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Possibilidade de aplicação da suspensão condicional do processo nos crimes de pena mínima de até dois anos

Resumo:


  • A Lei 9.099/95 introduziu medidas despenalizadoras no Brasil, contrariando a tendência de endurecimento penal para combater a criminalidade.

  • A pena não é eficaz na prevenção da criminalidade, sendo os fatores criminógenos relacionados à formação pessoal e ao meio societário.

  • Leis como a 9.099/95 e 9.714/98 introduziram medidas de substituição de penas privativas de liberdade, como a suspensão condicional do processo, visando desafogar o sistema prisional e agilizar a justiça.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1.1 -O início das medidas despenalizadoras no Brasil.

O sistema penal/processual penal introduzido pela Lei 9.099/95 representou grande inovação no direito pátrio, mormente por que foi o primeiro diploma legal a contrariar a tendência dominante, à época, de recrudescimento das penas e da persecução penal como forma de se desestimular a criminalidade.

É que sob a égide do chamado Movimento Lei e Ordem, decorrente do exasperamento da criminalidade que se verificou no Brasil (assim como em todo o mundo) a partir de meados da década de 80, tendo como conseqüência a massificação da exposição de crimes na imprensa, principalmente a de cunho sensacionalista, que passou a exibir a todo momento em sua programação, da manhã a noite, cenas de crimes chocantes, de cadáveres, tiroteios, sendo incontáveis os programas unicamente destinados a este fim, em praticamente todas as emissoras, a sensação de insegurança e o temor público passaram a ser levados diuturnamente para dentro de nossas casas.

Nesse contexto é que surgiram em nosso país as leis dos crimes hediondos, do crime organizado, a prisão temporária, entre outros institutos que com o objetivo de reduzir a criminalidade, visaram incutir o medo, premiando a delação e restringindo algumas garantias outrora concedidas.

Isso tudo dentro da noção de que com o endurecimento do sistema penal e processual no Brasil, a criminalidade seria reduzida. No entanto, os resultados práticos dessa fase são por demais conhecidos: aumento ainda maior, quase insustentável, da criminalidade. Como exemplo emblemático, mesmo após a lei do crime organizado, as quadrilhas de traficantes cresceram tanto em quantidade e força que hoje são consideradas pela imprensa como "um poder paralelo ao Estado", e infelizmente, não sem razão.


1.2 A relação entre pena e criminalidade

Em verdade, temos a firme convicção de que a pena não é o instrumento hábil para, prioritariamente, realizar a prevenção contra a criminalidade, podendo ser admitida como meio acessório em tal combate. Na verdade, as causas da criminalidade, ou fatores criminógenos, são bem outros, sendo o crime o produto acabado e a pena um mero remédio que não chega sequer a ser profilático.

Os autênticos fatores que levam o homem a delinqüir advêm de sua formação pessoal e do meio societário em que vive, executando-se os casos dos criminosos natos e assemelhados, para os quais a proclividade criminal é inata e cuja ameaça é constante. Assim, o principal meio de combate à criminalidade cabe ao estado e à família, sendo reservado ao direito penal um caráter acessório ou subsidiário nesta tarefa, ou seja, é com educação escolar e moral, com a exaltação dos valores morais, cívicos e religiosos, com a garantia das mínimas condições sociais por parte do Estado, com a estabilidade econômica que permita a todos os cidadãos a oportunidade de emprego, de estudo, de lazer, com a garantia de infra-estrutura médica, hospitalar, assistência social, enfim, todos os ditames que estão exaustivamente previstos na Carta Magna.

A criminalidade, como bem disse Enrico Ferri, é, sobretudo um problema social. A tendência lógica de um indivíduo que se encontra desempregado, com família para sustentar e sem perspectivas de melhora, é a de acabar entrando num caminho do crime como tentativa de reparar sua situação.

Outra circunstância que influi decisivamente no aumento da criminalidade, como dito antes, é a impressão, que pode até refletir a realidade atual, que é passada à comunidade pelos meios de comunicação de massa, de que estamos em perigo constante e em meio a um mar de impunidade. E nesse sentido, a imprensa é hoje em dia um forte fator criminógeno. E algumas vezes, a imprensa se encarrega de renovar os métodos e sugestionar os delinqüentes à prática de novos delitos. Por exemplo, no final da década de 80, após exaustiva cobertura dos chamados arrastões na cidade do Rio de Janeiro, tal prática foi assimilada pelos bandos em todo Brasil a ponto de repetir-se em todo o território nacional, até mesma na então pacata São Luís do Maranhão. Noutras vezes, os órgãos da imprensa, por desconhecimento dos institutos basilares do direito penal e processual acabam reforçando indevidamente a sensação de impunidade, haja vista que a sociedade exige imediatamente um culpado para o fato, mesmo que não hajam provas suficientes. Exemplifica-se: - freqüentemente vêem-se críticas a juizes que determinam a soltura de um preso devido a excesso de prazo, ou aos que concedem livramento condicional ou mesmo quando condenam um delinqüente a cem anos, mas que mediante ordem judicial por força legal só vai cumprir trinta, passando aquela imagem infame de que "a polícia prende e o juiz solta".

E como desfecho deste quadro, temos a morosidade da justiça devido a uma série de fatores que não cabe aqui abordá-los, mas que com certeza o preponderante é a escassez de magistrados e membros do Ministério Público em todo o Brasil e falta de investimento na estrutura desses órgãos. Enfim, estas, dentre outras, são as verdadeiras causas de aumento da criminalidade.

A pena, por seu turno, é fator secundário no combate à criminalidade, até porque existe uma clara distinção entre criminalidade e pena: a primeira é causa e a segunda é a consequência. E como prega a infalível lei física da ação e reação, o efeito só existe devido à causa, que é a sua premissa, não tendo o primeiro o condão de modificar a segunda. Pelo contrário, retirada a causa, cessam seus efeitos.


1.3 A evolução das recentes medidas despenalizadoras adotadas no Brasil

Conencidos da falência do sistema prisional brasileiro, que um grupo de juristas dentre os quais Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes elaborou o projeto da Lei dos Juizados Especiais Criminais, incumbida de tratar dos delitos de bagatela. Do projeto, surgiu a Lei 9.099 de 26/09/95, cuja principal característica foi a introdução de quatro medidas de cunho material e adjetivo com o objetivo de evitar a pena de prisão para os delitos de bagatela, quais sejam, a composição civil, a transação penal, a exigência de representação para os crimes de lesões corporais leves e culposas e a suspensão condicional do processo.

Na realidade, o grande mérito desta lei não foi o de reduzir a criminalidade nos delitos de bagatela (posto que, como dito acima, a pena é fator secundário na questão da criminalidade), mas sim a de tornar mais rápida e precisa a ação do poder público, desobstruindo as vias judiciais de primeira e segunda instâncias desses casos de pequena importância a um direito fragmentário, como é o direito penal.

Nesse sentido, desde o advento da Lei mencionada a sociedade e a própria parte ofendida vêm obtendo rápida resposta, e na maioria dos casos, satisfação dos danos que sofreram com a conduta lesiva. Por outro lado, diminuíram os gastos da máquina judiciária pelo rápido desenrolar da questão e aumentou a eficácia prática da lei penal material, haja vista que com o novo procedimento, praticamente desapareceram os casos de prescrição nos crimes de pequena potencialidade lesiva, fenômeno antes muito comum em casos que tais.

Nessa perspectiva, os bons resultados alcançados pela Lei 9.099/95, em sua parte criminal, estimularam um crescimento da tendência de buscarem-se medidas de substituição das penas privativas de liberdades por outras restrições no caso de condutas menos lesivas, tendência esta que aparece na exposição de motivos da reforma do Código Penal de 1984, como sendo uma "experiência pioneira".

Assim é que, já no ano de 1998, a Lei 9.714, (de 25 de novembro daquele ano) veio a dar nova redação aos arts. 43 e seguintes do Código Penal, aumentando sensivelmente o raio de aplicação de penas alternativas em substituição às penas privativas de liberdade, haja vista que antes era cabível a substituição quando a pena privativa de liberdade fosse inferior a um ano ou se o crime fosse culposo. E com o advento da lei mencionada, as penas restritivas de direito passaram a substituir as privativas de liberdade não superiores a quatro anos quando o crime não seja cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, quando o crime seja culposo (segundo a atual redação do art. 44, inciso I, do CPB)

Tal inovação teve repercussão não apenas na aplicação da pena em si, mas também na própria instrução processual, mormente no que pertine às questões relativas à prisão preventiva ou qualquer outra modalidade de prisão cautelar. É que, consoante temos defendido com freqüência, nas situações concretas que se nos apresentam em que os réus possuem bons antecedentes e outras condições favoráveis, não mais se justifica a prisão preventiva em crimes, por exemplo, como de furto simples e outros cuja pena máxima não ultrapasse os cinco anos, haja vista que mesmo após uma futura e hipotética condenação, em face da pena aplicada a delitos como estes, o réu provavelmente não ficaria privado fisicamente de sua liberdade, posto que faria jus, por exemplo, aos benefícios dos arts. 43 e seguintes do CPB, não se justifica que, a título de prisão cautelar, ou seja, não decorrente de pena, fique o mesmo privado de sua liberdade.

Isso tudo considerando tratar-se a prisão não decorrente de pena em medida de exceção no ordenamento jurídico pátrio, bem como não olvidando o teor do art. 310, parágrafo único do CPPB, inteligência do qual o réu deve ser colocado em liberdade provisória caso não estejam presentes os requisitos da prisão preventiva, previstos no art. 312 do CPPB.

Por fim, na esteira das tendências introduzidas pelas Leis 9.099/95 e 9.714/98 surgiu em nosso ordenamento jurídico a Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001, que institui os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, diploma este que em sua parte penal trouxe uma grande inovação, qual seja, passou a considerar infrações penais de menor potencial ofensivo aquelas cuja pena máxima seja de dois anos ou multa (art. 2º, da Lei 10.259/2001).

Em verdade, a intenção do legislador em redefinir as infrações penais de menor potencial ofensivo foi principalmente a de conferir utilidade prática aos juizados criminais na esfera da Justiça Federal. É que, na práxis diária, foi constatado que muito dificilmente ter-se-ia volume de processos a justificar a criação de juizados criminais federais caso o procedimento fosse aplicado para os crimes de até um ano de pena máxima, posto que dada a competência criminal específica da Justiça Federal, prevista na Constituição [1] Federal, seria pequena a quantidade de delitos a serem apreciados. Assim, optou-se por formular o novo conceito de infrações penais de menor potencial ofensivo como sendo os crimes de pena máxima de até dois anos ou multa, tudo no intuito de aumentar o espectro de atuação dos Juizados Criminais na esfera federal.

Intencionalmente ou não, o fato é que consoante entendimento doutrinário e mesmo jurisprudencial que já se solidificou, o novo conceito de infração penal de menor potencial lesivo há de ser aplicado na esfera estadual, posto que se tratando, indiscutivelmente, de lex mitior, sob os prismas da analogia in bonam partem, da igualdade e do art. 2º, § 1º da LICC, tem imediata aplicação, inclusive retroativa, em todos os casos em que a pena máxima não for superior a dois anos, como por exemplo, nos casos do art. 16 da lei antitóxicos, do porte ilegal de armas (art. 10 da Lei 9437/97, entre outros) .

No sentido de que a nova definição de infração penal de menor potencial ofensivo trazida pela Lei n. 10.259/01, por ser norma posterior incompatível com o art. 61 da Lei n. 9.099/95, deve prevalecer e ser aplicada tanto no âmbito Estadual quanto Federal, sob pena de ofensa ao princípio isonômico, já se manifestaram : Luiz Flávio Gomes, Damásio de Jesus, César Roberto Bittencourt, Alberto Silva Franco, Fernando Capez entre vários outros.

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Nesse sentido é que efetivamente vem sendo aplicada por nós, no cotidiano, a nova definição de infração penal de menor potencial ofensivo de modo a possibilitar a integral aplicação dos dispositivos da lei 9.00/95, sobretudo a transação e composição, em crimes cuja pena seja de até dois anos. Entretanto, diante do novo quadro, há urgente necessidade que em relação à suspensão condicional do processo haja também um elastério em relação a sua possibilidade de aplicação, conforme veremos adiante.


1.4 A suspensão condicional do processo

A Suspensão Condicional do Processo, introduzida pelo artigo 89 da Lei nº 9.099/95, diferenciou-se dos demais institutos previstos na mesma Lei, em decorrência de seu raio de aplicabilidade, qual seja, nos crimes cuja pena mínima fosse igual ou inferior a um ano, nos casos abrangidos ou não pela lei mencionada. Assim, devido à larga relação de delitos cuja pena mínima em abstrato seja igual ou inferior a um ano, inclusive aqueles cuja pena mínima cominada seja superior a um ano, mas sobre a qual incida a diminuição de 1/3 (um terço) face a tentativa (art. 14, II, do CPB) ou qualquer outra causa de diminuição de pena, o benefício do sursis processual, passou a ser largamente utilizado como forma de evitar-se a aplicação de uma pena privativa de liberdade.

Tratou-se de um critério inovador, o de estabelecer como parâmetro de aplicação do benefício processual a pena mínima in abstracto de um ano. Diferenciou-se do critério utilizado pelo Código Penal para a aplicação da Suspensão Condicional da Pena, que é a aplicação em concreto, ou seja, por sentença condenatória transitada em julgado, de pena igual ou inferior a 02 (dois) anos. Esta a principal diferença entre um e outro instituto, qual seja, na Suspensão Condicional do Processo não há condenação e nem pena aplicada em concreto – visa-se a sustar o andamento do processo com o fim de evitar, em tese, uma futura condenação e aplicação da pena. No tradicional sursis, o que se procura é evitar a execução da pena privativa de liberdade, ante a observância de determinadas condições que, uma vez cumpridas, terminam por fulminar a própria pena.

Com relação ao caráter jurídico da Suspensão Condicional do Processo, parece-nos irrefutável a tese de que efetivamente se constitui em direito público subjetivo. Primeiramente, como direito subjetivo entende-se a possibilidade da pessoa exigir ou postular judicialmente algo que a lei ou o ordenamento jurídico garante como devido. No presente caso, estamos diante de uma previsão legal explícita que garante um benefício ou vantagem para todas as pessoas que satisfaçam os seus requisitos. Assim, todo aquele que preencha os requisitos de admissibilidade do benefício, e desde que haja interesse, terá direito a exigir ao menos a proposição da Suspensão Condicional do Processo, sendo que a efetiva homologação dependerá de um posterior consenso, o qual, obviamente, deixa de ter o caráter de obrigatoriedade.

Tal instituto, como visto, tem como primordial característica a consensualidade, ou seja, a necessária aquiescência entre as partes intervenientes no processo, desde que presentes os requisitos de ordem subjetiva e objetiva para a sua concessão. Assim, é necessário o consenso entre o Ministério Público, ou a vítima e seu representante legal, quando estes promoverem o processo, com o (s) réu (s) e seu (s) patrono (s).

De outro modo, na Suspensão Condicional do Processo, assim como ocorre na Suspensão Condicional da Pena em relação à execução da pena, poderá o acusado, se assim o desejar, recusar desde logo o benefício, passando a responder ao processo em todos os atos, e contra tal decisão de foro íntimo ninguém poderá legalmente insurgir-se, nem mesmo o advogado da parte.


1.5 DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO NOS CRIMES DE PENA MÍNIMA DE ATÉ DOIS ANOS.

Feita uma perfunctória abordagem sobre o instituto da suspensão condicional do processo, deve-se então reconhecer a necessidade de dilação de sua aplicabilidade, em face dos novos rumos adotados pela Lei 10.259/2001, para evitar que o mesmo continue destoando das demais medidas que visam substituir ou mesmo evitar a aplicação de pena privativa de liberdade, até mesmo por se constituir tal instituto, como dito acima, em direito público subjetivo do réu.

É que na verdade, pela letra fria da lei, atualmente a suspensão condicional do processo é o instituto que apresenta a mais restrita aplicabilidade (considerando as penas cominadas aos delitos) no ordenamento jurídico pátrio. Veja-se o seguinte quadro comparativo, que não leva em conta os requisitos objetivos e subjetivos de cada instituto, mas apenas a quantidade de pena:

INSTITUTOS APLICABILIDADE

Penas restritivas de direito (penas alternativas)

Em substituição às penas privativas de liberdade não superiores a quatro anos quando o crime não seja cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, quando o crime seja culposo (art. 44, inciso I, do CPB)

Suspensão condicional da pena (sursis)

em substituição à pena privativa de liberdade não superior a dois anos, ou no caso do sursis etário (condenado maior de 70 anos) ou por motivo de saúde, em substituição às penas privativas de liberdade não superiores a quatro anos (art. 77 do CPB)

Transação penal e composição (após a Lei 10.259/2001)

crimes cuja pena máxima aplicada em abstrato seja de até dois anos ou multa (art. 2º da Lei 10.259/2001).

Suspensão condicional do processo

crimes cuja pena mínima seja igual ou inferior a um ano (art. 89 da Lei 9.099/95)

Ora, tal situação fere de morte a própria natureza do instituto da suspensão condicional do processo, posto que segundo Ada Pellegrini Grinover [2], trata-se de uma alternativa à jurisdição penal, um instituto de despenalização: sem que haja exclusão do caráter ilícito do fato, o legislador procura evitar a aplicação da pena.

Assim, se existe a possibilidade de aplicação de outras medidas despenalizadoras como a transação penal e a composição em crimes cuja pena seja de até dois anos, por expressa previsão legal (art. 2º da, Lei 10.259/2001) ainda que a novel lei não tenha se referido expressamente à suspensão condicional do processo, tal disposição, mutatis mutandi, também pode ser aplicada aos "sursis processual", desde que observados todos os demais requisitos previstos no art. 89 da Lei 9.099/95 para o benefício. Vale dizer, apenas a pena mínima seria aumentada de um para dois anos, mantendo-se todas as demais condições para sua concessão.

E tal entendimento encontra amparo na possibilidade de aplicação da analogia in bonam partem no direito penal e processual penal brasileiro, haja vista o princípio do favor rei, decorrente da inequívoca noção de que, em matéria penal, tudo aquilo que possa vir a favorecer o réu deve ser aplicado.

Vejamos o que diz a respeito da analogia o grande Aníbal Bruno [3], em suas clássicas lições:

"...A analogia é inadmissível se dela resulta definição de novos crimes ou de novas penas, ou se, de qualquer modo, agrava a situação do agente. Impede-a o princípio cardeal da legalidade dos crimes e das penas. Nas normas não incriminadoras, que escapam ao absoluto rigor desse princípio, e onde não há também que falar em excepcionalidade ou não excepcionalidade, por que essas normas não são exceções às normas incriminadoras, mas expressões, por si mesmas, de princípios gerais que se aplicam à matéria de que elas se ocupam, o processo de integração, por analogia, de possíveis lacunas tem todo cabimento, desde que não conduza a agravar a situação do delinqüente. É a chamada analogia in bonam partem. Não se apóia, portanto, essa aplicação da analogia em razões sentimentais, mas em princípios jurídicos, que não podem ser excluídos do Direito Penal, e mediante os quais, situações anômalas podem escapar a um excessivo e injusto rigor." (os grifos são nossos)

Nesse diapasão, e de maneira pioneira, o Superior Tribunal de Justiça, em julgado a seguir transcrito, relatado pelo preclaro Ministro Félix Fischer, inaugurou a jurisprudência pretoriana sobre a matéria, nos seguintes moldes:

RHC 12033 / MS; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS
2001/0129618-4

Fonte

DJ DATA:09/09/2002 PG:00234

Relator

Min. FELIX FISCHER (1109)

Ementa

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO DE HABEAS CORPUS. LEI Nº 9.099/95. LIMITE DE 01 (UM) ANO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. MAJORANTE (CRIME CONTINUADO). LEI Nº 10.259/01. LIMITE DE 02 (DOIS) ANOS. SÚMULA 243/STJ.

I – Para verificação dos requisitos da suspensão condicional do processo (art. 89), a majorante do crime continuado deve ser computada.

II – "O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano." Súmula 243/STJ.

III – A Lei nº 10.259/01, ao definir as infrações penais de menor potencial ofensivo, estabeleceu o limite de dois (2) anos para a pena mínima cominada. Daí que o artigo 61 da Lei nº 9.099/95 foi derrogado, sendo o limite de um (01) ano alterado para dois (dois) anos, o que não escapa do espírito da Súmula 243 desta Corte.

Recurso provido para afastar o limite de um (01) ano, e estabelecer o de dois (02) anos, para a concessão do benefício da suspensão condicional do processo. (grifo nosso)

Data da Decisão

13/08/2002

Este julgado, que para as futuras gerações deverá ser considerado como histórico, lança as bases do entendimento jurisprudencial pátrio para permitir a concessão da suspensão condicional do processo no limite de dois anos, estando superado o prazo de apenas um ano, mantidas as demais condições previstas na lei para a concessão do benefício. O julgado também firma o entendimento que no caso de concurso de crimes, apenas se a soma das penas superar o limite de dois anos é que estará afastada a medida.

E com fulcro nessa jurisprudência, e também na doutrina que com certeza surgirá sobre o tema com a qual esperamos modestamente colaborar, os operadores do direito, sobretudo os membros do Ministério Público, enquanto órgão titular da ação penal pública e interveniente na ação penal privada, estão autorizados a atribuir à suspensão condicional do processo esse elastério em sua aplicabilidade, enquanto o legislador não alterar o art. 89 da Lei 9.099/95, para torna-lo coerente com as demais medidas despenalizadoras que atualmente se verificam no direito pátrio.


NOTAS

01. Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar :

IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da união ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da justiça Eleitoral.

02. In Direito intertemporal e âmbito de incidência da lei dos Juizados Especiais Criminais, Boletim do Instituto Brasileiro de ciências Criminais, São Paulo, 35:4, nov. 1995.

03. Direito Penal, tomo 1, Forense, p. 225,

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Sobre o autor
Emmanuel José Peres Netto Guterres Soares

Promotor de Justiça no Maranhão. Professor Universitário do Curso de Direito do UNICEUMA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Emmanuel José Peres Netto Guterres. Possibilidade de aplicação da suspensão condicional do processo nos crimes de pena mínima de até dois anos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3687. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

publicado na Revista AMPEM, n. 02, dezembro de 2002, São Luís/MA

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