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A verdade e o consenso no direito

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29/04/2015 às 13:38
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A verdade jurídica é, na essência, um ato de valor. Isso, todavia, não significa que ela dependa do arbítrio ou do capricho do sujeito que a propaga. Por isso, há de se referir a um discurso coletivo, em que o consenso se torna a pedra angular.

RESUMO: A verdade absoluta, única e imutável não pode ser aceita no mundo jurídico. A filosofia da linguagem expressa a verdade relativa. O direito como realidade construída exige da comunidade jurídica consenso, ainda que parcial, sobre a verdade no âmbito do direito, que deve obedecer ao fator histórico e a contextualização. A doutrina tem importante função no processo de atualização dos conceitos jurídicos. É o que pretendemos demonstrar no presente artigo.

Palavras-chave: Verdade, consenso, direito, linguagem.


1 INTRODUÇÃO

Conhecimento científico requer certeza absoluta e universal? O professor Tércio Sampaio Ferraz Jr. (2012, p.10), relatando a enorme dificuldade na definição da Ciência do Direito, assevera com muita propriedade que “o conhecimento científico constrói-se a partir de constatações certas, cuja evidência, em determinada época, nos indica, em alto grau, que elas são verdadeiras.”

Apesar de alguns vislumbrarem a Ciência do Direito como interpretativa e restrita ao estudo lógico-formal dos fenômenos jurídicos, sem preocupação com o seu conteúdo social e axiológico, tem-se que o jurista e o aplicador do direito não se limitam a conhecer o normativo, mas são forçados em diversas ocasiões a fazerem opção entre duas ou mais realidades para melhor interpretar e aplicar a norma como enunciado de comportamento obrigatório.

Nesse contexto, a necessidade de se estabelecer certezas, ainda que envoltas pelo manto da verdade relativa, surge como condição indeclinável, pois o direito como produto cultural e decididamente vinculado ao fenômeno da linguagem se submete tragicamente à diversidade interpretativa.

Atualmente, mesmo no âmbito das Ciências ditas naturais, o valor verdade não possui mais a áurea inquestionável da universalidade e da imutabilidade. A certeza absoluta encontra-se no plano do esquecimento. Então, qual a verdade que se verifica no âmbito do direito? Como se deve atingir o “alto grau” de certeza no mundo jurídico?

O “giro-linguístico” promoveu importante inovação no processo de conhecimento ao difundir a idéia de que o homem encontra-se submetido ao “cerco inapelável da linguagem” e somente através dela o sujeito mantém contato com o mundo externo, criando a realidade e, por conseqüência, desfazendo o mito da verdade absoluta. 

Assim, o presente trabalho, de maneira objetiva e reflexiva, busca contribuir para a discussão sobre a verdade no âmbito do direito, considerando a doutrina (acadêmica e jurisprudencial) como terreno fértil para a busca do consenso.


2 O CONHECIMENTO: PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS

A capacidade reflexiva inerente à condição humana desperta no homem a necessidade de intervir no mundo circundante e nas relações entre pessoas objetivando desvendar os mistérios e as incertezas que, por ventura, põem em risco a sua sobrevivência, o seu conforto e a vida em sociedade.  A busca pelo conhecimento surge, assim, como uma tentativa de vencer a enorme dificuldade em se compreender o universo em sua completude, ante as indagações que cotidianamente sobrevém à razão do homem em cada momento de inquietação e de perplexidade.

Essa condição pensante do homem o conduz ao ato de filosofar. É a Filosofia que chama para si a tarefa perene de sondagem nas raízes dos problemas como tentativa de evidenciar conclusões que ensejam resultados e soluções universalmente válidas. Daí o entendimento de Filosofia para Miguel Reale (2012, p. 12) como “estudo das condições últimas, dos primeiros princípios que governam a realidade natural e o mundo moral, ou compreensão crítico-sistemática do universo e da vida.”

A despeito da vicissitude filosófica, ditada pelo seu discurso produtor de teorias contrastantes, o conhecimento ancora-se no valor verdade. Se não houvesse permanente compromisso em se construir e desvendar explicações de maneira universal, consistente e definitiva não haveria razão ou utilidade para o pensar filosófico. Paulo de Barros Carvalho (2011, p. 161), com muita propriedade, ensina que:

(...) quem transmite uma notícia, uma informação, o faz “em nome da verdade”, sem o que não teria sentido a proposição expedida a título de mensagem. Tal reconhecimento, contudo, não tolhe as livres especulações de nossa mente a respeito do valor metafísico ‘verdade’.

Do mundo grego até a atualidade, os métodos direcionados à determinação da verdade sofreram inúmeras alterações. Diversas correntes de pensamentos fixaram as suas premissas, as suas certezas metodológicas, sem, todavia, lograrem com eficiência e universalidade o resultado identificador da verdade última, conforme, exemplificativamente, se analisa a seguir.

2.1 A certeza no pensamento aristotélico

O pensamento de Aristóteles foi além da análise do mundo ou da elaboração de explicações referentes aos mais diversos fenômenos naturais. A sua grande contribuição foi estabelecer o que considerava como método para que o sujeito cognoscente utilizasse para chegar a um conhecimento rigoroso da realidade.

Para ele, o processo de conhecimento iniciava-se pela sensação. Assim, a exatidão das afirmações universais e necessárias sobre os fenômenos, exigia como momento inicial a descoberta das qualidades essenciais das coisas, ou seja, dos seus atributos. Todavia, para conhecer tais atributos, o homem deveria necessariamente fazer uso dos órgãos dos sentidos no processo de observação de fenômenos singulares. Em seguida, por raciocínio indutivo passa a construir conceitos que deveriam necessariamente corresponder a realidade.

O nível mais elementar do conhecimento é obtido, segundo Aristóteles, pela sensação, que é seguida por três outros níveis progressivos de conhecimento, a saber: a memória que se constituiria na conservação das sensações; a experiência que seria o conhecimento das relações entre fenômenos singulares; e, finalmente, o conhecimento dos universais que revelaria as causas das coisas. O conhecimento científico era, portanto, o conhecimento de universais.

Para Aristóteles o conhecimento científico e cada ciência particular apresentam a natureza de um conhecimento de verdade demonstrada. As verdades afirmadas pelas ciências deveriam ser verdades que se referissem aos fenômenos tal como realmente são.

2.2 O conhecimento como iluminação divina

No pensamento de Santo Agostinho, Deus é o criador de todas as coisas: é bom, sábio, eterno, fonte do inteligível e fonte da verdade. Ele está presente em todos os campos da ação humana. Deus tem o poder de decidir sobre a salvação do homem (mediante a graça), e tem também o domínio sobre a possibilidade do conhecimento (mediante a iluminação).

Esse conhecimento deve ser imutável e essa exigência de imutabilidade só pode ser proveniente de algo superior, que dá fundamento à verdade: Deus. É por meio da iluminação divina que o homem, por um processo interior, chega à verdade; não é o espírito, portanto, que cria a verdade, cabendo-lhe apenas descobri-la e isso se dá via Deus. O conhecimento verdadeiro provém, portanto, de fonte divina – eterna e imutável – e não humana.

Por sua vez, para São Tomaz de Aquino, todo conhecimento, seja judaico, cristão ou greco-romano procede de Deus por dois canais que devem ser distinguidos: pela revelação, através das Sagradas Escrituras, permitida a alguns homens que tem a missão de transmiti-las; e pela aptidão ao conhecimento dado por Deus. A igreja não teria superioridade nas matérias relativas à ciência e à filosofia, razão pela qual não teria o direito de desprezar a teoria pagã.

Graças à influência de Aristóteles, o pensamento de São Tomaz representa certo distanciamento com o pensamento dominante no mundo católico cristão da idade média, pois como bem ressalta Michel Villey (2008, p. 115), uma das características pessoais de sua teologia é a de reconhecer o valor da filosofia pagã. Trata a cultura dos pagãos como sendo em si mesma carregada de verdades.

Nesse sentido, São Tomaz de Aquino divulga a idéia de que uma das funções da alma humana, a mais perfeita, é a intelectiva. É por meio da atividade intelectiva que se pode chegar ao conhecimento. Defende a existência de verdades decorrentes do uso da razão e dos sentidos, obtidas pelo chamado “conhecimento conceitual”.

Em síntese, a formação da verdade, para São Tomaz de Aquino, cabe primordialmente ao intelecto, que operando segundo regras lógicas, deverá chegar ao conhecimento que tem como fonte os sentidos, à luz da influência do pensamento aristotélico.

2.3 A razão como bússola da verdade

Na idade média, a religião serviu de marco referencial para todas as idéias da época, impondo um sistema ético subordinado a uma ordem transcendente. Com o advento do iluminismo, o homem coloca-se no centro do universo e passa a questionar a origem de tudo aquilo que o cerca, buscando resposta para o universo político, jurídico e natural, segundo dados estritamente humanos, sem intervenção dos dogmas metafísicos, dos preconceitos morais e das crenças religiosas.

A filosofia iluminista passou a desenvolver uma confiança decidida na razão humana. Só ela, como denominador comum do humano, parecerá como manancial de conhecimentos claros e distintos, capazes de orientar, como uma verdadeira bússola, a espécie humana, que se julga capaz de decidir por si mesmo o seu destino.

No Prefácio à primeira edição da Crítica da Razão Pura (2005, p.15), Immanuel Kant define sua época como de crítica dizendo:

A nossa época é por excelência uma época de crítica à qual tudo deve submeter-se. De ordinário, a religião, por sua santidade, e a legislação, por sua majestade, querem subtrair-se a ela. Mas neste caso provocam contra si uma justa suspeição e não podem fazer jus a uma referência sincera, referência esta que a razão atribui exclusivamente àquilo que pode sustentar-lhe o exame crítico e público.

Assim, a filosofia iluminista se apresenta extremamente otimista por acreditar no processo do conhecimento por meio do uso crítico e construtivo da razão.

Tal modo de pensar provoca significativa influência no mundo político – contribuindo decisivamente para a Revolução Francesa – e no mundo jurídico – abrindo caminho para a construção de sistemas jurídicos em códigos de lei e o surgimento do positivismo jurídico.

2.4 O Ciclo de Viena e os Positivistas lógicos

O positivismo lógico ou empirismo lógico surgiu no início do século XX com o Círculo de Viena, liderado por Moritz Schlick. Esse era um grupo de discussão constituído por cientistas e filósofos com o objetivo de criar uma nova filosofia da ciência com uma rigorosa demarcação do científico e do não-científico.

O manifesto do Círculo de Viena, publicado em 1929, trouxe as seguintes medidas: a) colocar a linguagem do saber contemporâneo sob rigorosas bases intersubjetivas; b) assumir uma orientação absolutamente humanista, no sentido de que “o homem é a medida de todas as coisas”; c) todo o conhecimento fica circunscrito ao domínio do conhecimento empírico; d) a reivindicação do método e da análise lógica da linguagem como instrumento sistemático da reflexão filosófica.

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Os positivistas exigiam como pressuposto do estudo científico que cada conceito presente em uma teoria deveria fazer referência a algo observável. As sentenças que não pudessem ser verificadas estariam fora da fronteira do conhecimento. Apesar de a teoria atômica ganhar consistência no início do século XX, alguns positivistas se recusavam a aceitá-la como científica alegando que os átomos não poderiam ser observados direta ou indiretamente pelos sentidos.

Para o positivismo, o conhecimento factual ou empírico deveria ser obtido a partir da observação, pelo método indutivo. A indução, assim, representa o cerne do pensamento positivista, constituindo-se no processo pelo qual a partir de certo número de observações e experimentos chega-se à conclusão de um conceito mais amplo. Sai-se de casos individuais e chega-se no geral: obtenção e confirmação de hipótese e enunciados gerais a partir da observação de situações concretas e específicas.

Critica-se a relevância dada pelo positivismo às observações porque todo e qualquer experimento encontram-se dependentes de uma ou várias outras teorias. Assim, se a observação incorpora outras teorias passíveis de serem falíveis, tais observações não podem servir como uma referência segura para o conhecimento científico.

O método indutivo era justificado com o argumento de que na ciência haveria um progresso cumulativo de conhecimentos de modo que as novas leis e teorias seriam capazes de explicar um número cada vez maior de acontecimentos considerados exatos e verdadeiros. Entretanto, no sistema filosófico proposto por Karl Raimund Popper para a epistemologia, o progresso do conhecimento ocorre com base nas conjecturas e refutações e não na cumulação progressiva.

A busca pela verdade científica inicia-se com formulação de hipóteses, de soluções, que procuram resolver problemas. Tais hipóteses são submetidas a testes que se fundam em observações e experimentos. Se a hipótese de solução passar pelos testes, ela é admitida como solução provisória para o problema ante sua corroboração.


3 ENFOQUES SOBRE O CONCEITO DE VERDADE

As diversas linhas de pensamento no âmbito da epistemologia levaram à formação de diversos enfoques sobre o conceito de verdade, identificadas nas seguintes modalidades. 

3.1     Verdade por correspondência

Os defensores dessa teoria acreditam que o sujeito cognoscente tem livre acesso ao mundo fenomênico, de maneira direta, sem a interferência de juízos de conjecturas. Igualmente, defendem a neutralidade do sujeito cognoscente e refutam, por isso, a existência de juízos de valor na observação e na experiência. A verdade, assim, estaria livre de qualquer manifestação subjetiva do sujeito cognoscente e apenas refletiria o dado empírico colhido no âmbito da investigação. A ciência teria por objetivo revelar os fenômenos da natureza tal como eles se apresentam.

Aristóteles foi o grande precursor dessa corrente de pensamento ao defender o emprego dos sentidos como forma de captar a realidade, erigindo-os à condição de fonte primeira do conhecimento.

3.2 Verdade por coerência

A verdade por coerência preserva a ausência de contradição dentro de um sistema. Trata-se de uma verdade interna de determinada teoria. Assim, seguindo as regras e princípios existentes no interior de um sistema, o sujeito cognoscente passa a desenvolver o seu trabalho até concluir, de forma lógica, a verdade que deve prevalecer em determinada hipótese. As proposições aceitas como verdadeiras são deduzidas umas das outras.

3.3 Verdade pragmática

A verdade pragmática é também chamada de verdade como utilidade. Considera verdadeiro um enunciado quando houver efeitos práticos para quem o sustenta. Para essa corrente filosófica, a verdade não seria um valor teórico, mas apenas expressaria a utilidade para a conservação da vida e das relações de poder. Nega-se caráter de cientificidade a esse pensamento, ante a restrição do conceito de verdade ao pragmatismo.

3.4 Verdade consensual

A verdade resultaria do consenso ou acordo entre os indivíduos de determinada comunidade ou cultura. Baseia-se na communis opinio. A verdade por consenso também pode ser vista como algo constituído pelo sistema em que se insere.

Essa corrente filosófica defende a impossibilidade da verdade absoluta, pois o consenso prestigiaria a sua contextualização social, relativizando as opiniões comuns ou dominantes com o passar do tempo em busca de novos consensos.


4 O direito e o fenômeno da linguagem

Como bem leciona Fabiana Del Padre (2012, p. 01)

com base na filosofia da consciência, via-se a linguagem como instrumento que ligava o sujeito ao objeto do conhecimento, sendo a verdade resultado da correspondência entre a proposição linguística e o objeto referido.

No seu mais exacerbado grau, a filosofia da consciência concebe a razão humana como “fonte iluminadora” do significado de tudo o que pode ser enunciado sobre a realidade. Compreende a existência de uma realidade fora do sujeito cognoscente que por meio de sua consciência capta, apreende o objeto de seu interesse, submetendo-o as regras do conhecimento científico.

 O objeto do conhecimento é identificado como a coisa concreta, sentida ou percebida como existente, capaz de ser “tocada”, pelo sujeito. Surge assim, a separação feita pelos filósofos entre objeto do conhecimento em sentido amplo: a coisa em si percebida por nossos órgãos sensoriais, e o objeto em sentido estrito: conteúdo de forma de consciência.

 Desse modo, a filosofia da consciência, embora enfatize certo grau de subjetividade no processo de conhecimento, reconhecendo grande dificuldade na caracterização da verdade, não deixa dúvida de que o sujeito cognoscente tem a possibilidade de encontrar a verdade por correspondência. E isso permaneceu vigente por muito tempo sem que houvesse qualquer questionamento sério e inovador. Como diz Philippe André Rocha Gail:

Durante décadas a filosofia, notadamente a Teoria do conhecimento, dedicou-se a investigações acerca do conhecimento, preconizando a existência de um sujeito cognoscente e um objeto cognoscível. Grosso modo, podemos dizer que toda a discussão que envolvia o conhecimento estabeleceu-se nos moldes desse quadro dualístico, e que alguns representantes depositavam mais confiança e importância no objeto, outros, no sujeito cognoscente. (HARET e CARNEIRO, 2009, p. 656).

Com o surgimento da Filosofia da Linguagem, inaugurada com a obra “Tractatus lógico-philosophicus” de Wittgenstein, a teoria do conhecimento, inicialmente centrada no caráter exclusivamente descritivo da linguagem, sofreu profunda alteração: a linguagem passou a ser considerada como algo independente do mundo da experiência, convertendo-se em algo capaz de criar tanto ser cognoscente quanto a realidade. É que o ser humano encontra-se inserido no “cerco inapelável da linguagem” e só por meio dela é que mantém contato com o mundo físico, sem, entretanto esgotá-lo completamente, afinal a linguagem apta para falar do mundo é inesgotável.

Tal revolução no processo de conhecimento foi cognominada de “giro-linguístico” por modificar a visão sobre a linguagem de descritiva para criadora. Com esse movimento se inaugura uma nova postura cognoscitiva perante o que se entende por sujeito, por objeto, e pelo próprio conhecimento.

Pelo giro-linguístico o conhecimento não aparece como vínculo entre o sujeito e o objeto, mas como relação entre linguagens, entre significações. Como bem ressalta Lourival Villanova (2003, p. 45): 

É um traço de toda linguagem o poder ela dizer algo de-si-mesma. Mas nesse retro referir-se, move-se no universo fechado: a palavra, que figura como objeto, serve-se de outra palavra que fala a cerca dela e nunca é possível sair-se desse conjunto infinito oi indeterminável de elementos-palavras: estarem os sempre no inteiro do universo-do-discurso.

Nesse sentido, todo conhecimento é produzido pela linguagem. Assim, como pondera Del Padre (2012, p. 3), “sendo produzido pelo homem, o conhecimento apresenta-se condicionado ao contexto em que se opera, dependendo do meio social, do tempo histórico e até mesmo da vivência do sujeito cognoscente”.

Existir para o sujeito cognoscente não significa estar no mundo. A realidade não é senão uma forma de perceber o mundo. Afinal, a linguagem não reflete as coisas como elas são, ao contrário a linguagem precede os objetos, constituindo-os para o ser cognoscente.

Nesse sentido, Dardo Scavino (1999, p. 12), com sua argúcia ímpar, salienta:

Hablar de um giro linguístico em filosofia significa aqui que el lenguaje deja de ser um médio, algo que estaria entre el yo y la realidad, y se convertiría em um léxico capaz de crear tanto el yo como la realidad. Una de las premissas a partir de las cuales puede pensarse el giro linguístico: el lenguaje y el mundo son coextensivos.

Eis a razão pela qual, o renomado Professor Paulo de Barros Carvalho (2012, p. 160) esclarece: “conheço determinado objeto na medida em que posso expedir enunciados sobre ele, de tal arte que o conhecimento se apresenta pela linguagem, mediante proposições descritivas ou indicativas.”

A consequência imediata desse modo de pensar foi uma desconstrução, mesmo no mundo jurídico, da verdade objetiva excessivamente privilegiada pelo pensamento filosófico tradicional. Isso, de certa forma, gera certa perplexidade por eventual ceticismo em relação a um conhecimento exato e consistente. Daí a lição mais uma vez de Paulo de Barros Carvalho (2011, p. 160):

O abandono puro e simples da matriz convencional de recorte cartesiano poderia resvalar para um relativismo exacerbado, representando perigo de nos movermos em direção ao anarquismo metodológico, sem perspectivas austeras para o projeto científico. Nada obstante, a Filosofia das Ciências continua sua trajetória, cogitando de recursos compatíveis com a produção de paradigmas novos, nos quais se estabeleçam conhecimentos rigorosos, desvencilhados do referencial implacável da “verdade absoluta”, mas habilitados a manter de pé o prestígio do discurso científico nos domínios do saber.

Sem dúvida, o “giro” promoveu significativa reviravolta no conhecimento. E hoje, mesmo nas ciências ditas naturais, existe forte pensamento de que o ser humano não consegue descrever por completo todas as dimensões da realidade fenomênica, e, por outro lado, a linguagem de que se vale o sujeito é essencialmente inesgotável.    

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Sobre o autor
José Magno Linhares Moraes

Mestrando da PUC/SP. Juiz Federal Titular da 2ª Vara da Seção Judiciária do Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, José Magno Linhares. A verdade e o consenso no direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4319, 29 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38498. Acesso em: 19 abr. 2024.

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