5 A BIOPOLÍTICA COMO FATOR DE IMPLEMENTAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
No Estado de Direito Liberal, as Constituições foram idealizadas como mecanismos através dos quais os governos pudessem regular as várias situações que lhes fossem favoráveis. No Estado de Direito Social, o Estado adotou uma postura intervencionista, aumentando sua atuação no sentido de estimular o crescimento e desenvolvimento em atividades ligadas nas áreas de saúde, educação, previdência social dentre outras. Nessa nova forma de Estado, a solidariedade substituiu a individualidade, o interesse coletivo inicia sua prevalência sobre o interesse individual. Os Direitos Fundamentais começam a ocupar seu espaço, de forma legítima, em atenção aos cidadãos, por meio “das palavras que comparecem os corporalizados direitos humanos como tijolos sememáticos que se multiplicam numa autopoiese prolífera, se lidos na estática substantivada do preâmbulo da Constituição Federal (direitos sociais e individuais, liberdade, poder político, Estado, segurança, igualdade, bem-estar, desenvolvimento, justiça)...”[21] assegurando a todos questões de validade legalidade e legitimidade.
O Estado Democrático de direito brasileiro é um Estado de direitos fundamentais. Não constam de forma explícita, mas têm aplicabilidade imediata, determinando ao legislador e ao julgador reconhecê-los como legitimados e esse aplicá-lo no provimento jurisdicional sob pena de nulidade do seu próprio ato estatal. Significa que “As decisões, nesta acepção, só se legitimariam pela pré-compreensão teórica do discurso democrático como base de fundamentação da decidibilidade”[22].
A biopolítica, no contexto do presente artigo, surge como elemento autorizador de uma agregação, bem como aproximação com fatores da realidade humana, ou seja, trabalhando aspectos da vida, relacionados à uma teoria (luta) por reconhecimento jurisdicionalizado, à cidadania democratizada, em cuja democracia brasileira não é difícil encontrar “fissura nos fundamentos”[23], ao poder quanto às suas relações, sua legitimidade sobre aspectos da vida humana e legalidade na sociedade democraticamente constituída. O conceito de igualdade é construído a partir da diferença, com “reflexão autocrítica”[24], cuja cidadania processualmente constituída é que legitimará a democraticidade do Estado constituído, haja vista que “Os direitos são atribuídos ao homem (ou brotam dele), somente na medida em que ele é o fundamento, imediatamente dissipante (e que, aliás, não deve vir à luz como tal), do cidadão”[25]. O poder, nesse sentido, origina-se do cidadão, não partindo de instituições alheia à realidade social. A biopolítica, então, como elemento de incentivador de “desconstrução normativa”[26], manifesta-se no sentido tornar público sua frustração aos mecanismos utilizados pelas democracias autoritárias na produção de “corpos dóceis e obedientes”[27], desencadeando uma vontade de libertação.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O novo ordenamento constitucional legitima, em uma processualidade democrática, o exercício de uma cidadania legitimada nos direitos fundamentais, cujo processo, sendo uma instituição constitucionalizada no Estado Democrático de Direito, há de ser o meio através do qual o poder, em sua estrutura clássica alicerçada em modos de dominação e na crença na legitimidade em bases jurídicas, poderá ser desconstruído para uma nova reconfiguração legitimando o Povo, por meio de um poder legítimo, com sujeito constitucional.
No Estado Democrático de Direito, fazendo uma releitura do processo como constitucionalizante de direitos fundamentais, bem como demonstrando que o poder originariamente construído, seja em uma imposição à própria vontade na relação social, seja que para continue existindo na forma em que foi criado necessita de vontades submetidas, não mais se ampara em uma pretensão legitimidade, pelo contrário, tenta perpetuar o autoritarismo, na formato de déspotas esclarecidos.
A biopolítica, em um contexto de Estado processualmente democrático, age como mecanismo de reivindicação democrática e inclusão social, sendo aparelho legítimo dentro dos Estados constituídos democraticamente para questionamento de qualquer manifestação de autoritarismo e ilegalidade por parte do daquele ou autoridades constituídas.
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