Artigo Destaque dos editores

Direitos humanos na França

Exibindo página 2 de 3
01/02/2003 às 00:00
Leia nesta página:

SEGUNDA PARTE

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE EUROPÉIA DOS DIREITOS HUMANOS

Sendo necessária a exposição teórica da Primeira Parte, aqui, nesta segunda, mostramos a concretização dos Direitos Humanos através dos julgamentos de casos concretos pela Corte Européia dos Direitos Humanos.

Para melhor compreensão listamos os artigos que serão abordados nos acórdãos, com a identificação do teor de cada um:

Relação dos artigos normativos da Convenção Européia introduzidos pelo importantíssimo Protocolo nº 11:

Convenção de 1950

Artigo 2 : Direito à vida

Artigo 3 : Proibição de tortura

Artigo 4 : Proibição de escravidão e trabalho forçado

Artigo 5 : Direito à liberdade e à segurança

Artigo 6 : Direito a um processo justo

Artigo 7 : Não há pena sem lei

Artigo 8 : Direito ao respeito à vida privada e familiar

Artigo 9 : Liberdade de pensamento, de consciência e de religião

Artigo 10 : Liberdade de expressão

Artigo 11 : Liberdade de reunião e de associação

Artigo 12 : Direito ao casamento

Artigo 13 : Direito a um recurso efetivo

Artigo 14 : Proibição de discriminação

Protocolo n° 1

Artigo 1º : Proteção à propriedade

Artigo 2 : Direito à instrução

Artigo 3 : Direito a eleições livres

Protocolo n° 4

Artigo 1º : Proibição de prisão por dívida

Artigo 2 : Liberdade de circulação

Artigo 3 : Proibição de expulsão de nacionais

Artigo 4 : Proibição de expulsões coletivas de estrangeiros

Protocolo n° 6

Artigo 1º : Abolição da pena de morte

Protocolo n° 7

Artigo 1º : Garantias processuais no caso de expulsão de estrangeiros

Artigo 2 : Direito ao duplo grau de jurisdição em matéria penal

Artigo 3 : Direito a indenização em caso de erro judiciário

Artigo 4 : Direito a não ser julgado ou punido duas vezes por um mesmo fato

Artigo 5 : Igualdade entre cônjuges

A jurisprudência que mencionamos abaixo é posterior a novembro de 1998, sendo de se notar que é justamente a que se encontra divulgada na Internet no site da Corte Européia dos Direitos Humanos e coincide com a importante mudança na estrutura dessa Corte e na parte processual, que ocorreu a partir de 1º de novembro desse ano, por força da Protocolo nº 11.

Mencionamos somente os acórdãos que têm a França como parte ré, escolhendo os mais interessantes.

Para melhor conhecimento da realidade da jurisprudência da Corte vale a pena mencionar um COMUNICADO DO ESCRIVÃO DA CORTE EUROPÉIA DOS DIREITOS HUMANOS: (29)

A Corte Européia dos Direitos Humanos aumentou nitidamente sua produção, uma vez que proferiu em 2001 quase 30% mais acórdãos e decisões do que em 2000.

Em face das estatísticas anuais da Corte, tornadas públicas em 21 de janeiro de 2002 tem-se que em 2001 foram proferidos 889 acórdãos e tomadas 8.989 decisões declarando a improcedência dos recursos ou arquivando-os, contra 695 acórdãos e 6.769 processos arquivados ou declarados carentes da ação em 2000.

Em 2001, 683 acórdãos reconheceram alguma violação à Convenção Européia dos Direitos Humanos. Mais da metade referente à Itália (359) e mais de um quarto (169) à Turquia; 32 referentes à França, 19 ao Reino Unido, 17 à Polônia, 14 à Áustria, 14 à Grécia e 13 à Alemanha.

Observa-se que a França é um dos três países mais acionados na Corte Européia de Direitos Humanos, no entanto o número de recursos e condenações contra ela são relativamente inexpressivos se se comparar com a Itália e a Turquia, percebendo-se que na França, geralmente, os Direitos Humanos são respeitados.

Deve-se observar que os temas mais abordados na jurisprudência da Corte Européia dos Direitos Humanos (no que pertine à França) são o "prazo razoável" tanto no processo civil quanto no processo penal (artigo 6(1)), a "vida familiar" (artigo 8) e "acesso a um Tribunal" (artigo 6(1)). (30)

Seguem os acórdãos: (31)

ARTIGO 3 - EXPULSÃO

Reenvio à Turquia onde o requerente, em tratamento médico contínuo, alega correr risco vital por falta de poder dispor ali de medicamentos indispensáveis: improcedência.

KARAGOZ - França (N° 47531/99)

Decisão 15.11.2001 [Seção I]

O requerente é cidadão turco que chegou na França aos dezessete anos, quando se casou com uma compatriota da qual teve quatro filhos. Trabalhou na França de 1973 a 1986, ano da sua dispensa do trabalho. Condenado em seguida a dez anos de prisão e interdição definitiva em permanecer no território francês por infrações à legislação sobre drogas, requereu a revogação da medida de interdição. Teve seu pedido julgado improcedente por duas vezes, em 1985 e 1988. O médico do Centro Penitenciário em que ele se encontrava detido certificou que ele apresentava um problema de tireóide que necessitava uma intervenção cirúrgica e que o tratamento permanente seria indispensável bem como um acompanhamento médico regular. O requerente sofre também de úlcera gástrica e necessita de tratamento de longa duração. Invocando esses problemas de saúde, o requerente apresentou um terceiro requerimento de revogação da interdição. Após a intervenção cirúrgica, as autoridades médicas competentes indicaram que o tratamento seguido pelo requerente era relativamente simples mas que não devia ser interrompido sem prejuízo da saúde do paciente, e que ele poderia continuar sem risco maior no seu país de origem. Em abril de 1999, foi prolatada uma decisão de recondução do requerente à Turquia. Com a aplicação do artigo 39 do Regulamento pela Corte, o requerente foi citado na sua residência pelas autoridades francesas. O Tribunal Administrativo rejeitou seus recursos contra a decisão de recondução à Turquia sob o motivo de que desde sua operação, ele tinha sido beneficiado por exames e visitas de controle previstas e que os tratamentos médicos que lhe eram necessários eram tratamentos simples e que podiam ser continuados no seu país de origem. Em maio de 1999, seu terceiro requerimento de revogação da interdição foi rejeitado porque ele não apresentou nenhum elemento para demonstrar que na Turquia seu tratamento não seria realizado de forma como era preciso.

Improcedência sob a ótica dos artigos 2 e 3, e 3 e 13 combinados: O requerente sofreu uma operação grave e nas vésperas da data prevista da sua expulsão, o médico que o acompanhava na prisão entendeu que seu estado não estava ainda estabilizado, o que implicava, salvo risco de vida, um acompanhamento regular e um novo controle dentro de três meses. São esses elementos que motivaram a aplicação do artigo 39 do Regulamento da Corte. Quanto ao risco real e atual de tratamento inadequado, o exame da realidade do risco de tratamento contrário ao artigo 3 da Convenção em caso de doença grave, passa notadamente pela verificação da possibilidade, para a pessoa em apreço, de procurar os medicamentos adequados ao seu estado de saúde e pelo exame para verificar se seu estado de saúde necessita de cuidados de natureza tão particular que a colocaria em situação diferente daquela vivida por outros cidadãos do país de destinação que sofrem de doença semelhante. Na espécie, o requerente não demonstrou estar na impossibilidade de procurar os medicamentos de que ele tem necessidade na Turquia nem de que seu estado atual de saúde o impediria de suportar o retorno ao seu país. O Governo francês deu garantias quanto à possibilidade de ter acesso aos cuidados não obstante a ausência de cobertura social existente na Turquia, quanto à comercialização e à acessibilidade dos medicamentos indispensáveis ao tratamento dos requerente e, quanto à garantia, no caso em que ele seria confrontado por dificuldades ligadas ao seu retorno ao país de origem, de poder se beneficiar de uma reserva de medicamentos por um tempo razoável. Não existe mais o motivo inconteste e sério de crer que a decisão de recondução do requerente à Turquia se fosse colocada em prática, violaria os artigos 2 e 3; ele, além disso, dispôs de numerosos recursos de Direito interno: manifestamente improcedente.

Improcedência sob a ótica do artigo 8 (vida privada e familiar): A exceção do Governo proveniente do não esgotamento das vias recursais internas é acolhida porque o requerente não utilizou o recurso de provimento de cassação contra os acórdãos que rejeitaram seus três pedidos de revogação da interdição de permanecer no território francês e notadamente quanto ao acórdão mais recente: não-esgotamento.

ARTIGO 3 - TRATAMENTO DESUMANO

Alegações de maus tratos durante detenção e falta de investigação efetiva: não-violação.

CALOC -França (N° 33951/96)

Acórdão 20.7.2000 [Seção III]

De fato: Em setembro de 1988, o requerente, transportador de instrumentos profissionais, apresentou-se à Polícia militar a fim de ser ouvido sobre a reclamação de seu antigo empregador que o acusava de ter sabotado duas pás mecânicas. Tentou fugir no curso do interrogatório, mas foi detido e obrigado por vários policiais enquanto se debatia violentamente. Em seguida a esse incidente, o Dr. T. o examinou mas não constatou nenhuma marca externa de violência; o requerente não se queixou também de nenhuma dor. No curso de interrogatórios que se seguiram, reconheceu ter tentado fugir e resistido aos policiais. Foi em seguida colocado em cela de segurança até o dia seguinte. Mais tarde no curso de sua detenção reconheceu sua culpabilidade e admitiu de novo ter agredido os policiais em sua tentativa de fuga. No dia seguinte à sua colação em liberdade, o Dr. K. o examinou e verificou a existência de uma forte contusão na espádua direita, traços de contusão nos punhos e dores lombares; foi-lhe concedida dispensa do trabalho por oito dias, prolongada por mais vinte dias. Em 18 de novembro de 1988, o requerente apresentou reclamação dos golpes e ferimentos. Em 30 de novembro de 1988, o Ministério Público instaurou uma investigação preliminar. Uma outra reclamação foi apresentada contra ele por um outro empresário, por deterioração de ferramentas, dando lugar igualmente a uma investigação preliminar. Detido, foi ouvido por um policial que não tinha participado da sua primeira detenção e reconheceu os fatos que lhe eram imputados. Quando estava sendo ouvido sobre as circunstâncias de sua primeira detenção, reconheceu ter tentado fugir e ter se debatido violentamente quando os policiais tentavam dominá-lo. Durante a investigação preliminar referente a sua própria reclamação, os policiais de uma outra companhia ouviram o Dr. K., bem como o requerente, de novo colocado sob detenção. Este último declarou não ter recebido golpes a não ser no momento da sua tentativa de fuga. O Dr. T. foi também inquirido e reiterou não ter verificado nenhum traço externo de violência no corpo do requerente. Sua reclamação foi arquivada. Apresentou nova reclamação, com constituição de parte civil nesta oportunidade. Alegou que as confissões que ocorreram no curso da primeira detenção tinham sido obtidas com a utilização de maus tratos, posteriores ao exame médico do Dr. T.; afirmou ter sido mantido sobre uma cadeira com os dois braços fixados para trás, após o incidente e depois ter sido conduzido para uma cela de segurança onde teria sido preso com os braços separados até a manhã seguinte. Sua constituição de parte civil foi declarada inviável em face notadamente de uma perícia médica que tinha sido ordenada e que somente afirmava que ele tinha sido vítima de violências durante a detenção. Apelou sem sucesso da decisão de rejeição do seu pedido de constituição de parte civil. A Corte de Cassação, diante da qual foi apresentado o recurso de provimento de cassação, cassou o acórdão da apelação e reenviou o processo à Câmara de Acusação de uma outra Corte de Apelação. Por um acórdão de dezembro de 1994, e após uma instrução aprofundada, a Câmara de Acusação concluiu que não havia nenhuma prova séria contra os acusados. Ela analisou as razões do requerente concluindo que as lesões identificadas pelo Dr. K. após o fim da detenção não tinham sido notadas pelo Dr. T. após sua tentativa de fuga e que sua recusa de admitir os fatos que lhe eram imputados tinham acontecido durante a detenção, que ocorreu após a primeira visita do médico, com confissões integrais. A Câmara constatou todavia que ele não havia invocado o fato de ter sido encerrado em cela de segurança a não ser tardiamente e que a administração de tais celas tornava pouco acreditável tal acusação. De ser lembrado também que os médicos inquiridos tinham afirmado que os tipos de dores de que ele se queixava podiam aparecer com uma distensão. Enfim, ele podia ter-ser retratado de suas confissões após a detenção, mas não o fez. O acórdão foi dessa vez confirmado pela Corte de Cassação.

De direito: Artigo 3 – O mau tratamento alegado pelo requerente lhe teria sido infringido durante a detenção referida neste recurso. Ele não contestou que ele tentou fugir do Departamento Policial e que foi reconduzido à força; em contrapartida o requerente pretende ter sido vítima de maus tratos durante esse incidente e durante toda a detenção.

1) Quanto à ausência de investigação efetiva – Uma investigação preliminar foi instaurada pelo Ministério Público menos de quinze dias depois da apresentação da reclamação do requerente. Os médicos que examinaram o requerente durante sua detenção e até sua liberação foram ouvidos e ele mesmo foi interrogado em três ocasiões. Se é lamentável que as autoridades tenham se aproveitado da detenção do requerente para proceder a essas oitivas, a primeira dentre elas que ocorreu durante uma investigação diligenciada após uma outra reclamação apresentada contra o requerente, foi presidida por um policial que não esteve presente quando de sua tentativa de fuga. Além disso, quando das duas oitivas seguintes, ele foi interrogado pelos policiais de uma outra brigada e ele não afirma que não pôde se exprimir livremente. Enfim, ele não contestou que desde que foi apresentada a reclamação com constituição de parte civil a Câmara de Acusação procedeu a uma investigação aprofundada. Ela não pode então sustentar que as autoridades, por ocasião da investigação ocorrida após a reclamação do requerente, não procedeu de maneira efetiva a uma investigação, nem que foi produzida prova de inércia.

2) Quanto às alegações de violências contra o requerente durante sua tentativa de fuga – o Governo não contesta as alegações de violência nesta ocasião. A certificação apresentada pelo Dr. K. no dia seguinte ao fim da detenção mostra uma forte contusão na espádua direita, traços de contusão nos punhos e dores lombares. Os relatórios médicos que se seguiram não divergiram destas constatações. Levando em conta as lesões do requerente, e principalmente a da espádua direita, na espécie, a incapacidade de trabalho durante vinte dias era necessária para as particularidades da profissão do requerente. Todavia, ele não negou ter resistido aos policiais e ter se debatido ao tentar a fuga, além disso, não se conclui do exame do Dr. T., após o incidente, nem da certificação do Dr. K. que ele teria sido espancado. Não foi provado que a força empregada teria sido excessiva ou desproporcionada.

3) Quanto às alegações de maus tratos pelos policiais após a tentativa de fuga – No seu acórdão de dezembro de 1994, a Câmara de Acusação colocou em dúvida a credibilidade do requerente em razão das variações de suas informações sobre como se desenrolou a detenção em apreço, e notadamente as referências tardias às sevícias que ele teria sofrido na cela de segurança. Além de que o fato de ele não ter reclamado de dor a não ser no dia seguinte ao fim de sua detenção não indicava necessariamente que ele teria sido vítima de sevícias entre o momento em que foi examinado pelo Dr. T. e o momento de sua liberação, os médicos interrogados tendo afirmado que os tipos de dores que ele sofria podiam parecer com uma distensão. Enfim, o requerente podia se retratar de suas confissões, mas não o fez. O acórdão foi confirmado pela Corte de Cassação. As outras alegações de maus tratos que ele fez não foram provadas pelos exames médicos, notadamente, aquele do Dr. K.. Em definitivo as alegações do requerente não parecem se basear em elementos suficientemente provados.

Conclusão : não-violação (seis votos contra um).

Artigo 6(1) – O processo teve uma duração de mais de sete anos, tratando-se da instrução de uma reclamação com constituição de parte civil. Uma diligência particular se impunha às autoridades judiciárias tratando-se de instrução de reclamação apresentada por um indivíduo em razão de violências pretensamente cometidas por agentes das Forças da Ordem contra ele. Mesmo se, em particular, a segunda Câmara de Acusação que conheceu do recurso tenha realizado uma investigação aprofundada, no total, a diligência necessária não foi observada.

Conclusão : violação (unanimidade).

Artigo 41: A Corte concede 60.000 francos franceses ao requerente por dano moral e 10.000 francos franceses a título de despesas processuais.

ARTIGO 5(1)(d) - CONTROLE A BREVE PRAZO

Duração do exame de provimento de cassação dirigido contra um pedido de recusa de colocação em liberdade: improcedência.

TOUROUDE - França (N° 35502/97)

Decisão 3.10.2000 [Seção III]

O requerente foi condenado a trinta anos de reclusão criminal pelo Tribunal do Júri em 14 de junho de 1995, notadamente por estupro e tentativa de homicídio. O acórdão foi cassado e reenviado à mesma Corte agora oficiando com uma composição diferente. Em 6 de maio de 1996, o requerente apresentou um pedido de colocação em liberdade à Câmara de Acusação que a rejeitou em 20 de maio de 1996. Ele apresentou em 4 de junho de 1996, um segundo requerimento ao Tribunal do Júri que o rejeitou em 11 de junho de 1996. As duas jurisdições entenderam que sua permanência em detenção era necessária tanto para prevenir a renovação da prática das infrações que lhe eram imputadas ou tentativas de pressões sobre as testemunhas como também para garantir seu comparecimento à audiência. Em 7 e 17 de julho de 1996, interpôs provimento de cassação contra as decisões de recusa. Seu provimento de cassação contra o acórdão da Câmara de Cassação foi rejeitado em 14 de novembro de 1996. Aquele dirigido contra o acórdão do Tribunal do Júri teve a mesma sorte em 29 de abril de 1997. Os novos requerimentos de colocação em liberdade que ele apresentou à Câmara de acusação entre junho de agosto de 1996 foram rejeitados entre julho e setembro de 1996. Ele não interpôs provimento de cassação contra essas novas rejeições. Em 14 de novembro de 1996, o Tribunal do Júri, de reenvio, o condenou a vinte anos de reclusão seguido de um período de segurança durante dois terços da pena. Durante seu encarceramento, ele alega que as autoridades penitenciárias violaram repetidamente os segredos de suas correspondências. Ele apresentou, em apoio de suas afirmações, um envelope que lhe foi endereçado pelo Cartório da Corte trazendo a menção "aberta por erro" e o carimbo das autoridades penitenciárias. O requerente apresentou reclamação dessas atitudes. O Tribunal administrativo transmitiu o requerimento ao presidente da sessão do contencioso do Conselho de Estado.

Improcedência sob a ótica do 5 (4): A Corte mantém dúvidas sobre a duração do exame pela Corte de Cassação do provimento de cassação que o requerente interpôs em 17 de junho de 1996. Todavia, a legislação francesa oferecia ao requerente a possibilidade de apresentar a todo momento novos requerimentos de colocação em liberdade, possibilidade de que ele se utilizou em cinco ocasiões. A Câmara de acusação decidiu sobre esses requerimentos em prazos que foram de 14 a 28 dias e o requerente não interpôs provimento de cassação contra as decisões de rejeição: manifestamente improcedente.

Improcedência sob a ótica do artigo 8: Com referência ao esgotamento das vias recursais internas, o Governo não demonstrou a existência de jurisprudência estabelecida sobre esse ponto, notadamente na ausência de decisão do Conselho de Estado. Sobre o mérito, o requerente não produziu prova a não ser através de um único envelope, efetivamente aberto pelas autoridades penitenciárias para demonstrar suas alegações sobre a existência de violações repetidas dos segredos das correspondências. A secretaria da Comissão e o Cartório da Corte, fazendo parte, de acordo com a legislação interna, das autoridades com as quais os detidos podem se corresponder, a abertura de uma de suas correspondências é contrária à lei. As comunicações entre detentos e a Corte devem ser isentas de quaisquer restrições inúteis. Todavia, sobre cerca de quarenta correspondências trocadas entre o requerente e a Corte, uma só delas foi aberta "por erro" e no estabelecimento onde o requerente vinha de ser transferido. Não existem assim elementos que permitam concluir sobre uma vontade das autoridades em se inexcluir na correspondência entre o requerente e os órgãos da Convenção, nem em um desvirtuamento do serviço de correspondência suscetível de ser analisado sem contestação como uma ingerência no direito ao respeito de sua correspondência: manifestamente improcedente.

ARTIGO 5(3) - DURAÇÃO DE DETENÇÃO PROVISÓRIA

Detenção provisória cuja duração foi considerada excessiva: improcedência.

AHMAZ - França (N° 45013/98)

Decisão 21.9.99 [Seção III]

Sob suspeita de ter assassinado sua esposa, o requerente foi detido provisoriamente de 6 de dezembro de 1991 a 25 de setembro de 1998, data na qual foi condenado a vinte anos de reclusão. Tendo formulado sem sucesso vários requerimentos para ser colocado em liberdade durante o processo, peticionou à Comissão queixando-se da duração do encarceramento. A Comissão apresentou seu relatório em 20 de março de 1997 e por acórdão de 23 de setembro de 1998, a Corte concluiu pela violação do artigo 5 (3). O requerente se queixa novamente da duração de sua detenção provisória.

Improcedência sob a ótica do artigo 5(3): O acórdão da Corte superou as conseqüências da violação do 5(3) para o período que vai de 6 de dezembro de 1991, data da primeira decisão judicial de encarceramento, até 20 de março de 1997, data em que a Comissão apresentou seu relatório. O período a ser considerado para determinar a existência da violação é então de cinco meses e vinte e quatro dias e não parece desarrazoado em face das circunstâncias do processo: manifestamente improcedente.

ARTIGO 6(1) [civil] - ACESSO A UM TRIBUNAL

Condições de admissão de recurso contra decisão de jurisdição administrativa: improcedência.

VINCENT - França (N° 48332/99)

Decisão 22.6.2000 [Seção IV]

A petição do requerente visando a anulação de Sentença de Tribunal Administrativo foi rejeitada pelo presidente da Corte Administrativa de Apelação sob o fundamento do artigo R.87 do Código dos Tribunais Administrativos e das Cortes Administrativas de Apelação em razão de falta de enunciação dos fatos e fundamentos, não regularizada no prazo do recurso contencioso. O requerente se queixa de não ter sido intimado preliminarmente para regularizar sua petição.

Improcedência sob a ótica do artigo 6(1): Resulta claramente do artigo R. 87 do Código dos Tribunais Administrativos e das Cortes Administrativas de Apelação e da jurisprudência do Conselho de Estado e, sob pena de improcedência, todo requerente deve expor os fatos e os fundamentos em princípio no prazo do procedimento contencioso. Levando em conta a margem de apreciação de que dispõem os Estados contratantes da matéria e levando em conta o fato de que o requerente era representado por advogado, nem as regras acima mencionadas, nem a aplicação que foi feita na espécie exigem um formalismo excessivo incompatível com o presente artigo: manifestamente improcedente.

ARTIGO 6(1) [civil] - APLICABILIDADE

Processo relativo à dispensa de um agente contratual de um órgão público: artigo 6 aplicável.

SATONNET - França (N° 30412/96)

Acórdão 2.8.2000 [Seção III]

De fato: O requerente, um agente contratual de um órgão de gestão pública, foi dispensado do emprego em outubro de 1982, por uma portaria que emanou do Prefeito do Município ligado a esse órgão. Em dezembro de 1982, o requerente ajuizou ação junto à Justiça Trabalhista com o fim de contestar a sua dispensa. A jurisdição se declarou competente e deferiu ao requerente diversos valores a título de indenização. Essa sentença foi infirmada em janeiro de 1985 pela Corte de Apelação que concluiu pela incompetência das jurisdições judiciárias. Em conseqüência, o requerente acionou a jurisdição administrativa em março de 1995. Em dezembro de 1990, o Tribunal Administrativo anulou a portaria de dispensa por ilegalidade extrínseca e, através do acórdão de 21 de setembro de 1992, a Corte Administrativa de Apelação confirmou a irregularidade dessa portaria. Esse processo referente à contestação da dispensa encerrou-se através do acórdão do Conselho de Estado de 16 de outubro de 1995. Em conseqüência do acórdão da Corte Administrativa de Apelação de 21 de setembro de 1992, o requerente acionou o Prefeito através de uma demanda de reintegração de função e sua reconstituição na carreira. Em julho de 1993 acionou o Tribunal Administrativo com um pedido de anulação da decisão implícita de rejeição do Prefeito. Em fevereiro de 1995, o requerente solicitou igualmente desse Tribunal uma indenização de reparação pela recusa oposta pelo Prefeito. Decidindo sobre essas duas ações juntas, em fevereiro de 1997, o Tribunal Administrativo anulou a decisão implícita de rejeição, reenviou o processo do requerente frente ao município para que se procedesse à liqüidação da indenização devida ao município e lhe concedeu diferentes indenizações. Essa decisão foi confirmada pela Corte Administrativa de Apelação e o processo está pendente atualmente diante do Conselho de Estado.

De direito: Artigo 6(1) – A Corte, referindo-se ao acórdão Pellegrin, entende que o artigo 6(1) aplica-se à espécie. Tratando-se do período litigioso a tomar em consideração e contrariamente ao que o Governo sustenta de que houve três processos sucessivos, a Corte notou de início que uma parte do litígio tratava da competência das jurisdições administrativas e judiciárias e que não se deveria exigir do requerente que tivesse acionado inicialmente a Justiça Trabalhista, esta que se declarou depois competente. Tratando-se em seguida do processo de anulação da recusa de reintegrá-lo nas suas funções e do pedido de indenização de seu prejuízo apresentado em julho de 1993 e que ainda está pendente, a Corte considera que se trata na espécie de processo de execução do acórdão precedente proferido pela Corte Administrativa de Apelação em 21 de setembro de 1992 e que ele não deveria ser considerado como diferente do processo inicial. Portanto, a duração do processo litigioso, que iniciou em dezembro de 1992 e que ainda está pendente, está demorando mais ou menos dezessete anos e meio. Se a Corte está consciente do fato de que o processo apresentava uma certa complexidade em razão da qualidade contratual do requerente, o que fez com que as jurisdições judiciárias e administrativas se pronunciassem sobre sua competência, ela entende todavia que nem essa complexidade, nem o comportamento do requerente, explicam, por si sós, a duração global do processo.

Conclusão: violação (unanimidade).

Artigo 41 – A Corte determina o pagamento de 70.000 francos (FRF) ao requerente por dano moral e determinada quantia a título de despesas processuais.

ARTIGO 6(1) [civil] - DIREITOS E OBRIGAÇÕES DE CARÁTER CIVIL

Processo tratando sobre direito para o requerente de explorar terras que lhe pertencem: artigo 6 aplicável.

THERY - França (N° 33989/96)

Acórdão 1.2.2000 [Seção III]

De fato: O requerente é proprietário indiviso de terras agrícolas incluídas entre imóveis de 250 hectares. Em 1971, essas terras foram dadas em locação por um prazo de dezenove anos. Em 1988, os proprietários despejaram os locatários a fim de retomar as terras. Na retomada, tendo por efeito reduzir consideravelmente a área de exploração dos locatários, o requerente estava regido pela legislação aplicável para solicitar preliminarmente uma autorização administrativa de exploração. Ele obteve autorização através de portaria administrativa, mas os locatários ajuizaram um recurso de anulação diante do Tribunal Administrativo em setembro de 1988. Em dezembro de 1992, o Tribunal Administrativo anulou a portaria administrativa. Em março de 1993, o requerente interpôs apelação contra essa decisão. Em maio de 1996 o Conselho de Estado proferiu seu acórdão pelo qual rejeitou o recurso do requerente.

De direito: Artigo 6(1): Aplicabilidade – O processo tratava de uma "contestação" relativa ao "direito defensável" do requerente em utilizar suas terras agrícolas para o exercício de sua profissão conforme um determinado uso e em conformidade com a legislação em vigor. Ora, o direito referente às "modalidades de exercício" do direito de propriedade é um direito "civil" no sentido do presente artigo. Assim, a conseqüência do processo era determinante para o direito do requerente em explorar a propriedade agrícola que lhe pertence em divisão. O fato de que o direito aplicável se fundava sob imperativos de interesse geral e que a recusa da autorização era justificada por considerações de gerenciamento do território não incide neste caso. O artigo 6 se aplica então à espécie.

Duração do processo – O período a se considerar iniciou-se com o acionamento do Tribunal Administrativo em setembro de 1988 e encerrou-se com o acórdão do Conselho de Estado em maio de 1996 (7 anos e quase 8 meses). Nem a complexidade do processo, nem o comportamento das partes justificam uma tal duração.

Conclusão : Violação (unanimidade).

Artigo 41: A Corte outorgou ao requerente 30.000 francos (FRF) a título de danos morais e 10.000 francos por despesas processuais.

ARTIGO 6(1) [civil] - IGUALDADE DE ARMAS

Omissão de comunicação às partes do relatório do juiz comissário: não-violação.

MOREL - França (Nº 34130/97)

Acórdão 6.6.2000 [Seção III]

De fato: O requerente apresentou ao Tribunal de Comércio uma declaração de cessação de pagamento das sociedades de construção à testa das quais ele estava. Um processo de concordata foi iniciado e um juiz comissário, um administrador judiciário e um representante dos credores foram designados pelo referido Tribunal. Um período de observação de seis meses foi fixado a fim de permitir ao administrador realizar uma avaliação econômica e social e de apresentar proposições em favor da continuação ou da cessação da atividade das empresas; o período de observação foi prolongado duas vezes. O juiz comissário proferiu, durante esse lapso de tempo, um determinado número de decisões relativas à gestão da empresa. O Tribunal, em face do relatório do juiz comissário e do administrador judiciário, pronunciou a liqüidação das sociedades; a apresentação de tal relatório deflui da sentença do Tribunal ao qual apresentado. O juiz comissário foi mantido nas suas funções e tornou-se então presidente da Câmara do Tribunal que decidiu sobre a liqüidação. Após sua apelação ter sido rejeitada, o requerente interpôs provimento de cassação. A Corte de Cassação entendeu que o fato de o juiz comissário ter sido um dos três juízes a proferir a sentença era conforme o Direito Interno aplicável e não estava em desacordo com o artigo 6 da Convenção. O requerente alegou igualmente que o relatório do juiz comissário não lhe tinha sido comunicado pelo Tribunal de Comércio. A Corte rejeitou também essa fundamentação replicando que esse relatório podia ser apresentado oralmente, que ele o tinha sido e que isso não violava então o artigo 6. O requerente não pôde em seguida obter comunicação desse relatório considerado como "guardado no segredo do julgamento".

De direito: Artigo 6(1): O direito a um processo contraditório implica, em princípio, na faculdade para as partes em um processo penal ou civil, de tomar conhecimento de todas as peças ou observações apresentadas ao juiz, mesmo por um magistrado, com vistas a influenciar sua decisão ou discuti-la. O princípio da igualdade de armas requer que cada parte tenha a possibilidade razoável de apresentar sua causa em condições que não a colocam em uma situação de clara desvantagem em relação ao seu adversário. No curso da audiência na Corte, o Governo invocou um erro na redação da sentença, sem ser contraditado pelo advogado do requerente. O processo que tramitou no Tribunal do Comércio referia-se ao artigo 61 da Lei de 25 de janeiro de 1985 e não do seu artigo 36; o desenvolvimento do processo corroborava essa tese. Ora, o processo tramitava segundo o artigo 61 não prevendo a apresentação de relatório escrito do juiz comissário, contrariamente ao previsto no artigo 36. A menção a tal relatório se revelava então errônea. De fato, o requerente se baseava sobre essas menções da sentença para mostrar o prejuízo que sofreu; seu arrazoado se baseava então sobre menções errôneas da sentença do Tribunal de Comércio.

Conclusão: não-violação (unanimidade).

Artigo 6(1): Quanto à imparcialidade pessoal do juiz comissário não existiam elementos suficientes para estabelecer que ele tenha agido com prejulgamento. Quanto à imparcialidade da formação colegial, tratava-se de verificar se independentemente da atitude pessoal de seus membros, determinados fatos permitiam colocar em dúvida sua imparcialidade. Na espécie, o juiz comissário determinou diversas medidas referentes às sociedades durante a fase de observação e presidiu em seguida o Tribunal que decidiu sobre a sorte dessas sociedades; semelhante situação podia suscitar dúvidas no requerente quanto à imparcialidade do Tribunal de Comércio. Todavia, o simples fato para o juiz comissário de ter proferido determinadas decisões durante a fase de observação não podia justificar por si só as apreensões do requerente quanto à sua imparcialidade. Parece que o juiz comissário tratou, através de decisões, das questões relativas à gestão da sobrevivência econômica e financeira das sociedades e da gestão do pessoal das sociedades no curso da fase de observação. Conforme o direito interno, sua função era de velar pelo desenvolvimento rápido do processo e pela proteção dos interesses em apreço. Acionado em seguida com base no artigo 61 da lei de 25 de janeiro de 1985, o Tribunal que ele presidia era encarregado de apreciar a viabilidade de mais ou menos longo termo do plano de continuação proposto pelo requerente no fim da fase de observação. O Tribunal devia então examinar as garantias financeiras e os outros elementos produzidos pelo requerente na audiência como a situação das sociedades nessa data (pessoal, ativo imobiliário, setor de atividade em dificuldade). Ele se fundava igualmente sobre elementos fornecidos pelo administrador. O juiz comissário foi confrontado por duas questões bem distintas. Não havia então nenhum motivo objetivo para crer que a natureza e a extensão dos encargos do juiz comissário durante a fase de observação implicavam em pré-julgamento sobre a questão a ser resolvida pelo Tribunal referente à apreciação da viabilidade do plano de continuação proposto pelo requerente no fim do período de observação e das garantias financeiras apresentadas na audiência. Em definitivo, as apreensões do requerente não estavam justificadas.

Conclusão: não-violação (unanimidade).

ARTIGO 6(1) [civil] - PRAZO RAZOÁVEL

Duração de processo civil: acordo.

JAFFREDOU - França (Nº 39843/98)

Acórdão 19.5.99 [Seção III]

O recurso diz respeito à duração de processo civil ajuizado pelo requerente em 16 de maio de 1991 e pendente até o momento atual de julgamento do provimento de cassação.

O Governo está disposto a solucionar o processo através de acordo por meio do pagamento ao requerente da quantia de 20.000 FF.

ARTIGO 6(1) [civil] - PROCESSO JUSTO

Rejeição de provimento de cassação decorrente de erro manifesto de apreciação: violação.

DULAURANS - França (N° 34553/97)

Acórdão 21.3.2000 [Seção III]

De fato: A requerente concedeu poder a B.N., corretor, para venda de dois imóveis de sua propriedade. Ela outorgou-lhe dois mandatos com a finalidade de venda dos imóveis em questão. Tendo encontrado comprador com melhor preço, a requerente revogou finalmente os dois mandatos. B.N. lhe respondeu que ele já havia contratado duas promessas de venda em seu nome. A requerente concluiu com B.N. uma transação segundo a qual ela aceitava de lhe pagar uma indenização. A requerente, tendo todavia se recusado a pagar a B.N. a quantia na data combinada, este último ajuizou contra ela ação de indenização. A requerente contestou alegando a nulidade dos mandatos que ela havia outorgado a B.N. notadamente pelo não respeito às formalidades não prevista na lei de 2 de janeiro de 1970, relativa às condições de exercício das atividades relativas a determinadas operações que versam sobre imóveis e fundos de comércio. A requerente fez valer que essa lei se aplicava a B.N., porque ele tinha efetuado duas operações previstas pela lei pelos dois mandatos, condição tida como suficiente pela jurisprudência para se entender aplicável a referida lei. A requerente foi condenada ao pagamento da indenização pelo Tribunal de Grande Instância, que, todavia, não se pronunciou sobre prejuízo decorrente do não respeito à lei de 1970. A requerente pagou a quantia litigiosa e interpôs apelação pretendendo que a nulidade dos mandatos seja estabelecida em decorrência do fato do não respeito à lei de 1970; se bem que afirmando uma vez ainda que a dita lei se aplicava a B.N., a requerente não mencionou expressamente os dois mandatos para justificar sua aplicação a B.N.. A Corte de Apelação rejeitou sua apelação entendendo que a lei de 1970 não se aplicava a B.N., este último não se dedicando de maneira habitual às operações mencionadas na lei em questão. A requerente interpôs provimento de cassação e reafirmou que a lei de 1970 se aplicava a B.N. em razão dos dois mandatos que lhe tinham sido conferidos. B.N. apresentou um memorial de defesa pelo qual argüiu exceção de carência do recurso decorrente da pretendida inovação da fundamentação apresentada pela requerente no seu provimento de cassação. A Corte de Cassação rejeitou o provimento de cassação da requerente ao motivo de que a requerente não tinha suscitado antes do recurso o fundamento do caráter habitual da atividade de B.N. que supunha a aplicação da lei de 1970.

De direito: Artigo 6(1): Tanto em primeira instância quanto no provimento de cassação, a requerente afirmou que o caráter habitual da missão confiada a B.N. resultava dos dois mandatos que lhe tinham sido outorgados para a venda dos dois imóveis. Se é verdade que em grau de apelação, a requerente não se referiu expressamente aos dois mandatos, não se deveria aí ver duas razões distintas. Com efeito, ao afirmar que B.N. tinha já intervindo junto dela, a requerente somente podia fazer alusão aos dois mandatos litigiosos. Afora isso, a Corte de Cassação se limitou a declarar que a requerente não tinha sustentado nas suas conclusões que B.N. exercia ou prestava seu concurso às operações previstas pela lei de 1970. Ora, a Corte de Apelação tinha no seu dispositivo decidido essa questão, e não havia nenhuma razão para que a Corte de Apelação não chegasse a uma tal conclusão senão para responder a um prejuízo alegado pela requerente. A ausência de outra motivação pela Corte de Cassação mostra que a rejeição da fundamentação em questão repousou sobre erro de apreciação.

Conclusão : violação (unanimidade).

Artigo 41: A Corte concedeu à requerente a quantia de 100.000 francos franceses por danos materiais e morais e 50.000 francos franceses por despesas processuais.

ARTIGO 6(1) [civil] - PROCESSO PÚBLICO

Ausência de publicidade do processo diante das instâncias disciplinares: violação.

SERRE - França (N° 29718/96)

Acórdão 14.9.99 [Seção III]

O requerente, veterinário em seu país, foi condenado pela Câmara Regional do Conselho da Ordem, oficiando em segredo de justiça, a uma suspensão do exercício de oito anos, dos quais treze anos fechados, por diversas infrações aos dispositivos que regulamentam sua profissão. Interpôs apelação dessa decisão à Câmara Superior de Disciplina da Ordem. A instância recursal, oficiando igualmente em segredo de justiça, reduziu a duração da suspensão para cinco anos, dos quais dois com sursis. O requerente então recorreu ao Conselho de Estado através de provimento de cassação. Em suas alegações naquela instância superior, fez notadamente frisar que sua causa não tinha sido processada publicamente. A Comissão de admissão dos provimentos de cassação do Conselho de Estado decidiu não admitir seu provimento de cassação.

De direito: A Corte nota que no procedimento do contencioso disciplinar, em que o direito a exercer a medicina veterinária como profissional liberal, a aplicabilidade do artigo 6(1) a esse contencioso não gera dúvida. Ela lembra também o caráter fundamental da exigência de publicidade dos debates processuais para concluir pela existência de violação.

Conclusão: Violação (unanimidade).

Artigo 41: A Corte determina o pagamento de 10.000 FRF a título de danos morais sofridos pelo requerente e 65.830 FRF por despesas processuais, mas rejeita suas pretensões formuladas a título de dano material, ao fundamento de que ela não poderia especular sobre as conseqüências que teriam havido se o processo disciplinar tivesse transcorrido conforme a convenção.

ARTIGO 6(1)[civil] - TRIBUNAL IMPARCIAL

Imparcialidade de um Tribunal de Comércio pelo fato da cumulação das funções de presidente e juiz comissário quando do pronunciamento da falência dos requerentes: improcedência.

DELAGE e MAGISTRELLO - França (N° 40028/98)

[Seção I]

Decisão 24.1.2002 [Seção I]

A requerente era gerente de uma sociedade por cotas de responsabilidade limitada (SARL) em estado cessação de pagamentos seguida à dificuldades financeiras. O Tribunal de Comércio, presidido pelo juiz M.K. pronunciou a abertura de um processo simplificado de concordata e designou M.K. como juiz-comissário suplente. O Tribunal, posteriormente composto por outros membros pronunciou em seguida a liqüidação da sociedade, mantendo os juízes-comissários nas suas funções e designou um mandatário liquidante. Em seguida, o Tribunal determinou de ofício a realização de perícia contábil da sociedade e depois designou M.K. como juiz-comissário titular. O mandatário liquidante ajuizou ação contra a requerente, na sua qualidade de gerente de direito da sociedade, e o requerente, na sua qualidade de gerente de fato, diante do mesmo Tribunal com a finalidade de abertura de um processo de concordata contra eles, sua condenação solidária para suportar a integralidade da insuficiência do ativo da sociedade e decidir sobre sua falência pessoal. O Ministério Público, ouvido na audiência, requereu a condenação dos requerentes à falência pessoal. O Tribunal de Comércio, presidido por M.K., assistido por dois juízes, decidiu pela concordata e, baseado no relatório do juiz comissário, um processo de liquidação contra eles, enfim pronunciando sua falência pessoal por trinta anos. Os requerentes tiveram rejeitados seus recursos de apelação e de provimento de cassação, as jurisdições acionadas entendendo compatíveis com o Direito interno a participação do juiz comissário no colegiado de julgamento e com o artigo 6 da Convenção a presença do juiz-comissário na jurisdição que pronunciou a liquidação judicial dos dirigentes, já tendo sido ele juiz-comissário da liquidação da sociedade.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Improcedência sob a ótica do artigo 6(1): A imparcialidade subjetiva do juiz em causa não sendo contestada, deve-se examinar se determinados fatos verificáveis autorizam a analisar a imparcialidade objetiva da jurisdição colegial. Em primeiro lugar, se o juiz M.K. efetivamente presidiu o colegiado de julgamento quando da abertura do processo de concordata da sociedade dos requerentes, não se tratava da fase inicial do processo; além disso, na sua qualidade de juiz-comissário suplente, ele não interveio quando do julgamento da liquidação judicial da sociedade e somente se tornou juiz comissário titular posteriormente, de forma que não há nenhuma aparência de violação do artigo 6 por esses fatos. Pelo restante do prejuízo, referente à cumulação pelo mesmo magistrado das funções de presidente do Tribunal e juiz-comissário quando do julgamento ao pronunciar a falência pessoal dos requerentes, situação que pode suscitar dúvidas no requerente quanto à imparcialidade do Tribunal, é necessário examinar se essas dúvidas se mostram objetivamente justificadas. A resposta depende das circunstâncias da espécie. O fato para um juiz de ter anteriormente tomado decisões, seu conhecimento aprofundado do processo ou a apreciação preliminar dos dados disponíveis não podem justificar por si sós apreensões relativas à falta de imparcialidade. Importa decidir se levada em conta a natureza e a extensão das funções do juiz frente ao processo e às medidas adotadas, este último tomou partido quanto à decisão a ser tomada. Esse seria o caso se as questões tratadas pelo juiz-comissário tivessem sido análogas àquelas sobre as quais ele decidiu no Tribunal, na espécie N.K. não proferiu na sua qualidade de juiz-comissário nenhuma só decisão em sete atos no total, decisão estranha à questão do comportamento dos requerentes como dirigentes da sociedade e aos fatos a eles referentes e examinados quando do julgamento que pronunciou sua falência pessoal. Quanto à decisão do Tribunal presidido por N.K. de determinar uma perícia contábil, é necessário lembrar que um ato de instrução sumária, como esse não deveria ser suficiente para fazer nascer uma dúvida objetivamente justificada. Além disso, o Tribunal presidido por N.K. não agiu de ofício recriminando aos requerentes como o poderia ter feito, mas se pronunciou sobre essa questão após o ajuizamento da ação contra os requerentes pelo mandatário liquidante e as requisições do Ministério Público feitas na audiência. Para afirmar as faltas imputadas aos requerentes, o Tribunal se baseou no laudo pericial e nas peças apresentadas nos debates pelo mandatário liquidante; a sentença não comporta nenhuma referência ao relatório do juiz-comissário na exposição dos seus motivos nem à única decisão que ele proferiu; o Tribunal somente decidiu em seguida após ter permitido às partes a troca de alegações e após elas terem tomado ciência das novas peças. Além disso, os requerentes não suscitaram nenhuma objeção quanto à qualidade de juiz-comissário do Presidente do Tribunal de Comércio nem quando dos debates, no curso dos quais oficiou o juiz M.K. e outros dois, nem em alegações finais. Além disso, para apreciar a responsabilidade dos requerentes, o Tribunal não fez referência ao relatório do juiz-comissário. Enfim o julgamento do Tribunal fez crer que a natureza e a extensão das funções do juiz-comissário durante o processo anterior implicava em pré-julgamento sobre a questão – distinta – a ser decidida no Tribunal referente ao comportamento dos dirigentes. A supor que as vias recursais internas tenham sido esgotadas na ausência de requerimento de recusa do juiz em causa, as apreensões dos requerentes não se encontram, na espécie, objetivamente justificadas: manifestamente improcedente.

(Esta decisão faz aplicação nos princípios de jurisprudência decorrentes do acórdão Morel c. França de 6 de junho de 2000, que foi publicado em CEDH 2000-VI.)

ARTIGO 6(1) [penal] - PRAZO RAZOÁVEL

Duração de processo penal: violação.

DJAID - França (Nº 38687/97)

Acórdão 29.9.99 [Seção III]

De fato: Em novembro de 1992 o requerente foi interpelado pela polícia durante uma investigação sobre tráfico internacional de drogas. Foi condenado em abril de 1994 e a condenação confirmada em grau de apelação em fevereiro de 1995. Alguns dias depois, o requerente interpôs provimento de cassação, que foi, todavia, rejeitado em maio de 1997. Nesse intervalo, o requerente tinha sido liberado após cumprir sua pena. Ela se queixa da duração do processo.

De direito: O período a examinar começou em novembro de 1992 e terminou em maio de 1997, tendo então durado quatro anos, seis meses e quinze dias. O processo apresentava uma certa complexidade, tratando-se de tráfico internacional de drogas, mas as partes concordam em reconhecer que a instrução ocorreu com rapidez, isso acontecendo tanto no Tribunal de Grande Instância quanto na Corte de Apelação. Em contrapartida, o procedimento na Corte de cassação durou dois anos, três meses e doze dias, e se bem que o requerente possa ser considerado como responsável em parte pela demora do processo, tendo requerido prorrogações de prazo, isso não seria bastante para justificar a duração do processo. Quase um ano se esgotou entre a apresentação do relatório do Conselheiro relator e o acórdão da Corte, e o Governo não forneceu nenhuma explicação convincente para esse prazo. Afora isso, a obrigação de celeridade que incumbe ao governo revestia uma importância particular para o requerente, na medida em que ele se encontrava detido provisoriamente com base no Direito interno.

Conclusão : Violação (unanimidade).

Artigo 41: A Corte entendeu que o requerente sofreu um prejuízo moral certo, se bem que não tendo havido nenhum requerimento a esse título. Ela concede ao requerente o montante de 20.000 francos (FRF).

ARTIGO 6(1) [penal] - PROCESSO JUSTO

Auto-incriminação – utilização de relatórios elaborados por um processo disciplinar no bojo de um processo penal subseqüente versando sobre os mesmos fatos: improcedência.

SERVES - França (N° 38642/97)

Decisão 4.5.2000 [Seção III]

No curso de uma patrulha, militares colocados sob a responsabilidade do requerente em uma República central africana abriram fogo contra um caçador, ferindo-o, eles o mataram e enterraram o corpo. Tomando conhecimento, o requerente ordenou aos seus homens não revelar os fatos e ele mesmo não os mencionou às autoridades superiores. O incidente foi, todavia, descoberto pelo comandante e realizou-se uma sindicância interna, para se tentar descobrir a realidade dos fatos, notadamente através do interrogatório dos protagonistas. Um relatório elaborado por um alto oficial acreditou a tese segundo a qual caçador tinha sido morto após ter sido ferido, a responsabilidade do requerente sendo qualificada de evidente. Um relatório do comandante posterior confirmou essa análise negativa para o requerente. Este último foi de início acusado de homicídio, antes de ser finalmente submetido a acusação pela Primeira Câmara de Acusação da Corte de Apelação unicamente por cumplicidade em homicídio. O Tribunal das Forças Armadas o condenou quatro anos de prisão. O requerente interpôs provimento de cassação alegando atentado ao direito de defesa resultante da juntada ao processo penal dos relatórios do comandante que o incriminava. A Corte de Cassação rejeitou o provimento de cassação afirmando notadamente que "a juntada ao processo da investigação do comandante, efetuada no bojo de processo administrativo distinto, para ser submetida à livre discussão das partes não deve anular o processo judicial". O requerente perdeu sua graduação e foi exonerado dos quadros das Forças Armadas.

Improcedência sob a ótica do artigo 6(1): No que diz respeito à juntada ao processo penal dos relatórios do comandante, a Convenção não regulamenta esse assunto. Todavia, em matéria penal, o uso pela acusação de elementos de prova obtidos pela pressão ou constrangimento, com desprezo da vontade do acusado contravem à vontade desse último de não contribuir para a sua própria incriminação. Na espécie, os relatórios decorreram de uma investigação de comandante presidida por um militar graduado sobre os mesmos fatos mencionados no processo penal. Era acreditável que o requerente tinha sido obrigado a responder às indagações que lhe tinham sido postas no curso da investigação do comandante, nos interrogatórios sendo presididos por superiores hierárquicos e toda recusa em responder sendo passível de graves sanções disciplinares. Todavia, para concluir sobre uma violação ao presente artigo, importava concluir sobre a utilização que se fez disso no curso do processo criminal. Ora, não transparece do acórdão da Câmara Criminal da Corte de Apelação que a acusação tenha se baseado notadamente sobre as declarações prestadas pelo requerente por ocasião da investigação do comandante; essa acusação repousou essencialmente sobre numerosos testemunhos colhidos no curso da instrução. Não parece também que os referidos relatórios tenham sido utilizados pela acusação frente ao Tribunal das Forças Armadas. Esses relatórios, além do mais, não constituíam o único elemento submetido à apreciação do Tribunal, numerosas testemunhas tendo sido ouvidas. Além do que o general autor dos relatórios em apreço foi chamado a testemunhar e o requerente não lhe formulou perguntas: manifestamente improcedente.

ARTIGO 6(3)(c) - DEFENDER-SE ATRAVÉS DE ADVOGADO

Recusa em admitir a representação de uma parte que não esteve presente na audiência: violação.

VAN PELT - França (N° 31070/96)

Acórdão 23.5.2000 [Seção III]

De fato: Em 1987, no curso de uma investigação que versava sobre tráfico internacional de drogas, o requerente foi extraditado para a França para aí ser processado com base na legislação sobre drogas. A instrução foi presidida com uma grande amplitude: tratou sobre um grupo de pessoas de nacionalidades e países de residências diferentes, ocupando treze comissões rogatórias internacionais e vinte e cinco interrogatórios de vários acusados. Em 1990, em decorrência da instrução, o requerente foi encaminhado ao Tribunal de Grande Instância, que o condenou a dezoito anos de prisão e a proibição definitiva de permanecer no território francês. Em 1991, a Corte de Apelação entendeu que ele devia ser absolvido por falta de provas. Em 1992, a Corte de Cassação, julgando o recurso de provimento de cassação do procurador geral, cassou a decisão de apelação e reenviou o processo a uma outra Corte de Apelação. Vários adiamentos de audiência tiveram lugar para permitir notadamente a citação do requerente e sua intimação sobre o acórdão da Corte de Cassação. O requerente compareceu assistido de seus advogados e apresentou alegações no fim da outiva de testemunhas e de um complemento de informação. Quando da realização de outra audiência, em dezembro de 1996, os advogados do requerente apresentam dois atestados médicos afirmando que o requerente tinha sido hospitalizado nos países baixos e que se encontrava por isso mesmo incapacitado de comparecer diante da Corte; eles pediram o adiamento da audiência. O substituto do procurador geral e um dos advogados falaram em seguida sobre um pedido de reenvio. Não parece que os advogados do requerente tenham podido falar sobre o mérito do processo nessa ocasião. No seu acórdão de janeiro de 1994, a Corte rejeitou o requerimento de adiamento e confirmou a sentença da primeira instância, condenando o requerente. O mandado de prisão foi expedido contra o requerente. O recurso de provimento de cassação do requerente contra essa decisão foi rejeitado, tendo a Corte de Cassação verificado que o requerente não tinha sido preso e não ocorria nenhuma circunstância que o impossibilitasse de forma absoluta de se submeter em tempo útil à ação da Justiça.

De direito: Artigo 6(1) e (3): Referentemente à impossibilidade para os advogados do requerente de falar em sua ausência, parece que o comparecimento de um preso se reveste de importância capital em razão tanto do direito dele de ser ouvido como da necessidade de controlar a exatidão de suas afirmações e de confrontá-las com as da vítima, de quem se deve proteger os interesses, assim como das testemunhas; assim o legislador deve poder desencorajar as ausências injustificadas (acórdão Poitrimol de 23 de novembro de 1993). Todavia, é de uma importância crucial para a eqüidade do sistema penal que o acusado seja adequadamente defendido tanto em primeira instância quanto em grau de apelação. Compete às jurisdições o encargo de velar para que o advogado, que comparece a uma audiência para defender seu cliente em ausência do mesmo, tenha oportunidade de produzir a defesa (acórdãos Lala e Pelladoah de 22 de setembro de 1994). Além do mais, o direito de todo acusado de ser efetivamente defendido por um advogado figura entre os direitos fundamentais do processo justo e um acusado não perde esse benefício pelo fato de não ter comparecido aos debates. Se o legislador deve desencorajar as ausências injustificadas, ele não pode sancioná-las derrogando o direito de assistência de um advogado (acórdão Van Geyseghem de 21 de janeiro de 1999). No presente processo, os advogados do requerente tiveram a possibilidade de falar unicamente sobre o pedido de reenvio do processo mas não sobre o mérito. Conclusão: violação (unanimidade).

Artigo 6(1): Quanto à improcedência do provimento de cassação do requerente, o Governo expôs no curso da audiência que, levando em conta o fato de que a Corte de Cassação tinha abandonado a jurisprudência sobre o fundamento da qual o provimento de cassação do requerente, notadamente, tinha sido declarado improcedente, não havia mais porque discutir sobre isso. Parece no acórdão Guérin que a improcedência de um provimento de cassação, fundada unicamente sobre o fato de que o requerente não é prisioneiro em execução da decisão da Justiça objeto do provimento de cassação, obriga o interessado a recolher-se à prisão, quando essa decisão não pode ser considerada como definitiva quando não decidiu sobre o provimento de cassação ou quando o prazo do recurso não terminou. Decorre disso atentado ao direito de recurso, pela imposição de um encargo desproporcionado rompendo o justo equilíbrio que deve existir entre a preocupação legítima de assegurar a execução das decisões judiciais e o direito de acesso ao juiz de cassação e exercício dos direitos da defesa. O requerente sofreu um entrave excessivo ao seu direito de acesso a um Tribunal em tendo rejeitado seu provimento de cassação por não se recolher à prisão para recorrer. Conclusão: violação (unanimidade).

Artigo 41: A Corte concedeu uma quantia ao requerente a título de despesas processuais.

ARTIGO 8 - DOMICÍLIO

Visita domiciliar ordenada e procedida conforme o artigo L. 16 B do Livro dos Processos Fiscais: improcedência.

KESLASSY - França (N° 51578/99)

Decisão 8.1.2002 [Seção II]

O requerente possuía sociedades que foram, por decisão judicial, objeto de visita domiciliar. A visita, que se acompanhou de apreensão de documentos foi efetuada por oficiais da polícia judiciária no estabelecimento das sociedades situadas no domicílio do requerente. A decisão, tomada conforme o artigo L. 16 do Livro dos Processos Fiscais, visava coletar provas de que as sociedades estavam devedoras quanto às obrigações fiscais. Para justificar a existência de presunção de violação ao estabelecimento, o juiz ordenou a visita se referir notadamente a uma carta datilografada e a um depoimento anônimo assim como a um processo anterior relativo a uma reclamação apresentada pela administração por fraude fiscal consecutivamente à verificação da contabilidade de uma das sociedades em apreço. A Corte de Cassação rejeitou o recurso do requerente contra a decisão, entendendo que os elementos levados em conta pelo juiz eram suficientes para poder presumir a existência de fraude fiscal por parte das sociedades e justificar a visita domiciliar.

Improcedência sob a ótica do artigo 8: O requerente se diz "vítima" de uma ingerência ao seu direito ao respeito do seu domicílio nos termos do artigo 8 da Convenção no que diz respeito ao seu domicílio pessoal, utilizado ao mesmo tempo com finalidade profissional e para uso pessoal. Não é caso de decidir a questão de saber se o requerente pode se dizer "vítima" em seu nome pessoal no que diz respeito às visitas domiciliares efetuadas nos locais utilizados pelas sociedades que ele controlava direta ou indiretamente no momento dos fatos porque o requerimento é em qualquer caso improcedente. As visitas e apreensões se analisam como uma "ingerência" no exercício no direito ao respeito da vida privada e do domicílio. Prevista pela lei, essa ingerência pretendia objetivos legítimos tendentes à proteção do bem estar econômico do país e à prevenção de infrações penais. A autoridade judiciária tinha razão ao pensar, no espaço de sua margem de apreciação, que a visita domiciliar era necessária à coleta de provas da infração fiscal presumida e os motivos que ela escolheu para se justificar disso se mostram pertinentes e suficientes. A visita domiciliar foi executada no espaço das estritas garantias exigidas pelo processo nacional aplicável, com uma autorização judicial anterior devidamente justificada e um controle judicial do processo de visita e as apreensões sendo realizadas por oficiais da polícia judiciária. Com efeito, o juiz prolatou uma decisão motivada indicando os elementos que faziam presumir a existência de ações fraudulentas, deu instruções particulares quanto à realização das operações e controlou o conjunto da diligência. Assim, tendo sido observado o que prescreve o direito nacional quanto às visitas domiciliares e as regras aplicáveis ao desenvolvimento das operações domiciliares em apreço, a ingerência foi proporcionada aos objetivos legítimos perseguidos e necessária em uma sociedade democrática: manifestamente improcedente.

ARTIGO 8 - VIDA FAMILIAR

Expulsão de um estrangeiro que viveu na França desde a idade de sete anos: improcedência.

BENRACHID - França (Nº 39518/98)

Decisão 8.12.98 [Seção III].

O requerente, de origem argelina, entrou com sete anos no território francês e aí viveu de 1970 até 1993, data de sua expulsão. Uma ordem de expulsão foi assinada contra ele pelo Ministro do Interior em seguida à sua condenação por roubos com armas e seqüestro ilegal de pessoa como refém. O Tribunal administrativo rejeitou seu recurso e o Conselho de Estado confirmou essa decisão. Não recebida sob a ótica do artigo 8: Segundo a jurisprudência constante dos órgãos da convenção, os Estados contratantes têm o direito de controlar a entrada, a permanência e o afastamento dos estrangeiros. Isso se aplica sob reserva de não constituir atentado ao direito protegido pelo referido artigo. Levada em conta a idade em que o requerente chegou ao território francês e ao fato de que sua família aí reside, entende que a expulsão constitui uma ingerência. Todavia, ele tinha efetuado o seu serviço militar na Argélia e tinha então ligações suficientes com esse país. Além disso, essa medida visava objetivos legítimos de defesa da ordem e da prevenção das infrações penais; levando em conta a gravidade das infrações cometidas pelo interessado, essa medida não era desproporcionada; manifestamente sem razão o recurso.

ARTIGO 9 - MANIFESTAR SUA RELIGIÃO OU SUA CONVICÇÃO

Condenação de farmacêuticos que se recusaram vender pílula contraceptiva na sua farmácia em nome de suas convicções religiosas: improcedência.

PICHON e SAJOUS - França (N° 49853/99)

Decisão 4.10.2001 [Seção III]

Os requerentes, farmacêuticos, recusaram-se simultaneamente a três mulheres a venda de produtos contraceptivos regularmente prescritos em receitas médicas. Eles foram condenados por recusa de venda a consumidores de produtos contraceptivos objeto de receitas médicas. O Tribunal de Polícia afirmou que a referência a princípios de ordem ética ou religiosa não podia constituir motivo legítimo para a recusa à venda de produto contraceptivo. A Corte de Apelação, acionada pelos requerentes, confirmou a sentença do Tribunal. Ela afirmou que a recusa de venda não era justificada por uma impossibilidade material de satisfazer os consumidores, do fato de não ter o produto no estoque da farmácia, mas tinha sido oposta pelos requerentes com base em convicções religiosas, o que, segundo, o direito aplicável, não podiam constituir motivo legítimo de recusa de venda. Como sustentação para seu provimento de cassação, os requerentes invocaram o artigo 9 da Convenção quando ele garante a liberdade de manifestar sua religião. Eles deduziram daí o direito para um farmacêutico de não ter produtos contraceptivos cujo consumo constitui um atentado às suas convicções religiosas. A Corte de Cassação não admitiu seu recurso.

Improcedência sob a ótica do artigo 9: A venda da pílula contraceptiva é legal e ocorre sob prescrição médica única e obrigatoriamente nas farmácias; nessas condições, os requerentes não podem fazer prevalecer e impor a outrem suas convicções religiosas para justificar a recusa de venda desse produto. A manifestação de suas convicções podendo se exercer de múltiplas maneiras fora da esfera profissional: manifestamente improcedente.

ARTIGO 10 - LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Proibição de toda publicação referente a investigações iniciadas por uma reclamação com constituição de parte civil: violação.

DU ROY e MALAURIE - França (N° 34000/96)

Acórdão 3.10.2000 [Seção III]

De fato: Uma lei de 1931 proíbe toda publicação que diga respeito a investigações decorrentes de uma reclamação com constituição de parte civil, tanto que a decisão judicial não ocorreu. Tal proibição não existe para as investigações iniciadas pelo Ministério Público ou quando se trata de reclamação simples. Por outro lado, o Código Civil e o Código de Processo Penal contêm disposições destinadas a proteger a presunção de inocência. Os dois requerentes, respectivamente, diretor da publicação e jornalista, publicaram um artigo revelando que os dirigentes de uma empresa pública tinham ajuizado uma ação de reclamação com constituição de parte civil em face do antigo gestor da empresa, ligado como eles a um partido político. O antigo gestor, prevalecendo-se da lei de 1931, ajuizou reclamação contra os requerentes, que foram condenados a lhe pagar perdas e danos e multa cada um de 3.000 FF. A Corte de Apelação confirmou a sentença mas reduziu as perdas e danos a 1 FF. A Corte de Cassação declarou a ação pública extinta pelo fato da ocorrência de uma lei de anistia e rejeitou o provimento de cassação dos requerentes sobre a ação civil.

De direito: Artigo 10 – A lei de 1931 estabelece a proibição de publicação absoluta e geral independente da natureza da informação publicada. A necessidade de proteger a reputação de outrem e a autoridade do Poder Judiciário não são suficientes para justificar uma tal proibição. De resto, ela somente se aplica aos processos penais iniciados com reclamação com constituição de parte civil e não nas ações penais iniciadas pelo Ministério Público ou com reclamação simples. Uma tal diferença de tratamento não parece fundada sob justificativas objetivas e tem por efeito privar o público de toda informação sobre assuntos que podem ser de interesse geral. Tal era o caso em espécie, porque as ações em causa eram aquelas de personalidades políticas implicadas na gestão de uma sociedade pública. Enfim a existência de outros mecanismos de proteção dos direitos de outrem torna uma superfetação a interdição absoluta prevista pela lei de 1931. Conclusão: violação (seis votos contra um).

Artigo 41 – A constatação de omissão constitui em si uma satisfação eqüitativa suficiente. A Corte determina o pagamento de uma soma aos requerentes a título de despesas processuais.

ARTIGO 34 - ORGANIZAÇÃO GOVERNAMENTAL

Requerimento apresentado por uma seção municipal: improcedência.

SEÇÃO DE COMM. UNE D´ANTILLY - França (N° 45129/98)

Decisão 23.11.99 [Seção III]

A requerente é uma seção de município. Essa entidade se define como uma parte de um município que possui bens e direitos distintos e dotada de personalidade jurídica. Está representada diante da Corte por sua comissão sindical, cuja missão consiste nos casos enumerados pela lei, de assegurar a gestão de seus bens. A requerente decidiu, em 1994, por deliberação de sua comissão sindical, adquirir um terreno. Essa deliberação foi anulada pelo Tribunal administrativo, que considerou que a seção do município não dispunha de competência decisória sobre esse assunto. Frente ao Governo de Estado, a requerente se queixou notadamente do caráter não-eqüitativo do procedimento diante do Tribunal Administrativo, alegando que os poucos recursos financeiros dos quais ela dispunha não lhe haviam permitido socorrer-se dos serviços de um advogado. O Conselho de Estado rejeitou o recurso.

Improcedência sob a ótica do artigo 6 § 1 e do artigo 1 Do Protocolo n° 1: Uma seção de município apresenta as características de pessoa jurídica de direito público, notadamente na medida que gere bens e direitos coletivos no interesse geral de seus habitantes. Trata-se, conseqüentemente, de uma "organização governamental" que não faz parte das categorias de requerentes previsto pelo artigo 34 da Convenção. A Comissão Sindical, mesmo agindo em nome próprio, defende interesses coletivos e se distingue dos "grupos de particulares" tendo interesse comum visado no artigo 34: improcedência ratione personae.

ARTIGO 34 - VÍTIMA

Associação que se queixa de relatório parlamentar sobre as ceitas, o que teria, segundo ela, provocado uma política repressiva e de uma lei de prevenção e repressão das ceitas: improcedência.

FEDERATION CHRETIENNE DES TEMOINS DE JEHOVAH DE FRANCE – França (N° 53430/99)

Decisão 6.11.2001 [Seção II]

A associação requerente garante a representação e a proteção jurídica das 1149 Associações locais implantadas na França para a prática do culto das testemunhas de Jeová, a qual constituiria, segundo ela, a terceira religião cristã do país. Desde o primeiro registro das testemuhas de Jeová como associação cultural junto aos órgãos administrativos em 1906, seu culto se exerceu sem entraves no território francês. Em 1995, a Assembléia Nacional criou uma comissão destinada a investigar sobre as ceitas. A comissão de investigação publicou um relatório em 1995 (chamado Gest/Guyard). Esse documento recenseava, fundando-se sobre uma avaliação realizada pela Direção Central das Informações Gerais, um certo número de movimentos que ele qualificava como ceitas e entendia como perigosos. As testemunhas de Jeová apareciam nesta lista. Esse relatório foi muito divulgado, tanto face aos poderes públicos como do grande público. Em 1998, uma segunda comissão parlamentar foi criada com a finalidade de prosseguir as investigações iniciadas pela primeira. Ela centralizou seus trabalhos sobre o exame da situação financeira, patrimonial e fiscal das ceitas. O relatório que ela publicou em 1999 (relatório Guyard/Brard) contém, conforme a associação requerente, afirmações inexatas e difamatórias contra ela, e, em particular, as alegações de fraude fiscal. Os requerimentos que a associação formulou face ao presidente da Assembléia Nacional com vista a fazer retirar determinadas passagens do relatório não produziram efeito. A requerente se queixa de que o conteúdo dos relatórios teria provocado reações hostis às testemunhas de Jeová (campanha de imprensa hostil, criação de associações de defesa, organização de debates públicos sobre as ceitas, etc.) ou medidas tais como decisões da Justiça em matéria civil e decisões administrativas atentatórias aos direitos e liberdades; surgiram daí notadamente recusa de autorização ou de renovação de cadastramento e de controles fiscais e sociais URSSAF visando pessoas dessa confissão. Em junho de 2001, uma lei "tendente a reforçar a prevenção e a repressão dos movimentos sectários que atentam contra os direitos do homem e às liberdades fundamentais" foi adotada; ela prevê notadamente a possibilidade de solução, sob determinadas condições, de uma pessoa jurídica decorrente de movimento sectário e organiza igualmente as modalidades de uma repressão penal.

Improcedência sob a ótica des artigos 6(1), 9, 13 tomados separadamente e combinados com o artigo 14: O exame dos prejuízos se limitará ao relatório de 1999 e a lei de 2001 porque que o requerimento, tendo sido ajuizado em dezembro de 1999, os prejuízos que visam o relatório de 1995 são tardios. Não é crível que a requerente se diga diretamente afetada pelas medidas criticadas como órgão federativo de todas as testemunhas de Jeová, encarregada da proteção de seus interesses. Em qualquer caso que seja, as medidas criticadas que seriam a conseqüência da publicação do relatório da investigação de 1949 não são, certamente, fundadas sobre o relatório litigioso e, mesmo que a ele tenha sido feita referência, essa referência constitui um simples obiter dictum, que não pode, em nenhum caso, ser considerado como a ratio legis da medida. De resto, um relatório parlamentar não tem nenhum efeito jurídico e não pode servir de fundamento a nenhuma ação penal ou administrativa. As decisões judiciais invocadas decorriam notadamente do direito civil e tratavam dos fatos decorrentes da apreciação soberana dos juízes no mérito; as decisões administrativas relativas ao cadastramento visavam situações individuais que podiam ser objeto de um recurso diante das jurisdições administrativas. Quanto aos controles da URSSAF, trata-se de medidas que podem ser decididas frente a todos os jurisdicionados e a requerente não demonstrou em que essas medidas tinham por efeito violar seus direitos garantidos pela Convenção. Tratando-se da lei adotada em 2001 falta à Corte poder para se pronunciar em abstrato sobre uma legislação, não podendo ela exprimir um ponto de vista sobre a compatibilidade de suas disposições com a Convenção; deflui dessa lei que a dissolução das ceitas que ela prevê não pode ser pronunciada a não ser por via judicial e quando determinadas condições se encontram reunidas, notadamente quando aceitas ou seus dirigentes foram objeto de condenações penais definitivas por infrações limitativamente enumeradas, o que a requerente não deveria normalmente recear. Um processo de intenção faz ao legislador, preocupado em resolver um problema candente da sociedade, não é a demonstração de probalidade de risco ao qual está exposto a requerente. Além disso, ela não deveria, sem contradição, prevalecer-se do fato de que não constitui movimento atentatório às liberdades, e, ao mesmo tempo, pretender ser, pelo menos potencialmente, vítima da aplicação que poderia ser feita por essa lei. Então, a requerente não deveria se julgar "vítima" no sentido do artigo 34 da Convenção.

ARTIGO 35(1) - ESGOTAMENTO DOS RECURSOS INTERNOS

Membros de uma associação que somente agiram na Justiça através dela mas se dirigindo individualmente à Corte: improcedência.

LOULMET, FOUSSARD, FABRE, FREBEAU e SARRAZAC – França

(N° 51609/99, 51615/99, 51618/99, 51620/99 e 51625/99)

Decisão 16.5.2000 [Seção III]

Os requerentes eram membros de uma associação criada com a finalidade de contestar um decreto do Conselho de Estado de maio de 1994 pelo qual a construção de uma parte de auto-estrada tinha sido declarada de utilidade pública. Cada um dos requerentes possuía junto ao local da futura auto-estrada. Em junho de 1994, a dita associação assim como um comitê intermunicipal de melhoramento da rede viária e a defesa do meio ambiente interpuseram um recurso de anulação contra esse decreto. Os membros da associação tinham de comum acordo decidido não apresentar recursos individuais, optando por permanecer atrás de um único recurso. Em outubro de 1998, o Conselho de Estado rejeitou o recurso. A associação que tinha sido criada com a finalidade única desse contencioso, cessou sua atividade após a prolação do acórdão do Conselho de Estado.

Improcedência sob a ótica do artigo 6(1): Somente a associação interpôs um recurso de anulação do decreto litigioso, e os requerentes não intervieram de forma alguma no processo diante do Conselho de Estado. Não se pode considerar assim que estes últimos esgotaram as vias recursais que lhes estavam abertas no Direito francês. Além disso, os requerentes afirmaram que a associação não podia acionar a Corte porque ela tinha cessado suas atividades em seguida ao acórdão do Conselho de Estado. Este não podia ser validamente adiantado para justificar o acionamento da Corte pelos requerentes individuais, os quais não eram nem parte nem intervenientes do processo interno, a cessação da atividade da associação sendo precisamente o fato de seus membros, dentre os quais os requerentes. Além de que, os requerentes não pediram reparação diante das jurisdições internas pela perda de valor potencial de suas propriedades como eles poderiam fazê-lo argüindo prejuízo anormal e especial. Os requerentes não esgotaram assim as vias recursais internas no que diz respeito a esse ponto: não-esgotamento.

ARTIGO 35(1) - PRAZO DE SEIS MESES

Atraso que influiu sobre a comunicação de informações necessárias à análise de requerimento: improcedência.

GAILLARD - França (N° 47337/99)

Decisão 11.7.2000 [Seção III]

O requerente foi condenado pelo Tribunal Correcional por ter executado trabalhos sem autorização para construir. Interpôs apelação dessa sentença, não obtendo sucesso. Por um acórdão de 22 de agosto de 1994, a Corte de Cassação rejeitou o provimento de cassação que ele interpôs. Interpôs então um requerimento de retratação do acórdão de cassação, que foi também rejeitado. A Alta Jurisdição rejeitou igualmente em 22 de janeiro de 1997 o provimento de cassação no interesse da lei que formou o procurador geral junto à Corte de Cassação. O requerente interpôs um segundo requerimento de retratação dirigido dessa vez contra o acórdão de 22 de janeiro de 1997, que foi rejeitado em 2 de julho de 1998. Formulou em seguida, diante da Comissão de revisão das condenações penais, requerimentos de revisão do acórdão da Corte de Apelação, sem sucesso. Enfim, apresentou um requerimento em incidente de execução do julgamento do Tribunal Correcional diante da Corte de Apelação. Esta última, tendo decidido contrariamente ao seu requerimento, o requerente interpôs contra esse acórdão um provimento de cassação que foi rejeitado em 2 de julho de 1998. Em 25 de abril de 1997, ele tinha mantido contato com a Secretaria da Comissão. Em 6 de janeiro de 1998 a Secretaria recebeu um requerimento. Em 3 de fevereiro de 1998 a Secretaria encaminhou ao requerente um formulário de requerimento para ser preenchido, o qual o requerente somente devolveu em 28 de dezembro de 1998.

Improcedência sob a ótica do artigo 35(1): Conforme a prática seguida pela Comissão, a data de apresentação do requerimento é aquela da primeira carta na qual são mencionados, inclusive de maneira sumária, os prejuízos sofridos. Todavia, quando um prazo importante se extingue antes que o requerente forneça as indicações complementares necessárias à instrução de sua reclamação convém examinar as circunstâncias particulares do processo a fim de fixar a data que será considerada como aquela da apresentação do requerimento. O requerente, somente tendo enviado o formulário de requerimento em 18 de dezembro de 1998, ou seja, dez meses após tê-lo recebido e um ano após sua última correspondência – esta última data deve ser levada em conta como a data da apresentação do requerimento. Ora, o requerente se queixa de violações da Convenção contidas nos acórdãos de 22 de agosto de 1994 e de 22 de janeiro de 1997 da Corte de Cassação: improcedência (preclusão).

ARTIGO 35(1) - RECURSO INTERNO EFICAZ

Provimento de cassação rejeitado por falta de memorial: não-esgotamento.

YAHIAOUI - França (N° 30962/96)

Acórdão 14.1.2000 [Seção III]

De fato: O requerente, Amar Yahiaoui, cidadão tunisiano, condenado por homicídio de sua mulher, se encontra atualmente detido na França. No curso de uma instrução penal dirigida contra ele sob a acusação de homicídio, o requerente foi acusado e detido provisoriamente em junho de 1992 por um juiz de instrução do Tribunal de Grande Instância de Marseille. A partir de setembro 1992, o requerente apresentou oito requerimentos de colocação em liberdade, que foram todos rejeitados pelo juiz de instrução e pela Câmara de Acusação da Corte de Apelação de Aix-en-Provence e dezoito outros requerimentos igualmente rejeitados pelo juiz da instrução, decisões contra as quais o requerente não interpôs apelação. Interpôs também dois recursos de provimento de cassação contra dois acórdãos confirmativos de rejeição de requerimentos de liberação provisória também julgados improcedentes por dois acórdãos de 6 de maio de 1995 e 9 de janeiro de 1996 ao motivo de que ele não havia apresentado razões. Em março de 1996, ele apresentou diretamente à Câmara de Acusação um novo requerimento que foi rejeitado por um acórdão contra o qual ele não interpôs provimento de cassação. Em maio de 1997, o requerente foi condenado a uma pena de trinta anos de reclusão criminal pelo Tribunal do Júri do Departamento de Bouches du Rhône. Interpôs em 30 de maio recurso de provimento de cassação que foi rejeitado em 18 de setembro de 1996.

De direito: Artigo 5(3) – Exceção preliminar do Governo: O requerente interpôs provimento de cassação em duas oportunidades contra acórdãos da Câmara de Acusação mas não apresentou razões em apoio desses provimentos de cassação julgados improcedentes pela Corte de Cassação, e não formulou nenhuma observação sobre esse ponto. Ora, o prejuízo que se deve alegar à Corte deve anteriomente ser alegado frente às jurisdições nacionais competentes. A Corte de Cassação é competente para apreciar, com base no exame do processo, o respeito das autoridades judiciárias ao prazo razoável conforme as exigências do artigo 5(3). O requerente não deu às jurisdições francesas oportunidade de evitar ou corrigir as violações alegadas contra as autoridades francesas conforme previsto no artigo 35 (1). Conclusão: Não-esgotamento (unanimidade).

ARTIGO 44(2)(c) – SENTENÇAS DEFINITIVAS

Em 31 de janeiro de 2000 o Colégio da Grande Câmara rejeitou o pedido de revisão do acórdão seguinte, que se tornou definitivo.

DONSIMONI - França (Nº 36754/97)

Acórdão 5.10.99 [Seção III]

O recurso diz respeito à duração de processo que tramitou contra o requerente. O processo iniciou-se em março de 1994 e atualmente está pendente diante da Corte de Apelação. Teve duração de cinco anos e meio mais ou menos, dos quais cinco anos e quase dois meses correspondente ao primeiro grau de jurisdição. Conclusão: Violação (unanimidade).

Artigo 41: A Corte determina o pagamento de ao interessado de 35.000 francos (FRF) por dano moral e 15.000 francos por despesas processuais.

ARTIGO 1º DO PROTOCOLO ADICIONAL - BENS

Controle das contas de campanha do requerente, candidato à eleição presidencial: improcedência.

CHEMINADE - França (N° 31599/96)

Decisão 19.1.99 [Seção III]

O requerente, tendo reunido as quinhentas assinaturas de eleitos necessárias, se apresentou à eleição presidencial de 1995. O Conselho Constitucional aceitou sua candidatura e lhe destinou um adiantamento de um milhão de francos sobre o reembolso adiantado das despesas de campanha. O requerente obteve 0,28% dos votos. Ele depositou sua conta de campanha de que se concluía que suas despesas estavam elevadas a um pouco mais de 4.700.000 FF. A legislação aplicável prevê que uma soma igual a oito por cento do teto das despesas é reembolsável a título adiantado a cada candidato que não obteve mais de cinco por cento dos votos do primeiro turno. Esse reembolso não pode todavia exceder o montante das despesas do candidato. O Conselho Constitucional rejeitou a conta de campanha do requerente ao motivo de que vinte e um dos empréstimos que lhe foram dados tinham sido concluídos após a data limite legal para recolher fundos e não estipulavam juros, vantagem assimilável a uma doação. O requerente não obteve então o reembolso de suas despesas e recebeu uma ordem de restituição de um milhão de francos de adiantamento que lhe tinha sido feito pelo Estado. O Tesouro Público determinou a feitura de um termo de penhora com vista à venda de bens móveis do requerente e procedeu a penhora de quantias que se encontravam em suas contas bancárias. O interessado reclama da iniquidade do procedimento, de um atentado discriminatório a sua liberdade de expressão e do atentado ao direito ao respeito aos bens.

Improcedência sob a ótica do artigo 6 (1): Os procedimentos referentes ao contencioso eleitoral escapam em princípio ao campo de aplicação dessa disposição e, na espécie, o procedimento litigioso tinha por objeto verificar a regularidade das contas do requerente. O direito de ser candidato a uma eleição é um direito de caráter político e não civil e os litígios versantes notadamente sobre a regulamentação das despesas de campanha regogem ao campo de aplicação desse artigo. A eventual incidência patrimonial de um procedimento tratando das condições de exercício de um direito de caráter político não confere a este uma natureza civil: incompatível em razão da matéria.

Improcedência sob a ótica dos artigos 10 e 14: O requerente tendo tido toda a oportunidade para expor suas idéias a seus concidadãos, pode fazer uso da liberdade de expressão que lhe é reconhecida. Não houve nenhuma ingerência nessa liberdade, tendo o Estado, ao contrário, tomado medidas positivas para permitir a todo cidadão postular sua eleição presidencial porque a legislação prevê o financiamento de despesas de campanha através de fundos públicos, inclusive para candidatos que obtiveram menos de cinco por cento dos votos. Ao rejeitar a conta de campanha de um candidato, o Conselho Constitucional não pronuncia uma sanção, mas controla o respeito às regras relativas às modalidades de financiamento; não houve então nenhuma ingerência do direito do requerente à liberdade de expressão: falta manifesta de fundamento.

Não recebido sob a ótica do artigo 1 do Protocolo nº 1: A lei, prevendo o financiamento das despesas de campanha, através de fundos públicos, não pode ser interpretada como dando ao requerente um crédito contra o Estado, suas disposições sendo sem equívoco: o reembolso das despesas somente é efetuado pelos candidatos cuja conta de campanha foi aprovada pelo Conselho Constitucional. Referentemente às medidas pelas quais o Estado, credor de uma quantia em dinheiro, tenta obter o reembolso de uma quantia indevidamente recebida, elas não constituem uma ingerência no direito ao respeito aos bens do devedor da quantia, porque uma dívida não é um "bem". A mesma razão se aplica ao reembolso pelo requerente do empréstimo pessoal contratado por ele e dos diversos empréstimos que lhe tinham sido concedidos: incompatível em razão da matéria.

ARTIGO 1º DO PROTOCOLO ADICIONAL - PRIVAÇÃO DE PROPRIEDADE

Duração de processo de indenização conseqüente a um remembramento: violação.

PIRON - França (N° 36436/97)

Acórdão 14.11.2000 [Seção III]

De fato: A requerente era proprietária de terras agrícolas. Em 1965, operou-se um remembramento. Nesse mesmo ano, a requerente interpôs um recurso à Comissão Departamental de Reorganização Imobiliária e de Remembramento, somente obtendo satisfação parcial para suas pretensões. A decisão da Comissão Departamental somente satisfez parcialmente as pretensões da requerente, tendo a requerente interposto recurso de anulação diante do Tribunal Administrativo. Este deu razão à requerente e anulou a decisão atacada. Em 1971, a Comissão Departamental admitiu em parte as queixas da requerente, por decisão, e um plano definitivo de remembramento foi deferido. A requerente interpôs um recurso contra a decisão da Comissão Departamental diante das jurisdições administrativas, que, em 1975, anulou a decisão em questão. Em 1982, a Comissão Departamental concedeu uma compensação à requerente. Esta última recorreu diante do Tribunal Administrativo da decisão que fixou a compensação. O Tribunal anulou a decisão e enviou o caso à Comissão Nacional de Regulação Imobiliária. Em 1986, a requerente acionou essa Comissão que fixou a indenização. Acionado em 1991, o Conselho de Estado anulou essa decisão em 1995. A Comissão Nacional, de novo acionada, decidiu em 1998 e confirmou as indenizações como fixadas em 1990. Em 1998, o Conselho de Estado anulou, através de recurso da requerente, essa nova decisão ao motivo notadamente de que a Comissão Nacional não tinha reavaliado as indenizações concedidas à requerente. A requerente acionou mais uma vez a Comissão. Paralelamente, ela contestou o montante das indenizações diante do juiz da expropriação; o processo ainda está pendente.

De direito: Artigo 1 do Protocolo nº 1 – a transferência de propriedade tendo ocorrido, trata-se de uma privação de propriedade. O remembramento serve o interesse dos proprietário interessados, como da coletividade no seu conjunto, fazendo aumentar a rentabilidade das explorações e racionalizando a cultura. Na espécie, o remembramento foi efetuado nas condições previstas na lei, no sentido da jurisprudência pertinente. Tratando-se da proporcionalidade da ingerência, as jurisdições administrativas e perícia foram favoráveis à requerente. Em vista do tempo decorrido e da impossibilidade do restabelecimento da situação inicial, as autoridades podiam proceder a uma indenização. Todavia, a indenização de um prejuízo não pode constituir uma reparação adequada a não ser quando leva em conta o dano que contabiliza a duração da privação. Ela deve, além disso, ocorrer em um prazo razoável. A duração de processo relativo a um remembramento entra em linha de conta, com outros elementos, para determinar se a transferência da propriedade litigiosa se concilia com a garantia do direito de propriedade. Na espécie, o processo está pendente após mais de vinte e seis anos. Além de que, a soma que poderia ser outorgada no final do processo não compensa a ausência de reparação e não deveria ser determinante face à duração dos recursos já interpostos pela requerente. Conclusão: violação (unanimidade).

Artigo 6(1): se bem que a competência ratione temporis da Corte somente comece em 1974, é necessário levar em conta, para apreciação da duração, o fato de que nessa data o processo já tinha começado há mais de oito anos. O processo não tinha ainda terminado, sua duração é de vinte e seis anos e mais de cinco meses. O processo revestia uma certa complexidade. A requerente não deixou de diligenciar como deveria. Longos períodos de paralisação imputáveis às autoridades resultam dos fatos e de fato a lentidão do processo resulta essencialmente do comportamento das autoridades e jurisdições acionadas. Conclusão: violação (unanimidade).

Artigo 41: A Corte concede à requerente 100.000 francos franceses por danos materiais e uma soma por despesas processuais.

ARTIGO 1º DO PROTOCOLO ADICIONAL - REGULAMENTAÇÃO DO USO DOS BENS

Confisco judicial do veículo do requerente utilizado por um terceiro para cometer uma infração penal e restituição submetida a pagamento: improcedência.

C.M. - França (N° 28078/95)

Decisão 26.6.2001 [Seção III]

O filho do requerente foi preso ao volante do veículo do requerente por ocasião de uma "batida" rodoviária. Os agentes aduaneiros encontraram com ele dezenove gramas de heroína. Condenado por importação e uso de drogas, o Tribunal Correcional pronunciou em benefício da administração aduaneira o confisco do veículo do requerente que serviu ao cometimento da infração de contrabando pelo seu filho. Esse confisco foi confirmado em grau de apelação. O requerente não foi intimado quanto a nenhuma das duas decisões judiciais datadas de setembro de 1994 e janeiro de 1995. Em setembro de 1994, o requerente requereu à Administração aduaneira a restituição do seu veículo e determinados bens pessoais. Reiterou seu requerimento em outubro de 1994. Em novembro de 1994, o diretor inter-regional aduaneiro lhe afirmou que ele poderia recuperar seus bens pessoais e que a devolução amigável do veículo poderia lhe ser deferida contra o pagamento da quantia de 3.000 FRF. O requerente se queixa do confisco de seu veículo por fatos que não lhe dizem respeito, no bojo de um processo do qual não é parte e de cujas decisões não foi intimado, assim como a ausência de recurso para fazer valer seu direito de propriedade.

Improcedência sob a ótica do artigo 1º do Protocolo nº 1: A ingerência não contestada no direito do requerente ao respeito a seus bens se analise em "uma regulamentação do uso dos bens". Ressalta de um exame do Direito interno que o requerente dispunha, na sua qualidade de proprietário de boa-fé, e não obstante o processo criminal em apreço, da possibilidade de interpor um recurso diante do Tribunal de Instância para pleitear a restituição do seu veículo com base no artigo 326 do Código Aduaneiro. O controle judicial assim aberto responde às exigências da segunda alínea do artigo 1º do Protocolo nº 1. Na espécie, e levando em conta a margem de apreciação dos Estados, um justo equilíbrio se realizou entre os interesses da comunidade e os direitos fundamentais do indivíduo: manifestamente improcedente.

Improcedência sob a ótica do artigo 13: A Corte, tendo entendido o artigo 326 precitado conforme as exigências do artigo 1º segunda alínea do Protocolo n° 1, o requerente dispunha de um recurso efetivo de Direito interno para fazer valer seu direito de propriedade.

Improcedência sob a ótica do artigo 6: Conforme a jurisprudência decorrente dos processos Agosi e Air Canada, o requerente, se bem que tenha sofrido nos seus direitos patrimoniais medidas coercitivas não foram objeto de uma "acusação em matéria penal" no sentido do artigo 6 e a Corte entende não ser necessário estudar de ofício a questão da aplicabilidade desse artigo sob o ângulo "civil".

ARTIGO 2 DO PROTOCOLO n° 7 - REEXAME DE CONDENAÇÃO

Provimento de cassação como único recurso contra acórdão de Tribunal do Júri: improcedência.

LOEWENGUTH - França (N° 53183/99)

Decisão 30.5.2000 [Seção III]

O requerente foi reconhecido culpado por um dos Tribunais do Júri por estupros agravados e condenado a quinze anos de reclusão e à interdição dos direitos cívicos, civis e de família por um prazo de dez anos. Seu provimento de cassação foi rejeitado ao motivo de que nenhuma fundamentação foi produzida em apoio do recurso. O requerente sustenta que a ausência de fundamentação decorreu da negligência de seu advogado. O requerente se queixa de não ter podido se beneficiar do duplo grau de jurisdição, por isso o provimento de cassação sendo a única via recursal aberta contra as decisões do Tribunal do Júri.

Improcedência sob a ótica do artigo 2 do Protocolo n° 7: O requerente não teve oportunidade de interpor apelação quanto ao mérito da decisão do Tribunal do Júri, único recurso aberto contra os Tribunais do Júri sendo o provimento de cassação; o reexame se acha assim limitado às questões de direito. Todavia, os Estados-partes conservam, segundo o presente artigo, a faculdade de decidir sobre modalidades do exercício do direito ao reexame e podem restringir a sua extensão. Assim, a possibilidade oferecida ao requerente de recorrer através de provimento de cassação respondia às exigências do presente artigo: manifestamente improcedente.

ARTIGO 4 DO PROTOCOLO Nº 7 - DIREITO A NÃO SER JULGADO OU PUNIDO DUAS VEZES PELO MESMO FATO

Condenação a sanções administrativas e depois às sanções penais por não declaração de impostos: improcedência.

PONSETTI e CHESNEL - França (N° 36855/97 e Nº 41731/98)

Decisão 14.9.99 [Seção III]

Os dois requerentes, que não tinham apresentado suas declarações fiscais, foram objeto de sanções administrativas da parte dos serviços fiscais, sob a forma de majoração das quantias devidas. A administração, tendo, além disso, ajuizado procedimento criminal contra eles, foram igualmente condenados por fraude fiscal. O Tribunal Correcional considerou com efeito que eles haviam se omitido intencionalmente ao pagamento do imposto. Alegando que eles tinham sido julgados duas vezes pelos mesmos fatos, os requerentes interpuseram apelação, em vão, quanto às suas condenações penais. Os provimentos de cassação foram rejeitados.

Improcedência sob a ótica do artigo 4 do Protocolo 7: As duas condenações resultam da aplicação de duas disposições do Código Geral dos Impostos, que dizem respeito a infrações bem distintas cujos elementos constitutivos diferem entre si. A infração fiscal sanciona unicamente a omissão de declarar seus impostos no prazo previsto enquanto que a infração penal incrimina o caráter voluntário da omissão: manifestamente improcedente.

ANEXO 3

Processo Chassagnou e outros c/França - Extrato de comunicação de imprensa

De fato: O processo diz respeito a três requerimentos apresentados originalmente por dez cidadãos franceses, Sra. Marie-Jeanne CHASSAGNOU, M. René PETIT, Sra. Simone LASGREZAS, Srs. Léon DUMONT, Pierre e André GALLAND, Edouard (falecido) et Michel PETIT, Michel PINON e Sra. Joséphine MONTION, nascidos respectivamente em 1924, 1936, 1927, 1924, 1926 e 1936, 1910 e 1947, 1947 e 1940. A Sra. Chassagnou, o Sr. René Petit e a Sra. Lasgrezas são domiciliados nos municípios de Tourtoirac e de Chourgnac no Departamento de Dordogne onde eles exercem a profissão de agricultores. Os Srs. Dumont, Galland, Petit e Pinon, que são igualmente agricultores, são domiciliados no território dos municípios de La Cellette e de Genouillac, no departamento de Creuse. A Sra. Montion é domiciliada em Salleboeuf, do Departamento de Gironde, onde ela exerce a profissão de secretária. Todos os requerentes são proprietários de imóveis de área inferior a 20 hectares aqueles domiciliados em Dordogne e Gironde, e de 60 hectares por aqueles domiciliados em Creuse. Em virtude de lei de 10 de julho de 1964, chamada lei "Verdeille", relativa à organização das associações comunais de caça agregadas (ACCA), todos os requerentes, que são contrários à caça, foram obrigados a se tornar membros das ACCA criadas nos seus municípios e permitir o exercício da caça nas suas propriedades por todos os caçadores do município. Eles não podiam ser obrigados a essa adesão e à permissão de autorização obrigatória para caça nos seus terrenos a não ser que a superfície de seus imóveis fosse superior a 1 seuil, variável de acordo com os Departamentos referidos (20 hectares em Dordogne e Gironde e 60 hectares em Creuse), o que não era o caso. Os requerentes tentaram obter frente às jurisdições internas a exclusão das suas terras da influência das ACCA e de seus municípios mas tiveram rejeitados seus requerimentos, tanto pelas jurisdições civis quanto pelas administrativas, em último lugar, pelo acórdão da Corte de Cassação de 16 de março de 1994 (processo Chassagnou, R. Petit e Lasgrezas) ou pelos acórdãos do Conselho de Estado datados respectivamente de 10 de março de 1995 (processo Dumont e outros) e de 10 de maio de 1995 (processo Montion).

Os requerentes se queixam de que a inclusão forçada de seus terrenos no perímetro das ACCA em questão e sua adesão obrigatória a uma associação cujo objetivo eles reprovam viola seu direito de propriedade, seu direito à liberdade de associação e seu direito à liberdade de pensamento e consciência, previsto nos artigos 1 do Protocolo nº 1, 11 e 9 da Convenção Européia dos Direitos Humanos. Eles se queixam igualmente de discriminação que contraria o artigo 14 da Convenção.

De direito: Artigo 1 do Protocolo n° 1 - Quanto ao atentado ao direito de propriedade dos requerentes: a Corte entende que na ocorrência, os requerentes não pretendem caçar nas suas propriedades e se opõe a que terceiros possam ingressar nos seus imóveis para praticar a caça. Ora, oponentes éticos à caça, acabaram obrigados a suportar todos os anos sobre seus imóveis a presença de homens armados e cães de caça. Não se pode duvidar, essa limitação imposta à livre disposição do direito de uso constitui uma ingerência no exercício de direitos que os requerentes têm pela sua qualidade de proprietários. A Corte entende, no que diz respeito à finalidade dessa ingerência, que é seguramente no interesse geral de evitar uma prática anárquica da caça e de favorecer a gestão racional do patrimônio cinegético. Após ter entendido que nenhuma das opções invocadas pelo Governo (possibilidade de fechar seu terreno ou requerimentos que teriam podido apresentar os requerentes a fim de obter a colocação de seus terrenos em reservas de caça ou reservas naturais) não era suscetível na prática de dispensar os requerentes da obrigação legal de franquear seus imóveis às ACCA, a Corte considerou que as contraprestações legais em dinheiro mencionadas pelo Governo não deveriam ser consideradas como representando uma justa indenização da perda do direito de uso. É claro que no espírito da lei Verdeille de 1964, a privação do direito de caça, exclusivo de cada proprietário submetido ao franqueamento devia ser compensada pela possibilidade concomitante de caçar no conjunto do território do município submetido à ACCA. Todavia, essa compensação somente tem realidade e interesse quando todos os proprietários em apreço sejam caçadores ou aceitem a caça. Ora, a lei de 1964 não contemplou nenhuma medida de compensação em favor dos proprietários que se opõe à caça, que, por definição, não desejam tirar nenhum proveito ou benefício do direito de caça que eles se recusam a exercer. A Corte entende que o exercício forçado do direito de caça, atributo em Direito Francês, do direito de propriedade, é derrogatório do princípio apresentado pelo artigo L. 222-1 do Código Rural, segundo o qual ninguém deveria caçar em propriedade de outrem sem o consentimento do proprietário. A Corte observa além disso que, em seguida à adoção da lei Verdeille em 1964, que excluía desde o começo os Departamentos de Bas-Rhin, Haut-Rhin e Moselle, somente 29 Departamentos, dentre os 93 departamentos da França metropolitana foram submetidos ao regime da criação obrigatória de ACCA, que o regime das ACCA facultativas somente se aplica nos 851 municípios, e que a lei somente visa as pequenas propriedades, com a exclusão tanto das grandes propriedades privadas como dos domínios pertencentes ao Estado. Em conclusão, não obstante os objetivos legítimos pretendidos pela lei de 1964 no momento de sua adoção, a Corte entende que o sistema de franquiamento forçado que ela prevê coloca os requerentes em uma situação que rompe o justo equilíbrio que deve reinar entre a garantia do direito de propriedade e as exigências do interesse geral: obrigar os pequenos proprietários a permitir o direito de caça em seus terrenos pode ser lido na Internet no endereço por terceiros contrariando totalmente suas convicções que apresentam-se como um peso desmesurado que não se justifica sob a ótica da segunda alínea do artigo 1 do Protocolo nº 1. Existe assim violação desse dispositivo. Conclusão: Violação (12 votos contra 5).

Artigo 1 do Protocolo n° 1, combinado com o artigo 14: A Corte observa que o Estado recorrido procura justificar a diferença de tratamento entre os pequenos e grandes proprietários invocando a necessidade de garantir o agrupamento de pequenas parcelas para favorecer uma gestão nacional dos recursos cinegéticos. A Corte considera que na espécie o Governo recorrido não explicou de maneira convincente como o interesse geral podia ser servido pela obrigação contra somente os pequenos proprietários de concordar com o direito de caça em seus terrenos. Nessa medida em que a diferença de tratamento operada entre os grandes e os pequenos proprietários tem como conseqüência reservar somente aos primeiros a faculdade de afetar seus terrenos a um uso conforme sua livre escolha, constitui uma discriminação fundada na propriedade imobiliária no sentido do artigo 14 da Convenção. Existe então violação ao artigo 1 do Protocolo nº 1 combinado com o artigo 14 da Convenção. Conclusão : Violação (14 votos contra 3).

Artigo 11: Segundo a Corte, a noção de "associação" possui um significado autônomo: a qualificação em Direito Nacional somente tem um valor relativo e constitui apenas um simples ponto de partida. É verdade que as ACCA devem a sua existência à vontade do legislador, mas a Corte entende que não é menos certo que a ACCA são associações constituídas conforme a lei de 1º de julho de 1901. Afora isso, não deveria ser sustentado que as ACCA usufruem, em virtude da lei Verdeille, de prerrogativas exorbitantes de Direito comum, tanto administrativas quanto normativas ou disciplinares e que elas utilizam procedimentos do Poder Público. A Corte entende que as ACCA são "associações" no sentido do artigo 11. A Corte entende que a ingerência no direito à liberdade de associação "negativa" ou seja o direito de não fazer parte de uma associação contra a sua vontade, era na espécie previsto pela lei e visava um fim legítimo, a saber, aquele da proteção dos direitos e liberdades de outrem. Na ocorrência, o Governo alegou a necessidade de proteger ou favorecer o exercício democrático da caça. Supondo mesmo que o Direito francês consagra um "direito" ou uma "liberdade" de caça, a Corte entende que tal direito ou liberdade não faz parte daqueles reconhecidos pela Convenção e que, ao contrário, garante expressamente a liberdade de associação. Quanto à questão de saber se a ingerência era proporcional ao objetivo legítimo pretendido, a Corte nota que os requerentes são contrários à prática da caça e que suas convicções nesse aspecto atingem um certo grau de convicção, coerência e importância e merecem por isso respeito em uma sociedade democrática. Assim, a Corte entende que a obrigação imposta a oponentes à caça de aderir a uma associação de caça pode à primeira vista parecer incompatível com o artigo 11. A Corte entende que na espécie os requerentes não tiveram razoavelmente a possibilidade de se isentar dessa afiliação: levando em conta que seus imóveis sejam situados no território de uma ACCA e que não sejam proprietários de terrenos de superfície que lhes permita se oporem, sua afiliação é obrigatória. A Corte observa em seguida que a lei exclui expressamente de seu campo de aplicação todos os terrenos que fazem parte do domínio público do Estado, dos departamentos e dos municípios, das florestas dominiais e das empresas ferroviárias. Em outros termos, a necessidade de colocar em comum terrenos para o exercício da caça, somente se impõe a um número restrito de proprietários particulares e isso sem que suas opiniões sejam tomadas em consideração de qualquer maneira que seja. Em vista do acima dito, os motivos adiantados pelo Governo não são suficientes para mostrar que era necessário obrigar os requerentes a se tornarem membros das ACCA de seus municípios, contrariando suas convicções pessoais. À vista da necessidade de proteger os direitos e liberdades de outrem para o exercício democrático da caça, uma obrigação de adesão às ACCA que pesa unicamente sobre um quarto dos proprietários na França não pode passar por desproporcionada ao objetivo legítimo pretendido. A Corte não verifica também porque seria necessário se colocar em comum que as pequenas como as grandes, tanto públicas quanto privadas estariam colocadas ao abrigo de um exercício democrático da caça. Obrigar através da lei o indivíduo a uma adesão profundamente contrária às suas próprias convicções e obrigar, através dessa adesão, a permitir que o terreno de sua propriedade seja utilizado pela associação em questão com tais objetivos que ele desaprova vai além daquilo que é necessário para assegurar um justo equilíbrio entre os interesses contraditórios não deveria ser considerado como proporcional ao objetivo pretendido. Existe assim violação ao artigo 11. Conclusão : Violação (12 votos contra 5).

Artigo 11, combinado com artigo 14: A Corte entende que o exame do prejuízo decorrente do artigo 11, combinado com o artigo 14, é em substância análogo àquele que foi trazido em face do artigo 1 do Protocolo nº 1 e ela não reconhece nenhuma razão para divergir da sua conclusão anterior. A Corte entende que o Governo recorrido não trouxe nenhuma justificação objetiva e razoável da diferença de tratamento contestada, que obriga os pequenos proprietários a serem membros da ACCA e permite aos grandes proprietários eximirem-se a essa afiliação obrigatória, que eles exercem seu direito de caça exclusivo sobre sua propriedade ou que eles preferem, em razão de suas convicções afetá-las à instauração de um refúgio ou de uma reserva natural. Em conclusão, existe violação ao artigo 11 combinado com o artigo 14 da Convenção. Conclusão : Violação (16 votos contra 1).

Artigo 9: Levando em conta as conclusões observadas no que diz respeito à violação dos artigos 1 do Protocolo nº 1 e 11, tanto tomados isoladamente como combinados com o artigo 14 da Convenção, a Corte não entende necessário proceder ao exame separado do processo sob a ótica do artigo 9 da Convenção. Conclusão: Não é necessário examinar (16 votos contra 1).

Artigo 41: A Corte, após ter tomado nota do fato de que os requerentes não demandavam nada a título de despesas processuais, tendo sido representados gratuitamente diante dos órgãos da Convenção, rejeita seus requerimentos de reparação do prejuízo material alegado, à falta de justificativas. Em contrapartida, decidindo por eqüidade, a Corte concede a cada um dos requerentes a quantia de 30.000 FF por dano moral.

(Diversos juízes votaram em separado.)

ANEXO 8

Processo Cha’are Shalom ve Tsedek c. França – Extrato de comunicação de imprensa

De fato: Em 1987, a requerente pleiteou junto Ministro do Interior sua habilitação ao Ministro da Agricultura com vistas à obtenção da autorização necessária para poder praticar o abate ritual conforme as prescrições religiosas estritas a seus membros, para os quais a carne não é "cachère" se ela não é "glatt" ou seja, se o controle post mortem dos animais abatidos revela a menor impureza ao nível dos pulmões. Esse requerimento foi rejeitado em última instância por acórdão do Conselho de Estado de 25 de novembro de 1994 ao fundamento de que a requerente não podia ser considerada como uma "entidade religiosa" no sentido do artigo 10 do Decreto de 1 de outubro de 1980 que somente prevê uma exceção à obrigação de atordoamento preliminar dos animais em caso de abate ritual efetuado por sacrificadores habilitados pelos organismos religiosos registrados.

A requerente se queixa de que o indeferimento do seu pedido de registro atentou contra sua liberdade, garantida pelo artigo 9 da Convenção Européia dos Direitos Humanos, de manifestar sua religião pelo cumprimento de um rito. Ela reclama igualmente, em face do artigo 14 da Convenção, de ser objeto de discriminação contrária a esse artigo, na medida em que onde esse registro, que é necessário para ter acesso aos abatedouros, somente foi autorizado ao Consistório Central de Paris (ACIP), associação que agrupa a grande maioria dos israelitas da França, cujos sacrificadores não procederiam a um controle suficientemente aprofundado da carne que eles afirmam como estando "cachère".

De direito: Artigo 9 – Do parecer da Corte, não teria havido ingerência na liberdade de manifestação de sua religião a não ser se a proibição de praticar legalmente esse abate conduzisse à impossibilidade para os crentes ultraortodoxos de comer carne proveniente de animais abatidos segundo as prescrições religiosas que lhes parecem aplicáveis na matéria. Ora, tal não é o caso. Com efeito, não é contestado que a requerente pode se aprovisionar de carne "glatt" na Bélgica. Além disso, ressurge das atestações e constatações do oficial de justiça a existência de produtos para os terceiros intervenientes que um determinado número de açougues operam sob o controle da ACIP colocando à disposição dos fiéis uma carne certificada como "glatt" por Beth-Din.

Ressurge ainda do conjunto do processo, bem assim das alegações trocadas entre as partes na audiência, que os fieis membros da associação requerente podem se proporcionar carne "glatt". Em particular, o Governo afirmou, sem ser contraditado sobre esse ponto, que as negociações ocorridas entre a requerente e a ACIP com vistas a se chegar a um acordo para que a requerente possa proceder ela mesma ao abate nas mesmas condições da ACIP, entende que não pode ser feito por razões financeiras. Certamente, o requerente invoca uma falta de confiança nos sacrificadores habilitados pela ACIP para o que é a extensão do controle pos mortem dos pulmões dos animais abatidos, mas a Corte entende que o direito à liberdade religiosa garantida pelo artigo 9 da Convenção não deveria englobar o direito de proceder pessoalmente ao abate ritual e à certificação que daí decorre, desde que, como foi dito, a requerente e seus membros não são privados concretamente da possibilidade de se proporcionarem e comerem carne considerada por eles mais conforme às prescrições religiosas. Por essas razões, a Corte entende que a recusa de autorização religiosa não constitui uma ingerência do direito da requerente à liberdade de manifestar sua religião. Conclusão: não-violação (doze votos contra cinco).

Artigo 9 combinado com o artigo 14 – A Corte observa que os fatos da espécie são cabíveis no artigo 9 da Convenção e que o artigo 14 é aplicável. Todavia, em face das constatações referentes ao efeito limitado da medida questionada, as quais não levam à conclusão de que não houve ingerência no direito da requerente de manifestar sua religião, a Corte entende que a diferença de tratamento que é resultado disso é pouco desigual. Afora isso, a medida judicial pretendia um fim legítimo e existia uma relação razoável de proporcionalidade entre os meios empregados e o objetivo visado. Se diferença de tratamento houve, ela encontrava na espécie uma justificação objetiva e razoável no sentido da jurisprudência da Corte. Portanto a Corte entende que não houve violação ao artigo 9 combinado com o artigo 14 da Convenção. Conclusão: não-violação (dez votos contra sete).

(Os juizes Bratza, Fischbach, Thomassen, Tsatsa-Nikolovska, Pantîru, Levits e Traja exprimiram seus votos dissidentes cujo texto se encontra junto ao acórdão.)

ANEXO 14

Acórdão Association Ekin c. França - extrato de comunicação de imprensa

A Corte diz, à unanimidade: que houve violação ao artigo 10 da Convenção; que nenhuma questão distinta se apresenta em face do artigo 10 combinado com o artigo 14 da Convenção; que houve violação ao artigo 6 § 1; que não é necessário examinar o prejuízo em face do artigo 13 da Convenção.

Em aplicação do artigo 41 (satisfação justa) da Convenção, a Corte determina o pagamento à requerente de 250.000 francos franceses (FRF) por danos materiais, 50.000 FRF por danos morais e 58.500 FRF por despesas processuais.

Principais fatos: O processo diz respeito a um requerimento apresentado por uma associação de nome Ekin, cuja sede é em Bayonne (França). A associação se dedica à salvaguarda da cultura e das especificidades bascas..

Em 1987, a associação requerente publicou em várias línguas e em vários países da Europa um livro intitulado "Euskadi en Guerre", retraçando os aspectos históricos, culturais, lingüísticos e sócio-políticos da guerra dos bascos.

Em 29 de abril de 1988, uma portaria ministerial, baseada no artigo 14 da lei de 29 de julho de 1881, modificada pelo decreto de 6 de maio de 1989 proibiu a circulação, distribuição e venda do livro na França ao motivo de que ele incentivava o separatismo, justificava o recurso à ação violenta e podia causar perigos à ordem pública.

A associação requerente interpôs um recurso administrativo que foi implicitamente rejeitado; ela acionou então o Tribunal administrativo de Pau com um recurso contencioso. Esse Tribunal, dando-se por incompetente, reenviou o processo ao Conselho de Estado, que, por sua vez, determinou o reenvio do processo ao Tribunal Administrativo de Pau, este último rejeitou o recurso aos fundamentos de que o livro era de procedência estrangeira e podia constituir ameaça à ordem pública.

Contra esse julgamento, a associação requerente interpôs apelação diante do Conselho de Estado que anulou o julgamento e bem assim a portaria ministerial ao motivo de que à falta de exposição legislativa definindo as condições às quais se submete a legalidade das decisões de interdição tomadas com base no artigo 14 da lei de 29 de julho de 1881, não apresentava em face dos interesses dos quais o Ministro se encarrega, e notadamente da segurança pública e da ordem pública em caráter de natureza a justificar legalmente a gravidade do atentado à liberdade de imprensa constituída pela medida questionada. Em contrapartida, a alta jurisdição entendeu que o artigo 14 da lei de 1881 modificada não contraria do artigo 10 da Convenção Européia dos Direitos Humanos, combinado com o artigo 14 da Convenção.

Invocando o artigo 10 da Convenção, a requerente se queixa que o artigo 14 a lei de 1881, modificada, é uma norma jurídica por demais incerta que não responde às exigências de acessibilidade e de previsibilidade de seus efeitos. Além disso, a ingerência prevista por essa norma não é necessária em uma sociedade democrática. Além do mais, essa disposição cria uma discriminação em matéria de liberdade de expressão fundada juridicamente na língua ou origem nacional e, portanto, contrária ao artigo 14 combinado com o artigo 10. Ela invoca também os artigos 6 § 1 em razão da duração excessiva do processo.

Decisão da Corte:

Artigo 10, tomado isoladamente e combinado com o artigo 14 – Redigido em termos muito amplos, o artigo 14 da lei de 1881, modificado, confere ao Ministro do interior vastas prerrogativas em matéria de proibição administrativa de divulgação de publicações de origem estrangeira ou redigidos em língua estrangeira. Como indicado acima, tais restrições preliminares não são, a priori, incompatíveis com a Convenção. Para tanto, elas devem se inscrever no espaço legal particularmente estrito quanto à delimitação da proibição e eficácia quanto ao controle jurisdicional contra os eventuais abusos.

Quanto à tendenciosidade da regulamentação aplicável às publicações estrangeiras, a Corte constata que o artigo 14 da lei de 1881 modificada cria um regime derrogatório do Direito comum dando competência ao Ministro do interior para proibir de maneira geral e absoluta no território francês, a circulação, distribuição ou venda de qualquer texto redigido em língua estrangeira ou, mesmo quando redigido em francês, se ele considera como de origem estrangeira. A Corte observa que essa disposição não indica as condições às quais ela se aplica. Em particular, ela não fixa a noção do que seja "origem estrangeira" nem indica os motivos pelos quais uma publicação considerada como estrangeira deva ser proibida. Certamente, as lacunas foram progressivamente preenchidas pela jurisprudência da jurisdição administrativa. Não é menos verdade que, como destaca a requerente, a aplicação dessa regulamentação, em determinados casos, dá lugar a resultados surpreendentes, ou seja, próximos da arbitrariedade, conforme a língua em que a publicação é escrita ou a origem do texto.

Tratando-se de modalidades e da extensão do controle jurisdicional da medida de interdição administrativa a Corte verifica que o controle jurisdicional intervém a posteriori, além disso esse controle não é automático, o processo de controle pelo juiz não podendo ocorrer a não ser através da participação do editor. Quanto à extensão e à eficácia do controle jurisdicional, a Corte observa que até o acórdão proferido pelo Conselho de Estado no presente processo as jurisdições administrativas somente exerciam um controle restrito das decisões tomadas em aplicação do artigo 14 da lei de 1881, modificada. Somente com o acórdão Association Ekin de 9 de julho de 1997 que o Conselho de Estado ampliou a extensão do seu poder de controle a um controle integral dos motivos da decisão. Ocorrendo isso, a requerente aguardou mais de nove anos antes de obter uma decisão judicial definitiva. Evidentemente, a duração desse processo privou de eficácia prática o controle jurisdicional em um domínio em que a vitória no litígio exigia precisamente uma celeridade na condução do processo. A isso se acrescenta o fato, não contestado pelo Governo, de que a suspensão da execução não foi concedida pelas jurisdições administrativas, conforme o texto aplicado na espécie, a não ser se o interessado demonstrasse o caráter dificilmente reparável do dano causado pela medida, condição mais difícil a preencher. Enfim, conforme o artigo 8 do decreto de 28 de novembro de 1983, desde que a Administração invoca o caráter urgente da medida, o editor não tem a possibilidade de apresentar, antecipadamente à adoção da portaria de proibição, suas observações orais ou escritas. Isso foi o que aconteceu na espécie do caso. Em conclusão, a Corte entende que o controle jurisdicional existente em matéria de interdição administrativa de publicações não reúne garantias suficientes para evitar os abusos.

Um tal texto parece atacar a regra do § 1 do artigo 10 da Convenção, segundo o qual os direitos que aí são reconhecidos têm valor "sem consideração de fronteira". Segundo o Governo, a existência de uma legislação específica para publicações de procedência estrangeira se justificaria notadamente pela impossibilidade de acionar seus autores ou editores quando são culpados de atividades proibidas e quando eles atuam no exterior. Esse argumento não convence a Corte. Com efeito, se a situação muito particular reinante em 1939, na véspera da Segunda Guerra Mundial, podia justificar um controle reforçado das publicações estrangeiras, parece dificilmente sustentável que um tal regime discriminatório sobre esse tipo de publicações esteja ainda em vigor. Além do mais, a Corte verifica que a requerente, Editora da obra proibida, tem sua sede na França. No caso presente, a Corte, da mesma forma que o Conselho de Estado, entende que o conteúdo da publicação não apresentava frente à segurança pública e à ordem pública, caráter de natureza a justificar o desrespeito à liberdade de expressão da requerente, constituída pela portaria de interdição do Ministro do Interior. Em definitivo, a Corte considera que a portaria do Ministro do Interior não atendia à necessidade social imperiosa e não era proporcional ao objetivo legítimo pretendido.

Em face dessas considerações e do exame da legislação aplicável, a Corte conclui que a ingerência que constitui o artigo 14 da lei de 1881, modificada, não pode ser considerada como "necessária em uma sociedade democrática" de maneira que houve violação ao artigo 10. Em face dessa conclusão, a Corte entende necessário examinar separadamente o prejuízo de que fala o artigo 10 combinado com o artigo 14.

Artigo 6 § 1 Verificando que o processo demorou mais de 9 anos para dois níveis de jurisdição, a Corte não reconhece nenhum ato da requerente que revele comportamento dilatório.

A Corte reafirma que incumbe aos Estados contratantes organizar seu sistema judiciário de tal maneira que suas jurisdições possam garantir a cada um o direito de ter uma decisão definitiva sobre seus direitos e obrigações de caráter civil em um prazo razoável. Ela entende que não se deveria considerar como "razoável" a duração global do processo, mais de 9 anos mesmo quando a vitória no litígio revestisse uma importância particular. Portanto, houve violação ao artigo 6 § 1.

Artigo 13 – A Corte não entende necessário examinar esse prejuízo separadamente.

Artigo 41 – A Corte não deve especular sobre as perspectivas de venda da obra publicada pela requerente. Assim sendo, ela entende que em razão da natureza da restrição sofrida e da duração excessiva do processo, a requerente sofreu um prejuízo material que não pode ser avaliado com exatidão. Nestas condições, a Corte lhe concede 250.000 FRF a título de danos materiais.

Considerando que a requerente sofreu um prejuízo moral em razão da natureza da restrição sofrida e da duração do processo litigioso, a Corte decide conceder-lhe 50.000 FRF a esses título. A Corte concede à requerente um total de 58.500 FRF por despesas processuais.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Luiz Guilherme Marques

juiz de Direito em Juiz de Fora (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Luiz Guilherme. Direitos humanos na França. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3778. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos