Tive um sonho esquisito. Juízes acusavam, promotores defendiam e advogados julgavam a causa. Ao acordar, me dei conta que tal sonho foi motivado por estar, eu, bastante preocupado com a incrível parcela da magistratura que acredita ter um importante papel no combate à criminalidade.
Juiz garante. Garante a lei, garante a Constituição, garante as garantias das partes a um processo legal, justo, em acordo com as premissas estabelecidas pelo Poder Legislativo. Se o juiz se encarregar do combate ao crime, ao lado da polícia e do MP, estará abandonando sua verdadeira função, além de rebaixar-se ao papel subsidiário de acompanhar os verdadeiros órgãos de combate, em sua luta diária. Juiz não pode, não foi idealizado, para papéis secundários.
Significa dizer que se os pressupostos da prisão preventiva estiverem presentes, deve prender; mas, se não estiverem, deve soltar. Que se houver prova condenatória, deve condenar; mas que se houver dúvida sobre a “culpa”, deve soltar. Garantir as garantias não é deixar de aplicar a lei, e a confusão que passou a se estabelecer entre tais conceitos é perigosa, induzindo ao abandono de conquistas históricas como forma de se evitar a impunidade.
Daí surge a crítica à ideia de que, no combate à criminalidade e à impunidade, uma sentença penal condenatória, para crimes que apresentem gravidade concreta, possa ser executada mesmo antes de seu trânsito em julgado.
O primeiro problema é o próprio conceito de “gravidade concreta”. Em âmbito estadual, boa parcela dos delitos são de gravidade concreta ou de resultado, o que significa dizer que pelo menos um terço das penas hoje impostas no Brasil seriam cumpridas logo após a sentença.
Ignorando aquilo que todos sabemos, pergunto: ao propor um aumento de população carcerária, o Estado está preparado para cumprir as normas de execução penal? Ou, contra o “aparentemente criminoso” (foi o nome que entendi adequado para o preso após sentença não transitada em julgado) o Judiciário continuará tolerando os absurdos que são as prisões brasileiras? Claro, podemos investir alguns bilhões em presídios, mas, quero crer, em educação a verba seria melhor empregada.
A violação à presunção de inocência nesta proposta, por sua vez, é clara. Não há como se defender que um cidadão sem a culpa definitivamente formada possa ser preso – a não ser, óbvio, nos casos da prisão cautelar.
Para agravar, temos a questão do “erro judiciário”.
Vale destacar, neste ponto, que a previsão de um pretenso efeito suspensivo a ser atribuído à sentença, em casos onde exista plausibilidade recursal, é mera ilusão de que alguma garantia foi preservada.
A simples demora no envio do recurso da parte condenada à Corte Recursal, assim como a incrível lentidão de análise de tais recursos por parte de um sistema paquidérmico é argumento suficientemente forte para demonstrar que, no Brasil, o efeito suspensivo não é apenas uma necessidade de Direito, mas, também, de ordem prática.
Se sequer habeas corpus as Cortes conseguem julgar em tempo adequado e digno, que se dirá de uma “análise preliminar de plausibilidade de recurso de réu condenado em primeira instância”? Como exemplo do erro enquanto parte do cotidiano, apenas a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, em 2011, impetrou mais de 7000 habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, com uma média de 49% porcento de sucesso, segundo dados do Núcleo de Segunda Instância e Tribunais Superiores da DPSP.
Claro, portanto, que o problema não é o processo. Vivemos em um país onde os direitos básicos de um ser humano são constantemente violados pelo Estado, na imposição e execução do poder de punir, no atraso de precatórios a aposentados e na violação constante de direitos sociais, entre outros problemas. A execução imediata de uma sentença penal seria apenas mais uma forma de violação a tais direitos, ainda que sob a máscara da proteção social.