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Projetos de lei de reformas do Código Penal e da Lei de Execução Penal.

Uma análise crítica das reformas no instituto de penas do sistema de justiça criminal brasileiro

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01/11/2002 às 00:00
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2. DA REFORMA FORA DO SISTEMA DE PENAS

2.1 Artigo 12 Legislação Especial – Princípio da Especialidade (itens 10/11)

Diante da constatação do hediondo direito penal legislado na última década do século XX, no Brasil, a COMISSÃO ESPECIAL entendeu, por bem, fazer uma modificação na redação do artigo 12 do Código Penal. A intenção era de coibir o processo de inflação legislativa em matéria penal. Procurando, dessa maneira, compatibilizar o disposto no art. 12, com a norma-princípio do art. 5º do projeto [19], alinhando-se as determinações da Lei Complementar nº 95/96 e do Decreto 2.954/99 que, ao dispor sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, prevêem que os projetos de lei que contenham normas penais deverão:

Art. 9º - (...).

I – compatibilizar as penas previstas com outras figuras penais existentes no ordenamento jurídico, de modo a evitar a desproporção entre os bens jurídicos protegidos e as penas aplicadas para delitos diversos ou semelhantes.

No entanto, como notícia boa – neste País – dura pouco, e, quando dura um pouco mais não passa de balão de ensaio, a intenção foi desfeita com o SUBSTITUTIVO do Deputado Federal IBRAHIM ABI-ACKEL.

A COMISSÃO ESPECIAL admitiu, ou melhor, voltou atrás na mudança do art. 12, do Código Penal, "os próprio e eminentes autores do projeto estão acordes com a convivência de se manter o art. 12 do Código Penal nos termos em que se encontra em vigência. É que a leitura do art. 12, inicialmente proposto pelo Governo, não se dissocia do disposto no art. 5º do projeto, que veda a abolição, em lei extravagante, das regras gerais de aplicação da lei penal relativas aos elementos do crime, às formas de participação punível e ao sistema progressivo da pena de prisão e da medida de segurança de internamento". [20]

2.2 Art. 31 Do Concurso de Pessoas – Casos de Impunibilidade (item 12)

Quanto ao disposto no art. 31 do Código Penal, que versa sobre o concurso de pessoas, a COMISSÃO ESPECIAL efetuou uma mudança – a muito tempo reivindicada por alguns integrantes da comunidade acadêmica –, necessária com intenção de realizar uma adequação no campo da retribuição penal a aqueles que procurarem se utilizar de pessoas para a prática de delitos. A nova redação do dispositivo transforma a regra da mera circunstância agravante (art. 62) do Código Penal em causa de aumento de pena de 1/6 a 2/3. A visão de proporcionar uma resposta penal eficaz a criminalidade que utiliza-se de semi-imputáveis e inimputáveis para a realização de condutas delituosas.

O substitutivo do Deputado ABI-ACKEL, acolheu a nova redação do art. 31 do Código Penal, que ficou assim:

Causa de aumento de pena

Art. 31. A pena será aumentada de um sexto a dois terços em relação ao agente que:

I – promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes;

II – coage ou induz outrem à execução material do crime;

III – instiga, induz, determina, coage ou utiliza para cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade, ou não punível em virtude de condição ou qualidade pessoal;

IV – executa o crime ou nele participa mediante paga ou promessa de recompensa.


3. DA REFORMA NO SISTEMA DE PENAS

3.1 Constatações e intenções gerais (itens 14 a 21).

A EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS trás dos itens 14 a 21, todas as constatações e intenções da COMISSÃO ESPECIAL, que resultaram na mais profunda mudança na Parte Geral do Código Penal, desde a Reforma de 1984, mais especificamente, no sistema de penas. Procurou-se reordenar o sistema de penas de maneira que possibilite-se – num futuro próximo – a reorganização da Parte Especial do Código Penal e do Código de Processo Penal, diplomas que há tempos sofrem críticas profundas e veementes. A COMISSÃO ESPECIAL utilizou-se da expressão dar eficácia a justiça criminal.

Ensejando, assim, uma reforma menos drástica na legislação extravagante mais recente, como a Lei de Execução Penal (tempo de permanência em cada fase do regime progressivo, punição por faltas disciplinares, atividades das comissões técnicas de avaliação, remição, trabalho do preso, etc). [21]

Constatou a COMISSÃO ESPECIAL que a Lei nº 9.714/98, com a sua previsão em determinar a substituição da pena privativa de liberdade – de zero a quatro anos –, por restritivas de direitos, simplesmente, veio decretar o falecimento do instituto do sursis (art 77, do CP). Entendeu, também, que ficou sem sentido a decretação do regime aberto para início de cumprimento da pena.

As penas substitutivas, de uma vez por todas, recebem um tratamento especial na sua aplicação. A pena restritiva de direito de prestação de serviços à comunidade apresenta-se como a principal penal substitutiva. A COMISSÃO ESPECIAL, demonstra acreditar numa implementação e reformulação geral no campo penal e processual, sobre tudo, com a criação, tanto no âmbito da Justiça Federal, como das Justiças Estaduais de Varas privativas de Execução de Penas Restritivas de Direitos, de maneira a dar-se sua efetivação, como acontece em Fortaleza, Curitiba e Porto Alegre.

Constatou-se um sentimento de impunidade, face a ausência de aplicação das penas restritivas de direitos, assim como a escolha feita pela aplicação cômoda do instituto do sursis. É posição da COMISSÃO ESPECIAL que, "a impunidade resulta, também, da inexistência de casas de albergado, tornando o regime aberto uma falácia, pois a ser cumprido em prisão domiciliar" [22] (sobre a prisão albergue teceremos maiores comentários ao analisarmos o item 3.3 – Da progressividade do regime de execução da pena e do ônus da prova). A falência do regime aberto é de obrigatória constatação.

Adotou-se pontos de política criminal elaborados pelo Instituto da Ásia e do Extremo Oriente para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente, conhecidos como Regras de Tóquio [23], e adotados no 8º Congresso da ONU através da Resolução 45/110, da Assembléia Geral.

A posição adotada pela COMISSÃO ESPECIAL, quanto as Regras de Tóquio é criticada por BATISTA, que utilizando-se dos ensinamentos de JURGEN BAUMANN, vai dizer que "a privatização de funções executório-penais, que a exposição de motivos colheu das Regras de Tóquio (item 20) responde a uma recriação do político no espaço criminal (...) ela não está presente só nas penas não privativas de liberdade (prestação de serviços à comunidade, limitação de fim de semana), mas também nas medidas de segurança que agora poderão ser cumpridas em estabelecimentos privados (art. 96, §1º do anteprojeto), com a novidade da desinternação progressiva não só denunciando a identidade ontológica entre pena e medida de segurança, mas também fortalecendo o perigosíssimo discurso criminológico clínico. Se atentarmos para a persistência dos projetos de privatização dos presídios – e aos números ascensionais norte-americanos de sua participação estatística na totalidade dos encarcerados – chegaremos (...) a uma suspeita grave: a pena pública está sendo desconstruida" [24]

No entanto o entendimento da COMISSÃO ESPECIAL é o de que tais regras representam expectativas de um sistema punitivo compatibilizado e de evolução internacional. Entendeu-se que a direção mostrada pelas Regras de Tóquio não poderiam ser desprezadas numa Reforma Penal de um País que pretende a efetivação do Estado Democrático de Direito.

3.2 Das penas (item 22)

As modificações implementadas no campo das penas são de cunho terminológico, pautou-se por uma nova disciplina jurídica do sistema. Assim, as penas são: prisão (e não mais privativas de liberdade), restrição de direitos, multa e perda de bens. Com a mudança ocorrida (pena de prisão, e não mais privativa de liberdade), acabou-se com a distinção existente no direito brasileiro entre reclusão e detenção, que na verdade tinha sua importância apenas campo processual, já que eram aplicadas de forma indistinta cada qual no seu modo de execução.

3.3 Da progressividade do regime da execução da pena de prisão e do ônus da prova (itens 23 a 25)

Neste item é que reside as maiores críticas direcionadas aos trabalhos da COMISSÃO ESPECIAL já que a ênfase dada a natureza da progressividade do regime de execução da pena de prisão, quando da sua nova elaboração chegou-se a conclusão de que o tempo de permanência no cárcere tem-se apresentado insuficiente.

Tal constatação levou-se a adoção de uma obrigatoriedade de permanência mínima de 1/3 no regime anterior, o que fez da execução da pena de prisão um sistema mais severo de cumprimento no isolamento celular. A mudança de 1/6 para 1/3, tem provocado repúdio ao trabalho realizado. A argumentação da COMISSÃO ESPECIAL, é no sentido de que "a regra da progressividade do regime de pena de prisão é, não obstante a exigência de maior lapso temporal, humanizada pela inversão do ônus da prova, uma vez que doravante as limitações à progressão são de responsabilidade do Ministério Público, que deverá incumbir-se da demonstração de causas legais impeditivas do benefício" [25]

Um outro argumento lançado pela COMISSÃO ESPECIAL é de que procurou-se compensar o aumento de permanência no regime anterior pela extinção do exame criminológico obrigatório para a progressão de um subseqüente menos severo. Para BATISTA, "é difícil compreender de que forma um anteprojeto de lei que dobra o tempo de permanência dos condenados no cárcere, que entrega ao arbítrio judicial a efetividade do regime semi-aberto e mesmo da pena de restrição de direitos substitutiva da prisão, que desdenha das possibilidades da prisão domiciliar, pretende alimentar a esperança da liberdade" [26]

É de lembrar-se da lição do saudoso professor MANOEL PEDRO PIMENTAL, discorrendo criticamente sobre a pena de prisão, quando diz que, "a prisão, portanto, é alguma coisa bem diferente daquilo que se convencionou conceituar teoricamente. Deveria ser o lugar destinado à execução das penas privativas de liberdade, com rigor penitenciário, sempre objetivando alcançar o duplo fim que é atribuído à pena de encarceramento: punir e educar para a liberdade. A verdade é que o sonho, que via na prisão o instrumento ideal para cumprir esse duplo fim, acabou" [27]

A par do aumento de permanência do condenado no regime fechado, a COMISSÃO ESPECIAL criou uma espécie de sub-regimes de cumprimento de pena em meio semi-aberto, facultando ao condenado a realização do trabalho e freqüência em cursos, externos. Lembrando que tais atividades no campo externo não são permitidas no regime fechado.

Uma outra questão de cunho constitucional foi levantada, recentemente, por CHIES dissertando que "em podendo ser considerado, e por nós em sendo, mais rigoroso quanto à perspectiva do status libertatis do indivíduo o sistema de execução penal em proposta, como ficará sua aplicação no tempo? Vez que será conteúdo de normas penais sujeitas aos modernos princípios de Direito Penal, enquanto sistema, e portanto em especial ao princípio da irretroatividade da lei penal menos benéfica, que em nosso Estado de Direito, mesmo fragilizado, possui inclusive o status constitucional de direito e garantia fundamental através do inciso XL do artigo 5º da Carta de 1988". [28]

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Tivemos, também, a abolição do regime aberto do sistema de execução de penas de prisão. A COMISSÃO ESPECIAL fez referência de que tal regime previsto com o idealismo da Reforma de 1984, foi abandonado pelos Poderes Executivo e Judiciário. "A ausência de construção das casas de albergado ou estabelecimentos adequados a esse fim, tornou o regime aberto em prisão albergue domiciliar uma regra perigosa que contemplou a marca da impunidade e substituiu a premissa do senso de responsabilidade que se pretendia introduzir por um generalizado sentimento de falta de controle e ausência de qualquer fiscalização pelo Estado". [29]

Com a abolição da prisão-albergue – instituição de criação não normativa, pela magistratura do Estado de São Paulo, no início dos anos sessenta, e que demonstrou resultados surpreendentes –, notamos que a sociedade civil e os operadores do direito em geral, ainda, não conseguiram um instrumento eficiente capaz de forçar o Estado a cumprir com os seus deveres. É realmente decepcionante, assistir a morte de um instituto que teve em ALÍPIO SILVEIRA, MANOEL PEDRO PIMENTEL e SÉRGIO DE OLIVEIRA MÉDICI, defensores do mais alto gabarito.

A lição – em parte –, é retirada dos ensinamentos do professor MIGUEL REALE JÚNIOR, que em seus escritos lembra "já na época, escrevendo sobre o tema, ALÍPIO SILVEIRA, destacava as vantagens da prisão-albergue, em face do recolhimento a estabelecimentos penais abertos, tais como os IPAS – Institutos Penais Abertos; 1) o sentenciado recebe ordenado normal; 2) não se desprofissionaliza; 3) permite maior contato com a família; 4) exige determinação do sentenciado, com ida diária à prisão; 5) é de menor custo. A prisão-albergue passou posteriormente a ser adotada em outros Estados do Sul do País, como revela ALÍPIO SILVEIRA. Uma das conclusões do I Congresso do Ministério Público, em 1971, afirmava que o regime de prisão-albergue deveria ser estendido de imediato a todo o Brasil. (...) No mesmo ano, a Secretaria da Justiça de São Paulo iniciava campanha, convocando ‘todas as forças da comunidade’ para a construção e manutenção das Casas de Albergado. Sob a condução do saudoso MANOEL PEDRO PIMENTEL, cerca de cem Casas foram instaladas em São Paulo e, como lembra SÉRGIO MÉDICI, a prisão-albergue, neste Estado, foi aplicada com sucesso, sendo percebidos intensamente os benefícios que trouxe para todos". [30]

Diante de tal realidade a COMISSÃO ESPECIAL adotou a técnica de trazer o regime do livramento condicional [31] como terceira e última etapa do cumprimento da pena de prisão. Fazendo a ressalva de que o livramento condicional só poderá ser concedido como última etapa do regime progressivo, sendo vedada sua utilização no início de execução da pena de prisão. Ao contrário da previsão vigente.

3.4 Do cumprimento da pena e do trabalho do preso (itens 26/27)

Continua mantida a regra do cumprimento de pena superior a oito anos, a ser iniciado em regime fechado. A abertura para um cumprimento de pena menos severo é designada para os apenados com condenação inferior ao patamar referido. Portanto, o condenado a pena entre quatro e oito anos poderá iniciar o seu cumprimento em regime semi-aberto. Restando ao condenado a pena inferior a quatro anos, a possibilidade de ter sua pena substituída por restrição de direitos.

Decreta-se a extinção do regime aberto de cumprimento de pena, e do livramento condicional, que passa, agora, a existir como última etapa do sistema progressivo para os provém de outros regimes.

No item 27 da EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS, encontra-se a previsão do princípio de amparo do trabalho do preso pela Presidência Social, e reafirmando-se o caráter obrigatório [32] em todos os regimes, prestando-se atenção as aptidões ou ofício do preso. A Reforma prevê as novas modalidades de ensino, previstas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação. [33]

O que parece-nos estranho, é que algumas atividades praticadas e reconhecidas como forma de ressocialização do preso não são levadas em consideração pelas comissões formadas para reformas dos diplomas de ordem penal. Atividades artísticas, culturais e esportivas, não têm recebido o reconhecimento, do qual são merecedoras, por parte dos grupos estudiosos e reformadores. O ILANUD, em São Paulo, tem desenvolvido atividades teatrais com grupos de presos, inclusive, com apresentações no exterior, como foi o caso do ano de 2.001, no Canadá.

3.5 Das penas restritivas de direitos (itens 28 a 30)

Diante da panacéia que tornou-se o instituto das penas restritivas de direitos, com a edição da Lei nº 9.714/98, a COMISSÃO ESPECIAL optou por retornar à formulação geral da Reforma de 1984. Colocando como penas restritivas de direito: prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fins de semana. Chegou-se a conclusão de abolir a prestação pecuniária, com a conseqüente elevação da pena de perdas de bens e valores, a categoria de pena autônoma.

Para a COMISSÃO ESPECIAL "a prestação pecuniária com a sua nefasta introdução pela Lei nº 9.714/98, produziu os efeitos mais perniciosos na desarticulação do sistema de penas levando ao sentimento de impunidade (...) a pena criminal perdeu completamente o seu significado com tal medida que introduziu a obrigação de dar em lugar da obrigação de fazer, característica das restrições de direitos, fazendo com que a imediatidade da liquidação da pena despertasse o sentimento de ausência de qualquer punição ou de extrema vantagem na prática de certos delitos, inclusive de caráter financeiro" [34]

O substitutivo do Deputado ABI-ACKEL não contempla o estipulado no anteprojeto, reformulando, portanto, a questão das penas restritivas de direitos, com a re-introdução da prestação pecuniária. Palavras do deputado "rendendo, embora, aos ilustres membros da Comissão elaboradora do Projeto nossas mais sinceras homenagens de respeito, por sua alta e indiscutível competência, não nos é possível concordar com o libelo elaborado contra a pena de prestação pecuniária. Ao contrário do que afirma a Exposição de Motivos, essa modalidade revelou-se aos que diariamente militam nos ambientes forenses a que mais se aproxima dos anseios de efetividade do sistema penal hoje buscados" [35].

Procurou-se simplificar ao máximo a aplicação das penas restritivas de direitos, como hipóteses de cabimento diante da pena de prisão inferior a quatro anos, ou mesmo qualquer que seja a pena aplicada, em caso de crime culposo e a culpabilidade e demais circunstâncias judiciais previstas no art. 59, indicarem a necessária substituição. Buscando dotar de força coativa o cumprimento da pena restritiva de direitos, a COMISSÃO ESPECIAL, colocou como premissa a conversão da pena de restrição de direitos em privativa de liberdade, com a disposição de que a conversão dar-se-á no regime semi-aberto e pelo tempo da pena aplicada [36]. Prevendo, ainda, a conversão de outra parte, no caso de ocorrer condenação por outro crime à pena de prisão.

3.6 Da pena de multa (itens 31 a 34)

Buscou-se por uma revalorização da pena de multa. Constatando-se que não é mais a inflação ou a desvalorização da moeda que tornou ineficaz no Brasil a força retributiva da multa. Optando-se não apenas por um aumento de dias-multa, de 90 para 720 como valor de cada dia-multa (um décimo a dez vezes o valor do salário mínimo), com a possibilidade de elevação até o quíntuplo se "o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada ao máximo". [37]

Ficando vedada a conversão da multa não paga em pena de prisão. A Reforma prevê duas hipóteses para conversão da pena de multa: a) ao condenado que deixa de pagar ou frustra sua execução, sofre uma conversão pela perda de bens, no montante correspondente ao valor da multa aplicada, com reversão em favor do Fundo Penitenciário Nacional. Ficando ao arbítrio judicial, como medida preparatória, a decretação da indisponibilidade dos bens do condenado, enquanto perdurar o processo de execução; b) dirigida ao condenado insolvente, acarreta na conversão da pena de multa em pena de prestação de serviços à comunidade, pelo número correspondente de dias-multa, podendo o juiz reduzi-la em 1/3.

Determina-se a abolição da substituição de pena de prisão em multa, tal medida aparece em forma de caráter cumulativo, não em substituição. E, as penas de prisão de curta duração poderão ser apenas substituídas por penas de restrição de direitos. [38]

3.7 Da individualização da pena (item 35)

Procurou-se ampliar o leque de possibilidades da individualização da pena, com mudanças e acréscimos de circunstâncias judiciais à luz do artigo 59 do Código Penal, alargando-se suas diretrizes. No entanto, continuam sendo três as ordens gerais de fatores sobre as quais residem a individualização da pena, que são as relativas: ao agente, ao fato e a vítima. Sendo que não ocorreu mudança em relação as duas últimas, apenas em relação ao agente, que ao lado da culpabilidade e dos antecedentes, "determina o projeto que se refira o juiz à reincidência e condições pessoais do acusado, bem como as oportunidades sociais a ele oferecidas". [39]

É de ressaltar-se ponto de fundamental importância, no sentido de que a reincidência deixa de figurar como circunstância agravante obrigatória e passa a ser considerada durante o processo de individualização da pena. "Na seara dos critério relativos ao autor, cedem lugar a personalidade, de improvável e discriminatória aferição e a conduta social, pelas condições pessoais e oportunidades sociais a ele oferecidas". [40]

Com tal disposição coloca-se o homem como centro de valorização do Direito Penal. Ratificando, por um lado, a teoria constitucional penal de LOPES [41], no sentido de um direito penal como ciência antropocentrista. Por outro, o magistério de ANDREUCCI, baseado na lição de JURGEN BAUMANN, "admite o autor que o Direito Penal não pode prescindir de uma imagem de homem, necessária tanto para o conceito de crime quanto para a compreensão dos fins das penas. Mas, exatamente esta imagem do ser humano é que vem condensando o foco das grandes dissenções. Ela obstrui as soluções imediatas, reclamadas por todos, porque não é redutível a uma fórmula precisa, múltiplas que são as maneiras de pensai-la" [42]

A COMISSÃO ESPECIAL, com os trabalhos realizados neste ponto, coloca um ponto final na figura do direito penal do autor, praticada no direito brasileiro.

3.8 Do cálculo da pena (itens 36/37)

As reformulações no campo do cálculo da pena, não apresentam modificações em relação ao sistema atual, salvo a criação do artigo 68-A, que não provocando modificação radical na estrutura do sistema clássico das margens penais, "cria a possibilidade de se alcançar na maioria dos casos o ideal de justiça material, com a previsão de uma causa de diminuição de pena, fazendo com que esta possa ser aplicada, pois, abaixo do mínimo legal cominado nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, quando se permite ao juiz, observadas as circunstâncias do art. 59 e desproporcionalidade entre a pena mínima cominada e o fato concreto, fundamentadamente, reduzir a pena de 1/6 até metade". [43]

Com a intenção de inibir o crescimento da violência – como se fosse possível através de norma penal [44] –, no reajustamento da faixa penal da iniputabilidade etária, associado a maior rigor que determinou-se ao concurso de pessoas, precisamente quando da existência de inimputável no grupo, determinou-se a eliminação da atenuante genérica de ser o autor menor de vinte e um anos na idade do fato (art. 65, I, do CP).

3.9 Do concurso material e do crime continuado (item 38)

Não ocorreu mudança nos conceitos de concurso material e formal (arts. 69 e 70, do CP). Ocorrendo, sim, modificação quanto a definição do crime continuado para tornar claro e corrigir-se uma construção jurisprudencial sobre o conceito, disposto no art. 71, do Código Penal. Sobre a unidade de desígnio.

Art. 71. Há crime continuado quando o agente, com ou sem unidade de desígnio, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes que ofendam o mesmo bem jurídico, e pelas condições de tempo, ou de lugar, ou de maneira de execução, ou de outras circunstâncias objetivas semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro.

No mais, ficou preservada a estrutura geral da disciplina vigente do instituto supra, no Código Penal.

3.10 Do limite das penas e do livramento condicional (item 39)

A Reforma obedecendo ao disposto constitucional, art. 5º, XLVII, "b", mantém a duração máxima da pena de prisão, vedando a de caráter perpétuo. A intenção de alimentar no condenado a esperança da liberdade e a aceitação da disciplina, que convencionou-se chamar de pressupostos essenciais de eficácia do tratamento penal.

No artigo 75 do Código Penal, mantém-se a restrição a duração da pena de prisão a trinta anos. Prevendo a possibilidade de nova infração (por parte do agente), desta vez praticada no interior do estabelecimento prisional, e contando com a impunidade, é que reformulou-se a redação contida no art. 75, § 2º do diploma penal.

Limite das penas

Art. 75 (...).

(...)

§2º. Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, computando-se, para esse fim, o tempo restante da pena anteriormente estabelecida.

Procurou-se introduzir no art. 83, Parágrafo único, ao tratar do livramento condicional, a seguinte cláusula: "independentemente da quantidade de pena e do regime em que se encontre, o sentenciado, cumpridos vinte anos de prisão, sem que tenha praticado novo delito no curso da execução da pena, poderá obter livramento condicional". [45] Assim, procurou-se reafirmar o sentido constitucional não retirando-se do sentenciado a esperança da liberdade, que segundo a própria COMISSÃO ESPECIAL, trata-se da única razão que pode motiva-lo ao adequado comportamento no curso da execução da pena de prisão.

O substitutivo do Deputado ABI-ACKEL, não contempla o disposto na EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS, quando menciona que "a emenda não contempla a hipótese da concessão do livramento condicional ao cabo de vinte anos de prisão, independentemente, da quantidade da pena e do regime que se encontre o sentenciado, desde que não tenha este praticado novo delito no curso da execução. A regra contida no projeto do Governo implica, na prática, na redução de dez anos do período de efetividade da pena. Continua-se com o máximo exeqüível de trinta anos, considerando-se o livramento como benefício da fase de execução". [46]

3.11 Das espécies de medidas de segurança (itens 40 a 43)

A Reforma, aqui, avançou e introduziu algumas novidades, que têm merecido de alguns críticas, principalmente, no que se refere aos princípios dos estabelecimentos de tratamento. Manteve-se como regra, seja, para internação ou para sujeição de tratamento ambulatorial, a figura dos estabelecimentos públicos.

De forma excepcional, "a internação e o tratamento ambulatorial podem ser efetivados em estabelecimentos privados, à falta de estabelecimento público, desde que devidamente conveniados e autorizados pelo Juízo da Execução". [47] Cabendo a ressalva de que, tal previsão fica limitada aos delitos com penas não superior a quatro anos. Uma outra novidade, trata-se da obrigatoriedade de perícia médica nos internados e sujeitos a tratamento ambulatorial, pelo menos, a cada seis meses (art. 175, da LEP) [48]. Existindo, a partir de então, a previsão de que o tempo de duração da medida de segurança não poderá ser superior ao tempo máximo de pena previsto pelo tipo legal. Este ponto da Reforma, tem sido considerado como um importante avanço, na linha da dignidade da pessoa humana (art. 177-A, da LEP) [49].

A principal inovação no campo das medidas de segurança, encontra-se na criação da desinternação progressiva. "A desiternação progressiva corresponde a introdução de relevo e de sentido altamente protetivo dos direitos do internado. Transmuda-se o instituto da progressão de regime previsto no sistema de penas para as medidas de segurança, podendo o juiz, após perícia médica, conceder ao paciente que apresentar melhora em seu tratamento, a desinternação progressiva, facultando-lhe saída temporária para visita à família ou participação em atividades que concorram para o seu retorno ao convívio social, com a indispensável supervisão da instituição" [50]

Ainda no campo da desinternação progressiva, a Reforma trouxe a previsão de que em qualquer etapa do tratamento ambulatorial, o magistrado poderá determinar a internação do paciente, caso entenda ser melhor medida para a sua melhora. Tal providência ficará sempre condicionada ao tratamento indicado, sendo praticada a recondução na hipótese de o paciente antes do termo de um ano, voltar a praticar ato que indique uma persistência da doença.

3.12 Da suspensão da ação penal (itens 44/45)

A COMISSÃO ESPECIAL trouxe para o diploma penal, no campo da ação penal, institutos que lhe dizem respeito, porém, introduzidos pela legislação extravagante e com a modificação de seus dispositivos realizada pelo diploma processual penal. São os casos da "suspensão do processo decorrente da revelia (Lei nº 9.27196) e do art. 89 da Lei 9.099/95, que são trazidos agora também para o Código Penal, mas em regime de maior restrição para eliminar o sentimento de impunidade disseminado por esses diplomas". [51]

É de lembrar-se, ainda, que a inovação não constitui direito público subjetivo do acusado, para a efetivação do instituto impõe uma série de requisitos, cumulativamente, com destaque para a reparação obrigatória do dano causado, que poderá ser efetivada em número determinado de parcelas, conforme o entendimento do juiz.

No campo da extinção da punibilidade procurou-se suprir uma omissão legislativa, no sentido de colocar um fim na discussão doutrinária e jurisprudencial quanto as suas causas [52], que é "o cumprimento das condições da transação, do livramento condicional e da suspensão do processo" (art. 107, do CP).

3.13 Dos prazos da prescrição (itens 46/47)

Neste tópico dos prazos prescricionais, procurou-se a revalorização do instituto da pena de multa com a modificação dos prazos para verificação da prescrição [53], de forma a garantir que esta não ocorrerá, em qualquer caso, antes de quatro anos. A modificação foi introduzida em virtude das mudanças efetuadas nos valores nominais da multa que passam a representar, em qualquer caso, uma sanção econômica relevante.

E, por fim, uma modificação no rol de causas impeditivas e interruptivas da prescrição com a finalidade de limitar a ocorrência da perda do direito estatal de punir. Ratificada pela tônica do projeto, que é de um direito penal eficaz.

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Sobre o autor
Luciano Nascimento Silva

professor universitário, mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), doutorando em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra (Portugal), bolsista de Graduação e Mestrado da FAPESP e de Doutorado da CAPES, pesquisador em Criminologia e Direito Criminal no Max Planck Institut für ausländisches und internationales Strafrecht – Freiburg in Breisgau (Alemanha)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luciano Nascimento. Projetos de lei de reformas do Código Penal e da Lei de Execução Penal.: Uma análise crítica das reformas no instituto de penas do sistema de justiça criminal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3558. Acesso em: 23 abr. 2024.

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