Comissões Parlamentares de Inquérito:

poderes, limitações e respeito aos direitos e garantias fundamentais

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29/01/2015 às 21:01

Resumo:


  • As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) são instrumentos do Poder Legislativo com poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, mas sujeitas a limites para proteger direitos e garantias fundamentais.

  • Para a criação de uma CPI, são necessários requisitos como requerimento de um terço dos membros, apuração de fato determinado e prazo certo, com possibilidade de encaminhar conclusões ao Ministério Público.

  • As CPIs podem determinar a quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico, mas não podem realizar atos que invadam a cláusula de reserva de jurisdição, como busca e apreensão domiciliar, interceptação telefônica e prisão sem ordem judicial.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Análise acerca das Comissões Parlamentares de Inquérito com a pretensão de auferir se a atuação das comissões estão em conformidade e respeito com os direitos e garantias fundamentais constitucionais.

RESUMO: O artigo tem por finalidade fazer uma análise acerca das Comissões Parlamentares de Inquérito enquanto uma das funções típicas do Poder Legislativo que tem a tarefa primordial de vigiar e controlar os negócios públicos. Para efeito de delimitação do tema, além dos requisitos indispensáveis à sua criação, serão abordados no presente estudo, os poderes e os limites que possuem as CPI’s durante as investigações de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal bem como a utilização de doutrina e legislação com a pretensão de auferir se a atuação das comissões estão em conformidade e respeito com os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil.

Palavras-Chaves: Direitos e Garantias Fundamentais; Comissões Parlamentares de Inquérito; Poderes e limitações.

INTRODUÇÃO

O Poder Legislativo possui a tarefa precípua de legislar como função típica, sendo uma destas, fiscalizar e controlar os atos dos demais poderes, para que assim sejam evitados excessos e irregularidades que ferem diretamente a democracia instalada no nosso ordenamento jurídico com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Essa competência diz respeito às atividades de administrar e julgar, sendo a primeira vislumbrada quando o Legislativo cria cargos, define plano de carreiras dos servidores; e a segunda quando julga seus membros, até mesmo o Presidente da República nos crimes de responsabilidade.

Nesse diapasão é que surge as Comissões Parlamentares que são órgãos colegiados, integrantes da estrutura do Congresso Nacional e das Casas Legislativas, bem como das Assembleias Legislativas (CPIs estaduais) e Câmaras Municipais (CPIs municipais). Entretanto, as comissões criadas pelas assembleias legislativas e câmaras municipais devem respeitar o Artigo 58, §3º da Constituição da República Federativa do Brasil por ser norma de observância obrigatória em respeito ao princípio do pacto federativo previsto no Artigo 1º.

As Comissões Parlamentares de Inquérito encontram respaldo legal no Artigo 58, §3º, CF/88 sendo utilizadas pelo Poder Legislativo para investigar fato determinado e por prazo certo, sendo as conclusões, se for o caso, enviadas ao Ministério Público para que este promova a responsabilidade civil e/ou criminal dos infratores.

Vale salientar que as CPI’s possuem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, conforme explicita o artigo aludido, o que na pratica, demonstra certo abuso por meio das atitudes tais como, a quebra de sigilo de dados, bancário e telefônico sem autorização legal e prisão de depoentes e suspeitos.

Com base nisto, o presente artigo tem como objetivo analisar os limites e os poderes das CPI’s utilizando fontes como a legislação, doutrina e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para poder auferir se dentro dessa limitação existe a intenção de se proteger os direitos e as garantias fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988.

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS PREVISTOS NA CF/88 E SUA RELAÇÃO COM AS CPI’s

A expressão direitos fundamentais encontra-se na Constituição de 1988 em seu Título I denominado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” e trazem em seu seio direitos inerentes à condição humana, como por exemplo, o direito à vida, à imagem, à inviolabilidade do domicílio e também os meios disponíveis para efetivá-los e sob esse prisma temos as ações constitucionais como instrumentos utilizados pelos cidadãos[1].

O Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que os direitos e as garantias fundamentais previstos na CF/88 não merecem ser desprezados, devendo ser sempre observados em qualquer hipótese[2]. Sendo assim, diante dessa necessidade, mostra-se concreta a ideia de se impor limites aos poderes que detém as Comissões Parlamentares de Inquérito nas suas atividades investigativas para que não haja usurpação de direitos fundamentais.

Neste tópico, far-se-á uma análise de alguns direitos e garantias fundamentais que possuem maior relevância em relação às CPI’s para que se tenha o devido respeito tanto a nossa Constituição quanto aos investigados, evitando-se assim que essa tarefa investigativa possa gerar humilhações, desavenças e constrangimentos abusivos.

 O direito ao silêncio está assegurado pelo Pacto de São José da Costa Rica em seu artigo 8º, possuindo status de norma supralegal, pois é hierarquicamente superior ao Código Civil e ao de Processo Civil, ficando logo abaixo da Constituição[3]. Este privilégio também está previsto constitucionalmente[4] e se traduz como um direito de autodefesa do imputado onde este não poderá ser obrigado a produzir prova contra si mesmo.

É, pois, um direito assegurado a qualquer pessoa seja ela vítima, investigado, acusado, testemunha. Convém acrescentar que a expressão “preso” a que se refere o dispositivo constitucional abarca qualquer indivíduo citado anteriormente, sendo para o direito indiferente se está preso ou solto.

Sendo assim, não é permitido a nenhuma autoridade pública constranger qualquer pessoa para confirmar fatos que possam prejudica-las, bem como é inadmissível determinar consequências que importem malefícios a quem utilizou este legítimo direito garantido. Essa afirmação possui entendimento pacífico no Supremo Tribunal Federal, vejamos:

 PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - CPI. DIREITO AO SILÊNCIO. TESTEMUNHA. AUTO-ACUSAÇÃO. LIMINAR DEFERIDA PARA DESOBRIGAR A PACIENTE DA ASSINATURA DE TERMO DE COMPROMISSO. PREJUDICIALIDADE SUPERVENIENTE. I - É jurisprudência pacífica no Supremo Tribunal Federal a possibilidade do investigado ou acusado permanecer em silêncio, evitando-se a auto-incriminação. II - Liminar deferida para desobrigar a paciente da assinatura de Termo de Compromisso. III - A realização da oitiva, garantidos os direitos da paciente, implica a prejudicialidade do feito. IV - HC conhecido e julgado prejudicado[5].

Portanto, apesar de o direito ao silêncio alcançar as testemunhas, estas podem abster-se de revelar ou confirmar fatos que lhes tragam prejuízo, mas possuem o dever de comparecer ao interrogatório, responder ao que for indagado e dizer somente a verdade[6].

Igualmente relevante destacar outro direito fundamental resguardado pela Constituição, qual seja a assistência técnica do advogado [7] que consiste em determinar que os advogados se façam presentes e estejam participando dos procedimentos judiciais e administrativos. No âmbito das Comissões Parlamentares de Inquérito, esses profissionais devem participar das investigações oferecendo as orientações necessárias aos seus clientes e até mesmo vir a intervir diretamente caso haja claro desrespeito à lei ou à Constituição.

Assim, tem o advogado a prerrogativa de cuidar da defesa técnica do seu cliente de maneira pura para que exista o cumprimento do seu mandato profissional de forma a satisfazer os interesses daquele que o constitui como patrono.

Por último, o texto constitucional também traz o direito ao sigilo profissional [8] como um fator indispensável para determinadas categorias de profissionais. Tal direito se justifica no sentido de que deve haver confiança e sigilo entre as partes enquanto houver o desempenho da profissão, sendo, portanto, perfeitamente justo o reconhecimento desse privilégio em nosso ordenamento jurídico.

Diante deste fato, as CPI’s e nem o Poder Judiciário podem determinar a quebra do sigilo profissional bem como é vedado à violação dos meios em que se exercite o sigilo profissional, seja através de correspondências, documentos confidenciais e computadores. O Supremo Tribunal Federal já se posicionou sobre esse tema e asseverou que tanto testemunhas quanto os indiciados por uma CPI possuem o direito de ficar em silêncio quando for indagado e a resposta trouxer uma possível quebra do sigilo profissional, não podendo ser prejudicados em nenhuma hipótese [9].

REQUISITOS PARA A CRIAÇÃO DAS CPI’s

A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece em seu texto os limites à atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito, sendo imprescindível a observância destes para que haja legitimidade em seu procedimento. É o que se depreende do exposto no artigo 58, §3º:

Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

§ 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores. [1]

 

Assim, para que exista a CPI na Câmara dos Deputados, Senado Federal, legislativo estadual ou municipal, este último em razão do disposto no artigo 29, caput, XI, CF/88, é necessário cumprir três requisitos cumulativos: requerimento de 1/3 (um terço) dos membros, apuração de fato determinado e prazo certo e sendo o caso, que as conclusões sejam remetidas ao Ministério Público.

Há ainda a possibilidade de haver as chamadas CPMI’s que são comissões mistas formadas pelas duas casas legislativas do Congresso Nacional. Neste caso, é necessário preencher o quórum de 1/3 (um terço) em cada casa, conforme o que dispõe o artigo 21 do Regimento Interno do Congresso Nacional [2].

Apesar de estar prevista no texto constitucional, nada impede que as CPI’s possam ser reguladas por outras normas, é o caso da Lei 1.579/52 que dispõe sobre o tema ora objeto de análise. Algumas observações acerca dos requisitos constitucionais para a criação das CPI’s são pertinentes, a começar pelo quórum de instalação de 1/3 (um terço) dos parlamentares que deve ser analisado pela Mesa Diretora da Casa respectiva no momento do protocolo com o pedido de instauração [3].

Esse requisito é direito das minorias legislativas em poder instaurar o inquérito parlamentar para permitir a fiscalização da coisa pública. O Pretório Excelso já se posicionou acerca do tema:

EMENTA: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - DIREITO DE OPOSIÇÃO - PRERROGATIVA DAS MINORIAS PARLAMENTARES - EXPRESSÃO DO POSTULADO DEMOCRÁTICO - DIREITO IMPREGNADO DE ESTATURA CONSTITUCIONAL - INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO PARLAMENTAR E COMPOSIÇÃO DA RESPECTIVA CPI - TEMA QUE EXTRAVASA OS LIMITES "INTERNA CORPORIS" DAS CASAS LEGISLATIVAS - VIABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL - IMPOSSIBILIDADE DE A MAIORIA PARLAMENTAR FRUSTRAR, NO ÂMBITO DO CONGRESSO NACIONAL, O EXERCÍCIO, PELAS MINORIAS LEGISLATIVAS, DO DIREITO CONSTITUCIONAL À INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR (CF, ART. 58, § 3º) - MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO. CRIAÇÃO DE COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO: REQUISITOS CONSTITUCIONAIS [4].

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Desta forma, a maioria legislativa não pode cercear o direito das minorias em obter a instauração das CPI’s se houver o respeito ao quórum mínimo exigido para o requerimento e preenchido os demais requisitos. A doutrina majoritária entende que após a manifestação de vontade de 1/3 (um terço) dos membros, a CPI está criada, sendo um dos seus defensores Plínio Salgado:

A criação das comissões parlamentares de inquérito se dá mediante requerimento subscrito pelo menos por um terço dos membros de qualquer das Câmaras do congresso, ou de ambas, em conjunto, como está prescrito no artigo 58, §3º, da Carta Magna em vigor. Basta o cumprimento deste requisito, além é obvio, da indicação de fato determinado, e a comissão será automaticamente criada, para funcionar por prazo certo. Ao comentar o preceito similar, da Constituição de 1967, Pontes de Miranda enfatiza com propriedade que ‘há o dever de criar a comissão de inquérito, porque o art. 37 foi explicito em estatuir que se há de criar (verbo ‘criação’), desde que o requeira um terço ou mais dos membros da câmara ou das câmaras’.  Na espécie, o direito da minoria parlamentar (um terço), por este mesmo aspecto, exige norma expressa na Constituição, e daí, o acerto dos Constituintes, ao introduzi-la no texto maior [5].

Esse posicionamento é correto, pois a Constituição não tratou de nenhuma deliberação legislativa após o requerimento dos membros para a instauração da CPI e as condições para a sua criação estão disciplinadas no artigo 58, §3º. O Supremo Tribunal Federal também firmou entendimento de que a sujeição do requerimento à aprovação da maioria parlamentar causa embaraço ao exercício da atividade de fiscalização, além de violar o direito das minorias [6].

Também de acordo com o Supremo, é constitucional a previsão do regimento da Câmara dos Deputados que limita a quantidade de CPI’s que podem tramitar na casa em 5 (cinco) [7]. A justificativa está embasada no artigo 51 e incisos III e IV da Constituição que prevê à esta casa, o direito de elaborar o seu regimento interno de modo que organize e estruture o seu funcionamento.

O fato determinado é outro requisito imprescindível para a criação da CPI, e de acordo com o regimento interno da Câmara dos Deputados em seu artigo 35, §1º, pode ser entendido como

Ocorre que pode haver a ampliação do objeto da CPI desde que este alcance fatos imprevisíveis, conforme entendimento do Ministro Joaquim Barbosa [9]. Para que isto ocorra, basta haver o aditamento do requerimento de criação da Comissão. A respeito do requisito fato determinado, Barbosa leciona:

A locução ‘fato determinado significa antes de uma necessidade de fundamentação da criação de uma determinada comissão congressual de inquérito, do que uma restrição da matéria objeto de investigação [10].

Em conclusão, o fato determinado é o que motiva a investigação sendo um caso concreto, e a superveniência de um novo acontecimento relevante que seja conexo com o objeto principal da CPI não obsta o seu transcurso normal. Vale ressaltar que cada Casa legislativa detém a competência de criar CPI’s que digam respeito somente ao que seja da sua alçada, não podendo interferir nem investigar matérias reservadas às outras casas.

Seguindo a dicção constitucional, outro requisito se refere ao tempo da CPI que deve ter prazo certo, já tendo o STF se manifestado acerca do que vem a significar tal expressão [11]. Para tanto, a Corte Constitucional checou dois dispositivos que se referem ao tema, sedo o artigo 35, §3º do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e o artigo 5º, §2º da Lei 1.579/52 abaixo transcritos:

Art. 35, §3º - A comissão, que poderá atuar também durante o recesso parlamentar, terá o prazo de cento e vinte dias, prorrogável por até metade, mediante deliberação do Plenário, para conclusão dos seus trabalhos.

 

Artigo 5º, §2º - A incumbência da Comissão Parlamentar de Inquérito termina com a sessão legislativa em que tiver sido outorgada, salvo deliberação da respectiva Câmara, prorrogando-a dentro da Legislatura em curso.

É notável que de um lado o Regimento Interno fala sobre o prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias levando em consideração a prorrogação e, de outro, temos a lei que prevê o encerramento da CPI no fim da sessão legislativa, podendo ser delongada até o fim da legislatura. Desta forma, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o marco final do funcionamento das Comissões Parlamentares de Inquérito é o final da legislatura que é de 4 (quatro) anos.

PODERES E LIMITES DAS CPI’S: UMA ANÁLISE DA ATUAÇÃO DESSAS COMISSÕES E O (DES) RESPEITO AOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

A polêmica que envolve as Comissões Parlamentares de Inquérito reside em relação aos poderes investigativos e os limites de atuação dessas comissões. Como não há uma lista de atribuições do Poder Legislativo em suas atividades no inquérito ocorrem divergências entre os limites constitucionais nessa atividade e a capacidade investigativa [1]·. Tais divergências são solucionadas pelo Poder Judiciário que decide com base em casos concretos o que pode e o que é vedado pelas CPI’s.

Assim, as Comissões Parlamentares de Inquérito estão limitadas pela competência, pelo seu conteúdo e pela matéria de investigação político-administrativa [2]. Diante desse contexto, serão apresentados no decorrer deste capítulo os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais já prolatados pelo STF que embasam os limites das CPI’s.

A Constituição de 1988 previu a existência das comissões temporárias e permanentes no artigo 58, situando-se nesse mesmo dispositivo as CPI’s como um meio de exercício investigativo do Poder Legislativo. Ocorre que no artigo 49 que trata da competência exclusiva do Congresso Nacional, inciso X, temos:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

(...)

X - fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta; [3]

Dessa forma, as CPI’s possuem poderes amplos, mas restritos dentro da competência de cada Casa. A expressão inscrita no artigo 58, §3º “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” é criticada por alguns doutrinadores, pois não foram dados todos os poderes que as autoridades judiciais possuem [4]. Em conclusão, podemos afirmar que o primeiro limite da tarefa investigativa das comissões parlamentares é a cláusula de reserva de jurisdição.

Essa reserva de jurisdição diz respeito aos atos que precisam da determinação de juízes ou dos Tribunais. Barroso justifica esse princípio em razão da insensatez que seria:

Retirar bens e valores integrantes do elenco secular de direitos e garantias individuais do domínio da serena imparcialidade de juízes e Tribunais, e arremete-los para a fogueira das paixões politizadas da vida parlamentar [5].

O que se quer afirmar com isso é que seria injusto atribuir para os parlamentares uma prerrogativa que é em sua essência destinada aos juízes e aos Tribunais que na prática, decidem de maneira imparcial, e que se fosse compartilhado entre os parlamentares, poderia comprometer o bom andamento do inquérito parlamentar.

Em determinados momentos históricos foi necessário a deliberação de atos revestidos pela cláusula de reserva de jurisdição de forma que se tornou imprescindível para a apuração nas investigações, de modo que o Poder Judiciário precisou ser acionado para de forma fundamentada decidir sobre a realização da medida.

Diante disso, é vedado às CPI’s determinar a busca e apreensão domiciliar, pois conforme o artigo 5º, XI, CF/88, a casa é asilo inviolável do indivíduo e ninguém pode adentrá-la sem o consentimento do morador, salvo nos casos de desastre, flagrante delito e para prestar socorro, sendo durante o dia, por determinação judicial [6].

Também é proibido determinar quebra de sigilo das comunicações telefônicas, diante do exposto no artigo 5º, XII, CF/88, pois tal implementação depende da ordem judicial, na forma que a lei estabelecer e para fins de investigação criminal ou instrução penal [7].

Para que ocorra a decretação da prisão, segundo a Constituição no artigo 5º, inciso LXI, salvo a de flagrante delito e transgressões disciplinares militares, é necessária a ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente [8].

Por fim, as Comissões Parlamentares de Inquérito não possuem o poder geral de cautela, sendo proibido o consentimento de cautelar seja típica ou atípica [9]. Este poder só pode ser exercido pelos juízes, pois a tarefa da CPI é meramente investigativa, não há que se falar em uma sentença futura a ser prolatada e as cautelares servem para assegurar a eficácia dessa decisão, sendo incabível e inviável a decretação de medidas acautelatórias.

Em respeito à separação dos Poderes registrada em nossa Constituição, cabe assinalar que o alcance das atividades das CPI’s está dentro da atuação do Poder Legislativo, só podendo ser investigado os fatos que estejam diante da competência de controle e fiscalização deste Poder.

Nesse sentido, a CPI não pode anular atos de outros Poderes que não seja o Legislativo, bem como é vedado rever o mérito de determinada decisão judicial de modo a convocar o magistrado para investigar a sua atuação [10].

Porém, as comissões são autorizadas a investigar atos não jurisdicionais praticados por servidores do Judiciário e/ou seus integrantes quando estiverem sujeito à fiscalização do Legislativo por força da Constituição [11] e em casos de crimes de responsabilidade praticados por juízes do STF que estão sujeitos – atipicamente – ao controle jurisdicional do Senado Federal [12].

Quanto ao pacto federativo consagrado também na Constituição em sua organização dada pela aliança entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, é proibido a CPI de esfera federal se prontificar a investigar assuntos aos quais não sejam de seu interesse, como por exemplo, interesse regional ou local que não tragam reflexos no plano nacional [13].

Feita as considerações mais importantes sobre as limitações das CPI’s, pode-se apresentar os poderes que possuem as comissões, com base em decisões consolidadas da jurisprudência do STF.

O Supremo Tribunal Federal tem entendido pela possibilidade de determinar pelas comissões a busca e apreensão de documentos e equipamentos que impliquem em violação de domicílio [14]. A doutrina também compactua da mesma ideia

A busca pessoal nas dependências e nas cercanias das Casas Legislativas em razão do exercício do poder de polícia de que dispõe o Poder Legislativo na guarda e proteção de seu patrimônio, conforme prescreve os artigos 51, IV e 52, XIII, da Constituição Federal. Desta forma, nada impede que dentro dos limites geográficos que circunscrevem a Câmara dos Deputados e o Senado Federal seja exercido o poder de polícia com a busca pessoal e até a prisão daqueles que porventura coloquem em perigo o patrimônio e a integridade física dos seus componentes [15].

Enquanto doutrina e jurisprudência admitem essa possibilidade supracitada, o mesmo não se pode afirmar quanto à busca e apreensão domiciliar, sendo esta vedada por ser cláusula de reserva de jurisdição conforme exposto anteriormente, podendo ser requerida somente ao magistrado e este, aceitando cabível, acatar o pedido.

As CPI’s também podem determinar a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico através de decisão fundamentada com embasamento no artigo 3º da Lei 9.296/96, artigo 1º, §4º da Lei Complementar 105/01 e artigo 198, §1º do Código Tributário Nacional [16].

A quebra de sigilo bancário pelas CPI’s é excepcional, pois constitui direito fundamental à intimidade, porém considera-se legítima a partir do momento em que se objetiva elucidar delitos patrimoniais e financeiros, conforme ementa abaixo transcrita:

COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - PODERES DE INVESTIGAÇÃO (CF, ART. [58]§ 3º)- LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS - LEGITIMIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL - POSSIBILIDADE DE A CPI ORDENAR, POR AUTORIDADE PRÓPRIA, A QUEBRA DOS SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO - NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO DELIBERATIVO - DELIBERAÇÃO DA CPI QUE, SEM FUNDAMENTAÇÃO, ORDENOU MEDIDAS DE RESTRIÇÃO A DIREITOS - MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL [17]

Portanto, fica claro que a fundamentação para a determinação da quebra se dê de forma fundamentada e pautada em interesse público que se manifeste de forma excepcional e fixe o momento ao qual a investigação tem interesse com a finalidade de evitar que a intimidade do investigado seja violada mais do que o necessário.

O sigilo telefônico diz respeito aos dados históricos de comunicações telefônicas e também guarda de maneira intrínseca o direito à intimidade, mas pode ser determinada a sua quebra pela CPI que pode exigir das companhias de telefonia que lhes sejam cedidos os dados indispensáveis à investigação:

A quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico de qualquer pessoa sujeita à investigação legislativa pode ser legitimamente decretada pela Comissão Parlamentar de Inquérito, desde que esse órgão estatal o faça mediante deliberação adequadamente fundamentada e na qual indique a necessidade objetiva da adoção dessa medida extraordinária [18].

É relevante anotar que a quebra do sigilo telefônica não guarda semelhança com a interceptação telefônica, pois a primeira possibilita o acesso aos dados referentes aos registros de comunicações telefônicas passadas e a última depende de autorização judicial para que seja decretada já que o alvo é a escuta da conversa no momento em que ocorre.

A quebra do sigilo fiscal também pode ser um meio hábil para o esclarecimento de determinadas condutas ilícitas que podem configurar crimes, sendo também mais um dos poderes da CPI. O sigilo fiscal diz respeito a informações que digam respeito aos negócios, atividades econômicas ou financeiras, bem como de responsáveis por obrigações tributárias [19].

As comissões estão ainda autorizadas a utilizar os meios investigativos, utilizando-se para tanto de alguns mecanismos que possibilitem a realização de suas tarefas, podendo informações e documentos que forem necessários serem requisitados pelo órgão de investigação político-administrativa. Dessa forma, a comissão pode requerer auditorias, acareações, reconhecimento de pessoas e outras, colheita de provas que tenham o condão de esclarecer fatos [20].

Há também a possibilidade de oitiva de indiciados e testemunhas, além de autoridades para prestar esclarecimentos e informações necessárias à investigação. A citação deve seguir a dicção e o trâmite processual do Código de Processo Penal sendo feita de forma pessoal, sendo intoleráveis citações postais ou através de comunicação telefônica [21]. É possível a condução coercitiva da testemunha que se recusa de forma injustificada a depor:

Se o depoente exime-se, sem razão plausível, de comparecer ao ato para o qual foi convocado, como testemunha, pode valer-se a Comissão Parlamentar de Inquérito da condução debaixo de vara do que há de depor [22].

Os Ministros de Estado podem ser convocados para depor desde que o motivo esteja ligado aos assuntos que guardem relação com as atribuições do cargo em que exercem não sendo ouvidos como testemunhas e caso sejam convocados e não compareçam, estarão incorrendo em crime de responsabilidade [23].

Já em respeito à tripartição de poderes, Presidente da República e o seu Vice, bem como os Ministros do Supremo Tribunal Federal não são obrigador a comparecer e nem poderão ser convocados a prestar depoimentos as CPI’s, pois em caso afirmativo, estaria havendo uma ingerência entre os poderes estando o Executivo e o Judiciário se subordinando ao Legislativo. A mesma ideia é válida para as CPI’s estaduais e municipais que impedem o chamamento dos Governadores, Prefeitos e os seus respectivos vices.

Existe um precedente no STF com respeito a intimação dos indígenas em uma CPI, podendo somente proceder a oitiva de um índio desde que seja na sua área indígena e não fora do seu habitat, e mais, com data e horário previamente definidos e agendados, acompanhando de um representante da FUNAI – Fundação Nacional do Índio e de antropólogo [24].

Para encerrar o tema, vale fazer a análise da locução final do artigo 58, §3º que preleciona que as conclusões em sendo o caso, serão encaminhadas ao Ministério Público que promoverá a responsabilidade civil ou criminal dos infratores,

Significando que as conclusões de comissões parlamentares de inquérito são decisões definitivas, cuja executoriedade independe de apreciação ou aprovação de outro órgão. Nada impede que a comissão, por si, submeta suas conclusões ao Plenário [25].

Ou seja, as conclusões das CPI’s não obrigam o Ministério Público e nem o vinculam, tendo o mesmo autonomia para atuar da maneira que julgar necessário e não existindo também nenhuma obrigação para que cumpra o que for recomendado pelo relatório final que resultou da intensa investigação parlamentar [26].

Vale frisar que a Lei nº 10.001/2000 deu prioridade aos ritos procedimentais que serão adotados pelo Parquet nos casos de conclusões das CPI’s de modo que as diligências a serem tomadas para a responsabilização dos infratores se dê de maneira célere [27].

Quanto às provas obtidas pelas CPI’s passarão pelo crivo do Poder Judiciário, tendo em vista que àquelas alcançadas por meios ilícitos não são aceitas em nosso ordenamento jurídico [28]. Esse controle judicial pode se dá tanto na fase investigativa quanto na fase posterior à investigação mediante a provocação do Judiciário, respeitando o princípio da inércia.

Para finalizar, consideram-se como exemplo de provas ilícitas aquelas obtidas quando a comissão extrapolar os seus poderes e limitações já relatadas anteriormente. O controle judicial exercido pelo STF nesses casos será utilizado, em regra, através de mandado de segurança e habeas corpus no caso de CPI federal. Se for em nível estadual, o Tribunal de Justiça do Estado tem a competência para o julgamentos dos atos e em sendo CPI municipal, competente será o juiz da comarca em que está instaurada a comissão.

CONCLUSÃO

As Comissões Parlamentares de Inquérito trazem uma grande contribuição para o Estado Democrático de Direito existente no ordenamento jurídico brasileiro a partir do momento em que se presta a investigar fatos relacionados com a incompetência e desonestidade que na maioria das vezes entravam o bom desempenho e a gestão da coisa pública.

No entanto, as limitações existentes e os poderes aos quais possuem estas comissões são nada mais do que um freio para coibir eventuais desrespeitos que afetem frontalmente os direitos e as garantias fundamentais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil.

Apesar de a Constituição outorgar às CPI’s poderes de investigação próprios de autoridades judiciais, isso não quer dizer que os membros componentes destas comissões possam agir obtendo todas as prerrogativas dadas aos magistrados, pois para tanto, existe a limitação encontrada na clausula de reserva de jurisdição.

Ainda, as CPI’s sujeitam-se ao controle jurisdicional que não contraria a tripartição dos poderes, pois este controle visa somente coibir as casuais abusividades que as comissões possam vir a cometer em determinado momento da tarefa investigativa. Desta forma, as limitações e os poderes dados as CPI’s são meios hábeis para não haver tanto a ingerência de um poder sobre o outro quanto preservar e efetivar os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição.

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Sobre o autor
Pierre Almeida

- Graduado em Direito. Estácio/FAL, conclusão em 2013.2;<br>- Pós-graduando em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário. Estácio/FAL (em andamento);<br>- Advogado inscrito na OAB/RN, nº 12.680.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo publicado durante o curso de Pós Graduação em Direito Público pela Estácio/FAL, orientado pela Ms. Claudia Vechi Torres na disciplina "Direitos e Garantias Fundamentais e Ações Constitucionais".

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