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A projeção econômica do princípio da dignidade humana

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01/02/2003 às 00:00
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SUMÁRIO: 1. Apresentação. 2. Desigualdade econômica. 2.1. A pobreza no Brasil. 3. A liberdade contra a necessidade. 4. Desigualdade e Globalização. 5. Cidadania, democracia e efetividade. 6. Gerações de Direitos. 6.1. Conflitos entre Direitos. 7. Dignidade Humana. 8. Direito ao desenvolvimento. 9. Considerações finais. Notas Referências bibliográficas.


RESUMO

O tema central do presente trabalho é a desigualdade econômica, como óbice para a efetivação dos direitos humanos. Foi realizada uma pesquisa na internet, com ênfase para os instrumentos internacionais que tratam dessa questão. A dignidade humana é preexistente a toda e qualquer normatividade. Conseqüentemente, oponível ao Estado. Mas a inexistência de um mínimo de condições econômicas atenta contra o princípio da dignidade humana, porque impede a fruição dos direitos constitucionalmente assegurados. A globalização do capitalismo tem agravado as desigualdades econômicas, exigindo assim a intervenção da ordem jurídica, para que o reconhecimento do princípio da dignidade humana não se torne mera retórica. A efetivação econômica desse princípio é imprescindível para a própria legitimidade do ordenamento jurídico. Sem essa efetivação, não se pode falar em direitos humanos, em cidadania, em democracia, ou em justiça.


1. APRESENTAÇÃO

Há duzentos e poucos anos, as Revoluções francesa e americana consagraram a idéia de liberdade, em oposição aos abusos da Monarquia absolutista, que a Inglaterra já afastara do poder no século anterior, com a Revolução Gloriosa, de 1.688.

Sob a inspiração das idéias de Locke, Harrington, Montesquieu, Sieyès, e de tantos outros, surgiu o Estado Liberal, ou o Estado Democrático de direito, fundado no princípio da soberania popular. Para os marxistas, o Estado burguês.

Somente o povo, reunido em assembléia constituinte, poderia dar à França uma constituição, que deveria necessariamente consagrar a separação dos Poderes e a assecuração dos direitos. O lema dos revolucionários franceses era: "liberdade, igualdade e fraternidade", o que denotava já o reconhecimento de que a liberdade nada significa, se desacompanhada das condições mínimas indispensáveis para a vida em sociedade. Esse conceito viria a ser consagrado, no século XX, pelas constituições do Wellfare State.

Mas a relevância do aspecto econômico não era nenhuma novidade, porque mais de dois milênios antes da Revolução francesa, um filósofo grego já dizia que

Quando não há classe média e o número de pobres é excessivo, os problemas aparecem e o Estado logo chega ao fim. [1]

Nos últimos dois séculos, experimentamos várias soluções para o problema da regulamentação jurídica do fenômeno social e econômico. Adotamos o liberalismo econômico, o intervencionismo, o estatismo e muitos outros regimes intermediários, alguns privilegiando a liberdade, outros a segurança; uns centralizadores e despóticos, outros democráticos e nacionalistas; e alguns apenas formalmente democráticos, visando na realidade a manutenção dos privilégios das elites dominantes.

Já experimentamos as guerras de conquista, as cruzadas, o colonialismo, o imperialismo, o nacionalismo, as alianças políticas e a bipolaridade, mas hoje o poder está concentrado, limitando drasticamente os atributos da soberania. É a "Nova Ordem Mundial", das grandes potências e das grandes corporações transnacionais. É a ultima barreira da expansão do capitalismo, alcançada pelo progresso tecnológico.

Todos os Estados se dizem democráticos. Todos os ditadores se legitimam pelo discurso populista, e as eleições periódicas servem também como instrumento para essa legitimação. No Iraque, o ditador Saddam Hussein foi reeleito por unanimidade! No Paquistão, o General Pervez Musharraf foi eleito para um mandato de cinco anos, com poderes para discricionariamente alterar a própria Constituição! No Brasil, elegemos um candidato de oposição, na esperança de que o novo governo nos possibilite a mudança dos padrões vigentes de desigualdade e de exclusão. Esperemos que haja um mínimo de sinceridade nas propostas referentes à redução da pobreza, para que não se concretize o cínico presságio de Lampedusa, ao explicar os objetivos da elite dominante:

Se quisermos que tudo permaneça como está, basta simularmos que tudo muda. [2]

Mas nunca a dignidade humana foi tão vilipendiada, como no último século. Depois da Segunda Guerra Mundial, talvez na esperança de que fosse possível impedir que se repetissem as atrocidades do nazismo, o art. 1º da Constituição alemã declarou solenemente: "A dignidade humana é inviolável". [3]

Todos reconhecem, ou fingem, que o poder pertence ao povo, mas ainda não conseguimos descobrir a fórmula mágica para a limitação do poder dos governantes. Como seria possível impedir os abusos do poder, em seus vários aspectos e disfarces: político, econômico, tecnológico, militar, religioso, nacional, regional, comunitário, etc.? Afinal, somos apenas humanos, como dizia ROUSSEAU. [4]


2. DESIGUALDADE ECONÔMICA.

Quando Deus criou o homem, não determinou nenhuma relação de poder ou de escravidão. A terra foi feita para pertencer a todos, indistintamente, mas a cobiça fez com que ela fosse vendida a uma minoria. [5]

Quais são as implicações políticas da desigualdade econômica? Ou melhor: qual a importância das populações marginalizadas? Quase que por definição, os excluídos não interessam ao Estado. Afastados da atividade econômica, social e política, são ignorados pelos governantes, a não ser que os seus votos sejam necessários, ou que eles possam ser utilizados para certas manobras populistas e demagógicas. De qualquer maneira, os pobres não costumam ser completamente marginalizados, porque eles são capazes de fornecer bens e serviços, sob a forma de drogas, prostituição, ou de trabalhos insalubres, perigosos ou desagradáveis. Portanto, na verdade, acabar com a pobreza não seria interessante para as elites dirigentes. O assistencialismo talvez seja bem mais eficiente, porque dá a impressão de que haverá alguma mudança, mas tudo permanece como está.

Sem dúvida, falar sobre esse assunto é desagradável. Sempre fomos ensinados a acreditar que temos obrigações em relação aos pobres. No entanto, a caridade é insuficiente para resolver o problema. O nosso programa "Natal sem Fome" precisaria ser substituído por outros programas, tais como: Um Ano sem Fome", "Educação para Todos", "Trabalho para Todos", etc.

As estatísticas são assustadoras. Mais de 20% da população mundial está morrendo de fome, e aproximadamente 2 bilhões de pessoas não dispõem de assistência médica, o que causa os enormes índices de mortalidade infantil nos países pobres.

Somente os Estados, e especialmente os Estados ricos, poderiam resolver o problema. Mas teriam eles a obrigação, ou a vontade, de reduzir a pobreza? O Estado Liberal, por definição, se preocupa apenas com a segurança, e o conceito de segurança tem sido historicamente limitado às questões relacionadas com a criminalidade comum, interna, ou com as agressões de potências estrangeiras. Somente no Século XX o bem-estar econômico passou a ser considerado parte da responsabilidade do Estado. A criação do Welfare State correspondeu a uma necessidade histórica, porque na verdade o bem-estar econômico é uma questão de segurança nacional.

2.1. A pobreza no Brasil

O jornal o Liberal do último dia 04.12.2002 noticiou que o número de pobres no Brasil é de 54 milhões, de acordo com o estudo sobre desigualdade divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Esse número corresponde, segundo a pesquisa, aos 49 milhões de brasileiros que têm rendimento inferior a meio salário-mínimo (cem reais), além dos 5 milhões que não possuem qualquer rendimento.

Essa pesquisa não informou quantos milhões recebem menos de um salário-mínimo, mas disse que a pobreza se distribui de maneira desigual pelas diversas regiões do Brasil, de modo que no Nordeste 51% dos brasileiros recebem menos de meio salário por mês, enquanto no Sudeste esse índice é de apenas 17,8%.

Da mesma forma, são enormes as disparidades observadas no pertinente à concentração de renda no Brasil, porque enquanto os 40% mais pobres recebem apenas 10,1% da renda nacional, os 10% mais ricos se apropriam de 46,1% dessa renda.

Observe-se que não é, com certeza, pela ausência de normas que isso ocorre, porque a nossa vigente Constituição Federal é pródiga na assecuração dos direitos sociais, dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana: preâmbulo, e arts. 1º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, etc.

Mas além disso, o Brasil ratificou, em 24.01.1992, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela Assembléia Geral da ONU em 16.12.1966, [6] o que significa que o nosso ordenamento constitucional deve ser sempre interpretado no sentido de que:

a)o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;

b) o ideal do ser humano livre, liberto do temor e da miséria, não pode ser realizado a menos que se criem as condições que permitam a cada um gozar de seus direitos econômicos, sociais e culturais, assim como de seus direitos civis e políticos;

c)a Carta das Nações Unidas impõe aos Estados a obrigação de promover o respeito universal e efetivo dos direitos e das liberdades da pessoa humana;

d)o indivíduo, por ter deveres para com seus semelhantes e para com a coletividade a que pertence, tem a obrigação de lutar pela promoção e observância desses direitos; etc.


3. A LIBERDADE CONTRA A NECESSIDADE.

Durante a Segunda Guerra Mundial, em 6 de janeiro de 1941, o Presidente Roosevelt, em seu discurso anual ao Congresso, que ficou conhecido como o Discurso das Quatro Liberdades (The Four Freedoms Speech), disse que, no futuro, o Mundo deveria ser fundado sobre quatro liberdades essenciais: a liberdade de palavra, a liberdade religiosa, a liberdade contra a necessidade e a liberdade de não temer. [7]

Mas esse futuro ainda está bem longe de se concretizar. As desigualdades econômicas são hoje muito maiores do que há sessenta anos [8], e a redução de armamentos também ainda não se concretizou, embora Roosevelt dissesse que esse novo tipo de mundo poderia ser alcançado em apenas uma geração. Para ele, essa seria a própria antítese da chamada "Nova Ordem" da tirania, que os ditadores buscavam criar com a explosão de uma bomba. [9]

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Infelizmente, foram os próprios americanos que explodiram, quatro anos após o discurso de Roosevelt, as duas bombas atômicas, sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki.

Para ROOSEVELT, a liberdade significava a supremacia dos direitos humanos em todo o Mundo. [10] É pena que as ações não tenham sido coerentes com as palavras, e que essa utopia ainda pareça tão distante.


4.DESIGUALDADE E GLOBALIZAÇÃO.

O processo de globalização econômica, iniciado no Século XV, acelerou-se nas últimas décadas do Século XX, e hoje o capitalismo já está alcançando o seu último limite, o Planeta. A economia dita as normas, em nível mundial. Existiriam alternativas para um planejamento central, democrático, da economia?

Na verdade, as atividades econômicas humanas obedecem a regras e processos supostamente universais, enquanto a organização política internacional se caracteriza pela existência dos mais diversos conflitos. As tensões entre o capitalismo de mercado e a democracia representativa não são novas, mas hoje elas atingem simultaneamente a todos os habitantes do Planeta.

As profundas desigualdades que caracterizam a economia crescem de forma acelerada, em decorrência do processo de globalização econômica. No entanto, os defensores do capitalismo de mercado dizem que essas diferenças resultam do fato de que alguns trabalhadores são mais eficientes do que os outros, e que assim devem ser melhor recompensados. Dessa maneira, os defensores do capitalismo se limitam a lamentar as desigualdades, e a contribuir com a sua caridade para melhorar a situação dos pobres. Não aceitam, de modo algum, a adoção de mudanças e limitações no sistema, pelo simples fato de que os rendimentos sejam desiguais. Além disso, dizem eles, o capitalismo tem sido extremamente bem sucedido, na geração de riquezas e no aumento do rendimento per capita, que no ano de 1.500 correspondia a apenas 565 dólares, enquanto que em 1.992 já era de 5.145 dólares.

Infelizmente, os absurdos da desigualdade global têm sido incapazes de demonstrar a necessidade de ampliação da intervenção jurídica sobre esse processo econômico. As simples considerações morais sobre as desigualdades dificilmente conseguirão convencer aqueles que detêm o poder a respeito da necessidade dessas mudanças, porque eles acreditam que o mercado os dispensa de qualquer responsabilidade moral. Para eles, o mercado deve ser inteiramente livre, porque já está provado que essa é a fórmula para o aumento da produtividade, e do lucro.

Mas será que nós devemos exigir de um sistema econômico apenas o aumento da produtividade? Será que não interessam os padrões de consumo? A forma como são distribuídas as riquezas produzidas? A correção dos desequilíbrios e das desigualdades?

Na verdade, os sistemas econômicos não existem no vácuo. Eles estão integrados, ou ao menos deveriam estar, no sistema social e no sistema político, sem o que não se poderá falar em cidadania, nem em democracia representativa, nem muito menos, em respeito aos direitos humanos, dignidade humana, ou justiça.

A globalização do capitalismo unificou os mercados, obrigando-os a equiparar os seus preços, para que possam ter competitividade. A desigualdade é uma séria ameaça ao capitalismo, porque tende a reduzir a demanda. Com o desemprego e a redução da renda per capita, não mais existirão compradores, para que o capitalismo possa se expandir. A não ser através da política imperialista e belicista.

No entanto, embora o capitalismo possa ter real interesse em reduzir a desigualdade global, os capitalistas certamente preferem deixar que outros paguem os custos dessa redução, e preferem que isso seja feito através das políticas assistencialistas, que a longo prazo são incapazes de resolver esse problema. Da mesma forma, os capitalistas dificilmente aceitarão reduzir os seus lucros, "apenas" porque isso é necessário para a sobrevivência da raça humana, ou porque os ambientalistas o exigem.

Deve ser dito, também, que a intervenção do Estado na economia, para a implementação de políticas públicas, tem servido para reduzir os conflitos decorrentes das exigências do capitalismo de mercado, permitindo a formação de poupanças para a reprodução do capital, no interesse do próprio desenvolvimento do sistema capitalista.

Ressalte-se, contudo, que a exata compreensão dos direitos assegurados pelo ordenamento jurídico, e a análise da complexa rede de interesses que essas políticas envolvem, em face de cada sistema econômico adotado, não podem prescindir da compreensão das relações de luta e de poder, como dizia FOUCAULT, referindo-se ao conhecimento. [11]


5.CIDADANIA, DEMOCRACIA E EFETIVIDADE.

Em sua mais ampla acepção, a cidadania não significa apenas a participação no processo eleitoral, mas a integral possibilidade de exercício dos direitos humanos.

Sem a fruição de todos esses direitos, individuais, sociais, políticos e econômicos, não existirá o verdadeiro exercício da cidadania. O cidadão não é apenas aquele que vota, mas quem possui liberdade física e de expressão, educação, cultura, saúde, trabalho, lazer, e meio-ambiente saudável, dentre outros direitos, e participa conscientemente das decisões políticas de sua comunidade, em igualdade de condições, não apenas a igualdade jurídica, mas também a igualdade de oportunidades, que apresenta, evidentemente, um componente econômico, a "freedom from want", de ROOSEVELT.

A democracia pressupõe, portanto, a existência de uma sociedade civil forte, consciente e participativa, capaz de limitar o poder e o arbítrio dos governantes. Sem isso, não se pode falar em democracia, ou em Estado Democrático de Direito.

Assim, não basta a garantia formal daqueles direitos. É também necessário que eles se concretizem, todos em conjunto, para que se possam materializar plenamente.

De nada serve, apenas a título de exemplificação, que a Constituição Federal de 1.988 nos diga que todo poder emana do povo, e que será exercido em seu benefício, para concretizar a justiça social, e reduzir as desigualdades; e que ela também afirme, solenemente, que o trabalhador terá direito a um salário mínimo capaz de satisfazer às suas necessidades, e as de sua família, com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social; se existem 54 milhões de brasileiros que sobrevivem (?) com menos de meio salário mínimo, e se o próprio salário, fixado em apenas 200 reais, é reconhecidamente ridículo, e talvez seja suficiente, apenas, para as despesas com o lazer. Recorde-se ainda, apenas para complementar o raciocínio, que o Brasil é a décima economia do Mundo, e não existe qualquer razão para tanta miséria.

A insensibilidade de nossos políticos lembra a Maria Antonieta da véspera da Queda da Bastilha, porque no mesmo dia em que afirmam que o reajuste do salário mínimo não poderá ser superior a 10%, ou seja, 20 reais, reivindicam para si próprios um reajuste de 50%, que elevará a sua remuneração para 12 mil reais, isso sem contar com as outras verbas de que dispõem, e com os cargos reservados para toda a família, durante o exercício de seus mandatos, em Brasília.


6.GERAÇÕES DE DIREITOS.

Os direitos humanos costumam ser classificados em três "gerações", considerada a ordem em que foram historicamente reconhecidos. A primeira geração corresponde aos direitos civis e políticos, como o direito à vida, à liberdade, a liberdade de expressão, o direito à justiça, etc. Esses direitos exigem não apenas que os governos se abstenham de interferir indevidamente, mas em certos casos, exigem também uma prestação positiva, para que se tornem eficazes.

Os direitos de segunda geração são os direitos à educação, à saúde, ao trabalho, e outros, que requerem previsão e planificação, além de gastos e esforços consideráveis. Além disso, sem um certo nível de desenvolvimento econômico, torna-se impossível a efetivação desses direitos. Por exemplo, o direito à educação e o direito à saúde serão meramente teóricos, se não forem construídos escolas e hospitais, e se não existirem médicos e professores.

Os direitos da terceira geração incluem o direito à autodeterminação, à paz nacional e internacional, ao desenvolvimento, à igualdade de acesso ao patrimônio comum da humanidade, etc.

Autores há que falam, ainda, em recente formulação surgida na França, de uma quarta geração de direitos, referentes ao usufruto dos bens inerentes ao patrimônio comum da Humanidade, como o fundo das águas oceânicas ou as zonas do espaço sideral.

6.1.Conflitos entre Direitos.

É importante observar que a classificação dos direitos, em diversas "gerações", não deve impedir que eles sejam sempre entendidos como um todo harmônico, para que se tornem efetivos, em obediência ao princípio global de sua internacionalização.

Para o professor EDMUNDO OLIVEIRA, [12]

É fundamental se entender que os direitos humanos não são apenas ideais morais que podem ser compreendidos no propósito de exigências não determinadas, sem corresponder aos elementos acima enumerados: titular, objeto, oposição e norma. Os limites dos direitos humanos necessitam ser precisos, conectados com eficácia prática, concreta, pela força efetiva que eles representam contra qualquer tipo de abuso. Enfim, o respeito aos direitos humanos não deve ser banalizado com o significado de vaga reivindicação moralizante, como bem particularizou E. Kamenka.

A banalização dos direitos humanos, usando a linguagem de M. B. Abram, também pode progredir para outras formas de exigência, como o exemplo vindo dos Estados Unidos, segundo o qual há intenso movimento para se reservar aos negros um certo número de lugares nas Universidades. É justo compreender que os negros possam merecer atenção especial do Governo, quando oriundos dos meios desfavoráveis, todavia tal idéia tem o cheiro de discriminação, pois para se respeitar esse critério de quota, é possível que se venha a rejeitar um estudante branco com histórico escolar superior ao dos negros aceitos. Nesse exemplo se vê que um princípio de primeira geração entraria em conflito com uma exigência de segunda geração, mas se existem tantas avaliações, é mais sensato que o melhor leve vantagem pela transparência, daí a razão pela qual a distribuição de quotas implica no raciocínio de uma discriminação arbitrária.

Essa tensão entre direitos de primeira e de segunda geração sempre surge no seio da comunidade, levando o Poder Judiciário a ter de pesar o que ameaça por em risco a pujança das instituições no Estado de Direito. Desastroso é dar guarida a golpes que levam à proliferação desordenada e, algumas vezes, até selvagem, de certas ações de grupos que só agem no interesse de obter o que lhes for mais favorável, a qualquer preço.

Com tal procedimento, arrisca-se enfraquecer os direitos de primeira geração e coloca-se em perigo a tarefa de se nivelar igualmente todos os cidadãos no processo de intervenção do Estado para prestar serviços e auxílios no campo dos direitos econômicos e sociais, conforme enfatizamos ao falar dos direitos de segunda geração.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fernando. A projeção econômica do princípio da dignidade humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3765. Acesso em: 25 abr. 2024.

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