Dentre as temáticas com maior potencial de impacto no cotidiano dos brasileiros enfrentadas pelo Congresso Nacional nos últimos anos, certamente a aprovação pela Câmara dos Deputados do PL 4.330/2004, conhecido como PL da Terceirização, merece destaque. O texto agora foi encaminhado ao Senado, para votação. Se aprovado, seguirá para a Presidência da República para sanção ou veto.
Até o momento, uma empresa pode terceirizar parte dos seus funcionários, desde que estes não estejam intrinsecamente ligados à sua atividade fim. Tomemos por exemplo uma instituição financeira: serviços bancários são realizados por empregados do próprio banco, enquanto funções acessórias, embora importantes, são terceirizadas, como limpeza e segurança. O mesmo ocorre com hospitais, universidades, indústrias, etc. Os defensores dessa configuração sustentam que a empresa pode concentrar seus esforços naquilo que faz de melhor (atividade fim) e transferir para outras companhias serviços que não goza de expertise, maximizando a eficiência e os lucros.
Entretanto, o controverso PL 4.330/2004 permite a terceirização plena da atividade fim da empresa. Em outras palavras, caso se torne lei, não só os serviços acessórios poderiam ser terceirizados, mas toda a mão-de-obra de determinada pessoa jurídica. Nesse caso, bancários de uma instituição financeira, professores, médicos, operários, entre centenas de categorias, tornar-se-iam passíveis de contratação mediante serviços terceirizados.
Postas tais informações, alguns dados merecem reflexão: (i) Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário dos trabalhadores terceirizados é 24% menor do que os dos diretamente contratados pelas tomadoras de mão-de-obra. No setor bancário, o salário dos terceirizados chega a ser 2/3 menor do que é pago aos contratados, segundo o Sindicato dos Bancários; (ii) Conforme dados oficiais do Ministério do Trabalho e Emprego, entre 2010 e 2014, 90% dos casos registrados de redução à condição análoga a de escravidão ocorreram com empresas terceirizadas; (iii) As categorias terceirizadas contam com sindicatos menos articulados, que são mais frágeis nas negociações com os patrões; (iv) Em tempos de arranjos fiscais, a terceirização fará diminuir a arrecadação de tributos, o que pode comprometer investimentos federais; (v) Salários mais baixos comprometeriam o mercado interno e impactariam a economia de maneira geral.
Não resta dúvida que o PL 4.330/2004, especialmente quanto a terceirização da atividade fim, precisa ser rejeitado pelo Senado ou, em último caso, vetado pela Presidente Dilma. Trata-se de afronta ao Direito do Trabalho. Mas, infelizmente, a miopia política brasileira converteu-se em ódio irracional (típico de torcidas organizadas de futebol) a determinados partidos e a quaisquer bandeiras por esses defendidas, independentemente de uma reflexão coerente sobre fatos.
Por incrível e contraditório que seja, a maior parte da população trabalhadora com carteira assinada será prejudicada caso o projeto seja aprovado pelo Senado. Restaria apenas apoiar a Presidente para que o vetasse. Ainda assim, infelizmente, apenas PT e PSOL votaram 100% contrários ao PL da Terceirização. Partidos tradicionalmente comprometidos com os trabalhadores e com a social democracia votaram favoravelmente ao projeto. Para proteger empregos nacionais de qualidade, restaria à população, pelo menos nessa causa, apoiar a Presidente, eleita pelos brasileiros há poucos meses, para que vete o projeto. Mas diante das atuais circunstâncias, esse também não é um cenário provável.
Falta reflexão e sensibilidade política não só da situação, mas também da oposição. Eis uma manifestação com pauta concreta que vale à pena participar.