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Condomínio de lotes

29/07/2015 às 14:36
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Apresentam-se vantagens e desvantagens da configuração jurídica do condomínio de lotes, previsto no Decreto-Lei nº 271/67 (recepcionado pela Constituição de 88) e regido por preceitos das leis 6.766/79 e 4.591/64.

CONDOMÍNIO DE LOTES 

Trata-se de uma modalidade de condomínio existente no ordenamento jurídico desde 1967, que só agora vem merecendo os holofotes da sociedade diante da discussão de sua legalidade e atipicidade de sua formação e constituição.  

O Decreto-Lei nº 271/67 previu a figura do condomínio de lotes, quando regulou no seu artigo 3: "aplica-se aos loteamentos a Lei 4.591/1964, equiparando-se o loteador ao incorporador, os compradores de lotes aos condôminos e as obras de infraestrutura à construção de edificação". 

Os tipos jurídicos comumente utilizados no ordenamento jurídico são aqueles previstos na lei federal de parcelamento do solo nº 6.766/79 - loteamento e desmembramento - cujas vias de circulação, equipamentos e serviços urbanos são públicos. Já o condomínio edilício, previsto nos artigos 1.331 e seguintes do Código Civil e na Lei nº 4.591/64, pressupõe a construção de uma unidade autônoma com uma fração ideal no solo e outra nas partes comuns do condomínio, onde as áreas internas são privadas e a manutenção realizadas nas partes externas (áreas comuns, como de circulação, portaria, salão de festas/lazer) são executadas pelo condomínio, de acordo com as normas existentes na sua convenção.  

Diante da evolução da sociedade e a necessidade condizente como o novo modo de habitar aliada à insegurança que assola os grandes centros urbanos, criou-se a figura do denominado "Loteamento Fechado", tipo híbrido de empreendimento onde há controle de acesso ao loteamento e as áreas públicas são cedidas à associação de moradores que administra o empreendimento, através de permissão de uso e/ou contrato de concessão de uso outorgada pela municipalidade, através de lei municipal. Várias cidades já possuem lei municipal regulando o loteamento fechado como pode ser visto em Campinas, Americana, Paulínia no Estado de São Paulo, Capão da Canoa, Gramado, Gravataí, Caxias do Sul no Estado do Rio Grande do Sul.  

Atualmente encontra-se em discussão uma roupagem híbrida de empreendimento imobiliário denominado CONDOMÍNIO DE LOTES, cuja utilização pode ser vista em várias cidades, inclusive com regulamentação municipal acerca da matéria. Este tipo de empreendimento não pressupõe a necessidade de construção da edificação prevista na lei nº 4.591/64 e suas áreas internas, vias de circulação e demais espaços são privados, não integrando o domínio público, ao contrário do que ocorre nos loteamentos.   

No denominado CONDOMÍNIO DE LOTES a unidade autônoma será o lote e não a edificação sobre esse. Cada proprietário poderá construir sua casa da forma que lhe convier, desde que respeitadas as normas de ordem pública e as prévias condições previstas na Convenção de Condomínio. As construções aderirão ao lote, sem alterar a condição de unidade autônoma e as obras de infraestrutura equivalerão à construção erigida no condomínio edilício. 


 LEGALIDADE DE SUA APLICAÇÃO 

De acordo com a Carta Magna a competência para legislar sobre Direito Civil é da União (artigo 22, I da Constituição Federal) e sobre Direito Urbanístico é concorrente da União, Estados e Distrito Federal (artigo 24, I da Constituição Federal). 

Assim, tendo sido editado o Decreto-Lei nº 271 no ano de 1967, vemos que este foi recepcionado pela Constituição de 1988, pois tendo ele criado a figura do condomínio de lotes de maneira contundente antes da Carta Magna de 1988, em nenhum ponto entra em choque com os princípios nela estabelecidos, nem tampouco com a lei posterior que regulou o parcelamento do solo (lei nº 6.766/79).  

Neste sentido, Celso Ribeiro Bastos ensina: "Uma Constituição nova instaura um novo ordenamento jurídico. Observa-se, porém, que a legislação ordinária comum continua a ser aplicada, como se nenhuma transformação houvesse, com exceção das leis contrárias à nova Constituição. Costuma-se dizer que as leis anteriores são válidas ou em vigor. Muitas vezes isto é previsto na Constituição nova, mas, ainda que o texto seja omisso, ninguém contesta o princípio. Como explicar a concordância, se afinal de contas o princípio parece contradizer a verdade jurídica segundo a qual todas as leis ordinárias derivam a sua validade da própria Constituição? Kelsen observa que há imprecisão da linguagem comum, quando diz que as leis ordinárias continuam válidas. De fato, elas perdem o suporte de validade que lhes dava a Constituição anterior. Entretanto, ao mesmo tempo, elas recebem novo suporte, novo apoio, expresso ou tácito, da Constituição nova. Este é o fenômeno da recepção, similar à recepção do direito romano na Europa. Trata-se de um processo abreviado de criação de normas jurídicas, pelo qual a nova Constituição adota as leis já existentes, com ela compatíveis, dando-lhes validade, e assim evita o trabalho quase impossível de elaborar uma nova legislação de um dia para o outro. Portanto, a nova lei não é idêntica à lei anterior; ambas têm o mesmo conteúdo, mas a nova lei tem seu fundamento na nova Constituição, a razão de sua validade é, então, diferente" (Comentários à Constituição do Brasil, 1º volume, ed. Saraiva, 1988, p. 366/367). 

No que concerne à vigência do referido Decreto, cita o Ilustre Dr. Arnaldo Rizzardo: "A lei federal 6.766/79 não revogou o Decreto-Lei nº 271/1967. Apenas derrogou-o em alguns aspectos (exemplo: definição de loteamento e desmembramento constante do artigo 1º, parágrafo 1º e 2º do Decreto-Lei nº 271/1967). Outras disposições do Decreto-Lei nº 271/1967 permanecem inteiramente em vigor, como por exemplo, seu artigo 7º, que disciplina a concessão de direito real de uso de terrenos. Da mesma forma, encontra-se em vigor o art. 3 º do Decreto Lei 271/1967 (...)" in Condomínio Edilício e Incorporação Imobiliária, 1ª Edição, 2011, Editora Forense (pg. 44) 

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Neste mesmo sentido, Theotônio Negrão, em um dos seus conhecidos repertórios da legislação civil, ao transcrever o Decreto-lei nº 271/67, destaca o seu artigo 3º em pleno vigor (in Código Civil e Legislação em vigor, 22ª edição, pag. 902/903).  

Conclui-se, portanto, que a regulamentação federal referente à CONDOMÍNIO DE LOTES encontra-se vigente, restando à municipalidade sua regulamentação complementar em respeito ao Plano Diretor de cada cidade, conforme competência atribuída nos incisos I, II e VIII, do artigo 30 da Constituição Federal.  


CONDOMÍNIO DE LOTES OU CONDOMÍNIO DE TERRENOS 

Há que se analisar, ainda, se a denominação correta para esta nova roupagem de empreendimento seria o chamado CONDOMÍNIO DE LOTES ou CONDOMÍNIO DE TERRENOS,  já que o "lote" pressupõe a criação de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias já existentes, conforme definido no artigo 2º da Lei nº 6.766, o que não ocorre, necessariamente, no condomínio de lotes, conforme aludido anteriormente.  

Outra questão básica para não se utilizar a denominação CONDOMÍNIO DE LOTES é que no caso do loteamento, as áreas destinadas às vias e praças passam ao domínio público assim que o empreendimento é registrado junto ao Registro de Imóveis, o que não ocorrerá no CONDOMÍNIO DE LOTES. Conforme cita o Ilustre Dr Flauzilino Araújo dos Santos: "Desde a data do registro do loteamento, passam a integrar o domínio do município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes dos projetos e do memorial descritivo'.(in "Condomínio e Incorporações no Registro de Imóveis, Editora Mirante, pg 181  -edição 2011). 

Diante disso e por se tratar de área privativa interna do condomínio, o conceito de lote deveria ser afastado deste novo conceito híbrido de empreendimento sob pena de instaurar confusão entre os institutos jurídicos atualmente utilizados.  Mas como a nomenclatura “CONDOMÍNIO DE LOTES” já se instaurou no mercado imobiliário, prudente aguardar a evolução natural e mudança de sua denominação.    


COBRANÇA DA QUOTA CONDOMINIAL 

Ordinariamente temos a cobrança das taxas condominiais, que por não serem preços públicos (taxa é espécie de tributo) devem ser denominadas quotas condominiais, calculadas de acordo com a área da fração ideal de cada unidade autônoma (no caso do condomínio de lotes, de acordo com o tamanho do lote) ou conforme a realidade de uso e gozo de cada unidade, o que pode ser mais racional e justo,  já que as despesas do rateio decorrem do uso das áreas comuns, as quais todos os donos de terrenos se beneficiam igualmente. Caberá à convenção estabelecer a forma de divisão de maneira a evitar o enriquecimento sem causa, que pode ocorrer no caso do uso da fração ideal quando as unidades têm tamanho diferentes, pois o que se deve focar é a obtenção da divisão das despesas de maneira que cada morador/coproprietário pague de a acordo com a sua efetiva utilização ou benefício e isso não está estritamente ligado ao tamanho do terreno na maioria das despesas de conservação e manutenção. Basta vermos, ser notório que os porteiros/vigilantes ou faxineiros (que consistem no maior custo do condomínio) não trabalham a mais para um ou outro coproprietário.    

No CONDOMÍNIO DE LOTES, a cobrança da quota condominial ocorrerá somente sobre o lote, independente da área edificada no mesmo. Logo, não existirá mudança no cálculo da quota  condominial de acordo com cada unidade construída nem tampouco o tamanho da edificação, o que na prática tornará desnecessária qualquer alteração nos cálculos, quadros de áreas, projetos, registros e averbações do condomínio a cada nova construção individual de casa nos lotes.   


LIMITAÇÕES - TAMANHO DA GLEBA   

Outra questão a se analisar é o tamanho da gleba para realização do CONDOMÍNIO DE LOTES, que por óbvio não pode ser tão extensa a ponto de se desrespeitar o crescimento ordenado das cidades e os espaços públicos, ou ainda a criação de malhas urbanas extensas que não serão utilizadas pela municipalidade.  

A alternativa jurídica plausível, em caso de glebas muito extensas, é que as leis municipais respeitem os princípios norteadores do parcelamento do solo em relação às condicionantes para aprovação deste tipo de empreendimento.    

Podemos aqui citar a Lei Complementar Municipal de Boituva nº 2.452 de 2014, Estado de São Paulo, onde há se respeita o crescimento ordenado da cidade, quando cita em seu artigo "art 4º: o projeto de condomínio horizontal de lotes deverá obedecer as disposições e parâmetros e índices urbanísticos estabelecidos no Plano Diretor Municipal, Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo e aos dispositivos contido no Código de Obras".  


REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA O CONDOMÍNIO DE LOTES 

  • Lei municipal que regulamente o Condomínio de lotes; 

  • Minuta da convenção de condomínio 

  • Preenchimento aos requisitos do artigo 32 da lei nº 4.591/64, se for compromissar à venda o terreno antes da construção da infraestrutura 


CONCLUSÃO 

O CONDOMÍNIO DE LOTES é uma modalidade de empreendimento aceito e aplicado nas grandes cidades. Sua criação é protegida pelo Decreto-Lei nº 271/67 que foi recepcionada pela Constituição de 1988 e seu formato jurídico é híbrido, com aplicação dos preceitos editados nas leis 6.766/79 e 4.591/64.   

Constitui solução que desafoga os cofres públicos já que desobriga a manutenção das vias de circulação e equipamentos públicos e urbanos existentes nos loteamentos e sob enfoque do empreendedor, constitui um condomínio de fato, não existindo qualquer discussão em relação a autorização de controle de acesso que por muitos anos discutiu-se nos denominados "loteamentos fechados".  

É,  portanto, a tendência da evolução do modo de morar, representando modernização dos mecanismos de urbanização das cidades.  

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Sobre a autora
Kelly Durazzo Nadeu

Advogada Especializada em Direito Empresarial Imobiliário; Pós-graduada pela Pontifícia Universidade Católica -PUC/SP (Direito Contratual) e Universidade Secovi - SP (Direito Empresarial Imobiliário).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NADEU, Kelly Durazzo. Condomínio de lotes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4410, 29 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37288. Acesso em: 16 abr. 2024.

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