Breves comentários à Ley Orgánica Del Trabajo, de 01 de maio 2012, da Venezuela

03/03/2015 às 13:08

Resumo:


  • A República Bolivariana da Venezuela é um Estado social de direito e justiça, com democracia participativa e foco na justiça social.

  • O presidente Hugo Chávez promulgou a Ley Orgánica Del Trabajo para los Trabajadores y las Trabajadoras, revogando o diploma anterior, em vigor desde 01 de maio de 2012.

  • A nova lei trabalhista venezuelana trouxe mudanças significativas, como a gestão das reservas previdenciárias, licenças maternidade e paternidade ampliadas, redução da jornada de trabalho e proibição da terceirização da mão de obra.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Apesar da previsão constitucional da justiça social, somente esta lei trabalhista da Venezuela a retirou da situação de atraso legislativo. Todavia, em verdade franca, a nova lei mantém, em alguns pontos, exíguos certos direitos trabalhistas.

A República Bolivariana da Venezuela declara-se, em sua Constituição de 1999, revista em 2009, um Estado social de direito e justiça (art. 2º), de democracia participativa (preâmbulo, art. 6º e art. 299), que prima pela justiça social (passim), privilegiando a maioria do povo composto por trabalhadores de baixa renda. A Carta outorga competência exclusiva à Assembleia Nacional para aprovar lei orgânica.

Contudo, foi o presidente Hugo Chávez quem promulgou a Ley Orgánica Del Trabajo para los Trabajadores y las Trabajadoras (LOTTT, disponível em http://www.lottt.gob.ve/), em vigor a partir de 01 de maio de 2012, revogando o diploma que regulamentou a matéria desde 1997. A lei foi elaborada por uma comissão presidencial, designada especialmente para este fim. Após a sanção presidencial, a lei foi encaminhada para o Tribunal Supremo de Justiça, para certificação do seu caráter orgânico e de sua constitucionalidade.

Reivindicando discussões e consultas amplas, transparentes e abertas, a oposição política e os representantes estudantis questionaram o valor do ‘debate’ público, orientado através da plataforma cibernética twitter, que tem sido utilizada pelo governo para informar o povo sobre questões institucionais. Segundo os avessos, a lei afronta a estabilidade da política do trabalho do país, pois a íntegra do conteúdo da lei foi objeto cognitivo apenas da cúpula presidencial, que apresentou a versão definitiva à Assembleia Nacional no domingo, 29/04/12, às vésperas da sanção presidencial.

Chávez refutou as críticas, sustentando estar ele a cumprir promessa feita ao povo, que participou ativamente da elaboração da lei, encaminhando 19.293 propostas à comissão. Ressaltou Chávez que a lei pode ser revista a qualquer tempo.

De Havana, onde realiza tratamento médico radioterápico, o presidente contribuiu para a elaboração da lei. Chávez interrompeu o tratamento, indo à capital venezuelana apenas para resolver questões institucionais e sancionar a lei que abrange matérias processuais e substanciais do direito, dispondo acerca de direitos trabalhistas e previdenciários.

Apesar da previsão constitucional da justiça social, somente esta lei trabalhista da Venezuela a retirou da situação de atraso legislativo, apresentando benefícios e garantias ao trabalhador, em alguns casos, para além dos estimulados pela Organização Internacional do Trabalho. Dada a singularidade desta lei considerada, por muitos, revolucionária, passa-se a análise pontual dos principais institutos ali estabelecidos.

De acordo com a nova lei, o trabalhador poderá optar para que suas reservas previdenciárias sejam geridas por um fideicomisso individual ou pelo Fondo Nacional de Prestaciones Sociales (art. 143), a ser regulamentado por lei especial.

O descanso de maternidad (art. 331), equivalente à nossa licença maternidade, constitui direito a repouso remunerado irrenunciável (art. 338), subdividindo-se em dois: pré-natal, em que a mãe tem direito a um descanso remunerado por 06 (seis) semanas antes do parto; e o pós-natal, que, anteriormente, outorgava o direito ao descanso por 16 (dezesseis) semanas, e que foi ampliado para 20 (vinte), segundo disposição do art. 336.

A trabalhadora que adotar criança menor de 03 (três) anos de idade terá direito à licença maternidade pós-natal, a partir da data da colocação da criança em família substituta, conforme determina o art. 340.

Insurgiram-se os sindicatos contra a medida, afirmando que haveria uma consequente repugnância às forças laborais femininas, mas o benefício suspende o contrato de trabalho (art. 72, alínea c) e tem cunho previdenciário, estendendo-se às trabalhadoras autônomas, recaindo o ônus sobre o governo nacional (art. 336).

A licença paternidade (art. 339) remunerada é assegurada por 14 dias, a partir do nascimento ou, no caso da adoção, a partir da data da colocação da criança em família substituta, sendo silente à lei quanto a limitação de adoção à criança menor de 03 (três) anos de idade.

Para a estabilidade paterna de 02 (dois) anos no emprego, a lei a assegura a partir do nascimento do filho ou da colocação da criança em família substituta apenas no caso de criança menor de 03 (três) anos, conforme dispõe o mesmo art. 339.

O art. 341 permite ao trabalhador ou trabalhadora a prerrogativa de obter as férias solicitadas assim que retornar da licença paternidade ou maternidade. Por outro lado, a previsão de férias continua inferior às previsões de outros países. Segundo o art. 190, após 01 (hum) ano de trabalho, o trabalhador terá direito a 15 (quinze) dias de férias. O art. em comento estabeleceu um benefício progressivo de somar-se 01 (hum) dia a cada ano de serviço, até o limite de mais 15 (quinze) dias. O adicional de férias (bono vacacional), que é calculado segundo o número de dias de férias, integra o salário, compondo a base de cálculos trabalhistas (art. 192).

A lei reduz a jornada laboral de 44 (quarenta) para 40 (quarenta) horas semanais, assegurando ao trabalhador 02 (dois) dias consecutivos de descanso remunerado (arts. 167-177). Em disposição inoportuna, restringe-se o trabalho temporário somente a 01 (hum) ano, prorrogando-se por tempo indeterminado a partir do termo deste prazo (art. 62).

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A lei recria o duplo pagamento pela despedida sem justa causa, equivalente às prestações sociais do art. 141 e ss. mais uma indenização em valor equivalente (art. 93 c/c arts. 69, 70, 80, 82, 83 e 92).

A lei não descurou dos trabalhadores autônomos e informais, que representam 48% (quarenta e oito por cento) dos trabalhadores do país, passando-os a condição de titulares dos direitos previdenciários (art. 36).

A sétima disposição transitória determina a criação de um Conselho Superior do Trabalho para fiscalizar e garantir a efetiva implementação da lei num prazo de 03 (três) anos.

O presidente Chávez considera a lei um ato justo, fundado na doutrina marxista, que visa a construção do socialismo venezuelano, com a distribuição da riqueza nacional, ocasionada pelo fortalecimento do Estado social democrático interventor. Chávez pondera que as melhorias das condições da classe trabalhadora restituem os direitos fundamentais dos trabalhadores venezuelanos.

Em verdade franca, muitos foram os avanços, considerando a legislação trabalhista venezuelana anterior. Porém, em alguns pontos, a nova lei mantém em atraso os benefícios trabalhistas se comparada a legislações de outros países como a França, ou mesmo o Brasil. De qualquer sorte, a Venezuela não rompeu com o modo de produção industrial, contestando o dogma progressista, no sentido de expurgar da sociedade todo tipo de exploração trabalhista.

Pode-se dizer, contudo, que o ponto alto da legislação está na proibição da terceirização da mão de obra, pois esta modalidade é uma das maiores causas de fraudes às leis trabalhistas em todo o mundo. Neste ponto, sobrepujando as bases do capitalismo contemporâneo, a lei elimina a terceirização do trabalho dentro da empresa (art. 66), por considerá-la uma fraude. E, na primeira disposição transitória, a lei determina a adequação dos empregadores, no prazo de 03 (três) anos), para a incorporação dos trabalhadores à empresa em que eles efetivamente prestem serviço, garantindo a inamovibilidade e o gozo igual de benefícios dos empregados do real empregador. 

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Sobre o autor
Ricardo Nogueira

Especialista em Direito do Estado, pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Graduado em Direito, pela Universidade Salvador. Advogado do Castro Gusmão Nogueira e Advogados Associados. Membro das comissões de Direitos Humanos e de Direito à Saúde da seccional Bahia, da Ordem dos Advogados do Brasil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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