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Lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores

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01/03/2003 às 00:00
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8. Participação:

O delito de lavagem de dinheiro permite a co-autoria bem como a participação. A co-autoria baseia-se no domínio do fato, mas, posto que em sua execução vários intervêm, o domínio do fato tem que ser comum. Cada co-autor domina o sucesso total em união com outra ou outras pessoas. A co-autoria consiste assim em uma divisão de trabalho, que é o que chega a fazer possível o fato, ou lhe facilita, ou reduz notavelmente o seu risco.( JESCHECK,1990, P.614).

Todos que dominam funcionalmente o fato, ainda que não realizem a conduta estritamente descrita no tipo, são co-autores.

A participação para que possa existir depende de um fato principal, todo o outro interveniente realiza uma atividade acessória. Essa acessoriedade, pois, que para a existência da participação é indispensável que se dê um fato principal, que é ele realizado pelo autor. O problema é determinar quando se dá um fato principal, posto que há que se considerar desde duas perspectivas: uma em relação ao desenvolvimento externo do fato e outra em referência à estrutura interna do delito. Do ponto de vista de desenvolvimento externo, é opinião geral que o delito deve-se encontrar em fase de tentativa, é dizer, tem que haver pelo menos um princípio de execução do fato principal. Do ponto de vista de estrutura interna do delito, isto é, dos requisitos que tradicionalmente se exigem para a existência (tipicidade, ilicitude e culpabilidade), existem diferentes posições ou teorias da participação.(CALLEGARI, 2001, P.91).

A primeira teoria da participação é a Teoria da Acessoriedade Máxima, exigiam-se todos os requisitos para que houvesse um fato principal, isto é, tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Para que se desse o fato principal era necessário todas as características do delito. Essa teoria trouxe insolúveis problemas, por exemplo, quando o fato principal fosse cometido por um alienado e um menor de idade, inexiste a culpabilidade, logo não havia autor e tampouco podia haver partícipe.

A segunda teoria que se pode apresentar é a Teoria da Acessoriedade Mínima, para esta bastava a realização do fato típico, resultando excessiva, pois a tipicidade é apenas indício do injusto; chagava-se a condenar o partícipe de crime típico porém que não apresentava ilicitude com relação ao ordenamento.

A terceira teoria seria a da Acessoriedade Limitada, para qual a participação é a cooperação dolosa em um delito doloso alheio. Assim, a participação é um conceito de referência, já que supõe a existência de um fato alheio (do autor ou co-autores materiais), a cuja realização o partícipe contribui. Se não existe um fato pelo menos típico e ilícito, cometido por alguém como autor, não pode falar-se em participação, já que não há por que castigar alguém que se limita a participar num fato penalmente irrelevante ou ilícito para seu autor. A participação caracteriza-se pela ausência do domínio final do fato.

Adotando-se esta última teoria, acessoriedade limitada, só se pode castigar a conduta do partícipe quando o fato principal for típico e ilícito; se a culpabilidade não é requisito necessário para a configuração do fato prévio como delito, deduz-se que o são a tipicidade e a ilicitude.

O delito de lavagem de dinheiro é autônomo, assim, quando o autor participa da execução de ambos os crimes, da lavagem e do crime precedente, incorre em concurso material, de acordo com o artigo 69, do Código Penal. Não se pode falar da aplicação do Princípio da Consunção, cujo fato posterior é consumido pelo anterior, como ocorre nos delitos de receptação e favorecimento real, pois, nestes crimes, o bem jurídico é apenas um.

Para a aplicação no princípio da consunção nos delitos de lavagem de dinheiro os crimes antecedentes teriam que incluir o desvalor da própria lavagem. As condutas de lavagem de dinheiro possuem tipificação autônoma.

Como o delito de lavagem de dinheiro não comporta o elemento pessoal culpa, e uma vez que a culpabilidade não é requisito necessário para a configuração deste crime, as excludentes só poderão ocorrer quanto à ilicitude e à tipicidade.

Exclui-se a ilicitude quando há um juízo de necessidade (estado de necessidade e legítima defesa), uma previsão legal (exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal) ou por ausência de interesse (consentimento do ofendido).No caso do delito de lavagem de dinheiro decai na questão de ausência de interesse, o que retira a ilicitude do fato pela liberdade de manifestação da vontade do agente. Ocorrerá a exclusão da ilicitude, neste caso, quando o autor ´lavar o dinheiro´ sem ter qualquer conhecimento da procedência ilícita do produto que a ele foi destinado. Como exemplo, um corretor de imóveis que recebe uma grande quantia do autor de um crime de extorsão mediante seqüestro, para que seja lavado, sem ter qualquer conhecimento sobre a existência deste fato anterior.

Exclui-se a tipicidade por erro de tipo, no caso do delito de lavagem de dinheiro.A teoria do erro de tipo conecta-se diretamente com a teoria do dolo, porque o erro de tipo não é outra coisa que a negação do quadro de representação requerido para o dolo: o autor desconhece os elementos a que se devem estender o dolo segundo o correspondente tipo. Há erro de tipo quando alguém na comissão do fato desconhece uma circunstância que pertence ao tipo legal. O erro é a discrepância entre a consciência e a realidade. Portanto, o autor deve conhecer os elementos que integram o tipo de injusto, pois qualquer desconhecimento ou erro sobre a existência de algum destes elementos exclui o dolo e, se o erro for vencível, resta o tipo objetivo de um delito culposo. O erro, como o dolo, deve referir-se a qualquer dos elementos integrantes do tipo, seja de natureza normativa ou descritiva.

Nos delitos de lavagem de dinheiro, quando o autor lavar dinheiro pensando ser a quantia produto de práticas ilícitas estará cometendo erro de tipo uma vez que esse produto tenha uma procedência lícita; assim, o agente erra com relação a elementar do tipo penal, não existindo o delito que pretendia realizar.


9. Lavagem de dinheiro versus sonegação fiscal:

Com a publicação da Lei de Lavagem de Dinheiro inúmeras discussões vieram a tona com relação às práticas dos delitos de sonegação fiscal. Muitos juristas e doutrinadores sustentaram que o crime de sonegação fiscal não poderia ser tratado como crime precedente ao delito de lavagem de dinheiro, primeiramente porque os recursos decorrentes da sonegação fiscal, previstas na Lei n. 8.137/90, são recursos lícitos; segundo, porque na sonegação fiscal o autor não se desfaz de seu patrimônio para cumprir obrigação fiscal (o dinheiro é próprio do autor); e, terceiro porque a sonegação fiscal não está entre os delitos taxados como precedentes no artigo primeiro da lei de lavagem de dinheiro.

Rebatendo todas estas afirmações, a sonegação pode tranqüilamente ser um crime precedente ao de lavagem de dinheiro. Começa-se pela terceira observação, a sonegação fiscal é um delito realizado contra a Ordem Tributária, esta como bem jurídico defendido e responsável pela arrecadação e sustento do Estado, ditada pelo Direito Tributário está inserida, sem embargos, no inciso VI, do artigo primeiro da lei de lavagem de dinheiro, uma vez que este artigo fala de crimes contra o sistema financeiro. O Direito Tributário é espécie do gênero Direito Financeiro.

Os recursos desviados pela sonegação fiscal não são de procedência lícita, não pertencem ao autor, mas sim ao Estado; o dinheiro decorrente do tributo sonegado não pertence ao sonegador, dessa forma, ocorre um aumento patrimonial do sonegador da mesma forma que na lavagem de dinheiro, redunda num acréscimo ilícito da mesma forma.

Como exemplo, na hipótese de apropriação do imposto de renda retido na fonte por quem tem a obrigação legal de recolhê-lo aos cofres públicos; o caso da nota fria (famoso caixa dois) que causa um acréscimo ao patrimônio do autor da mesma forma, a despesa quando fictícia redunda num ganho da capital ilícito.

O ilícito fiscal pode estar conexo com um dos crimes precedentes expressamente previstos, por exemplo, crime fiscal com a evasão de divisas, afetando o sistema financeiro, a sonegação praticada por organização criminosa, etc.

Quando o autor da sonegação fiscal, pegando todo o dinheiro produto da sonegação, envia-o para outro país para aguardar o lapso temporal de cinco anos, está realizando a conduta de ocultar. Impede a Receita Federal de realizar fiscalização, não há, pois, meio de se apurar o débito quando o dinheiro voltar após os cinco anos, o autor ficará isento de qualquer acusação de lavagem de dinheiro por atipicidade após o lapso temporal?


10. Princípio da Dupla Incriminação:

Este princípio deverá ser aplicado quando o delito precedente for cometido em país diverso do de onde foi executada a lavagem de dinheiro. Há uma dificuldade imensurável com relação aos países que optaram por estipularem um rol taxativo de delitos precedentes, como ocorre no Brasil, o correto deveria ser a descrição de um tipo penal aberto, dizendo apenas que poderiam ser precedentes do crime de lavagem de dinheiro os delitos de maior gravidade. Assim, não se incorreria das dificuldades de se aplicar a lei quando os delitos precedentes são realizados em outro país.

Ocorre que se o delito condenado como precedente pelo Brasil não o for no país onde foi realizado, mesmo que o dinheiro for investido no Brasil, não se pode falar em lavagem, por atipicidade, uma vez que sua procedência não é ilícita, o mesmo se for ao contrário.

Somente poderá haver o crime de lavagem de capitais se o delito previsto na lei brasileira que erigiu os bens aptos a serem lavados também constituírem crime no estrangeiro. Não basta a previsão expressa do legislador brasileiro dos crimes antecedentes que são aptos a gerar bens idôneos à lavagem; torna-se necessário verificar se o fato é previsto como crime no país de origem.


11. Alguns apontamentos sobre os procedimentos especiais adotados pela lei de lavagem de dinheiro:

O processo penal traz claramente: ´para que seja possível a apresentação de denúncia é essencial indícios de autoria e prova da materialidade do crime’. Entretanto, a lei inovou ao exigir apenas os indícios do crime antecedente.

Até que ponto pode o Estado efetivar medidas de persecução penal sem ferir os direitos e garantias do cidadão?

O descrito no parágrafo primeiro do artigo segundo da lei de lavagem de dinheiro é uma proposta de política criminal expansionista, como vem sendo analisada na maioria das leis brasileiras; em nome da segurança pública viola-se direitos e garantias constitucionais. Com a apresentação da denúncia apenas com base em indícios, mesmo sem ter o conhecimento da autoria do crime precedente, se for aplicado de forma extremada ferirá o Princípio da Presunção de Inocência e Ampla Defesa.

Para que se possa apresentar a denuncia os indícios devem ser plenamente seguros (não são válidas meras probabilidades), deve haver a concorrência de uma pluralidade de indícios e a existência de razões dedutivas. Entre os indícios provados e os fatos que se inferem destes deve existir um enlace preciso, direto, coerente, lógico e racional segundo as regras do critério humano, bem mais que isso, é necessária a prova real do delito precedente.


Notas

01. O presidente Herbert Hoover frustrava-se diante da inabilidade da polícia de Chicago ou do novo FBI em apresentar um processo contra ´Big Al´ e ele pessoalmente realizou vários encontros para elaborar uma estratégia. Estava claro que Al Capone havia se isolado na conduta criminal e esta o conduziu a grande fortuna. Entretanto, ele não se isolou dos lucros do crime, afinal de contas, era para isso que ele estava no negócio. O grande Al Capone foi para a prisão não pelos crimes que organizou, mas porque não pagou os impostos sobre seus rendimentos. A falha de não lavar os rendimentos terminou sua carreira. In MORRIS, S. E. Ações de combate à lavagem de dinheiro em outros países_ experiência americana. Seminário Internacional Sobre Lavagem de Dinheiro. Série cadernos do Centro de Estudos Judiciários, n. 17, Conselho da Justiça Federal, Anais, Brasília, 2000, p.42.

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02. Compreendo ser o terrorismo espécie do gênero organização criminosa, mesmo sendo o terrorismo motivado por juízos de valores diversos dos crimes mais comuns; mesmo assim, as práticas terroristas não deixam de ser criminosas e que atentam contra bens jurídicos essenciais. Por isso, compreendo ainda, ser as organizações criminosas uma forma de criminalidade mais grave e não um crime.

03. Apenas para esclarecer: dinheiro sujo é o proveniente de crimes como tráfico de drogas, órgãos, mulheres, crianças,, terrorismo, etc, dinheiro negro o proveniente de crimes contra o sistema financeiro, exemplo, sonegação fiscal.


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Sobre a autora
Cláudia Fernandes dos Santos

bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Cláudia Fernandes. Lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3838. Acesso em: 25 dez. 2024.

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