A democracia e o júri popular

11/02/2015 às 11:49
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Embora seja fácil lembrar da ideia do povo quando se pensa em Júri, o real alcance democrático da instituição é de ser questionado.

O Tribunal do Júri confere o direito ao cidadão comum, leigo, sem conhecimentos jurídicos de participar da administração da Justiça. Costuma-se dizer que o Júri consubstancia-se num órgão representativo da sociedade e do seu interesse para que seja exercido o jus puniendi. Assim, é uma instituição de natureza pública e política, que foi perdendo coloração com a fortificação da imparcialidade do juiz.

Coadunar o Júri com o ideal de democracia não é tarefa tão simples como possa parecer. Como sabido, a democracia pressupõe livre acesso e debate, frente a isso se indaga se o Júri é verdadeiramente uma instituição democrática. Para verdadeira realização da democracia pela instituição, seriam necessários dois requisitos: representatividade, conceito que traz consigo a idéia de pluralidade política e ideológica e espaço de participação.

No que tange ao grau de representatividade do Júri, necessário fazer alguns destaques acerca o modelo legal vigente de recrutamento e seleção dos jurados para a sessão de julgamento, e ao caráter soberano atribuídos às suas decisões. O Júri, no atual sistema, não exerce mandato ou representação do povo, pois, na verdade, é o próprio povo, em teoria, que exerce o poder decisório com soberania. Representação política ocorre com relação os juízes togados que integram o Poder Judiciário, órgão estatal que encontra sua legitimidade na Constituição e na soberania popular (TUBENCHLAK, 1997, p. 38). De modo ainda mais incisivo explana Frederico Marques:

Escolhido pela sorte, numa lista onde os nomes são lançados segundo o critério do magistrado profissional incumbido dessa função, o jurado não é representante do povo, nem recebe incumbência alguma da sociedade para o exercício dessa missão. É, por isso, que não se devem invocar os postulados da democracia para justificar a a instituição do Júri. Dizer que os setes cidadãos, escolhidos pela sorte para decidir sobre a responsabilidade de um réu em relação a determinado crime, representam o povo é baratear demais o conceito de representação. (f. 88)

Apesar de previsto o Tribunal do Júri como modelo democrático, a análise das gradações de democratização deve ser vista a partir das vivências baseadas na prática. No sistema brasileiro, os jurados são recrutados por diligências do juiz-presidente, nessa lista, como regra, os servidores públicos compõem categoria presente. Esse fato se justifica pelas variadas vantagens facultadas em lei para os cidadãos que pertencem ao funcionalismo público pretendam dedicar-se à atividade de jurado. A representatividade se restringe a uma fatia da sociedade civil, o que influência sobre maneira o conteúdo da decisão. Ademais, no Tribunal do Júri, não existe forma efetiva de controle, acerca da regularidade do sorteio e da idoneidade do participante. (OLIVEIRA, 2008, p. 40)

Assim, a representatividade apresenta-se prejudicada em decorrência de defeitos no sistema de recrutamento de jurados, desde a fase de alistamento até a escolha para compor o conselho de sentença na sessão de julgamento e a falta de abertura para os vários segmentos da sociedade.

Outro problema diz respeito à escassa participação dos jurados, tanto na instrução de julgamento como na instrução criminal. Deficiência decorrente tanto da legislação processual como na postura adotada pelos operadores do direito. A Lei 11.689/2008 ampliou a participação do jurado, permitindo que ele requeira a leitura de peças, faça questionamentos a perito, testemunhas, vítima e mesmo o réu. No entanto, é improvável que isso aconteça em primeiro porque o jurado não entende a amplitude de sua função e em segundo pela inibição que a própria sessão de julgamento traz aos pares.

Nota-se, portanto, que ainda que ideologicamente democrática, a instituição do Júri não se realizada democraticamente. De nada adianta, a existência da instituição se não alcança o fim por ela proposto.
Mesmo sem o funcionamento adequado da instituição, a democratização no Judiciário é essencial à manutenção do Estado Democrático de Direito, pois ela vai além da participação do povo na administração da Justiça. A democratização envolve o problema do acesso à Justiça (a participação mediante a Justiça), que envolve a tutela de interesses individuais, difusos e coletivos. Com o passar do tempo o cidadão passou a reclamar maior celeridade e prestatividade na função jurisdicional. Quanto maior o alcance da máquina judiciária no oferecimento de seus serviços de intermediação e solução das contendas, maior a participação popular.

Portanto, o caráter democrático do Judiciário está diretamente relacionado à celeridade na resolução das contendas, à efetividade na prestação jurisdicional e á facilidade de acesso aos juízes. Quanto à celeridade nem se precisa discorrer muito no tocante à instituição do Júri, pois pela mera descrição do procedimento já se verifica que trata-se de maneira bem mais longa e complexa de julgamento. O procedimento possui tantos detalhes e particularidades que facilmente pode ser eivado por nulidades que requerem o recomeço de todo o processo.

No que se refere à facilidade de acesso ao Poder, o acesso aos jurados se vê obstaculizado principalmente porque os próprios cidadãos desconhecem a maneira de participar do Júri. Não raro, ainda quando determinados a julgar, não se sentem confortáveis nem verdadeiros conhecedores da causa.

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Por fim em relação à efetividade na prestação, costuma-se referir que o Júri aplica a justiça por meio de juízo da equidade, pois os jurados se atém mais ao “sentimento de justiça”, por meio de padrões de moralidade do grupo social local. Eles julgam com base em sua consciência e ao sentimento de justiça. Por conseqüência, não precisam motivar suas decisões, trata-se de exceção ao princípio da persuasão racional. No atual sistema constitucional, verificar a existência de decisão imotivada prejudicada em muito a efetividade da prestação jurisdicional. Sem justificativa, além de a decisão encontrar mais resistência para o cumprimento, dificulta-se o exercício do duplo grau de jurisdição, já extremamente limitado nesse procedimento.

Portanto, sem funcionar na prática como realizadora da democracia, apenas dificultando ainda mais o acesso à Justiça, conclui-se que ao contrário de resguardá-la, prejudica sua concretização. A democratização do Judiciário deve ocorrer de outros modos mais céleres e efetivos para solução das contendas jurisdicionais.


Bibliografia
MARQUES, José  Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, Vol 3, Editora Bookceler, 2000.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 11ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2014.
TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri. Contradições e Soluções, 5ª edição, Saraiva, 1997.

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Sobre a autora
Fernanda Molyna

Promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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