3. Aspectos Gerais do Direito Administrativo Sancionador
Antes de adentrarmos alguns aspectos do Direito Administrativo Sancionador, trazemos o pensamento de Fábio Medina Osório, que sintetiza, de forma didática, a evolução histórica desse ramo do direito punitivo:
Em linhas gerais, percebemos que o poder sancionador evolui para o direito punitivo e este em direção a uma especialização funcional, diversificando-se em direito penal e direito administrativo sancionador. Primeiro, o direito punitivo constitui limite ao poder sancionador da autoridade. Esta, por sua parte, passou a encarnar a chamada função de polícia, nos Estados de Polícia, já uma evolução em relação ao que se concebia nos Estados tipicamente feudais. A genérica função estatal de polícia se subdividia em várias outras, incluindo a judicial. O direito administrativo já aparecia, embrionariamente, junto ao direito penal, nesse momento, na tutela de funções ordenadoras e repressivas da autoridade. Na sequência, o direito penal se consolida como ramo jurídico mais grave, rigoroso, severo, identificando-se sobremaneira com o direito punitivo.
Ressalta-se, dessa forma, que o Direito Administrativo Sancionador advém da evolução histórica de um direito punitivo que se especializou limitando o poder sancionador do Estado. Além disso, o poder de polícia, no início, não se pautava pelo respeito aos direitos fundamentais dos envolvidos e se caracterizava pelo arbítrio e repressão dos envolvidos. Com o passar dos séculos, o Estado Moderno se organizou e passou a conferir estatura constitucional aos direitos dos indivíduos e da coletividade.
No Brasil, a Constituição de 1988 trouxe diversos princípios em seu corpo que confirmam essa evolução do sistema punitivo, na seara administrativa: o princípio do devido processo legal, os princípios do contraditório e ampla defesa, o princípio da segurança jurídica, o princípio da legalidade, o princípio da tipicidade, o princípio do juiz natural, o princípio da responsabilidade subjetiva dos infratores, o princípio da motivação dos atos sancionadores, o princípio da individualização da pena administrativa (art. 5o, XLV e XLVI, da CF/88). A referida lista dos princípios a que aludimos encontra-se em (Osório F. M., Direito administrativo sancionador na Constituição de 1988, 2008, pp. 59-74).
Nesse sentido, o conceito de Direito Administrativo Sancionador advém do poder de império do Estado fazer cumprir a lei de modo a regular os comportamentos sociais de agentes públicos e privados. Nesse entendimento, vislumbra-se uma fronteira estreita entre o poder punitivo do Direito Penal e do Direito Administrativo Sancionador. De forma a simplificar essa questão, afirma-se que a diferença básica residiria em que o primeiro aplica penas capazes de cercear a liberdade do indivíduo, enquanto no segundo as penas não envolveriam a prisão, mas aquelas de caráter administrativo. Além disso, ambos os direitos estariam submetidos aos princípios da legalidade e da tipicidade.
A fim de aclarar o entendimento esposado, o jurista Fábio Medina Osório afirma:
Direito Administrativo é, pois, ramo do Direito Público, afeto ao chamado Direito do Estado, constituído por normas da organização e normas de comportamento, que se aplicam às Administrações Públicas, ao Poder Executivo, em todas as esferas, regulando suas relações entre si, com os demais Poderes, órgãos estatais e com os administrados, bem como incidindo sobre a função materialmente administrativa de qualquer entidade pública ou privada. Não se olvide que as funções administrativas dos Poderes e instituições da República são igualmente tutelados pelo Direito Administrativo. Cabe dizer, ainda, que também funções típicas do próprio Poder Judiciário são enquadráveis no âmbito do Direito Administrativo, visto que tais funções podem apresentar-se processualmente pelo ângulo judiciário, e materialmente pelo ângulo administrativista, vale dizer, submetidos ao regime jurídico do Direito Administrativo (Osório F. M., 2009, p. 74).
Nos períodos antecedentes à promulgação de nossa Carta Política de 1988, nas Constituições anteriores, o poder de polícia inserto na Administração Pública Brasileira ditava os comportamentos de seus agentes sobrepondo-se aos direitos e garantias fundamentais desses indivíduos. Nota-se, nesse cenário, a presença de um Direito Administrativo Sancionador que se confundia com o Direito Disciplinar da Administração Pública Estatal que trazia em seu bojo a prevalência dos interesses do Estado sobre o dos indivíduos.
Com a Constituição de 1988, o Direito Administrativo Sancionador ganha novo relevo amparado pelo conjunto de comandos insertos em seu art. 5o, os direitos e garantias fundamentais. Segundo Fábio Medina Osório “O sistema punitivo, com o advento da Constituição de 1988, tornou-se mais exigente em termos de garantias individuais e, por isso mesmo, também em matéria de eficiência funcional do Estado” (Osório F. M., Direito administrativo sancionador na Constituição de 1988, 2008).
A eficiência do Estado depende de ferramentas e instrumentos que use e aplique em prol de um bem comum social coletivo. Para isso acontecer, depende das novas tecnologias existentes, de pessoal treinado e em contínua capacitação, com conhecimento (saber técnico e científico), habilidades (saber fazer) e atitudes (saber ser e conviver). Tais pressupostos encontram amparo constitucional no art. 37, caput, da CF/88. Diante disso, o povo brasileiro reclama um Estado capaz de atendê-lo respeitando os seus direitos fundamentais e, somente com eficiência é capaz de alcançar esse desiderato. Dessa forma, tem-se que o sistema punitivo brasileiro deve reconhecer que apenas reconhecendo os direitos constitucionais dos acusados e das vítimas obterá êxito na busca da paz social e afastará o uso arbitrário de seu poder.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A má gestão pública e a corrupção, ao longo dos séculos de formação do Estado Brasileiro, vêm dilapidando o dinheiro público, afastando a confiança sobre as instituições e os seus agentes públicos, que deveriam zelar pela moralidade e probidade no manuseio da coisa pública. Porém, não é o que se verifica em pleno século XXI.
A globalização e as novas tecnologias de comunicação e informação se prestam, tanto à boa governança corporativa, quanto aos atos de improbidade administrativa perpetrados por agentes inescrupulosos e seus asseclas.
É nesse contexto que surge a Lei de Improbidade Administrativa e a proposta do jurista Fábio Medina Osório lançando sobre o referido diploma legal a sua Teoria Geral da Improbidade Administrativa em um ambiente de má gestão pública, corrupção e ineficiência. A leitura que faz o referido autor sobre a lei é a de que se trata de um Código Geral de Conduta dos Agentes Públicos, no qual concordamos.
Trouxemos, também, neste trabalho, alguns aspectos gerais da referida Lei 8.429/92, a despeito de haver diversos aspectos para nos determos, nos restringimos, tão somente, às questões básicas das sanções administrativas e sujeitos da referida Lei.
Por último, abordamos o conceito de Direito Administrativo Sancionador, fruto do trabalho do jurista Fábio Medina Osório, que subscreveu essa sua abordagem como sendo a especialização funcional do direito punitivo do Estado.
Por fim, tem-se que o Estado Democrático de Direito em que vivemos precisa avançar quanto à boa formação e seleção dos agentes públicos a fim de que estes apliquem os princípios constitucionais insertos na Constituição de 1988, respeitando as instituições públicas, resguardando o erário, exercitando a boa governança no trato com a coisa pública a fim de prover um atendimento de excelência ao povo brasileiro e ao seu país. Do contrário, o Direito Administrativo Sancionador, sendo parte do sistema punitivo, alcançará os infratores, conferindo eficiência ao Estado e instrumentalizando este no combate à impunidade.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BONAVIDES, Paulo. ANDRADE, Paes de. (1989). História Constitucional do Brasil. Brasília: Paz e Terra Política.
BRASIL. (1988). Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Brasil: Senado.
COSTA, José Armando da (2005). Contorno Jurídico da Improbidade Administrativa (3 ed. ed.). Brasília, DF, Brasil: Brasília Jurídica.
OSÓRIO, Fábio Medina (2009). Direito administrativo sancionador (3 ed. ed.). São Paulo, Brasil: Revista dos Tribunais.
OSÓRIO, Fábio Medina (setembro de 2008). Direito administrativo sancionador na Constituição de 1988. Cadernos Adenauer , 9 1, pp. 59-74.
OSÓRIO, Fábio Medina (2013). Teoria da Improbidade Administrativa: Má gestão pública : Corrupção : Ineficiência. São Paulo: Revista dos Tribunais.
SILVA, De Plácido e (2012). Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense.
BRASIL. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm>. Acesso em: 22/nov/2013.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. <https://www.ibgc.org.br/Secao.aspx?CodSecao=17>. Acesso em: 23/nov/2013.
BRASIL (STJ, 26.06.2007). REsp 751.634/MG, 1a T., rel. Ministro Teori Albino Zavascki.