3. O PODER JUDICIÁRIO E SUA INTERVENÇÃO NA ALIENAÇÃO PARENTAL
3.1. A FUNÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO E AS MEDIDAS APLICÁVEIS AO CASO CONCRETO
Não são raras as vezes que ex-casais digladiam-se em manipulações com o escopo de atingir um ao outro durante processos judiciais. Para Denise Maria Perissini da Silva (2011, p. 96):
A problemática da SAP está, talvez, mais intimamente ligada a birras pessoais e ausência de princípios morais e secundariamente a distúrbios psicológicos, uma vez que envolve diretamente sobrevivência financeira, autocapacitação de criação unilateral e desprezo total ou desconhecimento total da necessidade do filho de ter convívio normal com ambos os genitores.
Constatada a presença de manobras alienatórias por parte do genitor, é mister que o mesmo seja responsabilizado, haja vista a finalidade desprezível que o leva a tais atitudes, as quais ferem direito da criança e do adolescente como também do genitor que é vítima.
A Lei da Alienação Parental prevê em seu artigo 6º, caput, que diante da caracterização de atos de tal natureza que deve o Magistrado utilizar-se de instrumentos para minorar-lhe os efeitos.
Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso. (BRASIL, 2010).
Desse modo, verificada a Alienação Parental, caberá ao Judiciário, segundo inciso I do referido artigo, “declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador” (BRASIL, 2010).
Com efeito, em geral, o genitor tem consciência da sua atitude e total intenção de prejudicar o ex-cônjuge. Para a Psicoterapeuta de Família, Terezinha Féres-Carneiro (2008, p. 68):
Ninguém ocupa o lugar da família, ninguém consegue substituir a função dos pais em relação aos filhos, estejam eles casados ou separados, e é sobretudo isto que devemos deixar claro para os pais. Sensibilizar ambos os pais para a importância do seu papel no desenvolvimento dos filhos talvez seja a melhor ajuda que possamos como profissionais prestar à família quando os pais se separam.
Entretanto, pode acontecer que o genitor não esteja agindo intencionalmente. Daí a importância de que ele seja advertido para que não dê continuidade a tal prática, antes que empregue-se outras medidas punitivas.
O inciso II, por sua vez, determina que também pode-se “ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado”. (BRASIL, 2010).
Não obstante o fim da conjugalidade, os pais têm o direito de que os laços com seus filhos continuem plenamente. Ainda que, muitas vezes, limitados pelo instituto da visita é importante que haja uma continuidade da relação parental. Nessa linha, “o direito de ter o filho em sua companhia é expressão de direito de convivência familiar, que não pode ser restringido em regulamentação de visita. Uma coisa é a visita, outra a companhia ou convivência” (LÔBO, 2011, p. 197).
Urge destacar acórdão da 7ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, verbis:
DIREITO DE VISITAS. PAI. ACUSAÇÃO DE ABUSO SEXUAL. PEDIDO DE SUSPENSÃO. SUSPEITA DE ALIENAÇÃO PARENTAL. 1. Como decorrência do poder familiar, o pai não-guardião tem o direito de avistar-se com a filha, acompanhando-lhe a educação, de forma a estabelecer com ela um vínculo afetivo saudável. 2. A mera suspeita da ocorrência de abuso sexual não pode impedir o contato entre pai e filha, mormente quando o laudo de avaliação psicológica pericial conclui ser recomendado o convívio amplo entre pai e filha, por haver fortes indícios de um possível processo de alienação parental. 3. As visitas ficam mantidas conforme estabelecido e devem assim permanecer até que seja concluída a avaliação psicológica da criança, já determinada.
Recurso desprovido. Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. (RIO GRANDE DO SUL. AI: 70049836133. Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/09/2012).
Sendo assim, através dessa medida aplica-se o artifício contrário ao objetivo do alienante. Busca-se minimizar os efeitos da Alienação Parental preservando o convívio entre o pai/mãe e o filho.
O texto legal em seu inciso III preceitua que o Magistrado poderá “estipular multa ao alienado” (BRASIL, 2010). Esse mecanismo de fixação de multa tem a função de desestimular e punir o genitor que utiliza-se de meios ardilosos para obstar o convívio entre seu ex-cônjuge e sua prole.
O inciso IV possibilita ao Juiz “determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial” (BRASIL, 2010). Essa perícia, quando procedida de maneira correta, aumenta o ângulo de visão do Magistrado a respeito dos fatos que são reais e dos falsamente alegados. É então elaborado um laudo detalhado acerca da existência de indícios de alienação parental, ou não. Para Douglas Phillips Freitas (2012, p. 44):
É importante esclarecer que a realização de acompanhamento não se restringe ao menor alienado, pois, em leitura sistemática com o caput, o alienador geralmente é quem precisa de auxílio psicoterapêutico, devendo ser ampliados os efeitos desta previsão a este e não restringidos àquele, afinal, no poderes conferidos por esta lei e pela regra do art. 461, em seu § 5º, Código de Processo Civil, o magistrado pode determinar de forma compulsória (sob pena de perda da guarda ou astreintes, por exemplo) que o cônjuge alienador realize também o tratamento.
Dessa maneira, por meio de acompanhamento profissional adequado procura-se entender o que ocorre no universo particular da criança ou adolescente, como também do progenitor alienador, e assim ajudar a promover o melhor desenvolvimento dessa relação parental.
A hipótese prevista no inciso V é a de que se poderá “determinar a alteração da guarda para a guarda compartilhada ou sua inversão” (BRASIL, 2010). Essa medida aplicável possui como escopo a proteção ao menor no que concerne ao seu melhor interesse, não reflete uma penalização ao alienador. Decorre tão-somente da Autoridade Parental, e busca atender a necessidade de desenvolvimento sadio.
Importante ressaltar que, não obstante todo o incentivo à Guarda Compartilhada, a referida medida permite também que a mesma poderá ser revertida em Guarda Unilateral, caso seja o meio adequado para amenizar a prática alienatória, sempre procurando nortear-se pelo Princípio do Melhor Interesse do Menor.
De acordo com o inciso VI, da Lei da Alienação Parental, poderá o Magistrado “determinar a fixação cautelar do domicílio da criança e do adolescente” (BRASIL, 2010).
Tal medida cautelar busca resguardar a aplicabilidade da Lei de Alienação Parental diante da constante mudança de endereços experimentada pelas crianças ou adolescente quando um de seus genitores está tomado do intuito de apartá-los do genitor alienado. Procura-se aqui a proteção ao interesse do menor e a efetividade do direito que tem o genitor à uma relação parental com sua prole.
Por sua vez, o inciso VII, como punição aos atos abusivos decorrentes da Alienação Parental determina que se poderá “declarar a suspensão da autoridade parental” (BRASIL, 2010). O referido inciso necessita ser interpretado em consonância com o art. 1.637. e 1.638 do Código Civil que trata da suspensão e extinção do poder familiar. Dispõe os mesmos, respectivamente, que poderá ser suspenso a Autoridade Parental em caso de abuso e, em caso de reiteração, esta poderá ser extinta por ato judicial.
Quando um dos genitores passa a empreender uma campanha egoísta e cruel com a finalidade de separar seu filho do outro progenitor implicando em um sofrimento incalculável a estes, representa um abuso da sua autoridade parental, permitindo então a suspensão desse poder.
Segundo Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues (2013, p. 9):
Ou seja, o abuso da autoridade parental por parte de um dos genitores demonstra que o alienador age excedendo os limites impostos pela ordem jurídica, uma vez que compromete o exercício da autoridade parental pelo genitor alienado, invadindo um espaço de liberdade que não lhe é conferido, causando inevitáveis danos aos filhos, que crescem sem a referência biparental, mesmo tendo ambos os pais vivos e dispostos a cumprir os deveres oriundos do poder familiar.
Os instrumentos elencados no artigo 6º da Lei n. 12.318/2010, interpretados em consonância com os demais dispositivos legais buscam a efetiva tutela do menor, como também visa uma relação familiar saudável e plena com ambos os genitores. Não obstante a complexidade das relações familiares cabe ao Judiciário e a todos os envolvidos conscientizarem-se e adotarem uma postura protetiva em prol da entidade familiar, bem como da criança e do adolescente.
3.2. A ATUAÇÃO DO JUIZ DA VARA DE FAMÍLIA
A garantia constitucional de proteção à criança e ao adolescente atribui ao Estado o dever de coibir a prática de Alienação Parental. Dessa maneira, cumpre ao Juiz, enquanto representante estatal, dirimir os conflitos advindos da relação parental, tendo como prioridade a criança e o adolescente, enquanto pessoas em desenvolvimento.
A identificação da existência de Alienação Parental não é tarefa fácil. Principalmente quando alega-se abuso sexual, visto que exige-se toda a cautela e presteza do Judiciário para determinar a veracidade do que alega-se.
A Lei nº 12.318/2010, em seu art. 6º, caput, prevê que para os casos de Alienação Parental poderá o interessado ingressar com ação autônoma ou incidental, cujo trâmite será prioritário e o foro competente será o da Vara de Família onde encontra-se domiciliado o menor.
Nesse sentido, Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues (2013, p. 12) entendem que:
Não sem razão, o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao positivar medidas protetivas dos direitos das crianças e dos adolescentes, pontua que um dos princípios que orientam a atuação do Estado na aplicação dessas medidas é o princípio da intervenção precoce, previsto no art. 100, § único, inc. IV. Que estabelece que a intervenção das autoridades competentes deve ser efetuada logo que situação de perigo seja conhecida – o que justifica a tramitação prioritária determinada pela Lei 12.318.
A afirmação de abuso sexual é a conduta mais extrema e mais grave na manifestação dos atos alienatórios. Diante de tal acusação, cumpre a difícil tarefa do Juiz, em nome do poder geral de cautela e do princípio da intervenção precoce, suspender as visitas, ou não, e dar início a um processo que afetará profundamente os envolvidos nessa situação.
Segundo Ana Surany Martins Costa (2010) em artigo publicado no sítio do Instituto Brasileiro de Direito de Família:
Tal denúncia possui aspecto dúplice, pois, de um lado, há o dever de tomar imediatamente uma atitude e, de outro, o receio de que, se a denúncia não for verdadeira, traumática será a situação em que a criança estará envolvida, pois ficará privada do convívio com o genitor que eventualmente não lhe causou qualquer mal e com quem mantinha excelente convívio.
Ocorre que os procedimentos realizados são demorados e interferem gravemente na convivência do genitor e o menor. Enquanto verificam-se os fatos narrados, corre-se o risco de que o vínculo afetivo entre o progenitor vítima e seu filho perca sentido e razão de ser, resultando em um afastamento progressivo entre os mesmos.
Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues (2013, p. 12) afirmam:
Diante desta necessidade de rapidez nos julgamentos e soluções destes litígios, com o escopo de evitar o perpetramento de danos à integridade psicológica dos menores, é que surge uma das maiores dificuldades em torno do trato jurídico da alienação parental. Pois, se de um lado, exige-se celeridade, de outro, é necessária máxima e extrema cautela tanto na identificação, quanto na punição das condutas lesivas. Isto porque, por mais que se tratem de hipóteses de “guerra da conjugalidade” os efeitos danosos são, em maior medida, experimentados pelos menores.
Todavia, constatada a existência da Alienação Parental, sem prejuízo das medidas inibitórias aplicáveis e tratadas anteriormente, é necessário que seja mantido também o vínculo entre o Alienador e sua prole, visto que é direito da criança ter a relação com ambos os genitores.
Nesse sentir, a necessidade de manutenção desse vínculo parental pode ser visto no acórdão proferido pela 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, verbis:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA. INDÍCIOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL. Merece ser mantida a decisão que deferiu a guarda provisória do menor ao pai, ante a conclusão do laudo pericial de que a família materna apresenta comportamento inadequado com o filho, tentando impor falsas verdades. VISITAÇÃO MATERNA. Necessidade de assegurar a visitação materna com acompanhamento, a fim de preservar os laços afetivos entre mãe e filho. Agravo de instrumento parcialmente provido.
(Agravo de Instrumento Nº 70057883597, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 26/03/2014).
Não obstante a Lei 12.318/2010 representar expressiva conquista na seara do Direito de Família, buscando efetivar a garantia constitucional de proteção aos menores, os Tribunais não formaram uma expressiva jurisprudência sobre o tema.
Nesse sentido, Maria de Fátima Lucia Ramalho (2014, Apêndice A) afirma que, na prática, os processos são resolvidos em primeira ou segunda instância, não havendo, portando, uma jurisprudência palpável a respeito.
Com propriedade, pode-se afirmar que essa postura recorrente entre pais em meio a disputas compromete o emocional da criança, dando origem a danos que não é possível mensurar. Para coibir essa prática, está à disposição dos operadores do direito um arsenal razoavelmente estruturado para efetiva tutela dos direitos ofendidos.
O grande desafio para o Magistrado será o de identificar, da melhor maneira possível, dentro da complexa relação familiar, o contexto em que encontra-se inserido cada membro e qual a efetiva medida a ser tomada no caso concreto tendo como absoluta prioridade o direito da criança e do adolescente de desenvolver-se em um sadio ambiente familiar.
3.3. A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O advento da Constituição Federal de 1988 consagrou a dignidade de todos os membros da entidade familiar, além da proteção integral à criança e adolescente. Nesse sentido, é imperioso que, diante de atos de Alienação Parental ou suspeita destes, o Estado utilize todo seu aparato profissional com o fim de coibir tal disposição egoísta.
A legislação processualista brasileira atribui ao Ministério Público a legitimidade para atuar como parte ou como fiscal da lei. Nos termos do artigo 127, caput, da Constituição Federal “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (BRASIL, 1988).
A Lei de Alienação Parental no caput do seu artigo 4º dispõe:
Declarado indicio de ato de alienação parental,a requerimento ou de oficio, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinara, com urgência, ouvido o Ministério Publico, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso. (BRASIL, 2010).
Com efeito, nas lides envolvendo menores a atuação do Ministério Público se faz necessária diante da presença do interesse público. A esse respeito, Rosana Barbosa Cipriano Simão (2008, p. 25):
A questão do combate à Alienação Parental envolve questão de interesse público ante a necessidade de exigir uma paternidade/maternidade responsável, compromissada com as imposições constitucionais bem como salvaguardar a higidez mental de nossas crianças.
Nos aludidos processos, o órgão ministerial funcionará como custos legis, nos termos do art. 82, inciso II, do Código de Processo Civil. Nesse ínterim, Antônio Cláudio da Costa Machado (1988, p. 283) entende que:
Nenhuma função que exerça o Ministério Público no processo civil o dignifica mais como instituição vocacionada para a defesa dos direitos indisponíveis do que a que realize quando atua como custos legis. Em nenhum outro momento o Ministério Público é tão Ministério Público como quando intervém na condição de fiscal da lei. Realmente, é longe da incômoda posição de parte parcial que melhor pode o Ministério Público cumprir o desiderato de responsável, perante o Judiciário, pela ‘defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis’, assim como previsto pelo caput do art. 127 da Constituição Federal de 1988.
Consoante se depreende, particularmente da analise do dispositivo retro transcrito, ajuizada ação em desfavor do genitor, pleiteando-se provimento em função de pratica de alienação parental, caberá ao órgão ministerial laborar no sentido de que seja observado o direito fundamental à convivência familiar em nome do melhor interesse do menor.
Discorrendo sobre a atuação do Ministério Publico, o Promotor de Justiça Vicente Elísio de Oliveira Neto (2013) afirma:
No exercício das funções de custos legis, nas causas relacionadas à alienação parental, pode e deve o Ministério Publico cumprir destacado papel na elucidação dos fatos, na manutenção ou restauração da ordem jurídica violada, assim como na responsabilização do alienador e conseqüente preservação ou restabelecimento dos direitos e interesses de criança ou adolescente.
Toda criança e adolescente possuem direito fundamental ao convívio familiar. Portanto, é necessário que os operadores do direito tenham uma postura no sentido de que os fatos sejam elucidados.
Assim, cabe ao membro do Ministério Público agir na defesa do melhor interesse do menor. Para tanto, durante os feitos em que existe suspeita de práticas alienatórias, ao Parquet cumprirá diligenciar para que as medidas legais sejam determinadas pelo juízo.
A esse respeito, a Promotora de Justiça Ana Carolina Lucena Freitas (2010):
A maioria dos casos em que se suspeita da ocorrência da alienação parental ocorre durante a tramitação de ações judiciais, daí a atuação do Ministério Público, em regra, deverá ocorrer no exercício de sua função custus legis, vez que, na forma do art. 82, I e II do Código de Processo Civil e do art. 201, VIII da Lei 8.069/90, tem como atribuição zelar pela preservação dos direitos de crianças e adolescentes, bem como pelo melhor interesse dos mesmos. Porém, se em atendimento ao público, vier a receber “queixa” de prática de alienação parental, após análise do caso, deverá orientar a vítima quando à possibilidade de ajuizamento de ação para apurar o fato e coibir a continuidade das condutas alienadoras, ou, conforme a gravidade do caso, e a situação social da vítima ajuizar ele próprio a ação.
Seguramente, não obstante a atuação do Promotor nos processos em que discute-se Alienação Parental seja como fiscal da lei, em situações excepcionais e visando resguardar o interesse e direito indisponível do menor é possível que o mesmo assuma a atribuição de parte e demande contra o genitor que claramente está agindo contra o regular desenvolvimento das relações afetivas entre a criança e o progenitor alienado.
Desse modo, nos casos de Alienação Parental caberá ao MP a salutar missão de fiscalizar a aplicação da espécie normativa, seja de maneira preventiva ou punitiva, para que essa nefasta e desumana prática seja afastada e a garantia à integridade e dignidade da criança e do adolescente seja efetivada.
3.4. O TRABALHO DE ESPECIALISTAS NOS CASOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL
Os auxiliares da justiça desempenham importante função na orientação do juízo no que tange à melhor solução para o caso concreto. Nos termos do artigo 139 do Código de Processo Civil:
São auxiliares do juízo, além de outros, cujas atribuições são determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador e o intérprete. (BRASIL, 1973).
No contexto das relações familiares a complexidade das emoções envolvidas demanda um assessoramento psicossocial para esclarecer com certeza técnica o objeto do conflito de interesses. A Lei de Alienação Parental, em seu artigo 5º, prevê que “havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial”.
Nesse sentido, nos processos que envolvem alegação de Alienação Parental o magistrado, de ofício ou a requerimento, poderá valer-se de perícia realizada por psicólogos ou assistentes sociais que verificará sua existência ou não. Rebecca Ribeiro (2006, p. 55) afirma que:
Em geral, a demanda de realização do estudo psicossocial está relacionada aos casos de disputa judicial explícita ou encoberta, onde as crianças estão bastante envolvidas, e onde a temática da violência, física ou emocional (incluída a sexual), é um importante eixo do relacionamento e da comunicação familiar, tornando-se, inclusive, um dos elos que conecta a família à Justiça.
Urge destacar que o juiz não está vinculado à produção pericial, de maneira que nada impede que se valha de outros elementos ou fatos que dos autos constam para forma sua convicção. Embora, por não ser expert em desvendar as emoções que afloram nos indivíduos envolvidos no fenômeno, é comum tomar como base para a decisão o estudo realizado pela equipe multidisciplinar.
Nesse sentido, Ana Surany Martins Costa (2010) aponta que:
Os estudiosos mais modernos do Direito de Família foram em busca de ciências afins ao Direito para melhor compreender o fenômeno jurídico da família pós-moderna, com o propósito de analisar, de modo mais abrangente (e com a complexidade devida), os intrincados modelos familiares atuais.
Com efeito, existem demandas menos complexas (easy cases) em que é possível o Juiz tomar uma decisão acertada sem a necessidade de uma perícia. Segundo Maria de Fátima Lucia Ramalho, “notadamente, quando a criança já é um pouco maior e se conversa com ela, já se percebe o que é verdadeiro e o que é que ela está recebendo de carga negativa de um dos pais” (2014, Apêndice A).
Entretanto, as manipulações do alienador podem se dar de maneira que não seja possível, a partir de uma simples observação, identificá-las facilmente. Daí a necessidade de orientar-se pela ótica dos especialistas.
Pertinente lembrar que, embora não seja possível uma total ausência de subjetividade, o perito não pode se valer de impressões preconcebidas ao realizar o laudo. Como afirma Rebecca Ribeiro (2006, p. 57):
Precisa-se levar em conta os valores e crença de cada um, sem impor os valores do profissional ou do judiciário, que cria um processo de desqualificação das potencialidades de saúde dos membros das famílias, como se fossem inadequados ou incapazes, tornando-os passivos no processo.
Dá análise atenta à demanda do Judiciário, percebe-se serem crescentes os casos de dissolução de sociedade conjugal ou união estável cumulados com disputa pela guarda dos menores. Dentre esses, muitos envolvem práticas implícitas e sutis de Alienação Parental.
Entretanto, o Estado não tem acompanhado esse crescimento, restando que o mesmo não consegue ofertar um serviço de acompanhamento psicológico adequado à família. Nas palavras da Promotora de Justiça Cristiana Ferreira Vasconcelos, “está muito longe de ser o ideal” (2014, Apêndice B).
O rompimento do laço conjugal afeta sobremaneira o íntimo dos familiares envolvidos, de modo que muitos não se imaginavam vivenciando aquilo e, assim, não sabem lidar com essa realidade, como consertar algo que parece quebrado. Nesse contexto de incertezas, sonhos jogados fora, mágoas e raiva, o ex-cônjuge acaba utilizando o filho como uma arma, um objeto que terá a finalidade de atingir e destruir o outro.
A esse respeito, Joana d’Arc Cardoso dos Santos e Maria Aparecida Medeiros da Fonseca (2006, p. 63) afirmam:
Como há um despreparo da família para essa reorganização, via de regra as crianças são as mais afetadas, pois a grande maioria dos casais nada esclarece aos filhos, ou simplesmente lhes dizem que não se entendem mais e que não viverão mais sob o mesmo teto. Desta forma, uma série de dúvidas paira sobre a cabeça dos filhos, gerando fantasias que perdurarão, muitas vezes, por vários anos, ocasionando, em alguns casos, o aparecimento de sintomas. As dificuldades desses pais em lidar com as questões que o levaram à separação e até mesmo com a dor da separação legal mistura-se às questões financeiras e às questões específicas de parentalização-guarda e regulamentação de visitas aos filhos.
Além disso, algumas das celeumas levadas à discussão perante o Judiciário não se resumem a uma simples disputa de guarda que será resolvida com uma decisão do Juiz. Podem ocorrer casos em que a estrutura psíquica de um dos cônjuges, ou dos dois, seja previamente patológica e a dissolução da união apenas a revelou. “A maioria das famílias que recorre à Justiça, para solucionar algum conflito, apresenta outras problemáticas que não são de ordem legal e que, portanto, não podem ser resolvidas no âmbito judicial” (CORRÊA, 2006, P. 95).
Por tais razões, além das medidas de tutela cabíveis, é possível que, em nome do melhor interesse dos menores e proteção ao instituto da família, o Juiz determine o acompanhamento psicológico dos genitores e do menor após o deslinde processual para que sejam trabalhadas as questões íntimas do ser humano neste momento de mudança e transformação das relações que se encontram desestruturadas, e que foge à competência da Justiça.