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A compensação de créditos tributários por medidas liminares

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CONCLUSÕES SOBRE A LIMITAÇÃO AO DIREITO DE COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS POR MEDIDA LIMINAR.

Palavras proferidas com autoridade pelo eminente professor HUGO DE BRITO MACHADO são ideais para visualizar a injusta e genérica proibição de compensação de créditos tributários:

"Nos termos do Código Civil, a compensação não se aplica ao Direito Tributário. Em se tratando de relação tributária, a compensação fica a depender do que esteja previsto "nas leis e regulamentos da Fazenda".

Como a autonomia dos "ramos" do Direito é simplesmente didática, por certo se não existisse no Código Civil tal exclusão também as dívidas tributárias poderiam ser extintas por compensação, independentemente de qualquer dispositivo da lei tributária.

Aliás, a rigor a exclusão da Fazenda Pública, que implica autorizá-la a exigir o pagamento de um tributo, mesmo sendo devedora inadimplente do respectivo contribuinte, é redobrada injustiça, além de ser uma imoralidade. E em sendo assim, a norma excludente é inconstitucional, porque contraria o art. 3º, inciso I, e o art. 37 da Constituição Federal.

Segundo Silva Martins, a lei que estipula redução do direito do contribuinte de fazer a compensação, porque autoriza a inadimplência do Poder Público fere o princípio da moralidade. Mais razoável, portanto, é dizer-se que a exclusão pura e simples desse direito lesiona a moralidade." [44]

Voltando-se ao dia-a-dia, à labuta dos tribunais, num primeiro momento, é importante ressaltar, de novo, que medida liminar em mandados de seguranças ou em ações cautelares, por sua natureza, não podem (não poderiam) esgotar o mérito da ação, sob pena de satisfatividade (proibição, no caso das cautelares, prevista na Lei n. 8.437/1992, art. 1º, § 3º), devendo, inclusive, estarem presentes a fumaça do bom direito e o perigo da demora para sua concessão. Não que o pleito do autor não mereça a urgência que lho atribui, mas pela relevância e complexidade da matéria, que torna, algumas vezes, inapropriada a via eleita. Esse o porquê da não concordância com todos os precedentes formadores da SÚMULA 212/STJ, pois vários deles, além de não especificarem qual o tipo de compensação que se pleiteia, são baseados em medidas cautelares e em mandados de seguranças cujo objetivo não é apropriado ou cabível, o que não é aceito pela lei nem pela própria jurisprudência do STJ e de outros e. Tribunais, uma vez que, da forma como conduzidos, dão caráter satisfativo às medidas liminares:

"É entendimento da Terceira Turma deste Tribunal que a compensação tributária, forma de extinção do crédito, não pode ser deferida em liminar, seja em mandado de segurança, seja em ação cautelar, dado o caráter plenamente satisfativo da medida." (TRF1, MS 95.01.23727-3 /MG, S2, Rel. JUIZ OSMAR TOGNOLO, ac. un., DJ 04 /11 /1996 P.83857)

"A Medida Cautelar vincula-se a um processo principal, servindo tão-somente como uma prevenção contra risco de dano imediato. Havendo, nos autos, pleito liminar, deverá o julgador apreciá-lo sem adentrar o mérito da questão, sob pena de tornar prejudicado o recurso" (STJ, AGRMC 4352/RR, T5, Rel. MIN. EDSON VIDIGAL, ac. un., DJ 25/02/2002, P. 00395)

O deferimento de medida liminar para a declaração do direito à compensação, então, por se confundir com o mérito da questão, nos casos de mandado de segurança ou ações cautelares, em que especificamente se pede a compensação, não pode, a princípio, ser aceito. Há, entretanto, que observar as peculiaridades de cada caso, sem se esquecer da sempre cabível ação de rito ordinário, onde, à luz do art. 273 do CPC, se mostra eficiente à compensação de créditos tributários, e do mandado de segurança, com o objetivo de se declarar o direito à compensação (SÚMULA 213 do STJ).

De qualquer sorte, por vezes as medidas liminares, também em razão de sua natureza, representam medidas satisfativas, vg, a liberação de mercadorias estrangeiras que estejam perecendo no porto: a Lei nº 2.770/56, em seu art. 1º, dispõe: "Art 1º. Nas ações e procedimentos judiciais de qualquer natureza, que visem obter a liberação de mercadorias, bens ou coisas de qualquer espécie procedentes do estrangeiro, não se concederá, em caso algum, medida preventiva ou liminar que, direta ou indiretamente, importe na entrega da mercadoria, bem ou coisa". Nesse caso, vê-se que tal proibição, por sua generalização, extrapola o limite, em muitos casos, do bom senso. É o que ocorre, vg, em greves de servidores da receita federal, onde, mesmo havendo lei proibindo expressamente a liberação, o bom senso admite a concessão de liminar, o que de outra forma não poderia ser, sob pena de estar massacrando o direito com o excesso inútil de formalismo.

Da mesma forma, inobstante o princípio da legalidade estrita, norteador das relações jurídico-tributárias, diante da generalidade dos institutos que tratam da compensação, temos que analisar os fatos do caso concreto quando nos deparamos com ações que contenham o pedido de medida liminar para compensação de crédito tributário, mesmo porque as normas que tratam do instituto da compensação não obedecem à idéia de legalidade estrita, tratando de maneira ampla e genérica fatos e atos que deveriam ser mais tratados com mais especificidade, por causa da imensa diversidade jurídico-legal que circunda a situação fática. O Ministro CÉSAR ASFOR ROCHA, no julgamento do RESP 104.356/ES, bem expressa o que se quer passar:

"A jurisprudência, sensível aos fatos da vida, que são mais ricos que a previsão dos legisladores, tem reconhecido, em certas situações, a natureza satisfativa das cautelares, como na espécie, em que a cautelar de exibição exaure-se em si mesma, com a simples apresentação dos documentos."

"A jurisprudência, sensível aos fatos da vida, que são mais ricos que a previsão dos legisladores" é exatamente o porquê dela, a jurisprudência, não poder ser engessada, é o porquê da impossibilidade de se negar, com base em norma genérica (SÚMULA 212 do STJ ou art. 170-A do CTN), a compensação por medida liminar.

De se destacar que, por razões óbvias, não se opera a compensação quando os objetos das prestações forem coisas incertas, e se tenha de respeitar o direito de escolha. Tratando-se de compensação, a liquidez e certeza dos créditos a serem compensados, no caso dos lançamentos por homologação, uma vez comprovados de plano pelo contribuinte, dependerão de analise por parte da autoridade administrativa competente, que a homologará ou não. O respaldo do Judiciário, nesses casos, onde a compensação independe de autorização judicial e/ou administrativa, é necessário à segurança do contribuinte que se vê freqüentemente fiscalizado pelo fisco, que, muitas das vezes, não pensa como o contribuinte. Ele não pleiteia, então, a compensação, mas a declaração do seu direito, para se resguardar de eventuais medidas punitivas. Quanto aos outros tributos "lançados pelo próprio fisco" [45], quando não se pleiteia a declaração do direito, mas a própria compensação, também é razoável o deferimento da medida liminar (nesses casos, a ação cabível, conforme jurisprudência colacionada durante o desenvolvimento do trabalho, é a ação de rito ordinário), desde que comprovado de plano a plausibilidade do direito e a verossimilhança das alegações.

A argüição de que a concessão de liminar para a compensação de tributos, em geral, pode trazer prejuízos irreparáveis ao fisco não procede completamente, mesmo porque a Fazenda tem inúmeros meios de reaver o crédito tributário caso, ao final, não seja ele realmente devido à compensação, e, mesmo se assim não o fosse, deveria criar os meios necessários para que não prevaleça o irracionalismo metodológico do fisco (entenda-se: se a tanta dificuldade em alavancar a indústria brasileira – daí a dificuldade de se conseguir superávits primários – porque sacrificá-la numa simples questão de compensação fiscal-tributária. É ilógico! Mesmo porque uma indústria forte recolherá mais tributos que uma debilitada). Fica, então, uma observação: poder-se-ia, em caso de compensação considerada indevida, outrora "autorizada" por medida liminar, utilizar referida decisão, que julgar indevida a compensação, como título exeqüível do tributo não pago, acrescentando-se alguns instrumentos inibidores de possível "má-fé" por parte do contribuinte, como multas, restrições, execuções sumárias, etc, o que limitaria os pedidos de compensação e não configuraria contradição dos atos estatais. De outro lado, verifica-se que é mais fácil sacrificar o provável direito do contribuinte, que lhe pode ser crucial á sua existência (entenda-se dignidade) do que contrariar a simples vontade arbitrária do fisco, que não se dá o trabalho de especificar melhor as regras que edita, com o objetivo, pelo que parece, de arrecadar cada vez mais.

Mais preocupante do que a espera duradoura das empresas pelo provimento jurisdicional a respeito da possibilidade de se compensar seus tributos, falando-se genericamente até agora, é quando não se pode compensar aqueles créditos certos e líquidos com créditos vincendos ou vencidos. Por exemplo, um aumento ilegal de tributos, assim considerado pelos tribunais, gera haveres para o contribuinte, que, ao mesmo tempo, pode estar devendo milhares de reais de outro tributo. Nesse caso, mesmo sendo considerado ilegal, é admissível negar sua compensação imediata e correr o risco de condenar a saúde financeira da empresa e os empregos gerados, malferindo a constituição com a figura do "solve et repete"?

HUGO DE BRITO MACHADO responde a essa questão:

"A tese que nega ao contribuinte o direito de orientar-se pelos precedentes do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, produzidos no controle difuso de constitucionalidade, não prestigia a supremacia constitucional. A Constituição tem o sentido que lhe atribui a Corte Maior, e este deve ser acolhido por todos, cidadãos e Estado. Somente assim se tornará efetiva a supremacia da Constituição.

Havendo, como há nos casos do Finsocial, e da contribuição sobre a remuneração de autônomos e dirigentes de empresas, decisão do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, afirmando serem inconstitucionais aquelas exações, é absolutamente legítima a atitude do contribuinte que as considera indevidas ao proceder lançamentos por homologação.

Inadmissível, porque fundada em visão excessivamente formalista do Direito, é a atitude da Fazenda Pública, que segue cobrando tributo já afirmado inconstitucional pela Corte Maior, no controle difuso de constitucionalidade. Essa atitude presta-se apenas para aumentar a clientela dos escritórios de advocacia, onerar a Fazenda com a sucumbência em Juízo, e aumentar o congestionamento do Poder Judiciário e a falta de confiabilidade do Governo, comprometendo não apenas a supremacia constitucional, mas a própria eficácia da Ordem Jurídica." [46]

A questão de se deferir a compensação, ou a declaração do seu direito, por medida liminar, então, é muito mais do que se limita a SÚMULA 212/STJ ou a proibição inserta no art. 170-A, independente do tipo de compensação que se pleiteia (Lei n. 8.383/91, v.g.), mesmo porque é, "a jurisprudência, sensível aos fatos da vida, que são mais ricos que a previsão dos legisladores". É pedido do contribuinte que, ou entendendo estar sendo lesado em seus direitos fundamentais, ou vendo-se à iminência da ‘bancarrota’, procura a tutela do Judiciário, como única forma de proteção, porque entende, assim como o ilustre professor HUGO DE BRITO MACHADO, que "a rigor a exclusão da Fazenda Pública, que implica autorizá-la a exigir o pagamento de um tributo, mesmo sendo devedora inadimplente do respectivo contribuinte, é redobrada injustiça, além de ser uma imoralidade. E em sendo assim, a norma excludente é inconstitucional, porque contraria o art. 3º, inciso I, e o art. 37 da Constituição Federal" [47].

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A generalidade da proibição contida na SÚMULA 212 do STJ e no novel art. 170-A do CTN é o ponto crucial da questão. Sendo o direito tributário regido pela legalidade estrita, as normas genéricas correm o risco de cometer injustiças e se tornarem inconstitucionais diante de casos concretos, em manifesta afronta a diversos princípios basilares do direito, como, v.g., ao acesso ao judiciário e ao direito de petição.

HUGO DE BRITO MACHADO, com mais autoridade e propriedade, melhor conclui:

"Não tivessem sido formuladas restrições tão absurdas ao direito de compensar, por via normativa infralegal, como aconteceu, certamente os contribuintes estariam exercendo o direito à compensação tranqüilamente, sem ingressar em Juízo buscando proteção. As restrições absurdas, que na verdade tiveram o objetivo inconfessável de anular o art. 66, da Lei nº 8.383/91, sem dúvida nenhuma a maior conquista do contribuinte brasileiro nos últimos cinqüenta anos, são a causa de todo o questionamento que em torno do assunto se travou.

O Judiciário, enquanto não superadas as divergências no STJ, não terá contribuído para a eliminar essa enorme fonte de atritos na relação fisco-contribuinte.

Enquanto durar esse estado de insegurança, certamente muitos contribuintes ainda buscarão o Judiciário. Por isto é importante que se aponte o caminho preferível, para contornar os obstáculos criados, propositadamente ou não, para lhes impedir de exercer o direito à compensação." [48]


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Sobre o autor
Leonardo Calmo Fernandes Bortolini

servidor público federal do TRF 1ª região

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORTOLINI, Leonardo Calmo Fernandes. A compensação de créditos tributários por medidas liminares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3565. Acesso em: 19 abr. 2024.

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Trabalho apresentado como condição para o título de bacharel em direito na Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (AEUDF), em Brasília.

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