A incidência do ICMS sobre o software no comércio eletrônico direto: a transmissão de dados como meio de circulação de mercadorias

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20/03/2015 às 21:28
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4 O ASPECTO MATERIAL DO ICMS

O aspecto matéria do ICMS esta relacionado ao seu campo de incidência, e para a compreensão dessa incidência, é importante verificar o conceito dos termos operações, circulação e mercadoria que integram esse imposto.

Nesse sentido explica Cezaroti que:

Os diversos elementos integrantes da regra-matriz de incidência do ICMS (operações, circulação e mercadoria) devem ser analisados de modo coerente e harmônico, para encontrar o fato que, uma vez constatado, autoriza a incidência do referido imposto. (CEZAROTI, 2005, p. 46)

A análise desses termos, para fins de incidência do tributo, deve respeitar os conceitos de direito privado, utilizados pela constituição para definir as competências tributárias, contudo, levando em conta as alterações, as quais o próprio direito privado foi submetido desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, tendo em vista as mutações sociais, econômicas e tecnológicas.

4.1 Operações

As operações que tratam o tributo estudado são as que se referem à circulação de mercadoria.

Para tanto, o termo operação está automaticamente ligado com os outros dois termos: circulação e mercadoria.

Segundo Machado (1997), as operações pertinentes à circulação de mercadorias comportam o negócio jurídico compra e venda, sendo, portanto, atos ou negócios que implicam na mudança de titularidade das mercadorias, ou seja, na circulação, na transferência de um direito.

O termo operações esta relacionado às diversas fases de um ciclo produtivo, e é utilizado para demonstrar o momento hábil da ocorrência da circulação de mercadoria. (CEZAROTI, 2005).

Este termo é, portanto, o cerne da materialidade das operações relativas a circulação de mercadoria, fato este demonstrado pelos autores Geraldo Ataliba e Cleber Giardino que realizando um estudo sobre a hipótese de incidência do antigo ICM, ensinam que:

O conceito nuclear da materialidade da hipótese de incidência do ICM é o de operações. Esta é, efetivamente, uma expressão substantiva de descrição constitucional do tributo; é núcleo em torno do qual se constrói a própria descrição do campo material de competência dos Estados. Os demais termos, constantes dessa locução constitucional, são adjetivos em torno do substantivo operações. O cerne, portanto, da materialidade da hipótese de incidência, esta na expressão operações. As operações é que constituem no fulcro de toda a preocupação constituinte e, portanto, necessariamente, no centro das preocupações, seja do legislador, seja dos aplicadores administrativos ou judiciais desse tributo. (ATALIBA; GIARDINO, 2004, p.104).

Assim, analisando o termo operações, os referidos doutrinadores Ataliba e Giardino (2004, p. 104), acrescentam que “só após reconhecer a existência de uma operação, entendida como negócio jurídico, o interprete passará verificar se os demais requisitos constitucionais estão presentes: circulação e mercadoria também juridicamente entendidas.”

Nesse sentido, sobre a necessidade de verificar-se a natureza mercantil nessas operações para incidência do ICMS, Alessandra Machado Brandão Teixeira, alega que:

O ICMS incide em todas as etapas do processo de produção e circulação de mercadorias até chegar ao consumidor final. Então somente podem ser tributadas as operações que têm natureza mercantil, ou seja, que se enquadrem dentro dessa circulação econômica, que pode ser uma compra e venda de mercadorias ou um outro negócio jurídico, entendidos enquanto atividade econômica. É por isso que o requisito da habitualidade afigura-se importante: não tem sentido tributar uma pessoa natural, que por alguma circunstância venha a vender pertences pessoais, esporadicamente. Para que se configure o fato jurígeno do ICMS, é necessário que essa pessoa dedique à atividade comercial; somente nesse contexto justifica-se a tributação. (TEIXEIRA, 2002, p. 260, grifo nosso).

Ora, “[...] toda operação negocial, apta a transmitir a outrem poderes de disposição sobre bens dessa espécie, pode ser eleita pelo legislador ordinário como hipótese de incidência do ICM.” (ATALIBA; GIARDINO, 2004, p.113. grifo nosso).

Dessa forma, demonstrada a natureza mercantil da operação realizada em prol de uma circulação econômica, fica claro que o ICMS, incide sobre operações negociais.

Mas ainda cabe demonstrar a qualificação dessas operações diante da circulação mercantil que permite um melhor apontamento da hipótese de incidência tratada nesse trabalho, quer seja, a incidência do ICMS em operações de circulação de mercadorias.

4.2 Circulação

O termo circulação refere-se ao ato jurídico que gera a passagem de mercadoria de uma pessoa para outra, ou seja, o termo em análise representa uma movimentação, determinada pela mudança de patrimônio de um bem, que resulta na transmissão de um direito.

Nesse sentido Cezaroti (2005, p. 52) demonstra que “mediante a circulação o sujeito transfere sua posse de uma mercadoria ou propriedade sobre ela a outrem, mediante contraprestação, há uma transferência de disponibilidade.”

Nessa circulação de bens, o novo sujeito recebe o poder de dispor o próprio bem. Em outras palavras, pode-se dizer que a mera transferência física do bem não é o atributo mais importante para a caracterização dessa circulação, mas sim a transferência jurídica da mercadoria. (ATALIBA; GIARDINO, 2004).  

4.3 Mercadoria

O conceito de mercadoria é o mais debatido doutrinariamente, ao tratarmos do aspecto material do ICMS, tendo em vista a discussão apresentada como tema desse trabalho.

De acordo com Eduardo Sabbag (2012, p. 1062), “[...] mercadoria (do latim merx) é coisa que se constitui objeto de uma venda.”

Doravante, fazendo um paralelo com o código civil de 2002, mercadoria é coisa móvel. O art. 82 do CCB preceitua que “são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.” (BRASIL, 2012e, p.140, grifo nosso).

Ainda, nesse paralelo, o código civil de 2002 ao tratar da definição de empresário, indica implicitamente o conceito de mercadoria como consequência da atividade econômica, preceituando em seu art. 966, que “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.” (BRASIL, 2012e, p.170, grifo nosso).

Desse modo, mercadoria é um bem ou coisa móvel que alguém produz para vender ou comprar para revender, com o proposito deliberado de lucro. Em outras palavras, mercadoria é produto colocado no mercado, em faze de circulação econômica, tendo em vista o seu trajeto, que vai da produção até o consumo. (SABBAG, 2012).

Doravante, Alessandra Teixeira (2002) lembra que ICMS incide sobre as operações, e a mercadoria é tão somente a adjetivação do substantivo operações que necessita que aquela circule juridicamente.

4.3.1 A necessária evolução do conceito de mercadoria

O restrito conceito de mercadoria utilizado pelo revogado código comercial deve de fato ser afastado da norma tributária, considerando a revolução tecnológica[5] de nossos tempos.

Segundo ensina Alessandra, o termo mercadoria, “[...] considera-se um conceito em processo de evolução, sendo passível de ser transformado, ou até mesmo compreendido de outra forma [...] considerando principalmente a revolução tecnológica de nossos tempos modernos [...].” (TEIXEIRA, 2002, p. 262-263. grifo nosso).

A afirmação acima segue a lógica da revogação do código comercial pelo atual código civil que não possui um dispositivo que trate do conceito de mercadoria explicitamente, contudo trata de forma implícita, conforme abordado no tópico anterior.

 Deverás dizer que a discussão sobre a evolução da noção clássica de mercadoria não é tão simples assim de resolver, tendo em vista que, de fato o legislador constituinte originário é a época do conceito do código comercial de 1850, e para tanto utilizou de sua vivência para estabelecer o âmbito incidência do ICMS.

Com a sociedade em evolução, diante das mutações sociais e econômicas, fica evidente a necessidade de se repensar os conceitos tradicionais absorvidos pelo nosso ordenamento jurídico, bem como de se rever a própria norma tributária.

É nesse entendimento que discorre o Ministro Eros Grau no julgamento da medida cautelar da ADI 1945 ao afirma que “o movimento da vida e da realidade é que dá o significado normativo dos textos.” (BRASIL, 2011, p. 300).

Ainda, nesse mesmo julgamento o Ministro Gilmar Mendes discutindo sobre o plano da hermenêutica na constituição, afirma que “a mudança da realidade afeta a interpretação do texto constitucional de alguma forma, ou vai afetar ou poderá afetar.” (BRASIL, 2011, p. 296).

Ora com a ocorrência da nova forma de comércio por meio eletrônico, e com a aceitação da sociedade sobre o mesmo, percebe-se, portanto, um movimento da realidade, ou seja, como já foi dito, o consumidor abandona os meios convencionais de aquisição de mercadorias, em prol da utilização desta nova modalidade de comércio, para adquirir cada vez mais mercadorias virtuais, adquiridas por transferência de dado.

Assim, apontado o termo mercadorias virtuais, um novo sentido para o tradicional conceito de mercadoria para fins de incidência do ICMS passa ser defendido por adeptos dessa evolução proporcionada pela internet, que é o de disponibilização de bens digitais que circula e gera lucro a empresários através desse ciberespaço[6].

A doutrina tem encontrado espaço para a abrangência desse conceito, demonstrando que a legislação não exaure sua definição, sendo este um termo elástico às mudanças sociais e econômicas.

Assim, segundo ensina Cezaroti:

A legislação em vigor não determina que as mercadorias precisam ser tangíveis, basta que sejam suscetíveis de individualização e de transporte de uma parte a outra, independente do meio adotado. [...] A referência à legislação comercial ou civil não impede que o conceito de mercadoria varie ao longo do tempo, porque a evolução humana demonstra que novos tipos de bens suscetíveis de apropriação e comercialização surgem ao longo do tempo.

Somente se estivéssemos diante de um termo expressamente definido pela legislação, é que poderíamos manter-nos ao largo das modificações ocorridas no correr dos anos. Contudo, o legislador foi sábio ao não engessar o termo mercadoria, porque sabe que sua identificação pode sofrer influências de acordo com a circunstância histórica. (CEZAROTI, 2005, p. 98. grifo nosso).

O conceito de mercadoria como bem tangível é adequando apenas quando realidade utiliza-se somente de produtos materiais para serem negociados, diferentemente do que ocorre na atualidade, em que aparecem novos produtos a serem negociados no mercado, como ocorre com os programas de computador. (GRECO, 2000).

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Para adequação do conceito de mercadoria, deve-se lembrar que, conforme abordado anteriormente, a destinação dada ao produto posto em circulação é um dos aspectos relevantes para sua definição.

A propósito, Paulo de Barros Carvalho é enfático ao aludir que “a natureza mercantil do produto não está, absolutamente, entre os requisitos que lhe são intrínsecos, mas na destinação que se lhe dê [...].” (CARVALHO apud FONSECA, 2005, p. 88).

Assim, Fonseca destaca que “com a nova realidade, especialmente com a potencialização das relações jurídicas pela internet, o conceito de mercadoria assumiu nova tônica com o novo Código Civil [...].” (FONSECA, 2005, p.88).

4.3.2 Mercadoria e o atual Código Civil       

Com a revogação da primeira parte do código comercial, responsável pela definição do conceito de mercadoria pelo seu já citado art. 191, o tratamento desse conceito passou a ser regulado pela Lei 10.406/2002, atual Código Civil, que apesar de não definir explicitamente tal conceito, identificou a mercadoria como fruto da atividade econômica do empresário. (FONSECA, 2005).

Desta forma, segundo Fonseca, fica claro que:

[...] a empresa comercial não mais se restringe ao chamado “ato de comércio”, isto é, [...] a empresa comercial passa a ter como foco o ato empresarial, sendo este a atividade econômica com a finalidade de lucro.

Assim, o conceito de mercadoria passou a ser adotado com bens, objeto de mercancia, com a finalidade de obtenção de lucro, ou seja, mercadoria passa a ser um bem suscetível de transação comercial. (FONSECA, 2005, p. 90).

Seguindo esse entendimento, o Ministro Moreira citado por Cezaroti explica que, “apesar do art. 191 do código comercial fazer referência somente a bens corpóreos, a definição do que seja mercadoria depende da qualificação de quem realiza a operação e não mais de sua natureza de ato de comércio” (CEZAROTI, 2005, p.110).

Esse entendimento justifica-se pela própria transição que o comércio foi submetido, com a revogação do código comercial de 1850 e a instituição do CCB de 2002, abandonando a ideia de atos de comércio em face da atual noção de empresa.

Diante de tais referências, ensina Fonseca que “uma vez não mais existindo o conceito de mercadoria do Código Comercial, não se afigurará desobediência ao art. 110 do Código Tributário Nacional, se adotarmos um conceito de mercadoria mais atualizado e condizente com a realidade do País.” (FONSECA, 2005, p.90).

Portanto, constata-se que, com a disposição do art. 966 do atual código civil, a definição de mercadoria não esta mais restrita a circulação de bens corpóreos, abrangendo assim a noção de que mercadoria podem ser bens corpóreos ou incorpóreos, desde que seja objeto de mercancia (compra e venda), possuam valor econômico e seja uma obrigação de dar, para fins de incidência do ICMS.

Essa afirmação, de que para fins de incidência do ICMS a mercadoria deve ser uma obrigação de dar, é simplesmente para distinguir a própria competência tributária, tendo em vista que, em relação aos programas de computador, o conceito de mercadoria acima defendido esbarra na noção de serviços que é uma obrigação de fazer (prestação de serviços), tributado pelo ISSQN de competência dos municípios.

Assim, delimitada a obrigação de dar da mercadoria, estamos diante de um bem a ser tributado pelo ICMS.

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Sobre o autor
Thiago Vinicius Pinto Santos

Advogado, Master Business Administration em Gestão Tributária pelo Centro Universitário Una, graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, onde desenvolveu seu projeto de pesquisa, aprofundando no assunto da "Incidência do ICMS sobre softwares no comércio eletrônico" que posteriormente foi apresentado como tema delimitada do trabalho acadêmico de conclusão de curso. Participou de diversas atualizações, como o curso de Direito Bancário, Direito do Consumidor da Escola do Legislativo da ALMG, Técnicas de Conciliação do TJMG, Processo Eletrônico na Justiça do Trabalho, curso de Direito Imobiliário e Incidência Tributária e diversos seminários jurídicos. Atualmente cursa extensão em Direito da Tecnologia da Informação na Fundação Getúlio Vargas - FGV

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

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