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A Medida Provisória 664/2014 e a vedação do retrocesso dos direitos sociais

03/02/2015 às 12:46
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O objetivo deste trabalho é mostrar que a Medida Provisória 664/2014, é um retrocesso dos Direitos Sociais consagrados na Constituição Federal de 1988

O objetivo deste trabalho é mostrar que a Medida Provisória 664/2014 é um retrocesso  dos Direitos Sociais consagrados na Constituição Federal de 1988, e de um modo geral podem ter seus efeitos suspensos através de arguição de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal ou através de rejeição pelo Congresso Nacional.

Iniciando a explanação, cumpre destacar que o artigo 62 da Constituição Federal dispõe que, no caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, assim está disposto: 

“Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

Conforme se verifica do "caput" do artigo 62 da Constituição Federal este ditou as premissas as quais deverá se pautar a futura edição de Medida Provisória, ou seja, deve haver relevância e urgência.

Pelo termo relevância podemos entender aquela medida que sobressai entre as demais, e como urgência, podemos entender aquilo que é inadiável ou indispensável, sob a iminência de ocorrência de determinado risco. Posto essas considerações iniciais, passaremos a analisar se o objeto da Medida Provisória de fato é relevante e urgente.

A MP em questão foi editada na calada da noite de 30 de dezembro de 2014, sob o argumento de necessidade de adequação do sistema previdenciário diante da alegação de déficit.

Primeiro é de se observar que há décadas tem sido reiteradamente veiculado na imprensa que a Previdência Social fechou o ano com déficit. O que não é verdade, já que estudos apontam que os recursos arrecadados pela Previdência é bem superior aos valores pagos a título de benefícios.

Ora, se há décadas o sistema está deficitário, como quer fazer crer o Governo, então onde está a urgência para edição de referido saco de maldades como tem sido popularmente chamada referida medida, na calada da noite, ao invés de obedecer os tramites normais.

Dentro do contexto legislativo brasileiro, a Medida Provisória tem força de lei, mas a sua edição depende do preenchimento de alguns requisitos primordiais, entre eles a relevância e urgência da medida.

Diante da não demonstração de urgência para edição da MP, verifica-se a existência de um vício formal na sua edição, e uma vez existindo vício formal o ato legislativo pode ser atacado via Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI), já que a sua finalidade é declarar que uma lei ou parte de seu texto é inconstitucional, ou seja, contraria a Constituição Federal.

O art. 246 da Constituição Federal, veda a edição de Medida Provisória na regulamentação de artigo da constituição  cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até 11 de setembro de 2001, quando da entrada em vigor da EC 32, isto porque o § 11 do artigo 201 da Constituição Federal que dispõe que os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei, foi regulamentado exatamente neste período.

Ao meu ver, a MP 664 de 30 de dezembro de 2014, está regulamentando artigo da Constituição Federal, por isso existe vício formal em seu elaboração.

Cumpre salientar que o objetivo desta MP, conhecida como saco de maldades é economizar cerca de 18 milhões. Ora se o objetivo do Governo é uma economia na importância de 18 milhões, o que justifica então não fazer uma redução em seus ministérios, ou deixar de efetuar corte nos gastos públicos, ao invés de atribuir referida culpa somente para a população. Sendo assim, através de Ação Direta de Inconstitucionalidade, os efeitos da MP, podem ser perfeitamente afastada pelo Supremo Tribunal Federal.

Outra forma encontrada para obstar os efeitos deste saco de maldades é a rejeição pelo Congresso Nacional, o pode ser expressa ou tácita. Segundo Lincoln Nolasco “uma vez rejeitada expressamente pelo Legislativo, a medida provisória perderá seus efeitos retroativamente, cabendo ao Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas dela decorrentes, no de 60 dias, através de decreto legislativo”.

Rejeitada a medida provisória por qualquer das Casas, cabe ao seu Presidente a comunicação ao Presidente da República, publicando em seguida o ato declaratório de sua rejeição. E uma vez rejeitada, não poderá haver sua reedição na mesma sessão legislativa, conforme disposto do § 10 do art. 62 da Carta Constitucional, já que sua reedição configura crime de responsabilidade contra o livre exercício do Poder Legislativo.

Já a rejeição tácita, ocorre quando o Congresso Nacional não aprecia a medida provisória em tempo hábil, ou seja, ela perderá sua eficácia, resultando assim, em rejeição tácita. De qualquer forma, seja a rejeição expressa, seja tácita, fica vedado a sua reedição na mesma seção legislativa sob pena de configuração de crime de responsabilidade contra o livre exercício do Poder Legislativo.

Reitero aqui que referido saco de maldades conforme ficou conhecida a MP 664 de 30 de dezembro de 2014, foi editada na calada da noite sem a devida obediência aos ditames constitucionais do art. 62, uma vez que não demonstrada a relevância e urgência.

Em 2005, foi editada uma medida provisória que levou o número 242, pelo então Presidente da República há época, Luiz Inácio Lula da Silva, que alterava a forma de cálculo do auxílio-doença e auxílio-acidente, no entanto ao Julgar a ADIN 3467/DF, o Supremo Tribunal Federal afastou os seus efeitos, sendo que o voto condutor foi da lavra do Ministro Marco Aurélio que relatou o seguinte:

“Relativamente, ao auxílio-doença, o sistema consagrado pela Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, foi alterado, com restrição ao benefício, mediante medida provisória. Está-se diante do trato de matéria em sentido contrário aos avanços que se quer havidos no campo social. Os preceitos constantes da medida provisória são conducentes a concluir-se pela modificação dos parâmetros alusivos à aquisição do benefício auxílio-doença. Em síntese, acionou-se permissivo, a encerrar exceção, da Lei Fundamental – o instrumento, ao primeiro passo e sem prejuízo da normatividade, monocrático da Medida Provisória – para mudar as balizas do sistema de benefício. Vislumbrou-se relevância e urgência na restrição do auxílio-doença. Desprezou-se a necessidade de as alterações, antes de surtirem efeito, passarem pelo crivo dos representantes do povo – deputados federais – e dos representantes dos Estados – senadores da República. Entendeu-se possível prescindir da lei em sentido formal e material, olvidando-se, até mesmo, a possibilidade de se encaminhar projeto de lei, requerendo, o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, a urgência disciplinada no art. 64 da Constituição Federal. Tudo foi feito considerada a quadra deficitária da Previdência Social – que não é de hoje e que tem origem não na outorga do benefício auxílio-doença a trabalhadores que a ele tivessem jus, de acordo com a Lei n° 8.213/91, mas em distorções de toda a ordem, sem levar em conta as fraudes que custam a ser coibidas. Vejo a situação revelada por estas ações diretas de inconstitucionalidade como emblemática, a demonstrar, a mais não poder, o uso abusivo da medida provisória”, considerando ainda que a MP representou “violência ao art. 246 da Constituição Federal”.

Daí, os segurados que se sentirem lesados pela MP 664 de 30 de dezembro de 2014, poderão se socorrer ao Poder Judiciário com o objetivo de terem seus direitos preservados.

Se o objetivo de referida MP de fato tem a ver com a situação econômica do País, outras medidas deveriam terem sido tomadas pelo Poder Executivo, o que não pode é subtrair direitos dos segurados e seus dependentes, pois como mencionou o Ministro Marco Aurélio, se o sistema está deficitário, isso não é de hoje, e o Executivo deveria se preocupar por exemplo com o combate a fraudes, tanto na concessão de benefícios como na sonegação de impostos.

Os princípios que regem a seguridade social é a proteção de contingências sociais, e entre elas está o evento morte, se é que pode ser chamado este infortúnio de evento.

No direito brasileiro, a proteção do risco morte por exemplo, um dos direitos afetados pela MP, como objeto do seguro social apareceu pela primeira vez com a Lei Eloy Chaves. E naquela ocasião rezava o Decreto n° 4.682 de 24 de janeiro de 1923, que o período de carência era de apenas 6 (seis) meses. Já a Lei Orgânica da Previdência Social, tinha como período de carência 12 (doze) meses de filiação, o que foi suprimido pela Carta Constitucional de 1988, daí, elevar o período de carência para um período de 24 (vinte e quatro) meses através de uma MP, trata-se de um verdadeiro retrocesso social, e isso não pode partir do governo, e como já dizia Simon Bolivar que "o sistema de governo mais perfeito é aquele que produz maior soma de felicidade possível, maior soma de seguridade social e maior soma de estabilidade política".

A Constituição Federal em seu art. 201, § 11 dispõe o seguinte:

“Art. 201 – A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

I – cobertura dos eventos doença, invalidez, morte e idade avançada;

II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;

III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.

...

§ 11 – Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei”.

Como se pode observar, a MP é um verdadeiro retrocesso ao direito previdenciário, e sob esta ótica cumpre citar texto de Thais Maria Riedel de Resende Zuba, ao dizer que “o sistema de seguridade social foi se formando ao longo da história como instrumento de proteção da sociedade quanto ao risco social. Para tanto, o sistema brasileiro se constitui, sob três alicerces: a saúde, a assistência e a previdência social”.

Para a autora acima mencionada a “Seguridade Social jamais foi implementada conforme havia sido arquitetada na Constituição de 1988. Assim, algo que deveria servir de instrumento de políticas públicas e para o cumprimento dos direitos e garantias fundamentais constitucionalmente previstos, já que o direito à seguridade social se caracteriza como direito fundamental de segunda geração, ou seja, ligado às prestações que o Estado deve ao seu conjunto de integrantes, o Sistema de Seguridade Social é alvo constante de reformas restritivas de direitos”.

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Não se pode admitir que esta reforma engendrada pela MP 664 de 30 de dezembro de 2014, ou saco de maldade, possa utilizar o rótulo de correção de déficit para ajuste do sistema, e aqui mais uma vez, vale observar o que escreveu Thais Maria Riedel de Resende Zuba, citando artigo escrito Wagner Balera, sobre reformas e reformas previdenciárias na Revista de Direito Social, Notadez, n.º 12, pág 23, no ano de 2003:

“Esse argumento é duramente rebatido por vários doutrinadores, uma vez que se verifica ser prática comum no Congresso Nacional a aprovação de leis mediante as quais são desviados recursos da seguridade social para finalidades distintas das áreas de saúde, previdência e assistência social. Somente nos anos de 1995 a 2002 foram editadas mais de cem leis que oficializavam o inconstitucional desvio de recursos”.

E contínua a Autora acima referida dizendo que:

“Uma análise mais minuciosa desses dados poderia, certamente, demonstrar os falsos argumentos de déficit da previdência social. Nunca, porém o Estado brasileiro menciona a ausência da cotização governamental, que gera um descontrole maior do sistema. Omite-se a natureza original do benefício previdenciário do servidor, o qual era previsto em lei como prêmio depois de determinado tempo de trabalho, questões estas que tardiamente se tenta consertar.

Sobre esse tema, vale observar estudo científico da autora Denise Gentil (2006) denominado “A Política Fiscal e a Farsa Crise da Seguridade Social Brasileira – Análise financeira do período de 1990-2005”. Os resultados dessa investigação levaram à conclusão de que o sistema de seguridade social é financeiramente autossustentável, sendo capaz de gerar um volumoso excedente de recursos. Entretanto, parcela significativa de suas receitas é desviada para aplicações em outra áreas pertencentes ao orçamento fiscal, permitindo que as metas de superávit primário sejam cumpridas e até ultrapassadas. Ao contrário do que o Estado brasileiro quer difundir, o sistema de previdência social não está em crise e nem necessita de reformas que visem o ajuste fiscal, pois o sistema dispõe de recursos excedentes.

Conforme dados constantes da monografia de doutorado acima referida, observa-se que o resultado da Seguridade Social e do Regime Próprio do Serviço Público é superavitário e não deficitário como afirma o Estado brasileiro.

Analisando o destino que foi reservado aos recursos excedentes pelo governo federal, a autora demonstra, a partir de um amplo levantamento no SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) sobre os relatórios de Acompanhamento da Execução Orçamentária da União, que grande parte dos recursos é legalmente desvinculada pelo mecanismo da desvinculação das receitas da União – DRU e livremente empregada no orçamento fiscal, financiando vários de despesas, inclusive juros e amortização da dívida pública.

É nesse contexto que os recursos da seguridade, fartos, regulares e não fiscalizados em sua aplicação, são desviados para despesas do orçamento fiscal em proporções superiores aos limites legalmente permitidos pela desvinculação das receitas da União (DRU). Dirigem-se para reparar o desequilíbrio do orçamento fiscal provocado pelos gastos financeiros com o serviço da dívida. É, portanto, uma política de negar recursos à saúde, assistência social e previdência, em favor de acumulação financeira.

Dados recentes da seguridade Social, em pesquisa realizada pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil – ANFIP, ao analisar as receitas e despesas da Seguridade Social, em valores correntes, de 2007 a 2009, demonstram, matematicamente, que há um superávit e não um déficit como o governo e a mídia muitas vezes passam para a população”. Griffo nosso.

Ao invés de editar medida provisória tentando reformular para pior a previdência social, o governo deveria controlar, isso com a participação da sociedade, o sistema de caixa da previdência no que diz respeito a sua arrecadação e administração das verbas.

Wagner Balera, diz que a Constituição Federal, em seu ar.t 3º traz como fundamento da Ordem Social, cuja base é o primado do trabalho e o objetivo a atingir é o bem-estar e a justiça social, não cogita regressão de conquistas sociais já elevadas à dignidade Constitucional. Pelo contrário, o art. 195 da Lei Maior só conta com providências aptas a garantir a manutenção e a expansão da proteção social.

Ora, segundo Wagner Balera, conforme disposto no art. 193 da Constituição Federal, “a Ordem Social, ... - , objetiva o bem-estar e a justiça sociais e, com essas conquistas provocar uma autêntica reviravolta nas políticas econômicas e sociais, desde aquelas que se destinam a preparar o terreno para a consagração dos objetivos do pleno emprego e da livre iniciativa (art. 170, da Constituição) até o advento da Justiça Social”.

Concluo este trabalho fazendo minhas as palavras de Wagner Balera, pois o art. 195, da Lei Suprema, não cogita – por ser incompatível como os claros termos da Ordem Social – de regressão das conquistas sociais já elevadas à dignidade constitucional. Ao reverso, o preceito só conta com providências aptas a garantir a manutenção e a expansão da proteção social, e a alegada crise financeira do sistema de seguridade social vem sendo sistematicamente agravada pelos desvios crescentes e prolongados de suas receitas para outras atividades do Estado.

Desta forma, o Direito Social, assim como todos os direitos fundamentais, trata-se de um direito conquistado a longas e duras penas, daí ele não pode via Medida Provisória ser fragmentado sob o argumento de insuficiências financeiras, sem sua cabal demonstração, muito menos ter seu plano de proteção social brutalmente reduzido, como pretende o governo.


BIBLIOGRAFIA

BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário. Editora Quartier Latin. São Paulo 2004.

________, Sistema de Seguridade Social. Editora LTr. 5ª Edição. São Paulo 2009.

DERZI, Heloisa Hernandez. Os Beneficiários da Pensão Por Morte. Lex Editora. São Paulo 2004.

GENTIL, Denise Lobato. A política fiscal e a falsa crise da seguridade social brasileira: análise financeira do período de 1990-2005. Tese de Doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, site. 2006. Disponível em:<http://teses.ufrj/ED/DniseLobatoGentil.pdf>.

NOLASCO, Lincoln. Limites Materiais à Edição de Medidas Provisórias. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 17 jan. 2012. Disponível em:  "http:///www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.35545&seo=1>.

RIEDEL, Thais Maria de Resende Zuba. O Direito Previdenciário e o Princípio da Vedação do Retrocesso. Editora LTr São Paulo 2013.

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Sobre o autor
Sérgio Reis Gusmão Rocha

Advogado mestre em Direito Previdenciário pela PUC/SP, especialista em Direito Previdenciário pela Escola Paulista de Direito, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Braz Cubas, Diretor da Comissão de Direito Previdenciário da 103ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil - Vila Prudente São Paulo - Capital.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Sérgio Reis Gusmão. A Medida Provisória 664/2014 e a vedação do retrocesso dos direitos sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4234, 3 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36055. Acesso em: 21 nov. 2024.

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