Efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle abstrato de constitucionalidade e a importante delimitação do efeito vinculante

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29/01/2015 às 13:30
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Este artigo destina-se à análise dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade efetuada no controle abstrato pelo Supremo Tribunal Federal, estabelecendo diferenciações entre eles, objetivando uma ampliação do conceito de efeito vinculante.

1.    CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Importante análise será feita a seguir no que tange aos efeitos da declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade em processos pela via abstrata, submetidos diretamente ao Supremo Tribunal Federal.

Interessante destaque será dado à diferenciação de eficácia erga omnes e efeito vinculante, mostrando que, ao contrário do que se prega por alguns doutrinadores, tratam-se de institutos diversos, com consequências diversas.

Passemos diretamente à análise de tais efeitos.

       2. EFEITO EX TUNC

A constitucionalidade das leis situa-se no plano de validade dos atos jurídicos, de modo que uma lei declarada inconstitucional será considerada lei nula, decorrendo disto duas observações a serem feitas. Uma diz respeito ao fato de a declaração de inconstitucionalidade apenas reconhecer uma situação preexistente, dando-lhe certeza jurídica, enquanto a outra reside na ideia de que uma decisão de inconstitucionalidade, por ter natureza declaratória, terá efeitos ex tunc, ou seja, retroativos à data da sua criação[1].

Deste modo, ao reconhecer a inconstitucionalidade de uma norma, a decisão deverá declarar tal situação e não constituir, daí porque diz-se que tal decisão tem natureza declaratória. Neste mesmo diapasão afirma-se prevalecer no nosso ordenamento jurídico a teoria da nulidade dos atos inconstitucionais e não da anulabilidade, posto que, ao ser declarada a inconstitucionalidade de tais atos, está se reconhecendo um vício já existente ab initio destes[2].

Embora, o efeito da declaração de inconstitucionalidade seja ex tunc (retroativo), há de se aventar a possibilidade modulação de tais efeitos. Por modulação dos efeitos deve-se entender a possibilidade, conferida pelo art. 27 da Lei nº 9868/99, de o Supremo Tribunal Federal restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decidir que esta só venha a ter eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de momento que venha a ser fixado, em razão da segurança jurídica ou de excepcional interesse social[3].

Destaque-se a necessidade de quórum qualificado de dois terços dos membros da corte para a realização de tal modulação, que, no âmbito temporal, poderá à decisão de inconstitucionalidade ser atribuída eficácia não retroativa, incidindo a partir do trânsito em julgado, bem como ser fixado um marco inicial específico no passado ou no futuro para produção de seus efeitos[4].

Acerca da amplitude de tal dispositivo é possível ao Supremo Tribunal Federal restringir a sua decisão não só no âmbito temporal, bem como excluir do alcance da decisão determinado grupo de pessoas.

Para Dirley da Cunha Junior[5], tal dispositivo possibilitou ao STF o poder de excepcionar a regra do efeito erga omnes e do efeito declaratório das decisões proferidas em sede de controle concentrado. Segundo o autor, tais decisões teria efeitos constitutivos ou ex nunc ou pro futuro.

Analisando a relação existente entre o princípio da supremacia da Constituição e a segurança jurídica ou excepcional interesse social, e, afastando a possibilidade de ponderação de tais valores por ser o primeiro fundamento do controle de constitucionalidade, Luís Roberto Barroso[6], de forma brilhante, leciona:

“O art. 27 da Lei n. 9.68/99 produz, como se percebe claramente, a formalização de um mecanismo de ponderação de valores. Mas há aqui uma sutileza que não deve passar despercebida. Poderia parecer, à primeira vista, que se pondera, de um lado, o princípio da supremacia da Constituição e, de outro, a segurança jurídica ou o excepcional interesse social. Na verdade, não é bem assim. O princípio da supremacia da Constituição é fundamento da própria existência do controle de constitucionalidade, uma de suas premissas lógicas. Não pode, portanto, ser afastado ou ponderado sem comprometer a ordem e unidade do sistema. O que o Supremo Tribunal Federal poderá fazer ao dosar os efeitos retroativos da decisão é uma ponderação entre a norma violada e as normas constitucionais que protegem os efeitos pela lei inconstitucional. Como, por exemplo: boa-fé, moralidade, coisa julgada, irredutibilidade dos vencimentos, razoabilidade. Por se tratar de uma hipótese de aplicação direta da Constituição, a modulação poderá ser determinada de ofício por parte do Tribunal, sem prejuízo da possibilidade de que seja requerida pela parte interessada.”

            Por fim, este efeito ex tunc ou a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão são integrantes da chamada dimensão temporal da declaração de inconstitucionalidade.

         3. EFEITO REPRISTINATÓRIO

 

Um dos efeitos que podem ser gerados pela declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal por meio do controle concentrado é o efeito repristinatório, o qual deve ser entendido como o efeito capaz de restaurar uma norma revogada por uma outra norma declarada inconstitucional, com fundamento na Lei nº 9868/99[7].

O STF pode, em caso de conveniência e oportunidade, ou ainda caso entenda ser a norma restaurada também inconstitucional, manifestar-se expressamente de forma contrária a este efeito repristinatório[8].

Importante diferenciar o efeito repristinatório, previsto para o processo objetivo de controle de constitucionalidade, da repristinação, vedada, de forma automática, pela Lei de Introdução às normas do direito brasileiro[9]. Esta última, consiste no instituto jurídico pelo qual a norma revogadora de uma lei, quando revogada, traz de volta a vigência daquela que revogada originariamente. Já o efeito repristinatório é aquele capaz de restaurar a vigência de uma norma revogada por uma norma declarada inconstitucional em controle concentrado de constitucionalidade.

Para que haja o efeito repristinatório das decisões em controle abstrato de constitucionalidade de leis e atos normativos é necessário que tal decisão seja dotada de efeito ex tunc, ou seja retroativo, posto que neste caso a natureza da decisão será, de fato, declaratória, deixando claro que a lei declarada inconstitucional é nula desde o início, o que significa ter sido incapaz de revogar a lei anterior. Por isso, não é aplicável tal efeito no caso de modulação dos efeitos da decisão, já que neste caso a norma, embora seja considerada inconstitucional, tem alguns de seus efeitos preservados por determinado período, logo mostrou-se apta a revogar a lei anterior.

A exceção a esta regra fica por conta das medidas cautelares que suspendem a aplicabilidade de norma objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade que, mesmo possuindo efeitos ex nunc, é expressamente prevista pelo § 2º do art. 11 da Lei nº 9.869/99.

         4. EFICÁCIA ERGA OMNES

 

As decisões definitivas do Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de constitucionalidade são dotadas de eficácia erga omnes, ou seja, contra todos e efeito vinculante aos demais órgão do Poder Judiciário e à Administração Pública, conforme determinação do art. 102, § 2º da CF[10] e o art. 28, parágrafo único, da Lei 9.868/99[11].

Grande dificuldade é encontrada pela doutrina ao tratar da diferenciação entre eficácia erga omnes e efeitos vinculantes, sendo, na maioria das vezes, os dois institutos estudos de forma conjunta, de modo a evitar um maior aprofundamento no tema.

Como sabemos, os efeitos de uma decisão judicial, via de regra, devem ser restritos às partes que fizeram parte do processo. Contudo, o controle abstrato de constitucionalidade no Brasil é exercido por meio de um processo objetivo[12], o qual inexistem partes, havendo falar apenas em legitimados para propositura da ação.

Em razão desta inexistência de partes no processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade é que se faz lógica a eficácia erga omnes das decisões definitivas proferidas pelo STF[13].

Os atos legislativos têm, via de regra, eficácia contra todos, já as decisões judiciais, em regra, tem eficácia inter partes (entre as partes). Por esta razão, ao dizer que, no processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade, as decisões definitivas terão eficácia contra todos, está se querendo dizer que estas possuem força de lei.

Caso tais decisões em controle abstrato de constitucionalidade fossem dotadas apenas de eficácia erga omnes, ou seja, força de lei e não de efeitos vinculantes, a administração e os demais órgão do poder judiciário poderiam efetuar controle de constitucionalidade sobre elas, vez que tanto ao administrador é dado o direito de descumprir a lei, ao seu entender, inconstitucional, quanto aos demais órgão do poder judiciário poderiam declarar a inconstitucionalidade da decisão, haja vista deter a prerrogativa para a declaração de inconstitucionalidade leis no caso concreto em processos de suas competências.  

Com a existência do efeito vinculante, a Administração e os demais órgão do Poder Judiciário, passam a se vincular às decisões com tais efeitos, ou seja, não podendo agir ou decidir contrariando o quanto disposto nelas.

Assim, como a eficácia erga omnes passa a estabelecer que as decisões com tais efeitos tenham força de lei e, em razão disto, sejam oponíveis contra todos, o efeito vinculante vem para aumentar a força de tais decisões, excluindo-as como objeto de controle de constitucionalidade pela Administração e os demais órgão do Poder Judiciário.

Passada essa conceituação inicial da eficácia erga omnes, e consequente diferenciação do efeito vinculante, é oportuno que se estabeleça qual será o limite objetivo desta força de lei, estabelecendo qual parte da decisão será dotada de tais efeitos.

Assim como a coisa julgada, a eficácia erga omnes das decisões declaratórias de constitucionalidade ou inconstitucionalidade deve-se restringir à parte dispositiva do decisum, não incidindo, portanto, nos fundamentos determinantes (ratio decidendi), muito menos nas questões ditas de passagem na fundamentação (obiter dicta).

No que tange a tais limites objetivos, como veremos no tópico a seguir, surge mais uma diferença entre a eficácia erga omnes e o efeito vinculante, posto que há sério debate se este último deveria incidir também nos fundamentos determinantes da decisão, enquanto aquele, ressalte-se, não há dúvidas limita-se apenas à parte dispositiva do julgado[14].

Por tais limites objetivos incidirem apenas na parte dispositiva da decisão, é plenamente possível que o Supremo Tribunal Federal, caso já tenha declarado a constitucionalidade de uma norma, em havendo alterações no entendimento sobre a matéria, venha a declarar posteriormente a sua inconstitucionalidade.

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         5. EFEITO VINCULANTE

 

De todos os efeitos da decisão declaratória de inconstitucionalidade ou constitucionalidade, sem sombra de dúvidas, o mais complexo é o efeito vinculante. Em razão disto, este será tratado com mais cuidado e aprofundamento para que, ao delimitar seu conteúdo e extensão.

         5.1. Breve histórico do efeito vinculante no direito brasileiro

O efeito vinculante foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro no ano de 1993, por meio da Emenda Constitucional nº3, que, ao acrescentar o §2 do Art. 102 da Constituição Federal, restringiu a sua aplicabilidade apenas às ações declaratórias de constitucionalidade (ADC).

Contudo, o entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal já estendia este efeito também à ação direta de inconstitucionalidade (ADI), haja vista o próprio Ministro Gilmar Ferreira Mendes tratar a ação declaratória de constitucionalidade como uma “ADI com sinal trocado”[15], já que elas teriam caráter dúplice ou ambivalente.

Porém, no ano de 1999, foi editada a Lei 9.868[16], estabelecendo expressamente em seu art. 28 que o efeito vinculante seria aplicável também à ação direta de inconstitucionalidade, passando, no que concerne a tal ação, este efeito a ter sede legal.

Também no ano de 1999, por meio do §3º do art. 10 da Lei 9.882[17], o efeito vinculante foi estendido às decisões definitivas em sede de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Posteriormente, com o advento da Emenda Constitucional 45/2004[18], foi alterado o § 2º do art. 102 da Constituição Federal para também conferir a Ação Direta de Inconstitucionalidade o efeito vinculante, que antes só tinha fundamento nesta ação por previsão legal.

         5.2. Conceito  

O § 2º do art. 102 da Constituição Federal dispõe que as decisões definitivas de mérito do Supremo Tribunal Federal, em ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Por efeito vinculante, entende-se como a força que confere à decisão definitiva tomada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de constitucionalidade imperatividade suficiente para incidir aos demais casos que discutam questão idêntica, obrigando a Administração e os demais órgão do poder judiciário.

Interessante e curioso conceito é o trazido pelo Glossário[19] do próprio site do Supremo Tribunal Federal sobre o efeito vinculante:

“Efeito vinculante é aquele pelo qual decisão tomada pelo STF em determinado processo vincula os tribunais e órgãos da administração pública a determinado entendimento em casos futuros. Isso significa que os princípios extraídos da parte dispositiva quanto e dos fundamentos determinantes da decisão vinculam todos os tribunais e autoridades administrativas nos casos futuros”

Este conceito é curioso, já que o próprio Supremo Tribunal Federal tem entendido ultimamente que o efeito vinculante não deve ultrapassar a parte dispositiva do julgado. Contudo, sem eu próprio site consta, no conceito do efeito, a possibilidade de incidir nos fundamentos determinantes também.

Diversos são os autores que, ao tratar do assunto, o fazem indiscriminadamente, igualando tal efeito com a eficácia erga omnes ou mesmo com a coisa julgada, o que não nos parece ser a melhor doutrina, já que indubitavelmente são institutos autônomos.

Luís Roberto Barroso, distinguindo a coisa julgada do efeito vinculante, afirma que aquela possui eficácia vinculativa, mas que jamais poderia ser tratada como sinônimos. Para ele “a eficácia vinculativa, significa que a autoridade da coisa julgada deverá prevalecer na solução de qualquer lide que esteja logicamente subordinada à questão já resolvida”[20].

Ainda diferenciando a coisa julgada do efeito vinculante, Barroso[21] faz duas distinções principais que devem ser aplicadas entre ambas no direito brasileiro:

“i) a coisa julgada, como visto, impede novo pronunciamento judicial sobre a mesma matéria; já o efeito vinculante obriga a adoção da tese jurídica firmada pelo Tribunal Superior, sempre que ela esteja logicamente subordinada à decisão da causa;

ii) a coisa julgada preclui a possibilidade de o próprio órgão julgador rever a matéria; o efeito vinculante não impede que o órgão prolator possa apreciar a matéria,”

Esta diferenciação se tornar mais clara quando analisamos os limites objetivos dos institutos, de modo que a coisa julgada está limitada a parte dispositiva, enquanto o mesmo não se pode dizer necessariamente do efeito vinculante.

 

          5.3. Limites subjetivos do efeito vinculante

 

Por disposição da própria Constituição Federal, art. 102, § 2º, o efeito vinculante aqui tratado está restrito, quanto ao seu aspecto subjetivo, aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Deste modo, é imperioso destacar primeiramente que o Supremo Tribunal Federal não está vinculado às suas próprias decisões, de modo que, se o contrário ocorresse, a corte estaria obrigada a sustentar teses já superadas ou mesmo estaria limitando a possibilidade de mutação constitucional.

Assim, caso o STF tenha considerado a legitimidade de uma lei julgando-a constitucional por meio do controle abstrato de constitucionalidade, é possível que, posteriormente, a corte venha a alterar seu entendimento para considerar esta mesma lei inconstitucional.

Também encontra-se fora do âmbito subjetivo do efeito vinculante o Poder Legislativo, que, mesmo no caso de o STF ter considerado determinada lei inconstitucional, poderá editar outra lei com igual conteúdo. Neste ponto, a jurisprudência é pacífica de que deve ser proposta uma nova ADI, não sendo cabível falar em mera Reclamação Constitucional[22].

Embora o Supremo Tribunal Federal esteja excluído da vinculação de suas decisões, todos os demais órgãos do Poder Judiciário devem respeitar tais decisões aplicando o quanto estabelecido nelas aos demais casos que lhe sejam submetidos a julgamento. Em caso de não cumprimento da decisão vinculadora pelo juiz ou tribunal, abre-se a possibilidade de Reclamação Constitucional.

A Administração Pública também não poderá descumprir uma decisão do STF dotada de efeito vinculante, devendo agir conforme expresso na decisão e, caso aja em sentido contrário, além da possibilidade de impugnação judicial dos atos, será cabível a responsabilização pessoal do administrador[23].

Para o Ministro Gilmar Ferreira Mendes “a não observância da decisão caracteriza grave violação de dever funcional, seja por parte das autoridades administrativas, seja por parte dos magistrados”[24].

Embora a análise dos limites subjetivos do efeito vinculante seja de interessante valia, é em torno do estudo dos limites objetivos que irá girar o fundamento da transcendência dos motivos determinantes e uma maior complexidade do tema.

 

         5.4. A problemática envolvendo os limites objetivos

 

 

A discussão central deste ponto é saber que parte da decisão é dotada de efeitos vinculantes. Sabemos que uma sentença deve ser composta, via de regra, por relatório, fundamentos e dispositivo.

Resumidamente, o relatório é o resumo do que contém nos autos, com a especificação das partes e suas qualificações, as teses levantadas por estas, seus pedidos e razões de pedir. Já os fundamentos consistem nas razões de fato e de direito que levaram o magistrado à tomada de determinada decisão, sendo esta a parte decisão em que o juiz fará a sua argumentação, a qual servirá de base para compreensão da parte dispositiva. O dispositivo é a conclusão tomada pelo magistrado, acolhendo ou rejeitando os pedidos formulados pelas partes, incidindo sobre ela a coisa julgada.

Parte da doutrina entende que o efeito vinculante deve ser limitado à coisa julgada material, ou seja, à parte dispositiva da decisão, enquanto, para outra corrente doutrinária, tais efeitos incidiram não apenas na parte dispositiva, mas como também os motivos que foram determinantes para a tomada daquela decisão.

Gilmar Ferreira Mendes[25], destaca a existência de tal discussão, questionando se o efeito vinculante deveria ou não ter os mesmos limites objetivos da coisa julgada e da eficácia erga omnes:

“Problema de inegável relevo diz respeito aos limites objetivos do efeito vinculante, isto é, à parte da decisão que tem efeito vinculante para os órgãos constitucionais, tribunais e autoridades administrativas. Em suma, indaga-se, tal como em relação à coisa julgada e à força de lei, se o efeito vinculante está adstrito à parte dispositiva da decisão ou se ele se estende também aos chamados "fundamentos determinantes", ou, ainda, se o efeito vinculante abrange também as considerações marginais, as coisas ditas de passagem, isto é, os chamados obiter dicta.”

Deste modo, a identificação destes limites objetivos é de extrema importância, vez que a depender do entendimento a ser adotado (se o efeito vinculante atinge os fundamentos determinantes da decisão ou restringe-se à parte dispositiva) as implicações serão tamanhas que levarão a regramentos diferenciados sobre o tema, como será analisado nesta obra.

Para falar de limites objetivos do efeito vinculante é importante a análise da forma pela qual tal instituto ingressou no ordenamento jurídico pátrio, que, como visto, ocorreu com a Emenda Constitucional nº 3/93. Vejamos a justificativa para criação de tal efeito:

“Além de conferir eficácia erga omnes às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle de constitucionalidade, a presente proposta de emenda constitucional introduz no direito brasileiro o conceito de efeito vinculante em relação aos órgãos e agentes públicos. Trata-se de instituto jurídico desenvolvido no Direito processual alemão, que tem por objetivo outorgar maior eficácia às decisões proferidas por aquela Corte Constitucional, assegurando força vinculante não apenas à parte dispositiva da decisão, mas também aos chamados fundamentos ou motivos determinantes (tragende Gründe).”

Este conceito demonstra que o real intuito do Efeito Vinculante é de ser extensível também à rati      o decidendi e não apenas à parte dispositiva como está acontecendo no Brasil.

Nesse sentido, Gilmar Mendes[26], reconhecendo a origem alemã do efeito vinculante, afirma que o próprio Tribunal Constitucional alemão entende ter tal efeito aplicabilidade também aos motivos determinantes da decisão, diferentemente da coisa julgada e da força de lei com aplicação restrita à parte dispositiva.

Complementa ainda o autor, afirmando que a eficácia da decisão do Tribunal alemão “transcende o caso singular de modo que os princípios dimanados da parte dispositiva e dos fundamentos determinantes sobre a interpretação da Constituição devem ser observador por todos os tribunais e autoridades nos casos futuros”[27].

Existe, contudo, doutrina contrária à incidência do efeito vinculante aos motivos determinantes da decisão, devendo, para esta corrente, tal efeito alcançar apenas a parte dispositiva do julgado, tendo a mesma amplitude da coisa julgada e da eficácia erga omnes.

A aplicabilidade prática desta incidência ou não do efeito vinculante no fundamento determinante de um determinada decisão do Supremo Tribunal Federal em controle abstrato de constitucionalidade, reside na possibilidade de a norma abstrata extraída na decisão atingir também a constitucionalidade de outros atos não questionados na ação originária, mas que com ela guardem igual conteúdo.

Deste modo, sendo a Lei A oriunda do Estado da Bahia, por exemplo, declarada inconstitucional, a adoção ou não do efeito vinculante nos motivos determinantes que levaram a decisão de inconstitucionalidade pode levar a duas consequências completamente distintas. Em caso de tal efeito limitar-se apenas à parte dispositiva da decisão, os demais órgão do Poder Judiciário e a Administração Pública estariam vinculados ao fato de a Lei A ser inconstitucional, não podendo decidir ou agir contrariando este fato. Já para o caso de extensão dos efeitos aos fundamentos determinantes que levaram o STF a decidir pela constitucionalidade da Lei A, a vinculação não se daria apenas à inconstitucionalidade desta lei, mas também para toda lei que se enquadrasse na mesma situação da ratio decidendi em questão.  

Basicamente, é em razão disto que gira toda a celeuma do limite objetivo do efeito vinculante, onde no caso de vinculação dos fundamentos determinantes, deu origem ao que vem sendo chamado de transcendência dos motivos determinantes.

Esta transcendência configura-se como uma preocupação doutrinária com a força normativa da constituição, resultante de sua supremacia.

 

          5.5. A força imperativa do efeito vinculante contrastada com a força da lei

Interessante reflexão deve ser feita no quão forte vem a ser o efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal em controle abstrato de constitucionalidade.

 Como vimos, é dado o direito ao Administrador, no exercício de suas funções, considerando determinada lei inconstitucional, negar cumprimento a ela para seguir diretamente o quanto estabelecido diretamente na Carta Magna, em razão da força normativa da Constituição.

Ao juiz ou tribunal também é dado o direito de declarar a inconstitucionalidade de lei em processos submetidos à sua competência, aplicando também diretamente a própria a Constituição ao caso concreto.

Situação semelhante não ocorre nas decisões com efeito vinculante. Nestes casos tanto a Administração quanto os demais órgãos do Poder Judiciário estarão proibidos de agir ou decidir em desconformidade com o quanto estabelecido na decisão do STF.

Neste caso, o efeito vinculante tem uma força impositiva muito maior que a própria lei, posto que esta pode ser afastada (aplicando-se diretamente a Constituição Federal), enquanto aquele não deixa esta margem ao administrador, nem aos órgãos do Poder Judiciário.

Significa dizer que tanto as decisões com efeito vinculante ou até mesmo as súmulas vinculantes tenham imperatividade superior à das leis, já que não são passíveis de afastamento, devendo ser aplicada ao caso, sem qualquer margem de discussão por parte do administrador público ou juiz, diferentemente do que ocorre com as leis, as quais podem ser consideradas por estes como inconstitucionais, negando sua aplicação ao caso concreto.

Deste modo, tal efeito teria o poder de criar “normas” com hierarquia superior à das leis, posto que constituiriam verdadeiras metanormas, aptas a delimitar a eficácia, validade e interpretação de outras normas[28].

         6. CONCLUSÃO

 

            No controle abstrato de constitucionalidade brasileiro prevalece a teoria da nulidade dos atos inconstitucionais, em detrimento da teoria da anulabilidade, vez que verificando-se o vício de constitucionalidade, a decisão, por ter natureza declaratória, será dotada de efeitos ex tunc, de forma a ser reconhecida a norma por inconstitucional desde a sua criação, possuindo claro efeito retroativo.

Embora esta seja a regra, existe a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal modular os efeitos de sua decisão para que esta somente tenha eficácia a partir do seu trânsito em julgado ou ainda fixar um marco inicial específico no passado ou no futuro para produção de seus efeitos, em razão da segurança jurídica ou de excepcional interesse social. Nesta situação, entende-se que a natureza da decisão não mais será declaratória, mas sim tratar-se-á de uma decisão de natureza constitutiva.

As decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade são dotadas de eficácia erga omnes, ou seja, contra todos, possuindo por isso força de lei, diferentemente das decisões tomadas em controle difuso, que, em regra, são dotadas de eficácia inter partes. Isto ocorre por suscitar-se o controle concentrado de constitucionalidade através de um processo objetivo, em que não há partes formais, mas meros legitimados.

Como a eficácia erga omnes gera para suas decisões força de lei e, em razão disto, sejam seus efeitos oponíveis contra todos, o efeito vinculante vem para aumentar a respeitabilidade a tais decisões, excluindo a possibilidade de torna-las objeto de controle de constitucionalidade pela Administração e demais órgão do Poder Judiciário.

A eficácia erga omnes tem como limite objetivo a parte dispositiva do julgado, assim como a coisa julgada.

Diferentemente, o limite objetivo do efeito vinculante, entendemos, não deve restringir-se ao dispositivo, devendo alcançar também os motivos determinantes da decisão, sendo, inclusive, este o intuito da entrada de tal efeito no ordenamento jurídico brasileiro. É importante esclarecer que este pensamento não é unânime na doutrina e na jurisprudência, pelo contrário. O próprio Supremo Tribunal Federal mudou entendimento para considerar que o efeito vinculante incide apenas sobre a parte dispositiva da decisão.

Quanto ao limite subjetivo do efeito vinculante, os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, estão obrigados a seguir determinando em uma decisão dotada de tal efeito proferida pelo STF em controle concentrado de constitucionalidade. Não se vinculam, contudo, a própria suprema corte, nem o Poder Legislativo.

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Sobre o autor
João Márcio Rêgo Reis

Advogado, Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia e especialista em Direito do Estado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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