3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO JÚRI
Princípio advém de origem, elementos que compõe os valores de determinado tema. No escalar do Direito, os princípios são peças fundamentais para o entendimento de qualquer matéria vinculada à ciência.
Quando se fala em princípio constitucional, exemplificam-se termos e fontes que se baseiam no sistema das normas como um todo, envolvendo também normas infraconstitucionais, pois é da essência de ambas.
A Constituição Federal de 1988 elenca os princípios do Tribunal do Júri, no artigo 5º, XXXVIII:
“XXXVIII. é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) A plenitude da defesa
b) O sigilo das votações
c) A soberania dos veredictos
d) A competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;”.
A soberania do veredicto será tratada em item específico.
3.1. Plenitude da defesa
A plenitude da defesa se difere da ampla defesa por mera característica de distribuição de competência. Quando se trata da competência do Júri, a defesa é tratada de forma distinta, pois em processo de delitos comuns (como furto, estelionato, entorpecentes etc.), a ampla defesa é assegurada em razão de o acusado ter a oportunidade de se defender, onde o seu defensor, utilizando de teses e técnicas jurídicas, tentará convencer o juiz das suas pretensões.
O juiz é o órgão imparcial do processo, mas que possui conhecimento jurídico para ocupar tal cargo de responsabilidade, ou seja, as técnicas de convencimento diante um juiz togado se fazem as mais jurídicas possíveis, pois o embasamento que um magistrado tirará para um interdito condenatório virá de preposições jurídicas e legais, tudo baseado em teses, em uma correlação nata de estabelecer o fato aplicado ao direito. No caso de Júri Popular, quem irá julgar o fato concreto não é o magistrado, este apenas conduzirá a sessão do júri e prolatará a sentença, totalmente vinculada à soberania do veredicto popular, consequentemente, se o Conselho de Sentença absolver o acusado, ter-se-á uma sentença absolutória; se vier a condenar o acusado, o juiz medirá e aplicará a pena referente.
Assim nos ensina Nucci:
“Amplo é algo vasto, largo, copioso, enquanto pleno equivale a completo, perfeito, absoluto. Somente por este lado já se pode visualizar a intencional diferenciação dos termos. E, ainda que não tenha sido proposital, ao menos foi providencial.
O que se busca aos acusadores em geral é a mais aberta possibilidade de defesa, valendo-se dos instrumentos e recursos previstos em lei e evitando-se qualquer forma de cerceamento. Aos réus, no Tribunal do Júri, quer-se a defesa perfeita, dentro, obviamente, das limitações naturais dos seres humanos. (...)
No Tribunal do Júri, a sustentação aos jurados de teses divorciadas das provas existentes dos autos redundará na fatal condenação ao réu. Como poderiam os juízes leigos suprir a deficiência da defesa, absolvendo o acusado? Jamais haveria tal condição, a menos que o órgão acusatório interferisse e pedisse, ele próprio, a absolvição, o que não é seu dever, mormente se não for a sua convicção”.
(NUCCI, Guilherme de Souza, p.25/26).
A plena defesa, portanto, é necessária em razão do não conhecimento técnico dos jurados ali presentes para identificar a presença das teses de defesa em relação ao fato típico ou atípico que ali se discute. É por esta razão também que na sentença de pronúncia não são constadas questões de mérito, ou seja, cabe ao magistrado, ao prolatar a sentença, basicamente os indícios de materialidade e vestígios deixados pelo suposto crime e os indícios de autoria do acusado ou dos acusados que ali estão como réu ou réus, para que os jurados não se baseiem na visão do juiz para corroborar suas conclusões.
Cita-nos Luiz Flávio Gomes:
“A plenitude da defesa é aquela atribuída ao acusado de crime doloso contra a vida, no Plenário do Júri e, vale dizer, é bem mais ampla do que a ampla defesa garantida a todos os litigantes em processo judicial ou administrativo.
Na plenitude da defesa, a defesa técnica e a autodefesa possuem total liberdade de argumentos, não se limitando aos jurídicos.
Daí porque no Tribunal do Júri são invocados argumentos que saem da esfera jurídica, em razão da plenitude da defesa.
E isso se justifica pelo juiz natural do Tribunal do Júri, que são cidadãos leigos. É que aquele que pratica crime doloso contra a vida deve ser julgado pelos seus pares” 6 .
Pelo fato de os jurados serem considerados “leigos”, não significa que o Conselho de Sentença é incompetente material para julgar tais fatos, pois são pessoas vistas com bons olhos na sociedade, pessoas de boa índole e reputação positiva, porém, as teses e técnicas jurídicas de defesa são muito específicas, presumindo-se que apenas aqueles que chegaram a estudar as ciências do Direito conhecem os princípios modeladores de tais teses e não apenas identificá-los, mas aplicá-los ao fato em concreto.
A plenitude da defesa alcança muito mais do que simples elementos técnicos, abrangendo também motivações políticas, religiosas e, principalmente, morais, considerando-se também que é resguardado aqui, dentro deste quesito, o princípio da oralidade, ação imediata. Por isso tem o nome de pleno, geral, abrangência de pontos mais consideráveis.
Assim dispondo, o juiz-presidente não poderá rejeitar teses que achar inconveniente com a instrução plenária, pois isso feria o princípio da plenitude da defesa. Alguns doutrinadores, inclusive, afirmam que tal plenitude realmente é tão plena que permitiria ao acusado quebrar certos dogmas procedimentais, como arrolar mais testemunhas ou passar do tempo nos debates orais, desde que tais justificativas sejam imprescindíveis à defesa do acusado e tenham como prova a inocência deste. Tais teses ainda fazem parte de correntes minoritárias e suas aplicabilidades sequer se cogitam, mas são passíveis de discussão, uma vez que o Direito Penal trabalha para benefício dos acusados, trata as sanções como extrema ratio da ultima ratio, e seus procedimentos são detalhistas ao trabalharem com as temáticas procedimentais, principalmente ligadas ao júri, vinculado diretamente ao princípio em tela.
Nesse diapasão, a plenitude da defesa tem cabimento e entendimento, pois pela presunção, é notório que o Conselho de Sentença dificilmente julgará através de questões técnicas. Este princípio amplia a “ampla defesa”, portanto, para que exista a figura do Conselho de Sentença, deve-se existir também, a figura da plenitude da defesa, considerando-se que ao acusado são resguardados a presunção de inocência e os meios possíveis para se defender, na sua plena tentativa de convencimento dos jurados.
3.2. Sigilo das votações
Os votos dos jurados no plenário são feitos de forma sigilosa, ninguém fica sabendo quem votou “sim” ou “não”. Como cita Nucci:
“Em primeiro lugar, deve-se salientar ser do mais alto interesse público que os jurados sejam livres e isentos para proferir seu veredicto. Não se pode imaginar um julgamento tranquilo, longe de qualquer pressão, feito à vista do público, no plenário do júri. Note-se que as pessoas presentes costumam manifestar-se durante a sessão, ao menor sinal de um argumento mais incisivo feito pela acusação ou pela defesa. Ainda que o juiz exerça o poder de polícia na sala e possa determinar a retirada de alguém espalhafatoso de plenário, é certo que, durante a votação, essa interferência teria consequências desastrosas. Imagine-se um julgamento perdurando por vários dias, com todos os jurados exaustos e a votação final sendo realizada à vista de público em plenário. Se uma pessoa, não contente com o rumo tomado pela votação, levantar-se e ameaçar o Conselho de Sentença, poderá influir seriamente na imparcialidade do júri, ainda que seja retirada – e até presa – por ordem do juiz presidente. Anular-se-ia um julgamento tão custoso para todos, por conta dessa invasão no convencimento dos juízes leigos? Justamente porque os jurados não detêm as mesmas garantias – nem o mesmo preparo – da magistratura togada, pensou o legislador, com sapiência, na sala especial.
Não é secreto o julgamento, pois acompanhado pelo órgão acusatório, pelo assistente de acusação, pelo defensor e pelos funcionários do Judiciário, além de ser conduzido pelo juiz de direito”.
(NUCCI, p.30).
Inteligentemente, o autor já começa a apresentar determinadas críticas vinculadas à sistemática do júri, tema central desta pesquisa, inseridas no princípio do voto sigiloso.
De início, cita o doutrinador sobre as salas especiais, que são defendidas pelo artigo 485 do Código de Processo Penal, onde o princípio é aplicado, visto que cada jurado irá votar com as placas indicativas positivas ou negativas aos quesitos apresentados pelo magistrado. Em faltando a sala especial, o juiz ordenará que todo o público se retire, permanecendo apenas aqueles que a lei admite.
O sigilo das votações se torna importante para que os votos emitidos pelos jurados não careçam de fraqueza na real vontade do veredicto. Assim como o magistrado na relação jurídica em todos os outros crimes, o Conselho de Sentença também é imparcial, não pode se dignificar a votar em razão de sentimento pessoal, pois a pessoalidade é característica vedada para um jurado, pois ali na sessão, ele também é um juiz, com poder soberano de voto, caracterizada tal importância.
Muito se fala também sobre a segurança do jurado, pois não interessa saber qual jurado votou “sim” e qual jurado votou “não”, o que interessa é o que o Conselho deliberou, como se o grupo dos sete ali reunidos formasse um só juiz. Se não fosse por essa lógica, o sigilo das votações não teria sentido algum, pois o segredo do ato de votar recai sobre a importância da decisão do todo, da maioria ou da unanimidade, e não deste jurado ou daquele.
A importância também do voto sigiloso recai sobre o público que assiste o júri, que é sempre feito de portas abertas. Sabe-se que há uma cultura entre os brasileiros de enxergar os fatos sempre como verdadeiros. Geralmente, quando um leigo vê um réu sendo submetido a júri, principalmente se estiver preso, já passa pela presunção de que os fatos reputam-se verdadeiros, que a denúncia é certa e que a condenação virá a qualquer custo. Assim, para que o público tenha melhor entendimento sobre a responsabilidade do jurado, este não vê a votação, para não ocasionar os perigos que o doutrinador citou, conforme disposição anterior.
A Lei 11.689/2008, que muito modificou o procedimento do Júri, deu novos olhos para este princípio, dando fim à apuração pela maioria dos votos. Se o magistrado já vê que tal quesito é composto de quatro votos “sim”, a apuração não precisa continuar, pois mesmo que os outros três votos fosse “não”, o resultado não mudaria.
Agora importante salientar, corroborando com o doutrinador, que o Conselho de Sentença, mesmo com todas estas ressalvas sobre suas ações no plenário, não possui preparação geral, no seu todo, para agir conforme as funções e as responsabilidades defendidas pela lei.
O jurado está pressionado por qualquer ato, fato ou questão que apresente a ele em qualquer momento do júri. A despreparação é material, processual, emocional e psicológica, pois está ali compelido, visto que é convocado à sessão, na grande maioria das vezes com o desejo de não estar ali e carregando a decisão da liberdade de um ser humano em suas mãos.
O sigilo pode-se considerar que é fundamental para saber que o veredicto vem do Conselho, não de um jurado, em particular.
3.3. Competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida
A segurança constitucional dada ao Tribunal do Júri levou a tratar da competência da instituição como um dos primórdios da Carta Magna, considerando-se que todas as disposições do artigo 5º, incluindo, obviamente, o Júri Popular, no inciso XXXVIII são cláusulas pétreas, não permitindo proposta de Emenda Constitucional que busque abolir os direitos e garantias fundamentais do cidadão (artigo 60, §4º, IV CRFB).
Esta claro que o objetivo do legislador foi dar maior força para esta competência, visto que se esta tratasse apenas em lei infraconstitucional, como o próprio Código de Processo Penal, por exemplo, a tendência do Júri era extinguir.
Embora a competência do Júri seja única e exclusivamente contra os crimes dolosos contra a vida, tentado ou consumado, tal princípio deve se ressaltar nos crimes conexos. O artigo 78, I, do Código de Processo Penal é evidente quanto a isto, quando estipula o embate entre a delimitação de competência, no concurso entre júri e qualquer outro órgão da jurisdição comum, prevalecendo o júri. Ou seja, os jurados podem julgar um homem que cometeu estupro, estelionato ou roubo, desde que a prática deste crime esteja conexa com um crime doloso contra a vida, nos casos de conexão estipulados no artigo 76 da lei supra.
Não há razão clara, sociológica ou sequer evidente para que fosse estipulada esta competência para o júri, foram simplesmente questões legislativas. É importante destacar o posicionamento de Aramis Nassif:
“Essa peculiar ação humana merece abordagem diferenciada entre as demais que envolvem a conduta antissocial. Não se trata, porém, de investigar, especializar o comportamento insulado no universo criminoso para alcançar a função finalística do Tribunal do Júri. (...) O bem ‘vida’, cujo conceito tem atormentado os pensadores, mais especialmente os do meio jurídico, é, indubitavelmente, o mais expressivo dos bens e o mais significativo dos direitos. Com mais razão, portanto, justifica-se a necessidade de intervenção da sociedade para avaliação da conduta dos homens em seus atos de violência contra os semelhantes”
(NASSIF, Aramis. Instrumento da soberania popular, p.50-52).
O doutrinador defende a ideologia de a sociedade interferir nas decisões judiciais, como é o próprio júri, quando se fala em investigações ou atentados contra a vida, por ser o bem constitucional mais defendido e com maior valor, pois sem ele, não haverá defesa para subexistir os outros.
Historicamente, como já visto, esta competência não era a mesma dos tempos de hoje, nem internacionalmente, onde em alguns países, todos os crimes são levados a júri.
A força do Tribunal do Júri na legislação se mostra muito fortificada, principalmente com a base deste último princípio que rege essa sistemática, levam a muitas confusões, mas de grande embasamento legal.
A competência é válida e preferência é sempre ligada ao procedimento do júri. As críticas giram em torno da preparação dos jurados para julgar esses delitos de forma justa.