O bullying sob a ótica do assédio moral nos casos em que ensejam a responsabilidade civil das instituições de ensino

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4. RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CASOS DE BULLYING

4.1  Responsabilidade Civil

A responsabilidade, palavra advinda do latim “respondere”, significa a obrigação que alguém tem de assumir devido a uma consequência , ou seja, a responsabilidade é obrigação derivada, que surge a partir de um fato jurídico (lato sensu).

Portanto segundo Pablo Stolze Gagliano, “a noção jurídica de responsabilidade pressupõe atividade danosa de alguém que, atuando a priori, ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente, subordinando-se dessa forma, às conseqüências de seus atos.”[32]

Neste sentido, Maria Helena Diniz:

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causados a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou simples imposição legal. [33]

Assim, as atitudes danosas trazem consigo como fato social, gerando um dever secundário, ou seja  a responsabilidade, com o intuito de  reparar moralmente e e/ou de forma patrimonial aqueles que foram lesados.

No campo jurídico, a responsabilidade civil pressupõe uma atividade danosa de alguém que, atuando ilicitamente, viola norma jurídica preexistente, legal ou contratual, subordinando-se e assumindo as conseqüências do seu ato (obrigação de reparar). Dessa forma, a função da responsabilidade civil passa pela garantia ao direito do lesado, sendo fator de controle social além servir como sanção civil, de natureza compensatória apenas, evitando o enriquecimento ilícito, mediante a reparação do dano causado à vítima, punindo o lesante e desestimulando a renovação da prática de atos lesivos. [34]

Para o doutrinador Cavalieri Filho, “responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente de um dever jurídico originário.”[35]

Com isso, a responsabilidade civil se divide em dois seguimentos, seja na conduta do agente, conforme preceitua responsabilidade subjetiva, ou por outro lado temos a responsabilidade objetiva, pautada no fato da coisa ou do serviço. Na responsabilidade subjetiva é relevante a conduta culposa, em que o sujeito somente será responsabilizado se atuar com dolo ou culpa, diferentemente da responsabilidade objetiva, que independe de culpa. Os elementos fundamentais para configuração da responsabilidade civil são o ato ilícito, nexo de causalidade e o dano.

No que tange a responsabilidade da instituição de ensino, preceitua  Rui Stocco:

[...] ao receber o estudante ‘menor’, confiado ao estabelecimento de ensino da rede oficial ou da rede particular para as atividades curriculares, de recreação, aprendizado e formação escolar, a entidade de ensino é investida no dever de guarda e preservação da integridade física do aluno, com a obrigação de empregar a mais diligente vigilância, para prevenir e evitar qualquer ofensa ou dano aos seus pupilos, que possam resultar do convívio escolar”. Desse modo, “responderá no plano reparatório se, durante a permanência no interior da escola o aluno sofrer violência física por inconsiderada atitude do colega, do professor ou de terceiros, ou, ainda, de qualquer atitude comissiva ou omissiva da direção do estabelecimento, se lhe sobrevierem lesões que exijam reparação e emerge daí uma ação ou omissão"[36]

Dessa forma, a omissão da instituição de ensino, seja esta particular ou privada se caracteriza não somente a um serviço defeituoso, mas, sobretudo a uma ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, que, portanto, deve ser responsabilizada objetivamente pelos danos causados a alunos e professores durante o período em que estiverem sob a permanência nos referidos estabelecimentos ou sob a guarda destes.

4.2 Responsabilidade Subjetiva e Objetiva

Conforme já abordado, a responsabilidade é um dever jurídico secundário, que surge a partir do descumprimento de uma obrigação, esse descumprimento é provocado por um ato ilícito, a ilicitude pode ser abordada tanto pela ótica objetiva, quanto pela subjetiva.

Ou seja, a ilicitude ou antijuridicidade sob ótica objetiva não se deve considerar a vontade do agente, nestes casos não existe o liame subjetivo, assim, se a conduta for contrária à norma jurídica deve ser caracterizada como ilícita. Resta-se bastante clara que a intenção do agente, a sua reserva subjetiva pouco importa no aspecto objetivo da ilicitude.

Por outro lado, a ilicitude no seu aspecto subjetivo leva em consideração o animus do agente, assim, o sob o aspecto subjetivo, o elemento culpa irá ser analisado,  será feita uma valoração sobre a conduta do agente, sendo que esta deverá ser livre e consciente, e por conseguinte, eivados de negligência, imprudência ou imperícia.           

A noção de culpa nos remete à responsabilidade subjetiva, assim, via de regra, ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que tenha faltado com o dever de cautela do seu agir. Assim, o elemento culpa é o principal pressuposto da responsabilidade civil subjetiva.

O código civil, em seu art. 186, manteve a culpa como fundamento da responsabilidade subjetiva, sendo que a culpa deve ser interpretada sentido amplo, latu sensu, para indicar não só a culpa em sentido estrito, como também o dolo.

Por outro lado, a responsabilidade objetiva, sem culpa, baseada na teoria do risco, acabou sendo adotada pela lei brasileira, sendo expressa pelo código civil em parágrafo único do artigo 927, 931 entre outros, pela Teoria do Risco aquele que cria o risco deve por ele responder independentemente de culpa.

“A I Jornada de Direito Civil” promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, interpreta o artigo 927 do Código Civil.

Enunciado nº 38 – Art. 927: a responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade.[37]

Importante frisar que, a teoria do risco adotada nos casos em que ensejam a responsabilidade da instituição de ensino não é a teoria do risco integral, haja vista que esta não admite excludente de responsabilidade, o risco nas relações de consumo advindas das instituições de ensino, advém do proveito, chamado de risco proveito, trata-se de risco decorrente de atividade lucrativa, e que portanto admite excludentes da responsabilidade, tal como  culpa exclusiva da vítima;  fato exclusivo de terceiro;  caso fortuito ou força maior.

4.3 Responsabilidade Civil nas Instituições de Ensino da Rede Privada

A relação pactuada entre o aluno e a instituição de ensino privada se caracteriza pela relação consumerista, ou seja, esta relação é estabelecida entre consumidor e fornecedor.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) cuidou na seção II do Capítulo IV “Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço” consagrando a responsabilidade objetiva, presentes nos artigos 12 e 14.  Adotando a Teoria Monista ou Unitária à medida que equipara o consumidor a todas as vítimas do acidente de consumo.

As relações de consumo atraem a incidência da ciência do direito do consumidor, desde que o fornecedor e o prestador desempenhem as atividades do fornecimento bens ou de prestação de serviços de modo continuado ou habitual.[38]

Conforme o art. 2º do CDC, consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire produto ou serviço como destinatário final.” Por outro lado, a definição de fornecedor está no artigo 3º do mesmo diploma, “Toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados que desenvolvam [...]” “[...] prestação de serviços”.

 Ora, a relação entre o aluno e a instituição de ensino privada, é relação de consumo, uma vez que o aluno paga pelo serviço, e o adquire como destinatário final, e que por outro lado, a instituição de ensino é pessoa jurídica fornecedora deste serviço.

O legislador adotou a responsabilidade objetiva (art. 6, VI) como padrão no Código de Defesa do Consumidor, calcados na Teoria do Risco,  consagraram tal teoria, admitindo a responsabilidade civil sem estar calcada no elemento culpa, caracterizando a Responsabilidade Objetiva, o fornecedor responsável.

O nosso atual Código Civil, prevê, em seu artigo 927, a possibilidade de reparação do dano em virtude da prática de ato ilícito. Vejamos: "Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo."

Complementando, segue a norma legal: "Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos, especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."

O referido parágrafo único está justamente inserido de forma a representar o Código de Defesa do Consumidor, em sua previsão legal, ao mencionar que o causador do dano deve reparar a lesão independentemente de culpa, nos casos previstos em lei. Esta Lei, no presente caso, é justamente o CDC, a responsabilidade civil das escolas particulares está inserida no campo da relação de consumo, uma vez que se encontra caracterizada como fornecedora de serviços.

Nesse mesmo sentido, a redação do art. 14 do CDC é clara:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Com isso, basta a comprovação fática danosa dentro de um nexo de causalidade, uma vez que a relação entre alunos, professores e instituição de ensino é de consumo, cabendo ao fornecedor de serviços a responsabilidade de reparar, não sendo necessário do consumidor apresentar prova da culpa.

A responsabilidade por fato do produto ou do serviço, diz respeito à pessoa do consumidor. O art. 14 do CDC estabelece “a reparação dos danos, moral ou material, causado por defeitos”, sendo que o conceito de defeito está contido no parágrafo 1º do referido artigo, sendo o serviço defeituoso quando não oferece a segurança que dele o consumidor legitimamente pode esperar, assim interpretando o referido artigo, temos por concluir que, o aluno que sofre a incidência de agressões de forma continuada, ou seja bullying, poderá pleitear a reparação em face do fornecedor do serviço que por defeito na prestação deste, não ofereceu a segurança que o consumidor poderia esperar.

Para melhor entendimento sobre o tema, o aluno que sofre bullying é considerado um consumidor, de acordo com a interpretação finalista conforme preceitua Bruno Miragem:

O fato de não haver a finalidade da obtenção de lucro em razão do ato de consumo, nem de implemento a uma determinada atividade negocial, assim como a completa exaustão da função econômica do bem, pela sua retirada do mercado. Nesta visão, o consumidor seria aquele que adquire ou utiliza produto ou serviço para satisfação de interesse próprio ou de sua família. Seria, portanto, o não profissional, não especialista, a quem o direito deve proteger.  [39]

Portanto, a instituição de ensino privado responde objetivamente pelos danos causados aos alunos ou aos seus funcionários dentro do seu estabelecimento, haja vista que é fornecedora de serviços, auferindo bônus em sua atividade, e, por conseguinte o ônus de arcar com a guarda de seus alunos e professores.

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4.4 Responsabilidade Civil das Instituições de Ensino da Rede Pública

Nas instituições de ensino público, estaremos diante da responsabilidade civil do Estado, haja vista o caráter público dessas escolas.

O Estado é um ser intangível, ou seja, ele somente irá se materializar através dos atos de seus agentes, assim, é responsável civilmente pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, ficando obrigado a ressarcir o dano causado. O dever de indenizar no direito público nasce quando pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público causam dano a terceiros, independente de o ato praticado ser ilícito ou não, conforme se depreende do art.37, § 6º da Constituição Federal de 1988.

Como o Estado possui naturalmente mais poder que o administrado, dessa forma recai sobre o direito público a responsabilidade objetiva, calcada na Teoria do Risco Administrativo, conforme preceitua José dos Santos Carvalho Filho:

No risco administrativo, não há responsabilidade civil genérica e indiscriminada: se houver participação total ou parcial do lesado para o dano, o Estado não será responsável no primeiro caso e, no segundo terá atenuação no que concerne a sua obrigação de indenizar. Por conseguinte, a responsabilidade civil decorrente do risco administrativo encontra limites.[40]

A responsabilidade civil do estado encontra-se disciplinada na Constituição Federal e também no Código Civil. O art. 43 do CC dispõe, in verbis:

[...] as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

A Constituição dispõe sobre a matéria em seu artigo 37, § 6º, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: 

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Assim, calcados na Teoria do Risco administrativo, podemos concluir que a responsabilidade civil da administração pública, será, via de regra, objetiva, sem prejuízo do direito do regresso em face dos empregados ou prepostos que agirem com culpa. Com isso, as causas que excluem o nexo causal, como o caso fortuito, a força maior, o fato exclusivo da vítima e de terceiro, excluirão também a responsabilidade objetiva do Estado.

Por outro lado, o presente trabalho traz a tona os casos em que há danos por omissão estatal, ou seja, quando uma instituição de ensino público deixa de vigiar seus alunos, acarretando no bullying, é uma situação clara de omissão do Estado, haja vista, sua conduta omissiva de não agir. Posto isso, o Estado se responsabilizaria por essa conduta? Que tipo de omissão se enquadram os casos de bullying vertical ascendente e horizontal nas instituições de ensino público?

Assim, interpretando o artigo 37§ 6º de nossa carta maior, teremos o entendimento controvertido no que tange o texto legal, o referido artigo é interpretado pela doutrina e jurisprudência de maneiras distintas com relação à conduta comissiva e omissiva do Estado.

Em que pese o entendimento liderado por Celso Antônio Bandeira de Melo[41], em que defende sua tese de que a responsabilidade da administração pública nos casos de dano decorrentes de uma omissão seria caracterizada como Responsabilidade Subjetiva, sendo que somente estaria obrigado a indenizar os prejuízos decorrentes de eventos que teria o dever de impedir.

O melhor entendimento entretanto, ao nosso ver, segue a linha de Sérgio Cavalieri Filho[42], assim preceitua:“[...] o art. 37§ 6º, da Constituição, não se refere apenas à atividade comissiva do Estado; pelo contrário, a ação a que alude engloba tanto a conduta comissiva como a omissiva.”

 Para melhor entendimento sobre a responsabilidade civil do Estado nos casos de bullying, é preciso visualizar que tipo de omissão que são praticados nestes casos, ou seja, se ocorre a omissão genérica ou específica.

Assim, fazendo uma relação entre omissão genérica e omissão específica, cabe salientar que, a omissão genérica é aquela que não decorre diretamente da omissão do Estado, somente responsabilizando-se o ente estatal se restar comprovada a sua culpa, ou seja, como visto o Estado não é, e não pode ser um segurador universal.  Outrossim, existe também a omissão específica que ocorre quando a inércia administrativa é causa direta e imediata do não impedimento do evento, havendo então responsabilidade objetiva, haverá omissão específica quando, por omissão sua crie a situação propícia para a ocorrência do evento danoso em que tinha o dever de agir para impedi-lo.  [43]

Diante disso, conforme o moderno entendimento, é preciso distinguir a omissão genérica do Estado e a omissão específica do Estado. Assim, nas hipóteses de omissão genérica, a responsabilidade da administração pública seria subjetiva, e nos casos de omissão específica, a responsabilidade seria objetiva, configurando um dever individualizado de agir. Assim preceitua Cavalieri Filho:

[..] “em nosso entender, quando o dano resulta da omissão específica do Estado, ou, em outras palavras, quando a inércia administrativa é causa direta e imediata do não impedimento do evento, o Estado responde objetivamente, como nos casos de morte de detento em penitenciária e acidente com aluno de colégio público durante o período de aula”[44]

Com isso, o nosso entendimento, corroborado por parte da doutrina e da jurisprudência, é de que, a administração pública ao se omitir em um caso de bullying, ocorrerá a omissão específica, haja vista que a mesma deveria agir para evitar este evento danoso, dessa forma, recai sobre o Estado o ônus da responsabilidade objetiva, uma vez que  a inércia administrativa é causa direta e imediata do não impedimento do evento.

Assim, conforme parte da jurisprudência pátria, a instituição de ensino vem respondendo objetivamente nos casos de danos decorrentes de omissão no dever de vigilância, conforme segue abaixo, conforme entendimento do STF  e de nossos Tribunais:

1)     INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO PODER PÚBLICO - TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO - PRESSUPOSTOS PRIMÁRIOS DE DETERMINAÇÃO DESSA RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO CAUSADO A ALUNO POR OUTRO ALUNO IGUALMENTE MATRICULADO NA REDE PÚBLICA DE ENSINO - PERDA DO GLOBO OCULAR DIREITO - FATO OCORRIDO NO RECINTO DE ESCOLA PÚBLICA MUNICIPAL - CONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO MUNICÍPIO - INDENIZAÇÃO PATRIMONIAL DEVIDA - RE NÃO CONHECIDO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. - A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público Carta Política de 1946. - Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 - RTJ 71/99 - RTJ 91/377 - RTJ 99/1155 - RTJ 131/417). - O princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias - como o caso fortuito e a força maior - ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 - RTJ 55/50). RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO POR DANOS CAUSADOS A ALUNOS NO RECINTO DE ESTABELECIMENTO OFICIAL DE ENSINO. - O Poder Público, ao receber o estudante em qualquer dos estabelecimentos da rede oficial de ensino, assume o grave compromisso de velar pela preservação de sua integridade física, devendo empregar todos os meios necessários ao integral desempenho desse encargo jurídico, sob pena de incidir em responsabilidade civil pelos eventos lesivos ocasionados ao aluno. - A obrigação governamental de preservar a intangibilidade física dos alunos, enquanto estes se encontrarem no recinto do estabelecimento escolar, constitui encargo indissociável do dever que incumbe ao Estado de dispensar proteção efetiva a todos os estudantes que se acharem sob a guarda imediata do Poder Público nos estabelecimentos oficiais de ensino. Descumprida essa obrigação, e vulnerada a integridade corporal do aluno, emerge a responsabilidade civil do Poder Público pelos danos causados a quem, no momento do fato lesivo, se achava sob a guarda, vigilância e proteção das autoridades e dos funcionários escolares, ressalvadas as situações que descaracterizam o nexo de causalidade material entre o evento danoso e a atividade estatal imputável aos agentes públicos.

(109615 RJ , Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 27/05/1996, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 02-08-1996 PP-25785 EMENT VOL-01835-01 PP-00081)

2)     APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO ESPECÍFICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. ART. 37, § 6º DA CF. PERDA DA VISÃO DO OLHO DIREITO. ACIDENTE EM PRESÍDIO. DANOS MORAIS. RECONHECIMENTO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. DIMINUIÇÃO.Conforme vem entendendo esta Corte e o STF, quando há uma omissão específica do Estado, ou seja, quando a falta de agir do ente público é causa direta e imediata de um dano, há responsabilidade objetiva, baseada na Teoria do Risco Administrativo e no art. 37, § 6º da CF. No caso concreto, restou devidamente demonstrado o nexo causal entre o dano, perda da visão decorrente da queda de detento enquanto executava suas tarefas na cozinha do Presídio, e a omissão do Estado, notadamente no dever de preservar a incolumidade física dos detentos, de modo que deve ser confirmada a sentença que reconheceu a responsabilidade civil do ente público. Valor da indenização, contudo, diminuído. Sucumbência recíproca não reconhecida. (Apelação Cível Nona Câmara Cível Nº 70033566373 Comarca de Santa Rosa  ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL  APELANTE  VIDEU JORGE SCHONHART) 

4.5  A Responsabilidade Civil dos Pais 

Quando abordamos o tema bullying, estamos diante de situações em que envolve uma relação entre alunos, por sua vez, estes alunos são na maioria dos casos menores de idade, ou seja, a incidência do fenômeno bullying se dá entre incapazes, e que dessa forma, via de regra, não podem ser responsáveis pelo evento danoso, assim, quem exercer o poder familiar responde objetivamente pelos atos do filho menor que estiver sob sua autoridade e em sua companhia, nos termos dos artigos 932,I, 933 e 942 do Código Civil, sendo a responsabilidade do incapaz subsidiária e mitigada caso os pais não puderem reparar o dano, conforme artigo 928 do Código Civil.

Importante frisar que, caso o filho seja menor de 18 anos mas emancipado por concessão deste (artigo 5º parágrafo único), a responsabilidade dos pais será subsidiária e solidária[45] .

Diante disso, os pais seriam responsáveis pelos atos dos filhos dentro da instituição de ensino? Quando que os pais poderiam se responsabilizar pelos atos de bullying praticados por seus filhos?

Para compreensão do tema, é preciso interpretar o artigo 932, I do diploma civil, in verbis: “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;”. Assim, em inteligência ao artigo, é preciso que o filho esteja sob a autoridade de seus pais, sendo que, o filho que está internado em uma instituição de ensino, estará em companhia de outrem, sendo que, como já supracitado, recairá sobre esta instituição de ensino a responsabilidade objetiva, pois esta tem o dever de vigilância, dessa forma preceitua Maria Helena Diniz:

Não é suficiente que o menor esteja sob o poder familiar dos pais, é preciso que viva em sua companhia e esteja sob sua vigilância, para que haja responsabilidade paterna ou materna. Assim, se o menor, durante seu trabalho numa oficina, apoderar-se de automóvel de terceiro, que ali foi deixado para conserto, e provocar acidente de trânsito, o empregador será o responsável pela reparação do dano, (932, IIII, CC) mas terá ação regressiva (CC, art. 934).[46]

Esclarecido o nosso entendimento no que tange à responsabilidade civil dos pais, quando seus filhos estão sob a vigilância da instituição de ensino, passemos ao próximo ponto, quando que os pais seriam responsáveis pela reparação civil nos casos de bullying?

O bullying praticado fora da instituição de ensino,  via de regra, exclui a responsabilidade da escola, haja vista a ausência do nexo causal. O caso mais comum, e que a cada dia aumenta a sua incidência, é o cyberbullying, que, conforme já explicitado, são os atos de violência praticados no âmbito da rede social, com a utilização de aparelhos eletrônicos, tais como o celular e o computador, com a avanço da tecnologia, o bullying poderá ser praticado de forma virtual, e que portanto dificultaria a apuração de seus agressores, e também a individualização da responsabilidade.

Dessa forma, o aluno em ambiente virtual, pressupõe objetivamente a vigilância dos pais, e que portanto, devem ser responsáveis, pois fora do ambiente escolar, o menor volta ao poder dos pais e sob a vigilância destes, aplicando assim a responsabilidade objetiva dos pais com fulcro no artigo 932 do Código Civil.

Importante salientar que, o menor, quando pratica o bullying, responderá em regra de forma subsidiária na esfera cível, por outro lado, poderá estar cometendo algum ato infracional na esfera criminal, haja vista os crimes contra a honra, que poderão ser imputados analogamente conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente. Portanto, na esfera criminal, os pais não respondem pelos filhos, pois, impera no direito penal, o princípio da individualização da pena, e por isso, não poderão os pais, responderem criminalmente pelos filhos, esse princípio está disposto em nossa constituição em seu artigo 5º, inciso XLVI.

Outra questão, digna de nota, é a reforma do Código Penal, em seu anteprojeto, nº 1011/11, tem como novidade a tipificação da prática bullying, conforme o texto encaminhado para aprovação: “ato de agredir fisicamente ou verbalmente algum menor de idade, de forma intencional e continuada”. Com isso, o bullying passa a ser considerado crime, sendo qualificado como "intimidação vexatória", a pena poderá ser de até quatro anos de prisão quando o autor for maior de idade, caso o autor do crime tiver menos de 18 anos, o bullying será considerado ato infracional e, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, o autor receberá medidas socioeducativas, como prestação de serviços, acompanhamento e internação. Para que o crime seja tipificado, é preciso ficar provado que houve sofrimento da vítima a partir de uma superioridade do autor da violência.[47]

4.6 O Fenômeno Bullying, o Assédio Moral e o Dano Moral

É inegável a gravidade inserida o tema, haja vista as consequências derivadas deste fenômeno, mas o quão gravoso seria este evento na esfera da  responsabilidade civil? O fenômeno bullying comparado ao assédio moral é mais danoso no que se refere campo da reparação?

Conforme dispõe a nossa Carta Magna, em seu artigo 5º  X, : "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação." Assim, dano moral na visão de Carlos Roberto Gonçalves:

Dano moral é que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome etc., como se infere dos arts. 1º,III e 5º, V e X da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza e humilhação.”[48]

Diante destas indagações, o presente trabalho pesquisou a incidência da indenização por danos morais (extra patrimoniais) na esfera cível, como nos casos de bullying, e na esfera trabalhista, como nos casos de Assédio Moral, a fim de verificar diferenças ou semelhanças entre as decisões, senão vejamos:

Em que pese o valor da indenização ser majorado ou não de acordo com a intensidade do dano provocado, no que tange ao Assédio Moral, de acordo com recentes decisões do TST (Tribunal Superior do Trabalho), temos por conclusão decisões que variam em média de R$ 3.000,00 (três mil reais) e R$ 30.000,00 (trinta mil reais), conforme decisões em anexo. 

Outrossim, o valor das indenizações, no que diz respeito ao fenômeno bullying, não se diferencia muito do Assédio Moral, em pesquisa realizada em prol do presente trabalho, verificou-se que ainda não há decisões do STJ (Superior Tribunal de Justiça), sobre o tema, por outro lado, as decisões dos Tribunais são no sentido de que para que haja o bullying, deve haver a conduta reiterada, e, em que pese, os pedidos autorais perfazerem grandes montas, as indenizações concedidas pelos Tribunais do país não fogem muito de uma média, não há em regra, um padrão para que se indenize exorbitantemente os casos de bullying, o que se assemelha muito com os valores pagos à título indenizatório para os eventos de Assédio Moral.

Essa limitação do valor indenizatório tem o seu lado positivo, haja vista que, com a explosão midiática sobre o bullying, o mesmo poderia se tornar uma “indústria do dano moral”, entupindo o judiciário a fim de enriquecimento sem uma justa causa.

Portanto, o caráter punitivo e pedagógico da sentença, deve seguir uma razoabilidade e proporcionalidade, e, em que pese casos esporádicos em que há claramente um grave dano à saúde física e mental do adolescente, nos demais casos, deve se manter uma média razoável para o arbitramento do dano moral, para que se não supervalorize o fenômeno bullying.

Com isso, nas palavras de Jorge de Miranda Magalhães:

Na fixação do dano moral, deverá o juiz atendendo-se ao nexo de causalidade, levar em conta critérios de proporcionalidade e razoabilidade na apuração do quantum, atendidas as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado.”[49]

Assim, conforme o entendimento da doutrina pátria, os critérios de proporcionalidade e razoabilidade devem estar presentes na fixação do valor da indenização diante do dano moral sofrido.

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