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Por que não cabe reclamação constitucional quando a decisão judicial afronta súmula não vinculante?

02/02/2015 às 07:56

Resumo:


  • O Supremo Tribunal Federal não aceita reclamação constitucional para cassar ou anular decisão judicial baseada em Enunciado de súmula não vinculante.

  • Ministros como Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Britto já negaram pedidos de liminar com esse fundamento.

  • A interpretação do STF limitando a reclamação constitucional é criticada por alguns juristas, que defendem a utilização desse instrumento inclusive para súmulas não vinculantes.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O Supremo Tribunal Federal vem entendendo, reiteradamente, não caber a reclamação constitucional para cassar ou anular decisão judicial, quando se trata de afronta a Enunciado de sua súmula, não vinculante. Não concordamos com tal limitação.

O Supremo Tribunal Federal vem entendendo, reiteradamente, não caber a reclamação constitucional para cassar ou anular decisão judicial (não ato administrativo, obviamente), quando se trata de afronta a Enunciado de sua súmula, não vinculante.

Assim, por exemplo, o Ministro Ricardo Lewandowski, indeferiu pedido de liminar que buscava suspender decisão da Justiça Federal que negou a uma empresa a liberação de mercadorias importadas sem o depósito prévio dos valores em favor do fisco. Na decisão monocrática tomada na Reclamação nº. 19515, o Ministro destacou que, ao contrário do que alegado pela parte, não é cabível reclamação por descumprimento de súmula do Supremo sem efeito vinculante. Em análise preliminar do caso, entendeu que o pleito não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no artigo 102, inciso I, alínea “l”, da Constituição Federal, “seja para preservar a competência da Corte, seja para garantir a autoridade de suas decisões”, afirmando que a jurisprudência da Corte é firme no sentido de que não cabe reclamação por inobservância de súmula destituída de efeito vinculante. Ele explicou que, no julgamento de agravo regimental na Reclamação nº. 3979, o Plenário assentou que “o artigo 103-A, parágrafo 3º, da Constituição Federal tem aplicação exclusiva às súmulas vinculantes, que possuem natureza constitucional específica e completamente distinta das súmulas convencionais, as quais não vinculam ou subordinam os demais órgãos do Poder Judiciário”. Assim, o Ministro indeferiu a liminar, sem prejuízo de um exame “mais aprofundado da matéria” pelo relator. A ação foi distribuída para a relatoria do Ministro Gilmar Mendes.

Antes mesmo desta decisão o Ministro Carlos Ayres Britto, com o argumento de que não cabe reclamação tendo como base súmula sem efeito vinculante, negou seguimento à Reclamação nº. 11235. Em sua decisão, o Ministro explicou que as reclamações só podem ser manejadas com base em decisões proferidas tendo por base súmulas vinculantes. Ao negar seguimento ao pedido, o ministro lembrou que só caberia reclamação, nesse caso, se o Supremo Tribunal Federal tivesse aprovado súmula com efeito vinculante sobre o tema, “o que não ocorreu nos presentes autos”.

Não aceitamos tal limitação e achamos, inclusive, tratar-se de verdadeira tábula rasa do disposto no art. 102, I, "l", da Constituição. É tirar um coelho da cartola! Obviamente, que não olvidamos que com a "Reforma do Judiciário" (Emenda Constitucional nº. 45/2004), acrescentou-se o art. 103-A, parágrafo terceiro à Constituição, estabelecendo-se o seguinte:

"Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

"(...)

"§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso."

Nada obstante, em nenhum momento foi revogado o art. 102, I, "l", que afirma:

"Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

"I - processar e julgar, originariamente:

"(...)

"l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;"

Um dispositivo não exclui o outro, por óbvio! Se assim o fosse, o legislador de 2004 (o da "Reforma do Judiciário") o teria feito ou dito expressamente.

Portanto, esta interpretação que está dando o Supremo Tribunal Federal, trata-se de uma odiosa limitação à reclamação constitucional, dê-se a natureza jurídica que se lhe der (para nós, por exemplo, trata-se do uso do direito constitucional de petição, e não de ação ou recurso).

Destarte, seja qual for o Enunciado da súmula do Supremo Tribunal Federal não observado, o remédio cabível será a reclamação constitucional, trate-se de Súmula Vinculante ou Súmula não vinculante.

A diferença situa-se no fato de que caberá a reclamação até contra ato administrativo que contrariar a Súmula Vinculante, ao contrário da "Súmula Convencional" ou "Singela".

Injustificável, portanto, esta posição do Supremo Tribunal Federal, ainda mais quando se sabe que ela objetiva garantir amplamente a competência constitucional da Corte Suprema, um verdadeiro meio expedito e eficaz de tutela tanto de sua competência originária, quanto recursal (ordinária e extraordinária).

Ela visa, em suma, a viabilizar a preservação da competência da Suprema Corte e, outrossim, a garantia da autoridade das suas decisões, especialmente de seus Enunciados, sejam ou não Súmulas Vinculantes. Aliás, podemos afirmar que ela tem verdadeira função político-jurídico.

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Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. Por que não cabe reclamação constitucional quando a decisão judicial afronta súmula não vinculante?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4233, 2 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35932. Acesso em: 25 dez. 2024.

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