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A Igreja Católica resguarda a primazia da dignidade da pessoa humana

17/08/2015 às 13:38
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A apartidária Nota da CNBB sobre a conjuntura do país, emitida em abril de 2015, é pertinente, principalmente porque propugna pela defesa do Estado Democrático de Direito e do texto constitucional, essencialmente quanto à preservação da dignidade humana.

Em Nota Oficial sobre o momento de profundas modificações legislativas que atravessa o Brasil, a 53ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizada no mês de abril (2015), aponta a “profunda e prolongada crise” que ameaça as conquistas advindas a partir da Constituição Cidadã de 1988, abalando a ordem democrática do País.

Em síntese, a CNBB manifesta sua indignação (a) com o desmatamento e a degradação ambiental da Amazônia, (b) com o aniquilamento dos direitos sociais ocasionado pela terceirização dos contratos de trabalho, (c) com a corrupção impregnada nos órgãos públicos, (d) com o descaso e abandono dos povos indígenas, (e) com a redução da maioridade penal em detrimento da aplicação de medidas socioeducativas e, ainda, (f) com a facilitação do acesso da população à posse de armas de fogo.

Apartidária, a posição da Igreja Católica vai ao encontro direto dos anseios do legislador constituinte originário, que se formou a partir da instalação da Assembleia Nacional Constituinte de 1987, após 21 anos de regime militar.

O Art. 225, §4º, da CF/88 estabelece que a Floresta Amazônica brasileira é um patrimônio nacional e sua utilização far-se-á dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso de seus recursos naturais.

Francisco Alves Mendes Filho, mais conhecido como Chico Mendes, seringueiro, sindicalista e ativista ambiental brasileiro, antes de ser assassinado em 22 de Dezembro de 1988, em Xapuri, Acre, disse:

“Meu sonho é ver toda essa floresta preservada, conservada, porque nós entendemos que ela é a garantia de todo o futuro dos povos da floresta. E não é só isso. Nós não queremos, nós estamos conscientes de que a Amazônia, ela não pode ser um santuário intocável (...). Agora, a sua destruição, eu acho que significa o genocídio de todos nós que moramos nessas matas e com repercussão negativa para o resto do País e pra própria humanidade, eu acho (...). E eu acredito que, na medida em que as primeiras reservas extrativistas começarem a dar os seus frutos, o Governo vai ter que reconhecer a importância desse trabalho que nós pretendemos desenvolver. Para o nosso bem e para o bem de toda a humanidade. Esse é o meu sonho. É ver a Amazônia livre dos fazendeiros, livre das motoserras, livre do fogo devorador. Esse é o meu sonho.”.

A terceirização total e indiscriminada dos contratos de trabalho afronta os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, implicando no corte de despesas com direitos trabalhistas. A terceirização funciona como mecanismo de diminuição de garantias e de direitos trabalhistas.

Em 1891, o Papa Leão XIII publicou a Carta Encíclica Rerum Novarum, que destacou a necessidade de se observarem as garantias de condições de vida digna do trabalhador e adequada subsistência de sua família. O documento papal refere-se a alguns princípios de justiça social que devem ser usados na vida social, econômica e industrial das Nações, buscando uma melhor distribuição de riqueza, intervenção do Estado na economia a favor dos mais pobres e desprotegidos e a caridade do patronato à classe operária.

Condenando a injusta concentração da riqueza nas mãos de poucos, afirmava Sua Santidade:

“(...) A usura voraz veio agravar ainda mais o mal. Condenada muitas vezes pelo julgamento da Igreja, não tem deixado de ser praticada sob outra forma por homens, ávidos de ganância, e de insaciável ambição. A tudo isso deve acrescentar-se o monopólio do trabalho e dos papéis do crédito, que se tornaram um quinhão de um pequeno número de ricos e de opulentos, que impõe assim um julgo quase servil à imensa multidão dos operariados”.

A corrupção generalizada que abate todo o País, na Administração Pública direta e indireta, torna letra morta a dicção do Art. 37, caput, da CF/88, que proclama que o Poder Público e seus Agentes obedecerão aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência no trato da coisa pública.

O assalto aos cofres públicos praticados pelos agentes ímprobos e sua corja, insensíveis às necessidades primárias do povo brasileiro, assim como a impunidade de muitos dessas alcateias malditas, é a gênese de todo o mal.

Sobre esses devoradores das casas das viúvas, verdadeiros sepulcros caiados, que promovem seus reinados de hipocrisia e de iniquidade às custas do sangue de seus pobres súditos, alerta-nos o Papa Francisco:

“A corrupção é o mal da nossa época, que se alimenta de aparência e aceitação social, cresce como medida da ação moral e pode consumir a partir de dentro, em uma atitude de ‘mundanidade espiritual’, quando não ‘esclerose do coração’, até mesmo na própria Igreja. E se para o pecado existe perdão, para a corrupção, não. Por isso, a corrupção precisa ser curada”.

O Art. 231 da CF/88 reconhece aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União Federal demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

A PEC 215/2000, que dá competência ao Congresso Nacional para demarcar terras indígenas, olvida o direito fundamental e incondicionado dado a esses povos sobre as terras por eles ocupadas tradicionalmente.

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A este respeito, a Associação Juízes para Democracia – AJD encaminhou a todos os Deputados Federais uma Nota Técnica sobre a PEC nº 215, asseverando que, se aprovada, acarretará inegável violação aos direitos humanos dos povos indígenas, pois as terras originalmente ocupadas por esses povos, as quais, segundo a CF/88, devem ser identificadas e limitadas pelo Poder Executivo apenas, sem a possibilidade de qualquer intervenção do Legislativo, são imprescindíveis para a preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e a sua reprodução física e cultural, segundo os seus usos, costumes e tradições.

Igualmente, compartilha da posição contrária à PEC 215/2000 a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), fundamentando sua posição no entendimento de que a PEC viola o direito originário dos povos indígenas sobre suas terras tradicionais, reconhecido pela Constituição Federal e pela Convenção nº 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.

Quanto ao tema da redução da maioridade penal, não se demanda grande esforço intelectual para entendê-lo como o fracasso e descomprometimento do Estado brasileiro no enfrentamento das causas da pobreza e da desigualdade social.

O menor infrator é aquela vítima eleita pelo Narcotráfico, Narcoterrorismo e contrabandistas de armas de fogo, para diluir a cocaína e seus derivados no País.

Os filhos e filhas da elite brasileira não são frequentadores das Varas da Infância e da Juventude nos Fóruns. Estes sabem bem o que seja um registro civil paterno, ter o que comer etc. Varas da Infância são para aqueles que não têm a certeza de almoçar todos os dias.

Por ocasião do encontro com as crianças na Baixa do Bonfim, em Salvador (BA), em 20 de Outubro de 1991, discursou o Papa João Paulo II:

“Se ser criança é tão importante, então todas as crianças são importantes, todas as crianças são importantes, todas! Não pode nem deve haver crianças abandonadas. Nem crianças sem lar. Nem meninos e meninas de rua. Não pode nem deve haver crianças usadas pelos adultos para a imoralidade, para o tráfico de drogas, para as pequenas e grandes infrações, para a prática do vício. Não pode nem deve haver crianças amontoadas em centros de triagem e casas de correção, onde não conseguem receber uma verdadeira educação. Não pode nem deve haver, é o Papa quem pede e exige em nome de Deus e de seu Filho, que foi criança também Jesus, não pode nem deve haver crianças assassinadas, eliminadas sob pretexto de prevenção ao crime, marcadas para morrer! Vocês querem que todas as crianças sejam felizes? Querem uma cidade, um Estado, um País, sem crianças abandonadas e meninos e meninas de rua?”.

Quanto ao porte de arma de fogo irrestrito à população, resta uma indagação: estamos mesmo preparados?

Comparando 100 Países que registraram taxa de homicídios, entre 2008 e 2012, para cada grupo de 100 mil habitantes, o Brasil ocupa o sétimo lugar no ranking dos analisados. Fica atrás de El Salvador, da Guatemala, de Trinidad e Tobago, da Colômbia, Venezuela e de Guadalupe.

Entre 87 países, o Brasil é o 7º que mais mata mulheres. No País, uma mulher é agredida a cada cinco minutos e, quase sempre, o crime acontece dentro de sua própria residência.

Sob o discurso de uma legítima defesa, o porte de arma de fogo irrestrito à população seria uma tragédia no Brasil. Nossos já inaceitáveis índices de violência atingiriam níveis estratosféricos.

O porte de arma de fogo de uso permitido deve guardar, sempre, correlação com a efetiva necessidade profissional do cidadão ou ameaça fundada à sua integridade física.

Como se vê, a apartidária Nota da CNBB sobre o momento nacional é pertinente, propugna pela defesa e preservação do Estado Democrático de Direito e luta pela supremacia do texto constitucional, essencialmente naquilo que diz respeito à preservação da dignidade da pessoa humana.

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Sobre o autor
Carlos Eduardo Rios do Amaral

Defensor Público dos Direitos da Criança e do Adolescente no Estado do Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Carlos Eduardo Rios. A Igreja Católica resguarda a primazia da dignidade da pessoa humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4429, 17 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38514. Acesso em: 21 nov. 2024.

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