Em tempos de protocolos de impeachment e de ameaços de quartelada – golpe civil e militar, respectivamente – é necessário e urgente avaliar o que provoca, de fato, esses períodos de ameaça real à democracia política. O artigo retrata as bases em que um tipo específico do Poder Político, denominado forma-Estado Bonapartista, cria e instiga crises político-institucionais e societais, para depois aproveitar-se do transbordamento para fora das regras democráticas formais e assim conquistar o poder e impor sua dominação hegemônica. No vetor econômico, a “nova” hegemonia anteriormente gestada prevê a privatização em massa do capital público nacional. Ideologicamente – sobretudo, para as mentes mais obsoletas –, opera-se na seguinte lógica:
“As empresas públicas são corruptas por natureza política ou por definição cultural. Logo, vendendo (ou doando) o patrimônio nacional ao capital internacional, a começar da Petrobrás, nos livraremos da corrupção”. O que não se diz, nesta miopia analítica, livre da lógica formal, é que os corruptores só podem ser os donatários do poder econômico. Assim, doando o patrimônio nacional, entregamos o bem público diretamente aos que compram a política e a alma pública. No popular, equivale a colocar a raposa no galinheiro.
A brutalização da política, portanto, faz uso reiterado da exceção: 1) subverte a lógica e nega os pressupostos racionais de uma análise realista; 2) aplica-se à edificação de mecanismos de total poder de exceção (golpe institucional ou Estado de Sítio Militar). Para este confronto analítico que fustiga a lógica e ameaça qualquer noção de regra, como regular, aplicaremos a análise proposta na Teoria Geral da Exceção, como mapeada por Poulantzas (no livro Fascismo e Ditadura).
A crise político-institucional brasileira é estrutural, ou seja, além de não ser ocasional e momentânea, construiu-se sobre as bases em que se sustenta o Poder Político. Grupos de poder, mas fora do poder (frações políticas da classe dominante), não se sustentam com papéis secundários na arena política; e mesmo que estejam sempre contempladas com beneplácitos econômicos. Portanto, como parte da crise é criada a fim de subverter a ordem de comando, a crise política sempre tende a se tornar uma crise estrutural, ameaçando a estabilidade econômica e as conquistas sociais e de direitos.
Em complemento, a crise interna sofre abalados contundentes de uma crise internacional, global – e também não passageira – de ordem econômica e política. A economia é achacada intensamente pelo capital internacional, à espera da privatização geral. Politicamente, o próprio Estado Moderno está em xeque. Ocorre que o capital internacional não está prenhe apenas do Brasil, porque sua sina é avançar por todas as economias. Para isso, precisa remover os “obstáculos e entraves” políticos, jurídicos e institucionais colocados pelo Estado Moderno, como mecanismos de defesa nacional. A primeira estrutura a ser minada é a soberania. O povo, iludido com a falsa lógica de salvação das saúvas da corrupção, acredita nas boas intenções. O território não passará de reserva de mercado, de resguardo de recursos humanos e naturais.
Surgem, enfim, como aliados das premissas da exceção, o golpe político seguido da privatização. O dia 15/03 será apenas uma continuação das iniciativas de Golpe de Estado lançadas em 2014. Aliás, para outro setor interessado no poder, avisa-se cautelosamente ou com promessas de parceria no butim, que o Golpe de Estado (impeachment) evitará o Estado de Sítio (da situação, se sentir-se acuada demais) ou o Golpe Militar in natura. Com o agravante de que o Estado Moderno não dispõe de forças para garantir a ordem e a estabilidade requerida pelos grupos de poder.