Introdução:
A aquisição de imóveis na planta sempre é precedida de grande expectativa e ansiedade pelos adquirentes.
Uma das principais preocupações do consumidor consiste no cumprimento do prazo de entrega do imóvel o qual, nem sempre, é respeitado.
Porém, maior temor sofre aquele que adquire o tão sonhado apartamento e, na expectativa de recebê-lo, constata que a incorporadora vem passando por sérias dificuldades financeiras.
Histórico do mercado de incorporação imobiliária no Brasil:
Em meados da década de 90, uma das maiores empresas de construção civil do país, passando por sérias dificuldades financeiras, conforme ilustrou reportagem da Revista Veja, afetou a vida de milhares de clientes, adquirentes de unidades imobiliárias desta empresa¹.
O caso, descrito na reportagem, como “a maior falência de uma empresa não bancária na América do Sul”, deixou inúmeros imóveis inacabados em um emaranhado de esqueletos, que podiam ser visualizados nos grandes centros urbanos.
Até hoje, muitos adquirentes de unidades desta empresa, sofrem as consequências pela falta de entrega de seus apartamentos.
Situações como a relatada, demandaram a busca por maiores garantias aos consumidores.
Foi então que o advogado Melhim Namem Chalhub, através de anteprojeto de Lei, originário do Instituto dos Advogados Brasileiros, orientou a criação de garantia destinada a individualizar as receitas, o terreno e todos os bens e direitos vinculados a determinado empreendimento, de forma que estes, não se comuniquem com o patrimônio do incorporador².
Aplicação e conceito do patrimônio de afetação:
Após amplos debates e, a edição e reedição de sucessivas medidas provisórias, promulgou-se a Lei nº 10.931/2004, oficializando, de forma definitiva, o patrimônio de afetação.
A Afetação consiste, basicamente, na individualização dos bens e direitos do empreendimento, passando este a contar com administração financeira específica e singular.
O patrimônio de afetação, figura jurídica imposta, exclusivamente, às incorporações imobiliárias, Lei nº 4.591/64, encontra-se definido pelo artigo 31-A desta lei.
In verbis:
Art. 31-A. A critério do incorporador, a incorporação pode ser submetida ao Regime de Afetação no qual o terreno, acessões e demais bens e direitos vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador.
§ 1o O Patrimônio de Afetação não se comunica com o patrimônio geral do incorporador só respondendo por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva.
A Incorporação imobiliária refere-se à construção, para alienação total ou parcial, da edificação ou conjunto de edificações, compostas por unidades autônomas, consoante Parágrafo Único do art. 28, da Lei nº 4.591/64.
Da proteção jurídica ao adquirente de unidade autônoma:
A Lei fortalece as garantias do consumidor na aquisição de unidades imobiliárias em construção, pois estabelece que a receita captada pelo incorporador na comercialização do empreendimento, seja utilizada, especificamente, em seu desenvolvimento.
A incorporação cria ainda, um facilitador na assunção pelos adquirentes no caso de falência do incorporador, fazendo com que a obra seja retomada, diretamente, pelos compromissários compradores através de uma comissão eleita com a finalidade de representação frente a fornecedores e órgãos públicos.
Segundo Vicente de Paula Marques Filho, in Incorporação Imobiliária & Patrimônio de Afetação, a lei criou uma blindagem em favor dos compromissários compradores e das instituições financeiras pois, no caso de falência do incorporador, impede que credores estranhos ao empreendimento, possam penhorar o patrimônio objeto de afetação³.
E, este é justamente um dos primordiais fundamentos da afetação, quando protege o investimento realizado pelos compromissários, em eventual falta de conclusão do empreendimento, visto que, o valor ficará retido em uma conta especial.
A faculdade conferida ao incorporador na adoção do patrimônio de afetação:
Apesar da louvável disposição do legislador quando da instituição do patrimônio de afetação, falhou este, ao prescrever, como critério único e exclusivo do incorporador, sua vinculação à afetação.
A lei, em uma definição morfológica, refere-se à regra escrita pelo representante do povo, no cumprimento de seu mandato, e, por se tratar de norma cogente, não pode ser objeto de escolha por aqueles a quem esta esteja direcionada.
Fatalmente, verifica-se a falta de ousadia do legislador, quando, deixou ao livre arbítrio do incorporador, utilizar-se ou não do patrimônio de afetação.
Benefícios Tributários conferidos ao empreendedor que opte pela afetação:
A fim de atrair os empresários do ramo imobiliário de forma a incluir seus projetos no patrimônio de afetação, a Lei nº 10.931/04, prevê uma carga tributária menos onerosa em relação àquelas não sujeitas à afetação.
Assim prescreve o artigo 4º:
Art. 4º A incorporação submetida ao Regime especial de tributação, sujeita a incorporadora ao pagamento de quatro por cento da receita mensal recebida, o qual corresponderá ao pagamento mensal unificado dos seguintes impostos e contribuições:
I- IRPJ; II- PIS/PASEP; III- CSLL; e IV- COFINS.
Direito Comparado (Argentina):
Nossos vizinhos argentinos, há mais de 40 anos, prescrevem de forma clara e direta uma modalidade de afetação destinada a proteger os interesses dos adquirentes de imóveis.
A Lei nº 19.724/72 prevê figura similar ao patrimônio de afetação quando, impede que o incorporador prejudique os direitos dos compradores gravando ou alienando o imóvel a terceiros.
Conclusão:
O histórico de incorporação imobiliária no país clamava por uma solução jurídica capaz de amparar o direito dos consumidores.
Certamente, o patrimônio de afetação representa importante fonte de garantia contra possíveis quebras do setor de incorporação.
Não obstante, a louvável intenção do legislador na instituição da afetação, quando este, prescreveu que sua aceitação fica a critério único e exclusivo de cada empreendedor, tornou a Lei insubsistente.
Contudo, além da redução na tributação aplicada àqueles que optem pelo patrimônio de afetação, temos que, sua aceitação, demonstra, claramente, o comprometimento e respeito com o cliente pois, indiretamente, indica sua intenção em concluir o projeto bem como a boa situação financeira da empresa.
O consumidor pode verificar, antes da aquisição, a adoção do patrimônio de afetação pelo construtor através da análise da matrícula de registro do empreendimento obtida junto ao Cartório de Registro de Imóveis.
Cumpre ressaltar que no caso de falência da empresa o empreendimento poderá ser assumido pelos promitentes compradores que responderão aos credores do mesmo.
Citações:
1- http://veja.abril.com.br/260203/p_076.html
2- http://jus.com.br/revista/texto/7595/a-afetacao-das-incorporacoes-imobiliarias
3- Filho, Vicente de Paula Marques e Marcelo de Lima Castro Diniz, Incorporação Imobiliária & Patrimônio de Afetação, Ed. Jurua, 5ª Tiragem, 2009.