falando sobre a Reforma da Lei de Execução Penal, enfocando o instituto da eficácia, discorreu da seguinte maneira: "temos duas espécies de eficácia, uma social e outra jurídica. A primeira, diz respeito a rejeição, a recusa, ou ao esquecimento pela sociedade civil. A segunda, encontra-se no campo da execução (como é o caso de alguns dispositivos da LEP), que sofre recusa por parte do órgão estatal competente para promover sua efetivação. [15]

1.5 Pressupostos essenciais de eficácia do tratamento penal (item 39)

A EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS, ao tratar sobra a pena privativa de liberdade (que passa a não mais existir no direito pátrio, a não ser como pena de prisão), menciona o preceito constitucional constante do artigo 5º, XLVII, "b", da Carta de 1988, determinando vedação ao instituto da pena perpétua. Fazendo a referência de que as penas devem ser limitadas – criando de imediato os pressupostos essenciais de eficácia do tratamento penal – para alimentar no condenado a esperança da liberdade e a aceitação da disciplina.

1.5.1 Alimentar no condenado a esperança da liberdade

O primeiro pressuposto de eficácia do tratamento penal, é identificado no item 39 da EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS, com a manutenção do limite das penas previsto no artigo 75, do Código Penal. A idéia da COMISSÃO ESPECIAL foi a de que tal limite representa mecanismo desestimulador do crime, uma vez alcançado o limite estabelecido no dispositivo penal e na Constituição Federal.

Sobre o primeiro pressuposto de eficácia do tratamento penal, voltaremos a discorrer no item 4.3, ao falarmos sobre a progressividade do regime de execução da pena e do ônus da prova.

1.5.2 A aceitação da disciplina

Quanto ao segundo pressuposto, ao se referir a aceitação da disciplina pelo preso, é de entender-se (por parte do preso) uma obediência as regras estabelecidas pelo estatuto da unidade prisional. O cumprimento, por parte do recluso, das normas internas da instituição, no sentido de não vim a praticar falta, seja ela: leve, média, ou grave. (art. 50, LEP) [16]. Essa questão da obediência do preso às regras do presidiu, está, fundamentalmente, ligada a função desempenhada pelo guarda de presídio. O trabalho desempenhado por este, vai resultar numa efetiva, ou ausência de obediência ao disposto no estatuto do estabelecimento prisional.

Num pensamento crítico sobre o tema MICHEL FOUCAULT falando sobre os recursos para o bom adestramento, oferece a seguinte lição: " o poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior ‘adestrar’; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura liga-las para multiplica-las e utiliza-las num todo. Em vez de dobrar uniformemente e por massa tudo o que lhe está submetido, separa, analisa, diferencia, leva seus processos de decomposição até às singularidades necessárias e suficientes. ‘Adestrar’ as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos e forças para uma multiplicidade de elementos individuais – pequenas células separadas, autonomias orgânicas, identidades e continuidades genéticas, segmentos combinatórios. A disciplina ‘fabrica’ indivíduos, ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao poder triunfante que, a partir de seu próprio excesso, pode-se fiar em seu superpoderio; é um poder modesto, desconfiado, que funciona a modo de uma economia calculada, mas permanente. Humildes modalidades, procedimentos menores, se os compararmos aos rituais majestosos da soberania ou aos grandes formas maiores, modificar-lhes os mecanismos e impor-lhes seus processos. O aparelho judiciário não escapará a essa invasão, mal secreta. O sucesso do poder disciplinar se deve sem dúvida ao uso de instrumentos simples: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é específico, o exame". [17]

O que tem que ser entendimento pelo legislador é que a norma penal constante do diploma material, ou processual, tem pouca, ou quase nenhuma eficácia no interior do presídio. Quem realmente mantém a situação sob controle na unidade prisional é o diretor e o guarda de presídio. São estes que estão diante da realidade do recluso. Realidade esta, que resume-se a um planejamento de vida zero. Pois, todo cidadão, mesmo aquele excluído da sociedade civil, tem um planejamento de vida. No entanto qual é o planejamento de vida do preso? Ora, a resposta é simples, é fugir. Fundamentalmente em função do que acontece no interior do cárcere. O único planejamento de vida que o preso consegue elaborar é a sua fuga do estabelecimento. Fugir é a sua única alternativa. Já que, mais que comprovado, o cárcere não realiza sua função única, que é: ressocializar [18].

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Sobre o autor
Luciano Nascimento Silva

professor universitário, mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), doutorando em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra (Portugal), bolsista de Graduação e Mestrado da FAPESP e de Doutorado da CAPES, pesquisador em Criminologia e Direito Criminal no Max Planck Institut für ausländisches und internationales Strafrecht – Freiburg in Breisgau (Alemanha)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luciano Nascimento. Projetos de lei de reformas do Código Penal e da Lei de Execução Penal.: Uma análise crítica das reformas no instituto de penas do sistema de justiça criminal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3558. Acesso em: 22 dez. 2024.

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