Homeopatia ou Estado Pajé brasileiro

03/02/2015 às 21:38
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Histórico da homeopatia no Brasil e posicionamento sobre a prática.

Outro dia, percorria o mundo televisivo e uma reportagem a respeito dos naturalistas chamou-me atenção.  Ela retratava grupos contrários e favoráveis ao uso da homeopatia. Isso aconteceu em Porto Alegre. Chegaram a se confrontar. Para acentuar ainda mais o movimento, alguns tomaram grandes doses homeopáticas, inclusive oferecendo a crianças, com o objetivo de mostrar a ineficácia do método.

O mundo homeopático pode ser visto hoje de maneira tão natural, que nem as pessoas ou a imprensa têm o costume de debater a respeito do assunto.

 O Manual de Referência para Docentes e Discentes da Associação Paulista de Homeopatia, edição de 1995, aponta que a primeira adesão do Estado Brasileiro à homeopatia se deu com D. Pedro II, através do discípulo de Hahnemann (criador do método), Benoit-Jules Mure, que aqui chegou em 1840. Mure consegue apoio do governo brasileiro e vai para o interior de Santa Catarina onde funda um falanstério, o qual, no entanto, não se desenvolve. Volta então Benoit Mure para o Rio de Janeiro, onde inicia o ensino, a prática e a propagação da homeopatia. Seu primeiro discípulo no Brasil foi o médico português João Vicente Martins que levou a homeopatia para o norte e nordeste.

Ela rapidamente se propagou no Brasil e no final do século passado, numa contradição exacerbada, foi abraçada pelo movimento positivista brasileiro. Disto resulta um grande apoio oficial do governo republicano a Homeopatia, reconhecendo o seu ensino e a sua prática, criando enfermarias no Hospital Central do Exército e no Hospital da Marinha, no começo deste século.

A Homeopatia no Brasil mantém seu crescimento até o final da década de 60 do século XX, quando começa lentamente o seu declínio. Este estado de coisas tem tal evolução que nos anos setenta praticamente já não existia a homeopatia no Brasil, e nessa época sobrevivem somente uns poucos abnegados, principalmente nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Mas foi no final desta década, quando em todo o mundo e em diversos setores surgem os movimentos de contestação, quando a homeopatia é beneficiada, retornando num ritmo crescente em termos de prestígio, notoriedade e demanda, tanto pacientes como dos colegas médicos interessados. A partir daí até nossos dias, quando já não existe mais conotação de modismo e sim de uma realidade, o reconhecimento de um velho-novo campo do conhecimento médico se fez necessário.

A Homeopatia é especialidade médica reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina desde 1980 através da Resolução CFM nº 1.000/80. A Farmacopéia Homeopática Brasileira foi oficializada pelo Governo Federal através do Decreto nº 78.841 de 25/11/76 e, portanto, o medicamento homeopático tem amparo legal, podendo ser prescrito e utilizado como qualquer outro medicamento.

Segundo o portal do Ministério da Saúde, o investimento federal em consultas homeopáticas também foi incrementado: cresceu em 383%. Em 2000, sendo que o Ministério da Saúde aplicou R$ 611.367,00 no custeio de consultas. Em 2008, investiu R$ 2.953.480,00. Além disso, só em 2008, foram realizados 25.751 procedimentos de moxabustão (procedimento que consiste no aquecimento dos pontos de acupuntura), com verba de R$ 84.649,00. Já o investimento em acupuntura teve incremento de 1.420%. Em 2000, foram gastos R$ 278.794,00 enquanto, em 2008, o recurso aplicado foi de R$ 3.960.120,00.

A revista The Lancet, uma das mais prestigiosas publicações da área médica, resolveu declarar guerra contra a homeopatia a primeira é um artigo que joga um novo banho de água fria nos adeptos da terapia. De acordo com o estudo, os efeitos clínicos do método são compatíveis com os do placebo.

Mathias Egger, da Universidade de Berna, na Suíça, e colegas compararam 110 experimentos do uso de remédios homeopáticos com controle por placebo com outros 110 em que foram aplicados tratamentos pela medicina convencional, para doenças e situações semelhantes, de infecções respiratórias a anestesias em cirurgias.

A revista faz um alerta incisivo. “São as atitudes dos pacientes e dos profissionais de saúde que aumentam o perigo da escolha de terapias alternativas, criando uma ameaça maior para o tratamento convencional – e ao bem-estar dos pacientes –, mais do que os argumentos artificiais dos supostos benefícios de diluições absurdas. Agora, os médicos precisam ser corajosos e honestos com seus pacientes a respeito da ausência de benefícios da homeopatia.”

Mesmo diante de tantos relatos, que conferem a ineficácia do método homeopático, a crença de boa parte da população na cura de suas doenças é motivada, principalmente, pelo reconhecimento e investimento que o Estado Brasileiro confere à homeopatia. Isso nos remete para um espaço não tão longínquo assim, onde nas comunidades indígenas, o pajé era tão respeitado quanto o cacique.


Fontes:

Site oficial do Ministério da saúde

CREMESP - Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo www.cremesp.org.br/

Associação Paulista de Homeopatia - www.aph.org.br

Revista Científica The Lancet - www.thelancet.com

PINTO. Marco Antônio. Homeopatia e o Estado Pajé Brasileiro. Divinópolis 2014.

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Sobre o autor
Marco Antônio Pinto

Marco Antônio Pinto. Escritor e Professor formação em Filosofia, História e Direto. Pós-graduado em História do Brasil pela UEMG, com bolsa da Caps; Pós-graduado em Direito Público pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais. (Anamages). Lecionou História e Geografia na rede estadual, municipal e no Colégio Frei Orlando. Exerceu o cargo de diretor escolar. Foi presidente do Colegiado de Diretores da rede municipal de ensino de Divinópolis. Foi Diretor do Sintram, Sindicato dos Trabalhadores Municipais de Divinópolis e Região Centro Oeste MG, É membro efetivo da Academia Divinopolitana de Letras.

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