A proteção à testemunha nos Estados Unidos da América e na Itália: programas pioneiros de proteção à testemunha

Leia nesta página:

Considerações sobre o funcionamento do Serviço Federal de Proteção à Testemunha dos Estados Unidos da América e do Programa Especial de Proteção Italiano

A PROTEÇÃO À TESTEMUNHA NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

O Serviço Federal de Proteção à Testemunha dos Estados Unidos da América, pelo que se tem conhecimento, é o primeiro programa de proteção a testemunhas implementado no mundo. Segundo o seu site oficial (1), desde a sua criação em 1971, mais de 7.500 testemunhas e mais de 9.500 familiares de testemunhas foram protegidos pelo Programa. Este mecanismo de proteção é reconhecido como uma forte ferramenta de repressão ao crime organizado nos Estados Unidos.

Figura 1 – The Witness Security Program

Fonte: U.S. Marshals Service, 2013 (2)

Quando uma testemunha ou familiar é indicado ao programa, essa pessoa é encaminhada aos agentes do Marshall e, então, é submetida a um interrogatório completo. A investigação envolve também os familiares diretos da testemunha e só, então, será proferida a decisão de aceite ou não. (3) Uma vez aprovadas para ingressar no programa, a testemunha e sua família passam pelo Centro de Orientação, um lugar seguro (Safesite and Orientation Center), onde são repassadas as orientações e as regras do programa. (4)

A legislação dos Estados Unidos prevê detalhadamente as formas e as etapas de proteção à testemunha, assim como as sanções em casos de litigância de má fé durante o período ou em estado de testemunha protegida. (5)
 
Quando as testemunhas ou familiares ingressam no Sistema, é possível que recebam apenas os serviços de segurança, troca de residência e de identidade, ou também outros benefícios como atendimento médico com sigilo, cursos de capacitação profissional, ajuda de custo e incentivo ao emprego. (6)

A primeira iniciativa, após a aprovação para a inclusão e a garantia da segurança da testemunha, é providenciar a mudança de identidade. O compromisso do Estado é de oferecer toda a documentação nova em seis meses, mas as dificuldades para cumprir esses compromissos são enormes, principalmente para as crianças, pois é sempre traumático convencer uma criança a adotar um novo nome. (7)

O serviço impõe determinadas restrições à liberdade do protegido, mas garante a sua segurança durante 24 horas em situações de alto risco, incluindo as escoltas para audiências. (8) Quanto às regras de disciplina do programa, o Programa Americano de Segurança à Testemunha não deixa dúvidas. Primeiro compromisso que a testemunha precisa assumir é de não cometer crimes. Não retornar à cidade onde vivia anteriormente sem o acompanhamento de agentes do programa é outra proibição radical e inflexível imposta ao protegido. (9)

De um modo geral, podemos compreender o Programa Estadunidense como pioneiro na proteção a testemunhas no mundo e, também, como exemplo a ser seguido em diversos fatores por outros países, incluindo o Brasil. O mais relevante a ser apontado nesse sistema, no entanto, é a ampla divulgação do programa na sociedade e a considerável destinação de verbas públicas para a sua manutenção.

A PROTEÇÃO À TESTEMUNHA NA ITÁLIA

Não podemos falar em proteção a testemunhas sem mencionar a Itália, um país onde o programa de proteção a testemunhas está bem estabelecido e serve, principalmente, como ferramenta no combate à “máfia”.

A proteção à testemunha na Itália é de responsabilidade da Procuradoria Nacional Antimáfia (Direzione Nazionale Antimafia), subordinada ao Ministério da Justiça (Ministero della Giustizia), que é responsável pela repressão à máfia existente no país. (10)

Figura 2 – Direzione Nazionale Antimafia

 

Fonte: MINISTERO della Giustizia, 2012 (11)

As “organizações mafiosas” estruturam-se de forma a serem comparadas a uma empresa. Inclusive os produtos das atividades ilícitas são, em parte, reinvestidos em atividades lícitas, como ações de empresas sólidas e outros ramos de atividades, contaminando, aos poucos, o “mundo legal”. (12)

Os primeiros colaboradores da justiça italiana no combate à Cosa Nostra (considerada o maior grupo criminoso da Itália) foram Tomaso Buscetta e Contorno Salvatore. O primeiro teve passagem pelo Brasil, onde se refugiou e depois foi reconduzido à Itália, dando início a uma série de delações que, em muito, ajudaram o Poder Judiciário na apuração de responsabilidades. (13)

O Programa Especial de Proteção Italiano, assim como o estadunidense, também possui um aspecto multidisciplinar, no sentido de não apenas fornecer a proteção à testemunha, mas, também, assegurar que ela se reintegre paulatinamente à sociedade e que não se envolva com a prática de crimes.

O Programa Italiano consiste em um elenco de medidas tutelares de assistência e de recuperação social do protegido. A meta principal do programa é dar condições ao colaborador de reconstruir um novo “projeto de vida”, longe do crime e sintonizado com a dignidade e a decência. (14)  

A maior operação relacionada ao combate à máfia na Itália foi denominada “Mãos Limpas” e tem protegido milhares de colaboradores e conduzido importantes membros da máfia a julgamento e condenação. (15)   

Podemos, portanto, compreender o Programa Especial de Proteção a Testemunhas Italiano como uma ferramenta de suma importância à repressão ao crime organizado que, assim como o estadunidense, apresenta uma eficácia considerável ao assegurar a proteção das testemunhas e reinseri-las na sociedade. O Programa Italiano tem muito a ser seguido pelos demais mecanismos do mundo, especialmente pela integração com o Poder Judiciário e pela alta verba que lhe é destinada pelo Poder Público.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Analisando ambos os programas, podemos perceber que o Brasil ainda tem muito a evoluir no que tange a proteção à testemunha, ferramenta essencial ao Judiciário e à Segurança Pública.

Alguns importantes passos já foram dados, como a criação do Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas – PROVITA e do Programa Estadual de Proteção, Auxílio e Assistência a Testemunhas Ameaçadas – PROTEGE.

Mas o fundamental é que os nossos governantes invistam cada vez mais nos órgãos de segurança pública e nas políticas de proteção, para que sejam devidamente aparelhadas, com profissionais qualificados e dignamente remunerados.

REFERÊNCIAS:

(1) U.S. Marshals Service. Witness security program. 2013. Disponível em: <http://www.usmarshals. gov/witsec/>.  Acesso em: 18 set. 2014. [tradução nossa].

(2) Ibidem.

(3) SILVEIRA, José Braz da. A proteção à testemunha e o crime organizado no Brasil. Curitiba: Juruá, 2005. p.24.

(4) Ibidem, p.24.

(5) LAMB, Moisés. A prova testemunhal e o programa de proteção à testemunha no ordenamento brasileiro sob a lei 9.807/99. 2012. 99 f. Trabalho de Conclusão de Curso – Feevale, Faculdade de Direito, Novo Hamburgo, 2012. Disponível em: <http://ged.feevale.br/bibvirtual/ monografia/MonografiaMoisesLamb.pdf> Acesso em: 20 ago. 2014. p.45.

(6) U.S. Marshals Service. Witness security program. 2013. Disponível em: <http://www.usmarshals. gov/witsec/>.  Acesso em: 18 set. 2014. [tradução nossa]. 

(7) SILVEIRA, op. cit., p.26. 

(8) U.S. Marshals Service, op. cit. 

(9) SILVEIRA, José Braz da. A proteção à testemunha e o crime organizado no Brasil. Curitiba: Juruá, 2005. p.28-29.

(10) MINISTERO dela Giustizia. Direzione nazionale antimafia. 2012. Disponível em: <http://www. giustizia.it/giustizia/it/mg_2_10_1.wp>. Acesso em: 18 set. 2013. 

(11) Ibidem. 

(12) SILVEIRA, José Braz da. A proteção à testemunha e o crime organizado no Brasil. Curitiba: Juruá, 2005. p.34.

(13) Ibidem, p.36. 

(14) SILVEIRA, op. cit. p.34. 

(15) Ibidem, p.50.
 

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Ivan Pareta de Oliveira Júnior

Advogado; Presidente da Associação das Advogadas e dos Advogados Criminalistas do Estado do Rio Grande do Sul - ACRIERGS - www.acriergs.com.br (2019 - 2022); Sócio do Escritório Pareta & Advogados Associados - www.pareta.adv.br; Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Especialista em Direito Penal e Política Criminal: sistema constitucional e direitos humanos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Especialista em Direito Público pelo Instituto de Desenvolvimento Cultural; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis; Membro de Comissões da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Estado do Rio Grande do Sul; Pesquisador e autor de livros e artigos nas áreas do Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Segurança Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos