O novo CPC visto por um advogado: parte 7

24/04/2015 às 14:46
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A finalidade do processo é instrumentalizar o exercício dos direitos civis, mas agora ele poderá também legitimar algumas fraudes.

O novo CPC permite a emenda da inicial (art. 321), da execução (art. 801) e da ação monitória (art. 700 §5º). Muito embora não esteja expresso no texto, também deverá ser admitida emenda à reconvenção, embargos à monitória, embargos de terceiro e embargos à execução, pois em todos estes casos a petição tem quase as mesmas características de uma inicial. Por esta razão, a parte deve ter oportunidade de remediar o defeito. O Juiz, por outro lado, deve conduzir o processo com boa fé (art. 5º) e interpretar o novo CPC levando em conta a razoabilidade (art. 8º), razão pela qual não seria aconselhável prejudicar o reconvinte ou o embargante por causa de um defeito que pode ser remediado.

A predominância do princípio dispositivo e o rigor processualístico impediam a parte de emendar seu recurso. Isto deixou de existir. Doravante os recursos poderão ser emendados a critério do Judiciário. É o que consta expressamente dos art. 932 parágrafo único.

O art. 319 obriga o autor a expor a causa de pedir e o pedido na inicial. O art. 336 impõe ao réu o dever de alegar na contestação toda matéria de defesa. Todavia, o art. 435 permite tanto ao autor quanto ao réu juntar, em qualquer tempo, documentos novos destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapo-los aos que foram produzidos nos autos. Na prática este dispositivo também permitirá uma espécie excepcional de aditamento tanto da inicial quanto da defesa. Afinal, o Juiz será obrigado proferir decisão sobre o documento novo e o fato do qual o mesmo faz prova mesmo que este não tenha sido alegado pela parte na inicial ou na defesa (art. 489 II), sendo nula a sentença que não enfrentar todas as questões levantadas nos autos (art. 489 §1º IV).

Estas são inovações que provocam em mim grande desconfiança. A segurança processual deixa de existir. Em razão da maleabilidade de suas regras, o novo CPC pode acarretar situações bastante desagradáveis e surpreendentes. Posso imaginar algumas delas.

Suponha que o autor entre com uma ação pleiteando indenização por causa de uma colisão frontal de veículos. Ele anexa aos autos fotos do local da colisão e do seu automóvel avariado e alguns orçamentos. A parte contesta a ação reconhecendo ter dado causa à colisão e questionando apenas o valor dos orçamentos que foram apresentados. O Juiz designa uma Perícia e o especialista aponta o valor de mercado para os reparos que foram realizados no carro do autor. O laudo não é impugnado pelo autor apesar de o valor apurado ser quase idêntico ao sugerido pelo réu. Então o processo vai a julgamento. Antes de ser proferida a sentença, porém, o réu junta aos autos uma certidão da Municipalidade provando que o autor não poderia dirigir no sentido em que estava no local do acidente. O fato, entretanto, não foi alegado na contestação. Como deve decidir o Juiz?

Se a ação for julgada procedente por causa da confissão exarada na defesa a sentença seria tecnicamente correta. Os limites da lide foram definidos quando da apresentação da defesa em que o réu admitiu ser o culpado pela colisão. Se o Juiz julgar a ação improcedente porque o documento prova a culpa do autor e a confissão do réu não tem valor por causa do erro de fato (art. 393 c.c. 493) a sentença também estará tecnicamente correta. O Juiz pode e deve levar em conta o fato extintivo do direito do autor. Sendo ele culpado pela colisão não poderia ser indenizado ainda que o réu tenha confessado a culpa na defesa. Agora vem a pegadinha?

Antes de proferir a sentença o Juiz seria obrigado a dar ao autor a oportunidade para falar sobre a referida certidão (art. 9º). Suponha que o Juiz não tenha feito isto e tenha julgado a ação improcedente com base naquele documento. Como o recurso de apelação do autor deve ser decidido pelo Tribunal? A solução óbvia seria anular o processo e devolver os autos à primeira instância. Mas há outra solução possível. O Tribunal poderia confirmar a sentença porque o documento público faz prova da sua formação e dos fatos que enunciam (art. 405). Sou advogado há 25 anos, tempo suficiente para aprender que certidões fajutas são facilmente forjadas dentro das repartições públicas brasileiras. Confesso que não me agrada ver o processo civil instrumentalizar fraudes. 

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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