Feminicídio: comentários sobre a Lei nº 13.104/2015

18/03/2015 às 09:44

Resumo:


  • O Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei que inseriu o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio.

  • A nova Lei, de n. 13.104/2015, modificou o Código Penal para estabelecer penas mais severas para homicídios praticados contra mulheres por razões de gênero.

  • O feminicídio é caracterizado pelo assassinato de uma mulher em razão do gênero, envolvendo violência doméstica, menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Análise da Lei 13.104/2015, que criou uma nova qualificadora para crime de homicídio, quando o mesmo é cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.

O Congresso Nacional aprovou e encaminhou à sanção presidencial no último dia 4 (quatro) de março de 2015 (dois mil e quinze), o Projeto de Lei do Senado de n. 292 de 2013 (PL 8305/2014), que altera o Código Penal, para inserir o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio.

Com a sanção presidencial ocorrida no dia 9 (nove) de março de 2015 (dois mil e quinze), a nova Lei (de n. 13.104/2015), modificou o artigo 121 do Código Penal (que trata do homicídio), no sentido de inserir mais uma qualificadora no rol das condutas previstas no §2º daquele tipo legal.

Na prática, tornar-se qualificado neste caso, significa que os crimes de homicídio praticados contra a mulher, por razões de gênero (nas condições impostas pela novel legislação), agora possuem uma pena de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão. Vale lembrar, que no homicídio simples, a pena prevista no Código Penal, que já é severa, é de 6 (seis) a 20 (vinte) anos (também de reclusão).

Mas o que seria “feminicídio”!? O vocábulo referido é apontado como um neologismo da expressão inglesa femicide e teria sido originalmente utilizado publicamente em 1976 (mil novecentos e setenta e seis), em um discurso feito pela escritora sul-africana Diana Russel perante o Tribunal Internacional Sobre Crimes Contra as Mulheres, em Bruxelas.

Para a Organização Mundial da Saúde, o termo expressa a conduta de se ceifar a vida de uma mulher, em razão do gênero (ou seja, em razão do fato de ser mulher), tendo como vítimas, em uma larga proporção, pessoas inseridas em relacionamentos violentos, sendo normalmente ilícitos perpetrados por seus parceiros (ou ex-parceiros).

Ocorre que o conceito adotado pela Lei 13.104/2015 tem uma abordagem mais específica. Para efeitos da tipificação penal, considera-se agora feminicídio o assassinato de mulher (condição especial da vítima), quando o crime envolve “violência doméstica e familiar” ou “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.

Mas qual seriam os contornos da referida imputação?!

Preliminarmente, cumpre esclarecer que o referido diploma legal simplesmente não parece inovar muito. Isto porque, o homicídio praticado contra a mulher, tendo, em tese, como motivo, o “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”, já era considerado há muito, tanto pela doutrina (ver Aníbal Bruno, em sua magistral obra Crimes contra à Pessoa, de 1976), quanto pela jurisprudência (STJ RHC 49204/ES), motivo torpe ou fútil (dependendo da situação), o que per si, já erigia a referida conduta à condição de homicídio qualificado e, ao mesmo tempo, crime hediondo.

Claro, não se está, neste pequeno estudo, querendo-se afirmar que tais condutas não se revestiriam de especial gravidade (e que não mereceriam reprovação; muito pelo contrário); mas não poderíamos deixar de criticar o meio eleito pelo legislador pátrio, em claro mimetismo jurídico assistemático, lastreado pelo direito comparado latino americano, para dar “ares” de solução a um problema que, nem de longe, será resolvido na forma proposta pelo diploma legal (parece-nos a velha política do panem et circenses).

Além do mais, como se sabe, o dolo é um elemento essencial do injusto penal. Por isso, para se caracterizar o referido tipo qualificado, em adição à vontade livre e consciente de se ceifar à vida de uma mulher, será necessário provar-se, no caso concreto, que a referida morte deu-se por menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Vê-se, pois, que pelo menos na referida situação, a incidência da aludida pauta incriminadora depende de uma análise probatória que, com dados de certeza, demonstre que as motivações do acusado, no momento da perpetração do injusto, encontram adequação inequívoca aos ditos moldes legais. Ou seja, além da vontade livre e consciente de praticar a ação (de matar alguém), é imprescindível que se verifique a presença do elemento subjetivo “por razões da condição do sexo feminino”.

Da mesma forma, como o §2º-A trazido pela lei supramencionada não remete, ao nosso ver, a alguma alternatividade entre seus incisos, denota-se que uma conduta somente poderá subsumir-se ao modelo legal previsto no presente caso, quando houver a incidência das duas situações, conjuntamente.

Isto significa que nem sempre o homicídio que envolve “violência doméstica e familiar” (por exemplo) deverá ser considerado, para efeitos da qualificadora mencionada, feminicídio. Será preciso mais. Dever-se-á comprovar que a motivação, o elemento subjetivo do tipo, reside no menosprezo ou discriminação à condição de mulher (entendemos, pois, que as condições devam ser cumulativas).

Tal exigência normativa resulta do fato de que a incidência da respectiva qualificadora, da forma como foi estruturada na lei de regência, exige um substrato fático específico, onde a mulher, sujeito passivo da conduta criminosa, esteja, necessariamente, em condição de vulnerabilidade e, o sujeito ativo do delito, autor da conduta homicida, exerça a violência motivado em uma discriminação ao gênero.

Esta compreensão está fulgente na dicção do inciso VI do §2º do art. 121, quando afirma, categoricamente, que o feminicídio dar-se-á, apenas quando o homicídio for praticado “contra a mulher”, “por razões da condição do sexo feminino”. Posto isto, vê-se que a motivação específica (elemento subjetivo do injusto) de ter sido o ilícito praticado em razão da vítima ser do sexo feminino, é elemento fundamental para a formação do juízo de tipicidade.

Há, pois, claramente, uma diferença entre o feminicídio, conceito trazido ao ordenamento jurídico pela Lei 13.104/2015, e o homicídio desprendido desta motivação, ou seja, o assassinato em que a vítima é mulher, sem qualquer condicionante, sem o estado anímico do agente estar dirigido à direção especial de menosprezar ou discriminar. Como se vê, tal adequação não será das mais simples.

Quanto ao ponto acima, afirmamos nosso posicionamento adverso ao defendido por LUIZ FLÁVIO GOMES e ALICE BIANCHINI (2015), no qual expõem que a “violência doméstica e familiar contra a mulher” seria, na verdade, uma modalidade autônoma de feminicídio, ou seja, de que seria uma das circunstâncias que caracterizariam as “razões de condição do sexo feminino” que definem a qualificadora ora analisada.

Não entendemos que seja adequada a percepção de que o crime de feminicídio possa prescindir, para sua configuração, do menosprezo ou discriminação à condição de mulher. É que, nem sempre os crimes perpetrados no contexto de violência doméstica são, necessariamente, condutas motivadas pela “condição do sexo feminino” e, portanto, aptas a configurar um ilícito caracterizado por comportamentos baseados no gênero.

Nesta intelecção, o feminicídio deve estar sempre relacionado com a misoginia (RADFORD, 1992, p. 3), ou seja, deve estar fundado no desprezo ou repulsa ao gênero feminino. Não se trata de um crime meramente passional, mas o assassinato de uma mulher por rechaço a sua autonomia, seu valor como pessoa, ou por razões de demonstração de poder machista ou sexista. A opção pela utilização da expressão “feminicídio” não é aleatória, pois busca trazer uma conotação de genocídio contra as mulheres, diferenciando-a do femicídio, que é o homicídio “que tem como vítima uma mulher, sem implicar uma causa de gênero” (SON, 2010, p. 37).

Retornando ao foco, importa mencionar ainda que o mesmo inciso VI dispõe que o sujeito passivo desta pauta incriminadora é, exclusivamente, a mulher (in verbis: “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”).

Desta forma, apesar de haver alguns posicionamentos doutrinários (e precedentes jurisprudenciais) em contrário (referindo-se à Lei Maria da Penha), não concordamos com a afirmação de que seria possível sua aplicação em situações que tenham como vítimas transvestis ou homens em relações homoafetivas (em razão da proibição do uso da analogia in malam partem).

Desta forma, somente as pessoas a quem o direito reconhece (civilmente) como mulheres podem ser sujeitos passivos do crime. Partindo desta prerrogativa, questão que merece maior discussão é aquela relativa aos transexuais.

Pensamos que se a Jurisprudência de nossas Cortes Superioras (ver STJ REsp 737993/MG) tem consolidado o posicionamento no qual a interpretação conjugada dos artigos 55 e 58 da Lei n. 6.015/73 conferiria amparo legal para que o transexual operado obtenha autorização judicial para não só para a alterar seu prenome, mas também para “adequar o registro do sexo à sua nova condição física”, desta forma, nada impediria que, uma vez alterado (judicialmente) o seu designativo de sexo e nome, possa o mesmo figurar como sujeito passivo da referida qualificadora.

Por outro lado, o único recrudescimento efetivo perpetrado pela referida lei, que segundo a chefe do executivo federal representa uma “política de tolerância zero em relação à violência contra a mulher brasileira”, fora no que diz respeito à criação de novas causas especiais de aumento para o tipo penal em questão.

Pois bem, neste ponto, a “inovação” trazida pela lei é que o crime de homicídio qualificado (pelo feminicídio) que, como já mencionado, possui pena de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão (período máximo de cumprimento de pena no brasil, conforme art. 75 do Código Penal), passa agora a ostentar 3 (três) novas causas de aumento.

Diz o diploma normativo em questão, que a prática do feminicídio terá sua pena aumentada em 1/3 (um terço) até a metade, ser o crime for praticado: a) durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; b) contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; ou c) na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

Pois bem, tanto no primeiro, quanto no segundo caso, as causas de aumento parecem refletir situações humanitárias: primeiramente, pela fragilidade e diminuição da capacidade de defesa da vítima resultante da gravidez, ou pela necessidade imediata de cuidados e dependência que o recém-nascido tem em sua progenitora (inciso I, do §7º do art. 121 do CP, com a redação dada pela lei 13.104/2015).

Mais a mais, faz-se imprescindível advertir que o marco inicial para a contagem do prazo trimestral apresentado pela majorante, ou seja, o parto, apesar de não ter definição própria em nossa legislação, é compreendido como o interregno temporal posterior ao rompimento do saco amniótico, que caracteriza o começo do processo de desligamento do que antes era feto, e sua constituição extrauterina (BITENCOURT, 2011, p. 48). Nada obstante, é fundamental que o agente tenha conhecimento prévio do fato de que a vítima se encontrava grávida quando do cometimento do ilícito.

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Diferentemente das situações mencionadas acima, em relação ao feminicídio perpetrado em desfavor do menor de 14 (quatorze) anos ou maior de 60 (sessenta) anos, pensamos que a escolha do legislador nestes casos sobrelevou-se pela reduzida capacidade de defesa da vítima, o que revelaria um maior grau de reprovabilidade da conduta do autor.

Entretanto, causa-nos perplexidade ter o congresso nacional ignorado a sistemática presente no próprio art. 121 do código penal. Vale lembrar que o §4º, in fine, do art. 121 já mencionava que, in verbis, nos casos de homicídios dolosos, “a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos”.

Vê-se, pois, que a única diferença entre a causa de aumento prevista no §4º e aquela inscrita no §7º do art. 121 do Código Penal está na possibilidade de que, no caso do feminicídio, a pena possa ser aumentada de um terço até a metade (lógico que de maneira fundamentada pelo juiz).

Nesta mesma toada, consigne-se que a idade da vítima deve ser comprovada durante a instrução processual por documento hábil e, por óbvio, para a incidência desta modalidade de causa de aumento, a vítima precisa, obrigatoriamente, ter idade inferior (e não igual) a 14 (quatorze) anos ou superior (e não igual) a 60 (sessenta) anos no momento do cometimento do crime (teoria do tempus regit actum).

Cumpre colacionar ainda que, como não há previsão legal de um feminicídio culposo, a referida majorante trazida pela Lei 13.104/2015 revelaria clara inutilidade, se não fosse pela possibilidade de majoração até a metade nela previsto. Mais do mesmo, resta incabível também qualquer compreensão no sentido de uma aplicação cumulativa das majorantes mencionadas (§4º e §7º), e muito menos da incidência da agravante genérica esculpida no art. 61, alínea “h”, do Código Penal, por traduzirem indubitável bis in idem.

Ainda no inciso II (in fine) do §7º do artigo 121 agora reformado, tem-se também a possibilidade de se majorar o feminicídio quando praticado contra pessoa com deficiência; decorrência, por conseguinte lógico, mais uma vez, de uma eventual redução da capacidade da vítima de se defender. Neste caso, deve-se atentar para o os limites da referida situação de fato à permitir a incidência da majorante, que se encontram definidos no art. 4º do Decreto n. 3.298/1999, que expõe as categorias em que se limita o conceito de deficiência.

Por fim, quanto às causas especiais de aumento, o inciso III indica a hipótese de o feminicídio ter sido praticado “na presença de descendente ou de ascendente da vítima” que, por sua redação simples, pareceria não trazer qualquer problemática. Todavia, apenas para critério argumentativo, cumpre advertir que a expressão “na presença” deve ser analisada restritivamente, ou seja, no sentido de estarem (autor, vítima e seus descendentes ou ascendentes) em um mesmo lugar.

Neste ponto, quanto ao alcance do verbete “na presença” incluído na majorante, discordamos do posicionamento esposado por ROGÉRIO SANCHES em artigo recentemente publicado (CUNHA, 2015), no qual afirma que estariam inseridos no supramencionado conceito (e, portanto, autorizariam a incidência da majorante), a situação de “familiar [que estivesse] vendo (ex: por Skype) ou ouvindo (ex: por telefone) a ação criminosa do agente”.

Ora, como o injusto penal retrata “um maior grau de intervenção estatal”, só deve ser possível admitir uma adequação típica “quando inexista dúvida sobre a necessidade dessa intervenção”, ou seja, na memorável lição de JUAREZ TAVARES, “[...] as normas penais incriminadoras devem-se adequar, em primeiro lugar, à exigência de sua estrita legalidade, com os corolários de anterioridade, forma escrita, definição estrita, taxatividade, clareza e especificidade e outros, que correspondem a todas as garantias do processo de intervenção” (2000).

Isto porque a tipicidade tem a função de “limitar negativamente o método penal, de modo que não se pode realizar a imposição de qualquer medida penalmente negativa para o agente sem que ela se encaixe [perfeitamente] nos limites típicos” (BRANDÃO, 2014, p. 217).

Desta forma, a análise do tipo penal deve respeitar o mandato de determinação imposto pela legislação, já que a “máxima taxatividade e real vinculação do juiz à lei é, como diz Sílva Sánchez, um objeto irrenunciável para o direito penal de um Estado Democrático de Direito, que implica a máxima precisão das mensagens do legislador e a máxima vinculação do juiz a tais mensagens quando de suas decisões” (QUEIROZ, 2001, p. 24), vedando-se, pois, uma interpretação ampliativa das hipóteses de majoração previstas na norma.

Por outro lado, nossa crítica não termina na estrutura objetiva da “nova” qualificadora criada para o crime de homicídio (e suas causas especiais de aumento).

Nossa censura reside na desnecessidade do incremento da punitividade de condutas que não surtam efeito prático (ou seja, a finalidade de tutelar de bens). Deveria ser inexorável que houvesse um paralelismo entre a medida a ser imposta e sua “vocação” para surtir efeitos, em detrimento a mera afirmação simbólica de “valores morais”, oposta à função protetora do direito penal.

De nada adianta uma reprovação violenta sem ser subsidiária a uma política extrapenal de proteção dos mesmos bens jurídicos que se tenciona proteger (caráter preventivo das condutas criminais), já que “os resultados lesivos prevenidos pelo direito penal podem ser evitados, e, em muitos casos, mais eficazmente, por meio de medidas protetoras de natureza administrativa” (FERRAJOLI, 1995, p. 434).

É preciso que não se olvide do fato de que, quando um sistema criminal falha em reconhecer as causas da criminalidade que é instado a punir, negligenciando a promoção de políticas sociais paralelas destinadas a prevenir o comportamento criminoso, acaba por ampliar o padrão de injustiça social, não atuando de forma efetiva nos esforços de contenção da criminalidade (GIUNTA, 2004, p. 155).

É o que ocorreu, por exemplo, no caso da inclusão inicial dos crimes de homicídio qualificado no âmbito da lei dos crimes hediondos. Como se sabe, a lei que rege os crimes hediondos é a Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Entretanto, somente a partir de 1994, quando da Lei 8.930, é que a respectiva modalidade de homicídio ingressou na respectiva listagem.

Apenas para referência, à época da supramencionada inclusão do homicídio qualificado na lista dos crimes hediondos, já se resultava clara a incidência do mesmo ideário maniqueísta de tolerância zero presente no Movimento da Lei e Ordem vislumbrando hodiernamente. Para tanto, basta lembrar que a Lei 8.930/94, foi resultado de uma inciativa popular efetivada após a comoção pública decorrente do assassinato brutal da atriz Daniella Perez.

Na prática, entretanto, os dados estatísticos desmentem uma suposta eficiência do discurso punitivista. Verificando-se o estudo realizado pelo mapa da violência (WAISELFISZ, 2014), tem-se que nos anos de 1992, 1993 e 1994 houve no Brasil, respectivamente, índices de 19.1, 20.2 e 21.2 homicídios por mil habitantes.

Todavia, nos anos posteriores à entrada em vigor da referida lei (que tornou mais severa a legislação), os referidos índices, ao invés de diminuir, aumentaram. Verifica-se claramente que a taxa de homicídios por mil habitantes no brasil que, anteriormente, alcançava valores inferiores a 21.2, chegou, subsequentemente, a 23.8, 24.8, 25.4, 29.9, 26.2, 26.7 (WAISELFISZ, 2014, p. 27).

Lógico que não se pode fazer um paralelo direto e descontextualizado dos impactos da legislação referida em contraposição aos índices demonstrados; mas, resta verossímil afirmar que, pelo menos em tese, o recrudescimento normativo per si seria incapaz de gerar uma diminuição direta na criminalidade.

Mesma coisa fora atestada, historicamente, pela Lei Maria da Penha. Os eventuais resultados positivos, mesmo que esporádicos e acanhados do diploma normativo em questão parecem decorrência, de forma muito mais concreta, do sistema de proteção que fora criado em razão da lei, e não do incremento das reprimendas legais (segregativas) lá previstas.

É premente que o Brasil reveja o estigma de expansão que o Direito Penal vem demonstrando nos últimos anos, sob pena de que essa inflação legislativa torne, na prática, o mesmo Direito Penal inócuo até mesmo para aquelas condutas que se revelam legítimas ao exercício do dever punitivo estatal.

Até porque, os direitos fundamentais não podem deixar de servir como prisma, como proibições de intervenção estatal no âmbito penal (eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção ao indivíduo (schutzgebote), ultimada, em ultima ratio, numa proibição do excesso (übermassverbote) (HC 104.410, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 6-3-2012, Segunda Turma, DJE de 27-3-2012.).

Referências

BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, v. vol. 2, 2011.

BRANDÃO, C. Tipicidade Penal: Dos elementos da dogmática ao giro conceitual do método entimemático. 2a. Edição. ed. Coimbra: Almedina, 2014.

CUNHA, R. S. Lei do feminicídio: breves comentários. Portal Carreira Jurídica, 2015. Disponivel em: <http://www.portalcarreirajuridica.com.br/noticias/lei-do-feminicidio-breves-comentarios-por-rogerio-sanches-cunha#_ftnref3>. Acesso em: 12 março 2015.

FERRAJOLI, L. Derecho y razón: Teoría del garantismo penal. Madrid: Editorial Trotta, v. I, 1995.

GIUNTA, F. The Punitive Metaphor: from ‘Punishment Lost’ to ‘Punishment Found’? CAHIERS DE DEFENSE SOCIALE: Bulletin of the International Society of Social Defence and Humane Criminal Policy , Milano, 2004.

GOMES, L. F.; BIANCHINI, A. FEMINICÍDIO: ENTENDA AS QUESTÕES CONTROVERTIDAS DA LEI 13.104/2015. Instituto Avante Brasil, 2015. Disponivel em: <http://institutoavantebrasil.com.br/feminicidio-entenda-as-questoes-controvertidas-da-lei-13-1042015/>. Acesso em: 12 março 2015.

QUEIROZ, P. D. S. Direito Penal: introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001.

RADFORD, J. Introduction to Femicide. In: RADFORD, J.; RUSSEL, D. E. H. FEMICIDE: The Politics of Woman Killing. New York: Twayne Publishers, 1992.

SON, J. Glosario de Género y Desarrollo. Inter Press Service. Roma. 2010.

TAVARES, J. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

WAISELFISZ, J. J. Mapa da Violência: Os Jovens do Brasil. Secretaria-Geral da Presidência da República. Brasília. 2014.

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Sobre o autor
Thiago Mota

Mestrando em Teoria e Dogmática do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Especialista em Direito Processual pela Escola Superior da Magistratura de Alagoas. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Professor de Direito Penal e Processual Penal. Advogado Criminalista.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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