A (in) constitucionalidade da Força Nacional de Segurança Pública

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19/03/2015 às 11:25
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Análise dos dispositivos constitucionais e legais que versam sobre o a criação e o desenvolvimento do programa de cooperação federativa denominado Força Nacional de Segurança Pública.

RESUMO: A elaboração do presente artigo resulta de uma análise dos dispositivos constitucionais e legais que versam sobre o a criação e o desenvolvimento do programa de cooperação federativa denominado Força Nacional de Segurança Pública, criado em 2004 e existente até os dias atuais. Aspectos de cunho jurídico e de pesquisa conferiram ao trabalho uma análise estritamente legal sobre o tema, não realizando nenhum aprofundamento de cunho político ou institucional a respeito do assunto.

Palavras-Chave: Força Nacional. Segurança Pública. Constitucionalidade. Inconstitucionalidade. Convênio. Cooperação Federativa. Art. 241, da Constituição Federal. Lei nº 11.473/2007. Decreto nº 5.289/2004.

Sumário: 1. Introdução; 2. A Constituição Federal e os convênios. 3. Dos dispositivos legais relativos à Força Nacional de Segurança Pública. 4. Pela inconstitucionalidade da Força Nacional de Segurança Pública; 5. Considerações finais; 6. Notas.

“Poderosa é a lei. Mais poderosa, contudo, é a necessidade”

       (Goethe)


1. Introdução

O presente trabalho tem por finalidade delinear os principais aspectos constitucionais e legais que versam sobre o programa de cooperação federativa denominado Força Nacional de Segurança Pública, desde a sua criação até o seu desenvolvimento. Não visa fazer uma análise crítica quanto ao desempenho, à conveniência ou ao aspecto político de tal programa, mas ater-se, sim, ao seu aspecto jurídico.

Trata-se de uma análise muito objetiva acerca do dispositivo constitucional previsto no art. 241, alinhando-o com a Lei nº 11.473/2007 e o Decreto nº 5.289/2004, principais diplomas que versam sobre a Força Nacional. Também, analisar-se-á o que dispõe o Convênio de Cooperação firmado entre a União e os Estados-Membros, se estão de acordo ou não com os preceitos legais e constitucionais.

Por derradeiro, o estudo fará um enfrentamento sobre as teses que defendem a inconstitucionalidade da Força Nacional, comparando-as com os dispositivos vigentes, concluindo pela constitucionalidade ou não deste conhecido programa de cooperação federativa denominado Força Nacional de Segurança Pública.


2. A Constituição Federal e os Convênios

Primeiramente, passa-se a analisar o que dispõe o art. 241 da Constituição Federal[1]:

“Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.”

  Analisando o dispositivo acima elencado, é importante destacar as expressões “gestão associada de serviços públicos”, “por meio de lei” e a “transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos”.

Gestão associada de serviços públicos[2] compreende o compartilhamento, entre diferentes entes federativos, do desempenho de certas funções ou serviços públicos de seu interesse comum. Trata-se, assim, de uma forma de cooperação federativa para planejamento, regulação, fiscalização ou prestação de serviços que demandam ou recomendam o envolvimento de mais de um ente federativo.

A Constituição Federal exige que os convênios de cooperação firmados entre a União e os Estados estejam previstos em lei, autorizando a realização de serviços públicos e a transferência de bens e de pessoal para a sua execução. Mas o que são, de fato, os convênios de cooperação? A Força Nacional, prevista na Lei nº 11.473/2007[3], pode ser considerada um programa de cooperação que, mediante convênio, é capaz de executar atividades de segurança pública nos entes conveniados?

Conforme o Decreto nº 6.170/2007[4], que dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse, convênio é:

“acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento que discipline a transferência de recursos financeiros de dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União e tenha como partícipe, de um lado, órgão ou entidade da administração pública federal, direta ou indireta, e, de outro lado, órgão ou entidade da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, ou ainda, entidades privadas sem fins lucrativos, visando a execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto, atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação;”

O convênio, ajuste mediante o qual as partes buscam alcançar interesses comuns, é descrito em nossa Lei Maior em duas situações. O artigo 71, inciso IV, da Constituição Federal, menciona tal figura quando trata do controle externo da Administração Pública a cargo do Tribunal de Contas. Já o supramencionado artigo 241, com redação dada pela EC n° 19/98, prevê que os entes da Federação deverão disciplinar, por meio de lei, os convênios de cooperação. Porém, deve ser ressaltado que a Constituição, nos casos acima descritos, menciona instrumentos completamente diferentes.

Não se pode, assim, confundir o convênio que versa sobre simples repasse de recursos, com o convênio de cooperação entre entes federados mencionado no art. 241 da Constituição Federal, que pode possuir, entre seus objetos, a gestão associada de serviços públicos. No caso da Força Nacional de Segurança Pública, o serviço público referido é a segurança pública, que passará a ter, por força do convênio firmado entre os entes federados, uma gestão associada, típica de um acordo de cooperação.

Nos convênios internos, firmados entre pessoas jurídicas de Direito Público, não se exige a prévia licitação para sua celebração, já que eles pressupõem a conclusão de um objeto específico e restrito às partes que o celebram, não se verificando uma concorrência para ensejar um certame. Embora tenham essa diferença, ambos os tipos de convênios devem obedecer às mesmas formalidades e requisitos que a lei impõe aos contratos, destacando-se as cláusulas essenciais do termo de convênio previstas no artigo 55 da Lei n. 8.666/93, podendo ser denunciados a qualquer tempo e, ainda, sujeitos ao controle dos Tribunais de Contas dos entes federativos envolvidos.

Os convênios, no âmbito da gestão associada de serviços públicos, caso em que se enquadra a Força Nacional de Segurança Pública, podem dispor sobre a regulação, o planejamento, a fiscalização e a avaliação de serviços públicos, inclusive formalizando que o exercício dessas atividades seja delegado para órgão ou entidade de determinado ente federativo. Por exemplo: mediante convênio de cooperação entre entes federados, o município pode delegar o exercício das atividades de regulação de um determinado serviço público para órgão ou entidade do estado ou de outro município. Além disso, é de se notar que o convênio de cooperação entre entes federados, ao contrário dos convênios comuns, precisa estar disciplinado por lei, nos termos do que expressamente prevê o art. 241 da Constituição Federal.

Segundo Medauar (2009, p. 255)[5] “se há presença de poder público num dos pólos então o raciocínio seria que o interesse público é fim visado por ambos”. O decreto que conceitua o convênio fala em interesse recíproco e, se firmado entre entes federados, é óbvio deduzir que tal interesse é público. Assim, soma-se ao conceito de convênio a expressão “interesse público”, com intuito de frisar que o acordo realizado não poderá servir a interesses comuns privados.

Por fim, caso a gestão associada englobe a prestação de serviço público, ou seja, que órgão ou entidade de um ente federado preste serviço público de titularidade de outro ente federado, no caso em tela a segurança pública, necessário se faz que isso esteja expressamente autorizado no convênio de cooperação firmado entre os entes federados.

Analisando o convênio de cooperação do programa de cooperação denominado Força Nacional de Segurança Pública, firmado entre o Ministério da Justiça e os Estados da Federação[6], pode-se perceber as seguintes características: a) comunhão de objetivos institucionais comuns; b) competências institucionais comuns aos conveniados; c) convergência de objetivos e resultados; d) mútua colaboração; e) vontades não-antagônicas; f) natureza precária; g) inexistência de cláusula de permanência obrigatória e de sanções por inadimplência.

Assim, pode-se afirmar que o convênio de cooperação federativa no âmbito da Força Nacional de Segurança Pública atende ao disposto no artigo 241 da Constituição Federal, sendo que sua plena legalidade e constitucionalidade dependerá da análise vindoura dos dispositivos legais a serem analisados no decorrer do presente estudo.


3. Dos dispositivos legais referentes à Força Nacional de Segurança Pública

A Força Nacional de Segurança Pública é um programa de cooperação entre os Estados-Membros e a União a fim de executar, através de convênio, atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, atuando também em situações de emergência e calamidades públicas. É uma integração entre os estados federados e a União, passando esta a prestar apoio aos órgãos de segurança federais e estaduais, sob a coordenação do Ministério da Justiça.[7]

Foi criada pelo Decreto nº 5.289, de 29 de novembro de 2004[8], sendo instituída para atuação nos Estados-Membros para executar atividades de policiamento ostensivo, em casos de perturbação à ordem pública, incolumidade das pessoas e do patrimônio. Posteriormente, com o advento da Lei 11.473, de 10 de maio de 2007, passou a cumprir o exigido pelo art. 241 da Constituição Federal, o qual exige que o convênio entre União e Estados esteja previsto em lei e não apenas em decreto do Poder Executivo. Engloba, hoje, atividades da polícia militar, polícia civil, perícias e bombeiros.

Pode-se perceber, portanto, que em 2004, com a edição do Decreto nº 5.289, a criação da Força Nacional e sua implementação carecia de legalidade e constitucionalidade, visto que não atendia o disposto no artigo 241 da Constituição Federal. Este, de forma expressa, permite a cooperação federativa mediante convênio desde que previsto em lei.

A lei, no caso em tela, é em sentido estrito, ou seja, lei ordinária ou complementar. Por óbvio que o interesse constitucional não é de permitir que uma norma de lavra exclusiva do Poder Executivo trate de tema que afeta, também, os estados federados. Caso isso fosse permitido, haveria uma quebra ao pacto federativo e da harmonia entre os poderes. Portanto, para que se possa criar um programa de cooperação federativa que permite que servidores da segurança pública possam exercer suas atividades em outros estados da Federação, tal mecanismo deve ter previsão em lei federal e, ainda, ter um convênio específico firmado entre aqueles que possuem a competência legal de gerenciar as instituições.

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Somente após o advento da Lei nº 11.473, em 10 de maio de 2007, é que a Força Nacional, de fato, atendeu aos requisitos constitucionais dispostos no art. 241 e passou a ser encarada com mais respeito pelos gestores e doutrinadores. Até esta data, muitos eram os trabalhos científicos e opiniões de especialistas no sentido de declarar a inconstitucionalidade do programa de cooperação federativa, os quais passarão a ser mencionados no próximo tópico.

E, justamente no ano de 2007, no período que antecedeu os Jogos Pan Americanos no Rio de Janeiro, é que a lei foi publicada e que os primeiros convênios de cooperação federativa passaram a ser firmados[9], o que vem ocorrendo até os dias atuais. Tais convênios, portanto, passaram a ter vigência e cumprir o que dispunha a Constituição e a legislação vigente.

Quanto ao teor do que dispõe a lei que rege a Força Nacional de Segurança Pública, pode-se resumir que este programa de cooperação federativa consiste em três pilares básicos: operações conjuntas, transferências de recursos e desenvolvimento de atividades de capacitação e qualificação de profissionais de segurança pública.[10]Em uma apertada síntese, a União firma convênio com os estados transferindo recursos a estes em troca de recebimento de profissionais da segurança pública. Este contingente, após realizar um curso básico de nivelamento, passará a atuar nos estados da Federação que necessitem de apoio esporádico e pontual e, enquanto isso não ocorre, são executadas atividades de capacitação e treinamento deste efetivo.

Trata-se de típico acordo de cooperação federativa, em que a União se compromete em capacitar os profissionais de segurança pública e prestar apoio aos entes federados solicitantes quando em situação de urgência e necessidade (ex: greve das polícias). Em contrapartida, são recebidos recursos da União que, no caso em específico, tratam-se de armamentos, viaturas, coletes e demais equipamentos imprescindíveis para o desempenho da função.

A discussão acerca da constitucionalidade ou não da Força Nacional de Segurança Pública deve, necessariamente, analisar o que dispõe o artigo 241 da Constituição Federal, pois é este o dispositivo que viabiliza, salvo melhor juízo, a atuação de profissionais de um ente federado em outro. Embora a Força Nacional de Segurança Pública não esteja prevista de forma expressa no artigo 144 da Constituição Federal, ela é considerada um serviço público (descrito no artigo 241) e atende, desde o ano de 2007, aos requisitos exigidos pela nossa Magna Carta.

Além disso, se utiliza de profissionais que são investidos nas carreiras públicas dos Estados-Membros, como policiais e bombeiros, desde que haja convênio firmado entre a União e o Estado-Membro que remete seus voluntários. Conclui-se, assim, que estes servidores possuem capacidade e legitimidade plena de atuação, estendida para os demais entes da Federação por força de lei e do convênio firmado.

A jurisprudência brasileira, ao analisar algumas ações que versam sobre a legalidade e constitucionalidade da Força Nacional, tem se posicionado no sentido de não declarar a sua inconstitucionalidade, até porque, devido ao seu espírito de cooperação entre os entes federados e não de intervenção, tem atendido aos interesses de todos os envolvidos. Vejamos a ementa do julgado mais recente acerca do tema:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORÇA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA - FNSP. PROGRAMA DE COOPERAÇÃO FEDERATIVA. CRIAÇÃO PELO DECRETO Nº 5.289/2004. PORTARIAS EXPEDIDAS PELO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA QUE AUTORIZAM O EMPREGO DA FNSP NOS ESTADOS-MEMBROS. ILEGALIDADE NÃO CONFIGURADA. SENTENÇA MANTIDA. I - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144 da Constituição Federal), constando do art. 241 do diploma constitucional que União, Estados, Distrito Federal e Municípios disciplinarão os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados. II - A Força Nacional de Segurança Pública - FNSP não constitui órgão autônomo de segurança pública, mas apenas instrumento de cooperação para auxiliar Estados-membros, por meio de ato formal de adesão, voluntário, a preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio, de modo que não há que se falar em violação ao art. 144 da Constituição Federal. III - O só fato de a FNSP se destinar a garantir a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio não justifica a situação excepcional de intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal, devendo ser observado, sempre que possível, o pacto federativo. IV - A ausência de previsão quanto à proibição de prorrogação do prazo inicialmente previsto para a atuação da FNSP afasta a alegação de inobservância da regra de que o programa de cooperação federativa, além do que o simples pedido de dilação do lapso de tempo inicialmente previsto não afasta seu caráter de ação episódica e planejada, desde que demonstrada a indispensável necessidade. V - Recurso de apelação do Ministério Público Federal ao qual se nega provimento. (TRF-1 - AC: 686 PA 2009.39.00.000686-2, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Data de Julgamento: 22/02/2013, SEXTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.328 de 11/03/2013)

Neste julgamento, o relator salientou em seu voto que o manifesto do Governador de Estado “é condição obrigatória para a atuação da FNSP e pressupõe consenso entre os entes envolvidos, não interferindo na autonomia de cada um deles”. Para o magistrado, a atuação da Força Nacional de Segurança Pública significa apoio aos Estados e ao Distrito Federal para a garantia da segurança pública, para preservação do direito à vida e para a garantia da dignidade da pessoa humana, conforme estabelece o texto constitucional.[11]

Conforme trecho do julgado acima, a atuação em apoio a um estado da Federação, mediante solicitação expressa deste e com a coordenação conjunta das operações está em plena conformidade com os ditames constitucionais. Ocorre que, em 12 de março de 2013, foi editado o Decreto nº 7.957, alterando o Decreto nº 5.289/2007, dando nova redação ao artigo 4º e, assim, permitindo que a Força Nacional passasse a atuar nos estados mediante solicitação expressa de qualquer Ministro de Estado.

No próximo tópico, passaremos a analisar esta alteração legislativa, bem como todas as demais teses que versam sobre a inconstitucionalidade da Força Nacional, as quais devem ser analisadas conforme o seu conteúdo e a data em que foram redigidas.

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Sobre o autor
Douglas Pohlmann Velasquez

Capitão da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul. Ex-Advogado e Especialista em Segurança Pública Lato Sensu - UFRGS 2006.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O interesse em publicar o artigo é analisar de forma plena o programa de cooperação federativa denominado Força Nacional, tanto nos aspectos constitucionais, legais como também o instrumento de convênio firmado entre a União e os Estados-Membros, posicionando-se acerca das necessidades legislativas, dando alternativas para conferir maior legitimidade ao programa.

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