Acidente de trabalho à luz da Emenda Constitucional nº 45

12/02/2015 às 12:01
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As ações acidentárias (decorrentes de acidente de trabalho), apesar de estarem intimamente ligadas à relação de trabalho não estão abrangidas na esfera de competência da Justiça do Trabalho, devendo sua proposição ser feita pelo empregado na Justiça Comum

Desde a ampliação da competência da Justiça Trabalhista, realizada pela Emenda Constitucional 45, de 08 de dezembro de 2004, muitas discussões surgiram a respeito da sua aplicabilidade e alcance.

Uma delas se refere aos eternos embates doutrinários e jurisprudenciais em torno da competência da Justiça do Trabalho para dirimir litígios entre empregadores e empregados, no que tange à indenização por acidente de trabalho.

As ações acidentárias (decorrentes de acidente de trabalho), apesar de estarem intimamente ligadas à relação de trabalho não estão abrangidas na esfera de competência da Justiça do Trabalho, devendo sua proposição ser feita pelo empregado (acidentado segurado) em face do INSS na Justiça Comum, nos ditames do art. 643, §2º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

Tal entendimento foi consubstanciado pela súmula 235 (é competente para a ação de acidente do trabalho a justiça cível comum, inclusive em segunda instância, ainda que seja parte autarquia seguradora) e 501 do STF (compete à Justiça Ordinária estadual o processo e o julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente do trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista) bem como na nº 15 do STJ (compete a Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho).

Interessante é que o acidente de trabalho é um mero desdobramento do labor pessoal e subordinado prestado a outrem e, em decorrência, gera uma causa assessória e conexa da lide trabalhista típica.

Observe-se também que esses litígios relacionados a acidentes de trabalho não limitam a competência da Justiça Comum somente à apreciação da ocorrência do acidente. As questões que possam surgir como consequência desses acidentes, tais como adoção de salário-de-contribuição incorreto, cálculo inicial de benefício, critério de adoção de termo inicial de benefício e forma de reajuste deste, também serão da esfera de competência da Justiça Estadual.

A jurisprudência, inclusive, já se manifestou nesse sentido: "Qualquer litígio sobre o acidente do trabalho, envolvendo questões relativas ao cálculo e aos reajustes dos benefícios acidentários, concedidos administrativamente, compete para tanto a Justiça Ordinária." (In RT 625:138).

 No entanto, entendemos que, o sentido literal da expressão “acidente de trabalho” é um fato jurídico que causa lesão a uma pessoa ou a uma coisa, no decorrer de uma atividade laborativa, motivada por uma relação de emprego. Todavia, não é essa a definição utilizada pela lei. Para a legislação em vigor, “acidente de trabalho” é o infortúnio que ocorre pelo exercício do trabalho, a serviço da empresa, provocando lesão corporal, perturbação funcional ou doença que cause a morte, perda, redução permanente ou temporária da capacidade para o trabalho.

Do conceito legal acima definido, podem-se extrair três elementos que compõem a lesão pessoal. Primeiramente fala-se em “LESÃO CORPORAL”, que é o dano causado na fisiologia da pessoa, tal como uma ferida, uma fratura, uma torção e etc. Posteriormente fala-se em “PERTURBAÇÃO FUNCIONAL”, que como consequências da lesão corporal, é o dano permanente ou transitório, da atividade fisiológica da pessoa, como a dor, espasmos, convulsões, comprometimento dos sentidos humanos, cegueira parcial, perda de audição e etc. Distingue-se apenas teoricamente da “lesão corporal”, sendo até certo ponto uma consequência previsível desta. Às vezes não perceptível visivelmente, porém como antes mencionado, previsível. Há ainda a “DOENÇA”, que é uma perturbação funcional de certa intensidade que evolui e dilui o trauma por dado tempo.

Para se falar ainda em acidente de trabalho, é preciso que estejam presentes alguns elementos caracterizadores, como a CAUSALIDADE, a LESIVIDADE, a INCAPACITAÇÃO PARA O TRABALHO e a RELAÇÃO DE CAUSALIDADE ENTRE O INFORTÚNIO E O TRABALHO SUBORDINADO REALIZADO PELA VÍTIMA.

Da CAUSALIDADE diz-se que o acidente deve ser um fato não provocado pelo homem, deve acontecer por acaso, eventualmente. Da LESIVIDADE, infere-se que o acidente deve necessariamente provocar uma das três formas lesivas previstas na lei, ou seja, lesão corporal, perturbação funcional ou doença, física ou mental. Daí decorre o terceiro elemento, ou seja, a INCAPACITAÇÃO, que é consequência direta ou indireta da lesividade do infortúnio. Há ainda, necessariamente, a RELAÇÃO DE CAUSALIDADE, que de forma direta ou indireta, tem que existir entre a lesão pessoal e o trabalho realizado pelo empregado.

Ainda sobre esse quarto elemento, uma importante consideração se faz necessária. É a respeito de a vítima ser necessariamente subordinada a um empregador, ou seja, é imprescindível existir uma relação de emprego para falar-se em acidente de trabalho, pois, por exemplo, o trabalhador eventual que sofre uma lesão ao prestar serviço a certa empresa, somente poderá pleitear uma indenização na justiça comum com fundamento no direito civil, já que ele não estará amparado pelas normas de acidente de trabalho.

Quando acontece um acidente de trabalho, o trabalhador pode ter direito a uma indenização previdenciária tratada na Lei 8.212/91 e paga somente pelo INSS, ou, ainda, uma indenização de âmbito civil, pelos danos decorrentes do acidente de trabalho, sejam eles morais ou materiais, paga pelo empregador.

Se o infortúnio ocorreu por culpa exclusiva do empregado, quem paga a indenização é somente o INSS, baseado na responsabilidade objetiva do evento. Serão prestadas ao trabalhador as seguintes indenizações: auxílio-doença, auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez.

Porém, se o empregador contribuiu para que o infortúnio acontecesse, é ele próprio quem paga a indenização, dependendo de comprovação de culpa ou dolo, baseado na responsabilidade subjetiva, nos termos previstos no artigo 7º, XXVIII, segunda parte, da Constituição Federal.

Entretanto, a Emenda Constitucional Nº 45/04 introduziu o inciso VI no artigo 114 da Carta Magna, que dispõe ser competente a justiça do trabalho para processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho.

Portanto, hoje, parece não haver mais dúvidas que a Justiça do Trabalho é o órgão competente para processar e julgar as ações de indenização por danos morais ou materiais decorrentes de acidentes de trabalho, ampliando bastante sua competência.

Porém, após ter acima demonstrado a diferença entre as responsabilidades do empregador e a do INSS, alguns comentários se fazem necessários ao discorrer da matéria.

Ressalte-se que, quando o empregado sofre acidente de trabalho, geralmente, move uma ação contra o INSS e outra contra o próprio empregador, objetivando a indenização cabível. Na verdade, a ação que o acidentado move contra o empregador é uma ação de indenização de âmbito civil, decorrida de ato ilícito do patrão, e não uma ação de acidente de trabalho para obtenção de benefício penitenciário.

Acontece que muitas vezes o infortúnio acontece por culpa exclusiva do empregado, sem contribuição alguma por parte do patrão para que o evento acontecesse. Um exemplo clássico deste caso é o empregado que não usa os equipamentos de proteção ou não cumpre as normas de higiene e prevenção da Empresa (CLT, arts. 157 e 158). Tem-se então, corriqueiramente, exemplo em que o empregado recebe a indenização pelo INSS, em virtude de acidente de trabalho, sem que o empregador tenha sequer contribuído para tanto.

Portanto, o empregado pode mover uma ação indenizatória por acidente de trabalho contra o próprio empregador, baseada na responsabilidade subjetiva (CF, art. 7, XVIII), com provas de dolo ou culpa e pleiteando reparação civil pelos danos sofridos, assim como pode também mover uma ação em face do INSS, com fulcro na responsabilidade objetiva, visando a indenização previdenciária competente, sejam elas, auxílio doença, auxílio-acidente ou aposentadoria por invalidez.

As ações em face do INSS são de natureza previdenciária e compete à Justiça Comum julgá-las. Tal exceção está expressamente prevista no artigo 109, I, da Carta Magna, e pelo artigo 129, II, da Lei 8.213/91.

Conclui-se, então, numa análise analógica do referido Dispositivo Constitucional, haver exceção quanto à matéria no que diz respeito aos acidentes de trabalho, apenas se referindo às ações decorrentes de infortúnio laboral dirigidas contra o INSS, não havendo possibilidade de a exceção alcançar as lides decorrentes de acidentes ajuizadas em face do empregador, para forçá-lo a pagar indenizações decorrentes de sua responsabilidade subjetiva.

Ressalte-se, todavia, que, até mesmo, nas ações de âmbito civil, de reparação de danos morais ou materiais, desde que decorrentes de culpa ou dolo do empregador no decorrer da jornada laborativa, são, absolutamente, de competência da Justiça do Trabalho. Essa conclusão é uma análise da leitura do artigo 114 da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional 45/04.

A Carta Magna, portanto, em seu artigo 114 já alterado pela Emenda Constitucional No 45/04, que dispõe sobre a competência da Justiça do Trabalho, não faz qualquer ressalva quantos aos litígios entre empregado e empregador que resultam de acidente de trabalho, do que decorre a necessária conclusão de que as questões em apreço devem ser dirimidas pela Justiça do Trabalho, em especial, porque a exceção prevista no artigo 109, I, da Constituição Federal, apenas alcança as ações dirigidas contra o Órgão Previdenciário.

Importante ressaltar que as decisões que ainda atribuem competência à Justiça Comum dos Estados para apreciar tais controvérsias, só possuem fundamentos baseados nas construções jurídicas pretéritas, pois não há qualquer dispositivo constitucional que atribua á Justiça Estadual essa competência, razão pela qual há de prevalecer a norma do artigo 114 da Constituição Federal, combinada com o artigo 652 da Consolidação das Leis do Trabalho.

A contar da Emenda Constitucional 45/2004, compete á Justiça do Trabalho julgar as ações contendo pedido de indenização por dano moral, ou material, proveniente de acidente de trabalho. Em rigor, aliás, o inciso VI, em exame, não faz qualquer distinção entre o dano moral ou patrimonial haver emanado de acidente de trabalho ou não. O critério exclusivo, fixado pelo texto constitucional, é estar esse dano vinculado a uma relação de trabalho.

Verifica-se, pois, que o Legislador Constituinte, na redação anterior do artigo 114 da atual Constituição, quando não estabeleceu a competência para danos morais ou patrimoniais advindos da relação de trabalho, deu margem a interpretações diversas.

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Entretanto, a interpretação que se deve emprestar ao novo preceito Constitucional não pode ser outro senão no sentido de que, se o constituinte reformador outorgou à Justiça do Trabalho a competência para apreciar e julgar as ações decorrentes da relação de trabalho, é porque pretendeu retirar da Justiça Comum o poder para apreciar tais demandas quando ajuizadas contra o empregador, e tenham como causa de pedir a relação de emprego, deixando a cargo da Justiça Comum apenas aquelas ações que forem promovidas contra o Instituto de Seguridade Social – INSS.

A partir do momento em que o legislador insere na Constituição que a competência para julgar ações de indenização por dano moral e patrimonial decorrentes da relação de trabalho é da Justiça Trabalhista, não deixa mais espaço para dúvidas a esse respeito.

O preceito contido no artigo 109, I, da Constituição, contém em sua parte final uma regra de exclusão da própria competência da Justiça Federal nas causas que versem sobre matéria acidentária. O dispositivo em questão proíbe o exercício, pelo ramo ordinário, do poder Judiciário federal, de qualquer atividade jurisdicional pertinente à resolução de controvérsias oriundas de acidente de trabalho.

Além disso, a competência estabelecida no artigo 109, I, da Constituição, somente relaciona-se com as demandas em que o segurado litiga contra o INSS.

Portanto equivocado o argumento invocado por aqueles que afastam do âmbito da Justiça do Trabalho, a ações movidas pelo empregado, fundadas em acidente de trabalho, pois que, tratando-se de litígio entre empregado e empregador e dizendo respeito ao artigo 109, I, da Carta Magna unicamente às pretensões deduzidas, em juízo, perante o Órgão Previdenciário, imperativa a conclusão de que as demandas ajuizadas pelo empregado, que pretende indenização civil, perante o empregador, devam ser conhecidas e julgadas pela Justiça do Trabalho.

Em 26 de novembro de 2003, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 736, que diz que compete à justiça do trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores.

Sendo certo que os danos que acometem o empregado, quando vítima de acidente de trabalho, estão diretamente vinculados a relação de emprego, pois que a culpa ou dolo do empregador, em tal circunstância, decorre, como regra geral, do descumprimento de normas de segurança, higiene e saúde previstas pela legislação própria, emerge, inafastável, a conclusão de que as ações indenizatórias dirigidas contra o empregador, em razão de infortúnio laboral, devem ser julgadas pela Justiça do Trabalho.

Finalizando, algumas conclusões são exploráveis a partir do quanto foi exposto.

Como visto, é certo que a Emenda 45/04 ampliou bastante a competência da Justiça do Trabalho, e, mesmo tendo aplicação imediata, as alterações incluídas, com certeza, provocarão, como têm provocado, bastantes divergências nos próximos tempos, até que o Congresso Nacional se manifeste, ou que o Supremo Tribunal Federal modifique o seu entendimento, deixando de aplicar interpretação extensiva ao artigo 109 e passando a interpretar o artigo 114 da Carta Magna, alterado pela Emenda 45/04, seja de forma literal, histórica, sistemática ou sociológica, a fim de que seja respeitada a determinação expressa do legislador constituinte.

A exceção prevista no artigo 109 e seu §3º da Constituição, refere-se ás ações decorrentes de acidente de trabalho dirigidas contra o Órgão Previdenciário, não havendo possibilidade de tal ressalva ser estendida ás ações decorrentes do acidente quando ajuizadas contra o empregador, para obrigá-lo a satisfazer indenização decorrente de culpa ou dolo (responsabilidade objetiva). Até porque referido preceito constitucional trata da competência firmada em razão da pessoa, ou mais especificamente, da Autarquia Previdenciária, e não de conflito envolvendo empregado e empregador. Não haveria, por óbvio, razão para excluir da competência da Justiça Federal conflito cuja solução em tese, não lhe incumbiria. Nas ações acidentárias contra o órgão previdenciário, cuja competência, em princípio, seria da Justiça Federal, aí sim, sem sombra de dúvida, fazia-se necessária a exceção para atribuí-la, residualmente como pretendeu, á Justiça Estadual. Todavia, no tocante ás ações de reparação de danos decorrentes do acidente do trabalho, em que se contrapõem as partes da relação de emprego – empregado e empregador – e que têm por objetivo a reparação de dano material ou moral, ainda que decorrente do acidente, e por isso mesmo da competência da Justiça do Trabalho, não havia necessidade de qualquer tipo de exceção.

As controvérsias quanto às regras de competência têm raízes históricas, sendo possível fixar seu termo inicial na extinção da justiça federal em 1937, quando coube aos juízes do Poder Judiciário dos Estados julgar as ações envolvendo interesses da União. Em matéria acidentária, a exceção constitucional hoje prevista no art. 109, I, faz com que permaneça ela no âmbito de competência da justiça estadual comum, ainda que a realidade ateste que a justiça federal, na forma hoje instituída, não apenas é a sede natural das ações previdenciárias, como, a partir da criação dos juizados especiais federais, tem permitido andamento mais célere para demandas da espécie, à vista da sua natureza alimentar e por conta da simplificação dos ritos.

Data vênia, não se pode chegar à outra conclusão que não seja a de que a exclusão a que se refere o Dispositivo Constitucional, artigo 109, não se refere ás ações de reparação de danos ajuizadas contra o empregador, mas aquelas envolvendo o Instituto da Seguridade Social. Logo, somente estas estão fora do alcance competencial da Justiça do Trabalho.

Por derradeiro, vale registrar que o Col. TST recentemente, em 20.04.05, portanto, após a promulgação da EC 45/2004, através da Resolução No 129/2005 converteu na Súmula 392 a OJ No 327 da Seção de Dissídios Individuais prevendo que:

“Nos termos do artigo 114 da CF/1998, a justiça do trabalho é competente para dirimir controvérsias referentes à indenização por dano moral, quando decorrentes da relação de trabalho.”.

Assim, e quando a demanda oriunda da relação de emprego – causa de pedir remota – tiver por objeto a reparação de danos originários de acidente de trabalho – causa de pedir próxima – ajuizada contra o empregador, é, inequivocamente, o Judiciário Trabalhista competente para o julgamento, de acordo com a previsão incerta nos incisos I e VI, do artigo 114 da Lex Major.

Por fim, tendo em vista o que dispõe o novel artigo 114 da Constituição da República, bem como ser o acidente de trabalho decorrente do exercício do labor, ou seja, oriundo da relação de trabalho, nosso entendimento é de que a Justiça Comum Estadual é incompetente para dirimir questões referentes a indenização por ato ilícito do empregador decorrente de acidente de trabalho, eis que a competência está expressamente definida no artigo 114 da Constituição da República, alterado pela Emenda 45/04, confirmando assim, a competência da Justiça do Trabalho.

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Sobre o autor
Jone Vasconcelos Mesquita

formado pela Faculdade Mackenzie/Rio Moraes Junior, pós graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UNI-RN Centro Universitário do Rio Grande do Norte, advogado trabalhista, cível e empresarial

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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