1. INTRODUÇÃO
Adiante serão analisados os efeitos decorrentes da anulação de atos administrativos pelas pessoas jurídicas de direito público, considerando o art. 37, § 6º da Constituição Federal, e a possibilidade de indenização assentada nas relações jurídicas de terceiros de boa-fé. Aqui, a anulação, também denominada de invalidação, é a extinção do ato administrativo por razões de ilegalidade.
2. DA ANULAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO QUANTO AOS TERCEIROS DE BOA-FÉ
Inicialmente, cumpre pontuar no que consiste o princípio da autotutela, este significa que o administrador deve zelar pela legalidade, oportunidade e conveniência dos atos administrativos. Caso sejam ilegais deve anulá-los; ou sendo válidos e não mais houver interesse público na sua existência (conveniência e oportunidade), deve providenciar sua revogação, independente de provocação.
A regra é que os atos nulos praticados pela Administração Pública não ensejam responsabilização, no entanto, surge a situação do terceiro de boa-fé. E a Lex Mater prevê em seu artigo 37, § 6º, que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa condição, causarem a terceiros. Então é comum se afirmar que o ato nulo não gera efeitos, sendo excepcionados os terceiros de boa-fé que tenham sido alcançados pelos efeitos do ato anulado.
Consoante Mello (2006), sobre a noção errônea em apontar que os atos nulos não produzem efeitos, posto que não se cogitaria da anulação deles ou de declará-los nulos se não fora para fulminar os efeitos que já produziram ou que podem ainda vir a produzir. E, ainda, os atos nulos e os anuláveis, mesmo após sua invalidação, produzem uma série de efeitos.
Considerando a responsabilidade civil da Administração Pública e o exercício do poder de tutela, deve ser resguardada a relação do terceiro de boa-fé, que tem o direito de ser indenizado dos prejuízos decorrentes do ato nulo. Aqui vale ressaltar a confiança que tem o administrado nos atos administrativos, por estes originarem do Estado e por gozarem de presunção de legitimidade. Acredita-se que quando a Administração age, esta o faz de acordo com o ordenamento jurídico e buscando o interesse público.
Convém transcrever o seguinte julgado:
APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - SERVIDORA PÚBLICA APROVADA E NOMEADA EM CONCURSO - ANULAÇÃO DO CONCURSO PELA ADMINISTRAÇÃO - PERDA DO CARGO - DANO MORAL CONFIGURADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO MUNICÍPIO, NOS TERMOS DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, AINDA QUE O ATO PRATICADO SEJA LÍCITO - FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO - RECURSO PROVIDO. Ainda que lícita a anulação do concurso público pela existência de irregularidades, a Administração responde pelos danos morais causados ao terceiro de boa-fé, posto que, embora em razão de procedimento legítimo produziu lesão na esfera juridicamente protegida de outrem (TJPR - Apelação Cível nº 333.263-4, 4ª Câm. Cível, Rel.ª Des.ª Regina Afonso Portes, 23/06/2006).
Assim, tendo em vista a ementa supracitada, tem-se que apesar de legítima a anulação do concurso público por ser verificada irregularidade, o Poder Público responde pelos danos morais causados ao particular, deve-se considerar a situação do indivíduo que estuda, consegue sua aprovação em concurso público, toma possa e posteriormente é exonerado. Ao terceiro de boa-fé, embora a anulação seja decorrente de procedimento legítimo, produziu-se lesão em sua esfera juridicamente protegida.
Também é a opinião do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Extraordinário nº 460.881-a MA, em que:
ATO ADMINISTRATIVO: ILEGALIDADE: ANULAÇÃO E RESSARCIMENTO DE DANOS MORAIS. SÚMULA 473. CF, ART. 37, § 6º. A Administração Pública pode anular seus próprios atos, quando inquinados de ilegalidade (Súmula nº 473); mas, se a atividade do agente público acarretou danos patrimoniais ou morais a outrem - salvo culpa exclusiva dele, eles deverão ser ressarcidos, de acordo com o disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal (STJ – Recurso Extraordinário nº 460.881-a, 1ª Turma, Rel.º Min.º Sepúlveda Pertence, 18/04/2006).
Do caso acima, observa-se pelo voto do Relator Ministro Sepúlveda Pertence, que o poder de autotutela da Administração decorre efetivamente do princípio da legalidade, mas embora válida a anulação do contrato entre o CEFET, autarquia federal recorrente, e a OASECEAMA; “não exime, a primeira de responder perante terceiros - qual, a autora, aos quais haja causado danos patrimoniais ou morais, em razão do início de execução, que deu, ao contrato firmado”. A autora é aluna do CEFET que realizou vestibular e assistiu aulas de um curso posteriormente extinto.
Afirmou-se, então, que se a licitude da conduta da Administração não afasta por si só, da responsabilidade civil pelos prejuízos que causar a terceiros, salvo culpa exclusiva deste, com mais razão incide o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, sendo a atividade lesiva do agente público decorreu da celebração de contrato ilícito.
3. CONCLUSÃO
Do exposto acima, constata-se que em regra o Estado não tem o dever de responsabilizar-se por atos declarados nulos, no entanto, caso haja um terceiro prejudicado de boa-fé deverá o Estado providenciar sua reparação, analisando-se especificamente o caso.
A prerrogativa poder-dever da Administração Pública em anular seus próprios atos contaminados de nulidade não a exonera da responsabilidade civil pelos danos causados ao particular. Evitando-se, assim, uma atuação incoerente, inconsequente e ilegal do administrador público e lesão ao terceiro de boa-fé, que por via reflexa beneficiou-se pelo ato eivado de vício.
4. REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em <http: //www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao_Compilado.htm>. Acesso em: 6 out 2014.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.