A incidência do ICMS sobre o software no comércio eletrônico direto: a transmissão de dados como meio de circulação de mercadorias

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20/03/2015 às 21:28
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5 INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE OS SOFTWARES

O legislador constituinte no art. 150 § 5º da CF estabelece o termo mercadoria como contraposição a serviços, preceituando que “a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços.” (BRASIL, 2012c, p. 59).

A lei apontada pelo legislador é a lei complementar, tendo em vista que é essa a cabível em caso de definição de tributos e seus fatos geradores.

Assim, a LC 87/96 em seu art. 2º vem estabelecer o campo de incidência do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias. Conforme o inciso I do referindo artigo dessa lei, o ICMS incidirá sobre operações, ou seja, como já abordado anteriormente, para que se incida o referido imposto, conforme o tema delimitado, inicialmente deve-se verificar a ocorrência de uma operação, para depois verificarmos as adjetivações dessa ocorrência. (BRASIL, 2012a).

 Em outras palavras, pode-se dizer que a circulação de mercadorias por si só não autoriza a incidência do imposto estadual, pois se necessita da ocorrência do negocio jurídico que comporta a operação, ou seja, o ato jurídico que transfere a titularidade, a propriedade do bem.

Esse bem, mesmo sendo incorpóreo, como no caso do programa de computador (software), poderá ser tributado pelo ICMS, dada sua destinação como uma obrigação de dar referente a uma atividade de mercancia.

5.1 O software na visão doutrinária

O programa de computador, mais conhecido com software, possuí uma natureza jurídica de difícil análise, tendo em vista sua constituição e intangibilidade.

No capítulo dois (2) deste trabalho a Lei do software foi abordada como introdução ao objeto de incidência discutido. Já neste presente tópico será demonstrada uma análise doutrinária sobre a natureza jurídica do programa de computador.

Assim, para melhor entender sua natureza jurídica, deve-se constar aqui a análise abordada por Grego, que explica que:

[...] quando se trata de software é preciso distinguir planos distintos. Um é o plano em que se encontra o programador do software que o redige e o outro é o plano do próprio software como conjunto de instruções que a máquina vai entender e executar. A cada um destes planos corresponde uma ‘linguagem’ diferente. No primeiro plano, situa-se o que se denomina ‘programa fonte’ que corresponde a um conjunto de instruções escritas de uma forma legível pelo ser humano sendo aquela em que o programa é inicialmente escrito. No segundo plano, encontra-se o denominado ‘programa objeto’ que corresponde a uma sequencia de números binários (zeros e uns) que é a representação final de qualquer programa, pois esta é a realidade a partir da qual a máquina pode reagir. O programa objeto (em linguagem binária) é absolutamente incompreensível pelo ser humano, pois encontra-se na chamada ‘linguagem de máquina’. (GRECO, 2000, p. 95).

Esse programa-objeto é o que será destinado ao consumidor final como mercadoria, seja por um corpo mecânico, via CD-ROM, seja por transmissão de dados, via download.

Portanto, seguindo por essa análise, Greco confirma que:

O que se encontra gravado num suporte físico (disquete, CD-ROM) é o programa-objeto, vale dizer, a mera sequência de zeros e uns a serem lidos pela máquina e traduzidos num conjunto de instruções, símbolos, letras etc. fazendo com que a máquina opere adequadamente no sentido de realizar os cálculos, desenhos, textos etc. que são a função de cada programa específico. [...]

Assim, tratando-se do estudo quanto ao que vem a ser o software é preciso distinguir o software em si (programa-fonte ou em programa-objeto) e o software enquanto objeto de direito. (GRECO, 2000, p. 95).

Adiante, Marco Aurélio Greco (2000, p. 96) discorre sobre essa possibilidade do programa de computador ser abrangido pelo conceito de mercadoria, alegando que “o software em determinadas situações e dependendo das características fáticas de cada caso, pode ser considerado como abrangido pelo conceito de mercadoria ser for objeto de atividade mercantil (= exercida no e para o mercado).”

Diante dessa alegação, pode-se fazer um paralelo com a referência feita no item 4.3.2, que leva ao entendimento de que a atividade econômica exercida pelo empresário com o intuito de lucro é o fator responsável pela abrangência do conceito de mercadoria na situação em que ocorre a venda de um programa de computador, mesmo que por meios eletrônicos, quer seja pelo mercado virtual (comércio eletrônico direto).

Ademais, conforme é descrito por Portela:

[...] o surgimento de programa de computador, ou o aperfeiçoamento daqueles existentes, bem como as suas novas formas de disponibilização, sobretudo através da comercialização diretamente pela rede mundial de computadores, terminaram por produzir impacto sobre o entendimento doutrinário, jurisprudencial e mesmo legislativo acerca de definições jurídicas até então existentes. (PORTELLA, 2011, p. 244).

Assim, nota-se que diante da análise do revogado código comercial de 1850 que tratava sobre os atos de comércio, e do atual código civil de 2002, que trata da empresa como atividade economicamente organizada, exercida pelo empresário com intuito de lucro, a natureza jurídica do programa de computador para fins de tributação deve ser estabelecida conforme a sua exploração econômica, ou seja, mediante sua destinação.

É importante ressaltar que o ICMS somente será cabível se este programa de computador perder sua individualidade, ou seja, se estiver padronizado em seu conteúdo, afastando-se da definição de serviço.

Assim, quando se falar de software padronizado, standard ou de prateleira, o programa de computador será definido como mercadoria, diferentemente quando este for um programa personalizado, por encomenda, caso em que será uma prestação de serviços.  

Nesse entendimento, o Supremo Tribunal Federal pacificou a questão, ao julgar o RE nº 199.464, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão. Veja-se a ementa adiante transcrita:

TRIBUTÁRIO. ESTADO DE SÃO PAULO. ICMS. PROGRAMAS DE COMPUTADOR (SOFTWARE). COMERCIALIZAÇÃO. No julgamento do RE 176.626, Min. Sepúlveda Pertence, assentou a Primeira Turma do STF   distinção, para efeitos tributários, entre um exemplar standard de programa de computador, também chamado de prateleira, e o licenciamento ou cessão do direito de uso de software. A produção em massa para comercialização e a revenda de exemplares do corpus mechanicum da obra intelectual que nele se materializa não caracterizam licenciamento ou cessão de direitos de uso da obra, mas genuínas operações de circulação de mercadorias, sujeitas ao ICMS. Recurso conhecido e provido.  (BRASIL, 2012, grifos nosso).

Apesar de pacificada a discussão sobre a incidência do ICMS sobre software, em caso de exemplares padronizados de programas de computador, a evolução do e-commerce, conforme já abordado no item 3.1, colocou em cheque outra discussão, que é a possibilidade de incidência do ICMS sobre os softwares negociados e transferidos pelo sistema de download.

Esse sistema de transmissão de dados permite a circulação de mercadoria de forma eletrônica, transferindo a propriedade, mediante a revenda do bem digital posto no mercado virtual.

5.2 A transferência de dados como forma de circulação de mercadorias

Esta transferência de dados, denominada download, é uma genuína forma de circulação de mercadorias virtuais (softwares padronizados) pela rede mundial de computadores, tendo em vista ser um sistema que transferência a titularidade de um bem de um computador para outro.

A identificação de uma circulação de mercadorias nessa transferência de dados pra fins de incidência do ICMS deve levar em consideração alguns critérios, sendo eles:

  • o aspecto econômico do produto;
  • a ocorrência de uma operação mercantil (destinação);
  • a transferência jurídica de titularidade;

Ainda, deve-se lembrar que a transferência de dados é uma característica exclusiva do comércio eletrônico direto (e-commerce), uma vez que a mercadoria encontra-se em sua forma digitalizada.

Nesse sentido, Cezaroti ensina que:

[...] a mercadoria não precisa ser corpórea, isto é, a corporalidade não é um requisito intrínseco desse tipo de bem. [...] quando estamos diante de uma cessão do direito de propriedade intelectual, podemos qualifica-la como venda de mercadoria intangível, porque há a transferência de todos direitos sobre o programa de computador de forma que a referida operação pode ser tributada pelo ICMS. (CEZAROTI, 2005, p.118).

Assim, se ocorrer a compra e venda de bens provenientes da propriedade intelectual, mesmo que intangíveis, estaremos perante uma transferência jurídica de titularidade por ocorrência de uma operação de circulação, no caso em que o bem seja produzido em massa para ser colocado no mercado.

Segundo Maria Juliana de Almeida Fonseca:

Se o programa é feito e vendido para milhares de usuários, esse perde as condições de individualidade e exclusividade num contrato, e embora obra intelectual, passa a ser circulação de mercadoria, sujeita ao ICMS. [...] o software é mercadoria, porque sujeito à comercialização, mas não é esse o ponto que o faz a ser tributado pelo ICMS, e sim porque o núcleo da atividade desenvolvida deixa de ser intelectual. (FONSECA, 2005, p.110. grifo nosso).

Diante da análise acima, percebe-se que, a atividade desenvolvida deixa de ser intelectual, pois quando o referido bem é colocado no comércio sua pessoalidade é perdida.

Assim, verificada a existência dos requisitos acima apontados, e sendo o software proveniente de uma produção padronizada destinada ao mercado, em resumo, pode-se verificar que a incidência do ICMS será devida, como já ocorre no caso no software vendido em CD-ROM.

Não obstante, se um software produzido em massa, vendido gravado em um compact-disc[7] é passível de ser tributado pelo ICMS, o mesmo software padronizado, vendido via download também será passível da mesma tributação.

Nesse sentido Becker afirma que:

Não é relevante para o comprador do programa de computador ser este adquirido via eletrônica, sem suporte físico, ou mediante aquisição de disquetes, porque o conjunto  de instruções é o mesmo, e , além disso, não produz diferença para o usuário o fato do programa ser adquirido em uma forma tangível ou não. (BECKER apud CEZAROTI, 2005,p 102).

Assim, diante do ponto de vista abordado, Cezaroti (2005, p. 102) ensina que “quem compra um software não adquire somente o conjunto de instruções contidas no programa, mas também o direito de uso destas instruções, sem o risco de imputações civis ou criminais existentes no caso de pirataria (uso indevido).”

Dessa forma, pode-se verificar que, o entendimento de que os softwares de prateleira são genuínas mercadorias passiveis da incidência do ICMS é extensivo aos softwares vendidos por meio de download, pois em ambos os caso se adquire o direito sobre a propriedade do bem. Essa ocorrência é reafirmada na ADI 1945 que em sede liminar foi julgada a favor da incidência do ICMS sobre os softwares transferidos eletronicamente.

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5.3 ADI 1945

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1945 com pedido liminar de suspensão da lei nº 7.098, de 30 de dezembro de 1998, do Estado do Mato Grosso, ajuizada pelo PMDB, é uma das mais recentes discussões referente ao tema tratado nesse trabalho.

Em sede liminar, a ADI 1945, demonstrou inovadas tendências sobre o tema, mesmo não sendo discutido o mérito da ação.

Dentre essas tendências, o Ministro Nelson Jobim destaca que é possível que o ICMS incida sobre a circulação de mercadoria virtual. (BRASIL, 2011).

Mais a frente, o Ministro Jobim, em voto vista da ADI-1945, afirma que “a época hoje é de realizações de negócios, [...] compra de musica e vídeos, e aquisição de programas de computador nesse ambiente digital.” (BRASIL, 2011, p. 275).

Assim, no que concerne a transferência eletrônica dos bens digitais colocados no mercado virtual (comércio eletrônico), a possibilidade de incidência do ICMS sobre tais bens se torna clara e evidente, uma vez que o voto vista do Ministro Jobim no julgamento da referida ADI, foi acompanhado pela maioria dos ministros na sessão plenária que indeferiu o pedido liminar de suspenção da lei mato-grossense nº 7.098/98.

Com isso, mantida em sede liminar a lei nº 7.098/98 que se encontra vigente a mais de 11 anos, o estado do Mato Grosso torna-se legitimo para cobrar esse tributo no comércio eletrônico direto, como já ocorre no mercado tradicional, garantindo assim a arrecadação de recursos, provenientes de um imposto importantíssimo aos cofres públicos dos estados.

Ora, a garantia de arrecadação do ICMS sobre softwares no comércio eletrônico, não se justifica somente pela importância dos referido tributo aos cofres públicos, mas também pela própria garantia do principio dos princípios da neutralidade e da não discriminação, tratando de modo equitativo as operações tradicionais e eletrônicas.

Diante disso, o art. 2º, § 1º inciso VI da mencionada lei mato-grossense, se torna precursor dessa nova tendência que demonstra a possibilidade de incidência do ICMS sobre mercadorias virtuais, ao preceituar a incidência do ICMS “sobre as operações com programa de computador - software -, ainda que realizadas por transferência eletrônica de dados.” (MATO GROSSO, 1998, grifo nosso).

Assim, a reafirmação da possibilidade de incidência do ICMS sobre softwares postos no comércio eletrônico direto, abre precedentes para que os estados venham instituir o ICMS sobre tais operações.

Deverás que esse entendimento vem a corroborar com uma maior arrecadação, dessa base tributária do estado.

Contudo, deve-se destacar antes de tudo que, em contrapartida a esse aumento na arrecadação de recursos, já existe o risco de esvaziamento dessa mesma base tributária.

Nesse sentido, o Ministro Gilmar Mendes na discussão sobre o tema, demonstrou esse risco esvaziamento ao afirmar que:

[...] determinado objeto de tributação desapareça por completo, como está acontecendo exatamente nessa área dos CDs, discos e coisas assim, e venha a ser substituído por tipo de transferência eletrônica. Já sabemos disso com técnica, hoje, de fazer-se o download. Tanto é que já se faz esse tipo de pagamento regular por internet, com cartão de crédito e tudo mais. (BRASIL, 2011, p. 295).

Esse risco de esvaziamento é devido pela proliferação do mundo virtual, da internetização, dos negócios on-line, assim, o mundo real dá lugar ao espaço cibernético[8].

Ora, a operação mercantil que envolve os softwares padronizados transferidos eletronicamente autoriza incidência do ICMS.

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Sobre o autor
Thiago Vinicius Pinto Santos

Advogado, Master Business Administration em Gestão Tributária pelo Centro Universitário Una, graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, onde desenvolveu seu projeto de pesquisa, aprofundando no assunto da "Incidência do ICMS sobre softwares no comércio eletrônico" que posteriormente foi apresentado como tema delimitada do trabalho acadêmico de conclusão de curso. Participou de diversas atualizações, como o curso de Direito Bancário, Direito do Consumidor da Escola do Legislativo da ALMG, Técnicas de Conciliação do TJMG, Processo Eletrônico na Justiça do Trabalho, curso de Direito Imobiliário e Incidência Tributária e diversos seminários jurídicos. Atualmente cursa extensão em Direito da Tecnologia da Informação na Fundação Getúlio Vargas - FGV

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

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