A tutela penal ambiental

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29/04/2015 às 02:48
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O artigo em questão tem como objetivo a análise da opção do legislador em criminalizar diversas condutas ofensivas ao meio ambiente e o direito penal utilizado como "prima ratio" estatal, sendo o meio ambiente o bem jurídico tutelado.

Resumo: O artigo em questão tem como objetivo a análise da opção do legislador em criminalizar diversas condutas ofensivas ao meio ambiente e o direito penal utilizado como prima ratio estatal, sendo o meio ambiente o bem jurídico tutelado. Questiona-se os limites do Direito Penal na tutela desse bem, sendo que, diante da tríplice responsabilização ambiental (Direito Penal, Administrativo e Civil), é necessário checar a mais adequada e suficiente.


INTRODUÇÃO

Inicialmente, é importante ressaltar que alguns ilícitos elencados pela Lei ambiental (9605/98) são de extrema importância e gravidade, porém possuem penas próximas a grande maioria de delitos elencados, de mínima relevância penal, sendo adequadamente resolvidos na seara civil ou administrativa.

Nesse sentido, o constitucionalista José Afonso da Silva destaca:

“As normas constitucionais assumiram a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do homem é que há de orientar toda a forma de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Compreendeu que ele é um valor preponderante que há de estar acima de quaisquer considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente, que é instrumental no sentido de que, através desta tutela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida humana.”1

Obviamente a legislação ambiental merece uma atenção especial, além de ser um tema moderno, observamos a cada os efeitos da degradação ambiental, se tornando um bem jurídico em destaque.

A partir da década de setenta, em contrassenso ao desenfreado desenvolvimento produtivo industrial, baseada no consumo e desfrute ilimitado dos recursos naturais vitais do planeta, escaparia a constatação, hoje pacífica, de que um uso desmedido do meio ambiente corrompe, de forma muitas vezes irreversível, o fruir natural, indispensável à renovação desses mesmos recursos

Aquecimento global, poluição desenfreada, extinção de espécies e, até mesmo, biomas inteiros, fazem com que certos ciclos naturais, antes perpétuos, acabem por se romper.

Dessa progressiva destruição o homem não é somente autor, mas também vítima, isso porque ele mesmo é parte do ‘ciclo’, e, portanto, ‘beneficiário’ do equilíbrio que o desenvolvimento daquela vida origina2.

A sociedade passou, assim, a dar atenção a um fato obvio e antigo, que proteger o meio ambiente é essencial para proteger o próprio ser humano, seu desenvolvimento e sustentabilidade, assim deve ser tratado como um bem jurídico de importância fundamental, porém, qual o melhor modo de tutelá-lo?

O Direito Ambiental, talvez por ser tema recente, não soube ser bem trabalhado pelo legislador, para fixá-lo de forma adequada, a garantir uma punição, uma reparação, e principalmente a preservação ao meio ambiente. Feliz foi, porém, ao consolidar em uma única lei diversos tipos esparsos sobre meio ambiente, que causavam certa divergência na aplicação e interpretação.

Lembremos que o Estado deve atuar na área penal somente na defesa dos bens imprescindíveis à coexistência pacífica do ser humano, ou seja, intervindo somente quando realmente necessário, consagrando o princípio da intervenção mínima.

Os bens jurídicos protegidos pela Magna Carta abrangem os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, considerados essenciais para convivência em uma sociedade pacífica e democrática de direito.

Caso seja necessária uma intervenção estatal, esta deve ocorrer de modo a esgotar as demais esferas do Direito e deixando a seara penal como ultima via, justamente por ser o mais invasivo e gravoso meio de intervenção estatal, objetivando, assim, a “ultima ratio”.

A aplicação do direito penal como prima ratio desvirtua sua finalidade, como bem mencionado por Paulo de Bessa Antunes:

“muitas vezes, penas demasiadamente severas não eram aplicadas por uma evidente desproporção entre a situação concreta e a pena, em tese, a ser imputada ao infrator. Uma legislação dura – que não esteja alicerçada em uma vontade social definida de reprimir o ilícito – pode se revelar muito mais ineficiente do que outra mais branda que, no entanto, seja fundada na realidade na qual esteja inserida. O problema, aliás, não é só brasileiro ou do Direito Ambiental brasileiro. Ele existe na maioria dos países”3.

Além disso, a banalização na imputação penal gera um desgaste enorme na sua capacidade de intimidação e coerção e, por fim, mostra sua ineficiência como resposta a muitas mazelas sociais.

Corretamente a proteção do meio ambiente se baseia por diversos princípios, mas o principal é o princípio da precaução, na medida em que não pode esperar pelo desfecho danoso ao meio ambiente, para que, só após isso haja uma intervenção estatal, ou seja, quando o assunto tratado é meio ambiente, é necessário coibir antes que haja o dano.

Nesse ponto já se iniciam os conflitos dos princípios na esfera penal, uma vez que, o princípio da precaução confronta o da intervenção mínima, onde este basicamente orienta a intervenção do estado somente quando realmente necessário e, se nem houve dano ainda, não teria a necessidade de criminalização.

Tipificar diversos ilícitos ambientais, muitas vezes não corresponde à realidade e outras vezes se mostra um ato totalmente ineficaz, na seara ambiental, temos algo mais importante que a punição, a reparação do dano, ou seja, recuperação do meio ambiente degradado, o que pode ser também a sanção imposta.

Hoje em dia o caráter implícito de repressão da pena vem perdendo credibilidade no direito penal ambiental moderno, posto que a aplicação deste instrumento tem lugar uma vez cometido o fato delitivo e a imposição de sanção em nada beneficia o meio afetado.4

Nesse sentido leciona Sirvinskas:

“A evolução do direito penal se deu exatamente no que tange à pena. Esta, até pouco tempo atrás, tinha sua aplicação no grau máximo – era considerada castigo; inclusive, em certos casos, o criminoso pagava com a própria vida (princípio da intervenção máxima). Depois a pena passou a ser aplicada como ultima ratio, com a finalidade de reeducar o criminoso (princípio da intervenção mínima).”5

Daí encaixa-se, de modo viável, o princípio da precaução ao Direito Penal moderno, com caráter preventivo, instrumento viável a proteção do meio ambiente, mesmo porque reeducando o criminoso se previne novos delitos, e, se aplicada sanção pecuniária, por exemplo, pode servir para reparação do meio ambiente além de prevenção, pois o infrator não quer seu patrimônio afetado. Nesse ponto, vale ressaltar que, independente da esfera, a sanção deve ser aplicada de um modo que o crime não “compense” e com uma certeza de imposição, afinal, um dos fatores que mais estimula a ilicitude é a impunidade.

Diante de um sistema prisional falido, trancar um indivíduo, por uma infração de menor potencial ofensivo - como a maioria dos delitos ambientais -, em um presídio a mercê das mazelas típicas de um regime fechado no Brasil, não traz benefício algum, a não ser a ilusão de que tal indivíduo estará afastado da sociedade, mas esquecem que a própria Constituição garante a volta dele para a sociedade, muitas vezes – ou quase sempre - não ressocializado.

A sanção deve ter papel maior, o de reeducar o infrator, prevenir a infração e, principalmente, quando possível, reparar o dano ocorrido.

Devido a dimensão do tema e princípios que o envolvem, faremos uma análise crítica onde busca-se uma diretriz uniforme e aplicável na prática no tocante as infrações ambientais.


1. DO DIREITO PENAL AMBIENTAL

1.1. DO CABIMENTO DA TUTELA AMBIENTAL

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como expresso no texto constitucional, na sua concepção, é um dos direitos fundamentais da pessoa humana que, por si só, justifica a imposição de sanções penais às agressões contra ele perpetradas, como extrema fatio.

Por outro lado, ultima ratio da tutela penal ambiental significa que ela é chamada a intervir somente nos casos em que as agressões aos valores fundamentais da sociedade alcancem o ponto do intolerável, ou seja, objeto de intensa violação do corpo social.

Ora, preservar e restabelecer o equilíbrio ecológico em nossos dias é questão fulcral para garantir futuro descente para as próximas gerações. Os riscos globais, a extinção de espécies animais e vegetais, assim como a satisfação de novas necessidades em termos de qualidade de vida, fica claro que o fenômeno biológico e suas manifestações sobre o Planeta estão sendo perigosamente alterados e assim alguns ilícitos ambientais merecem a tutela penal.

As conseqüências da destruição do meio ambiente são imprevisíveis, já que as rápidas mudanças climáticas, a menor diversidade de espécies fará com que haja menor capacidade de adaptação por causa da menor viabilidade genética e isto estará limitando o processo evolutivo, comprometendo inclusive a viabilidade de sobrevivência de grandes contingentes populacionais da espécie humana. Por isso, arranhada estaria a dignidade do Direito Penal caso não acudisse a esse verdadeiro clamor social pela criminalização de algumas condutas antiecológicas.

A Constituição Federal, em seu art. 225, § 3°, estabeleceu que "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados".

Nestes termos, o dano ambiental tem repercussão jurídica tripla, já que o poluidor, por um mesmo ato, pode ser responsabilizado, alternativa ou cumulativamente, na esfera penal, na administrativa e na civil, ou seja, a proteção ao meio ambiental pode ser tutelada pelas três esferas.

No âmbito civil, o ato de sancionar as condutas antiambientais já era uma realidade mesmo antes da entrada em vigor da Constituição de 1988, porquanto a obrigação reparatória de danos, segundo o princípio da responsabilidade objetiva (ou sem culpa) já estava disciplinada, desde 1981, pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.

Para a plena efetividade daquela norma programática, faltava um tratamento adequado da responsabilidade penal e administrativa, espaço aparentemente preenchido com a incorporação ao ordenamento jurídico da Lei 9.605/98, que dispõe sobre sanções derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Porém, na prática, o legislador não incorporou as medidas adequadas em cada esfera, passando a um numero exacerbado de ‘crimes’ ambientais, que, no mais, poderiam ser mais bem tutelados pela esfera administrativa.

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1.2. CRIMES DE PERIGO E DANO

Como já dito, os principais crimes ambientais são os chamados crimes de perigo abstrato, antecipando a proteção penal para que não haja o exaurimento do crime.

Observa-se, em conseqüência disso, que, na maioria das infrações penais ambientais, o fato é ilícito porque o agente atuou sem autorização legal, sem licença ou em desacordo com os procedimentos legais.

Vale dizer que o agente é punido não por ter praticado o fato ou exercido tal ou qual atividade considerada danosa ao meio ambiente, mas sim por não ter obtido a autorização ou licença para tanto ou, ainda, mesmo quando devidamente habilitado, com a autorização ou licença, por não ter observado suas condicionantes e as determinações legais ou regulamentares. Exemplificando: caçar animais silvestres tanto pode ser ilícito penal como fato atípico, porquanto a caça não só pode ser proibida como também permitida, neste caso, porém, dependente de autorização. O agente, assim, será processado não por ter praticado a caça, mas por tê-lo praticado sem antes munir-se da necessária autorização, do mesmo jeito ocorre com as licenças de pesca, ou ainda, os alvarás para as madeireiras.

Outro tipo de punição que não necessita do dano, corresponde a prevenção da lesão, abarcando os atos preparatórios. Aliás, todas as disciplinas jurídicas que tratam do Direito Ambiental, apresentam esse comum objetivo, de incluir os riscos e não somente o dano, pois este último, depois de causado, é de difícil reparação e larga dimensão, assim temos o crime ambiental muito mais como crime de perigo do que de dano propriamente dito, transferindo o momento consumativo para a ‘ameaça’, quando há uma possível ou provável lesão.


2. DOS PRINCÍPIOS

2.1. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E PREVENÇÃO

É importante ressaltar tais princípios, pois inerentes na aplicação do Direito Ambiental.

Correto afirmar que o princípio da precaução é um dos sustentáculos básicos do Direito Ambiental. Com base nele, tem-se a questão da degradação ambiental como uma constante ameaça ao bem estar coletivo, por ser fundamental para uma qualidade de vida sadia ao ser humano e as perspectivas atuais serem mais catastróficas do que positivas.

Precaução é a medida antecipatória, um cuidado, que visa impedir, prevenir, um mal. No caso dos crimes ambientais seria para evitar um dano.6 Seu fundamento encontra-se na própria Constituição Federal (artigo 225), impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Assim, a precaução surge para evitar um perigo iminente e possível.

Somente com um aprofundado e científico estudo sobre os recursos naturais e a sustentabilidade que podemos calcular o perigo que certa atividade pode resultar, enquanto não houver tal comprovação científica, por cautela, não deve o ser humano ou Estado realizá-la.

Ademais, no Direito Ambiental, o ônus de provar a eventual não prejudicialidade ao meio ambiente cabe ao empreendedor da ação. Temos, então, a precaução mais como objeto do progresso tecnológico e das incertezas científicas.

Apesar de próximo, e pouco diferenciado pela doutrina, o princípio da prevenção difere no que tange ao perigo concreto, não abstrato, na prevenção temos informações certas e precisas sobre a periculosidade o risco fornecido pela atividade, tendo mais verossimilhança com o perigo de dano.

Prevenir o dano ambiental e a degradação é, por si só, um elemento decisivo em qualquer regime construído e alicerçado sobre o desenvolvimento sustentável, uma vez que, a sustentabilidade pressupõe o afastamento de danos irreversíveis ou degradação.

Segundo Luís Paulo Sirvinskas:

“Nos crimes contra o meio ambiente, os bens jurídicos protegidos se aproximam mais do “perigo” do que do “dano”. Isso permite uma prevenção e ao mesmo tempo uma repressão. (...) O crime de perigo se consubstancia na mera expectativa de dano. Reprime-se para se evitar o dano; basta a mera conduta, independentemente da produção do resultado. O caráter sancionatório está num momento anterior ao efetivo e eventual dano causado ao meio ambiente. Tem caráter intimidativo e, até certo ponto, educativo. O delito de dano exige o resultado efetivo do dano ao meio ambiente. A doutrina, de modo geral, sustenta que a repressão ao delito de perigo seria o meio mais eficaz para se evitar o dano.

São os crimes de perigo abstrato que marcam os tipos penais ambientais na moderna tutela penal. Procura-se antecipar a proteção penal, reprimindo-se as condutas preparatórias. Ressalta-se, contudo, que somente o dano efetivo poderá ser objeto de reparação da esfera civil e não o mero perigo abstrato ou presumido. Além disso, a doutrina tem afirmado que a maioria dos delitos é considerada de mera conduta. E sua inobservância configuraria o delito de desobediência passível de punição (art. 330. do CP).”7

Reprimir as condutas preparatórias de um ilícito acaba, por muitas vezes, reprimindo o próprio ilícito, assim, antecipa-se a tutela ambiental para que o dano final não ocorra.

2.2. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E ULTIMA RATIO

Como bem conceituado por Guilherme de Souza Nucci:

O direito penal não deve interferir em demasia na vida do indivíduo, retirando-lhe autonomia e liberdade. Afinal, a lei penal não deve ser vista como a primeira opção (prima ratio) do legislador para compor os conflitos existentes em sociedade e que, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético da humanidade, sempre estarão presentes.”(...)”O direito penal é considerado ultima ratio, isto é, a última cartada do sistema legislativo, quando se entende que outra solução não pode haver senão a criação de lei penal incriminadora, impondo sanção penal ao infrator.” (...) “Enfim, o direito penal deve ser visto como subsidiário aos demais ramos do direito. Fracassando outras formas de punição ou de composição de conflitos, lança-se mão da lei penal para coibir comportamentos desregrados, que possam lesionar bens jurídicos tutelados.8

Continua o autor sobre o tema:

Caso o bem jurídico possa ser protegido de outro modo, deve-se abrir mão da opção legislativa penal, justamente para não banalizar a punição, tornando-a, por vezes, ineficaz, porque não cumprida pelos destinatários da norma e não aplicada pelos órgãos estatais encarregados da segurança pública. Podemos anotar que a vulgarização do direito penal, como norma solucionadora de qualquer conflito, pode levar ao seu descrédito.

Enfim, o direito penal, deve ser visto como subsidiário aos demais ramos do direito. Fracassando outras formas de punição e de composição de conflitos, lança-se mão da lei penal para coibir comportamentos desregrados, que possam lesionar bens jurídicos tutelados 9.

Assim, temos que o Estado deve sustentar o controle social baseado no direito penal, somente quando outras sanções, que não penais, já tenham atuado neste controle de forma totalmente ineficaz.

Na seara ambiental temos muitas sanções tratadas com a mesma dimensão, quando, em verdade, algumas merecem um rigor penal mais evidente, mas a grande maioria deve ser controlada por outra seara, assim, conforme a ultima ratio, a intromissão do Direito Penal apenas poderá ocorrer quando for absolutamente necessária, restringindo-se a um mínimo imprescindível, na medida em que for capaz de ter eficácia 10.

Não obstante, Claus Roxin define:

“A proteção de bens jurídicos não se realiza só mediante o Direito Penal, senão que nessa missão cooperem todo o instrumental do ordenamento jurídico. O Direito Penal é, inclusive, a última dentre todas as medidas protetoras que devem ser consideradas, quer dizer que somente se pode intervir quando falhem outros meios de solução social do problema – como a ação civil, os regulamentos de polícia, as sanções não penais, etc. Por isso se denomina a pena como a ultima ratio da política social e se define sua missão como proteção subsidiária de bens jurídicos"11.

As vertentes do princípio da intervenção mínima, assim, nos servem atualmente de dois modos básicos, de um lado, orientando o legislador na seleção dos bens mais importantes e necessários ao convívio em sociedade; de outro, também servindo de norte ao legislador para retirar a proteção do Direito Penal sobre aqueles que, no passado, gozavam de especial importância, mas que hoje, com a evolução da sociedade, já podem ser satisfatoriamente protegidos pelos demais ramos do ordenamento jurídico.

Desse modo, podemos concluir como André Copetti, quando assevera:

“sendo o direito penal o mais violento instrumento normativo de regulação social, particularmente por atingir, pela aplicação das penas privativas de liberdade, o direito de ir e vir dos cidadãos, deve ser ele minimamente utilizado. Numa perspectiva político-jurídica, deve-se dar preferência a todos os modos extrapenais de solução de conflitos. A repressão penal deve ser o último instrumento utilizado, quando já não houver mais alternativas disponíveis.”12

2.3. ATUAÇÃO DOS PRINCÍPIOS E O DIREITO AMBIENTAL

Especificamente no campo do Direito Ambiental, como já demonstrado acima, a legislação é inteiramente voltada a prevenir o dano e, após a sua ocorrência concreta, à sua reparação tempestiva e integral.

Critica-se, assim, a opção do legislador que traduziu um caráter basicamente criminalizador a Lei 9.605/98, contrariando os princípios penais da intervenção mínima e utlima ratio. A orientação político-criminal mais acertada é a de que a intervenção penal na proteção do meio ambiente seja feita de forma limitada e cuidadosa, ao contrário de tal entendimento a lei cria condutas criminosas sem antes tentar resolver o âmbito na esfera administrativa ou civil, neste ultimo caso o problema encontra-se mais na área processual civil, pois a ação civil pública se mostra totalmente ineficaz em tais casos.

Tratando do princípio da intervenção mínima, mostramos que a sanção penal é a ultima alternativa de um ordenamento jurídico, devendo ser utilizada tão-somente para as hipóteses de atentados graves ao bem jurídico ambiente, no casos dos ilícitos ambientais nos crimes dolosos de tráfico de animais, desmatamento, carvoaria etc.

O direito penal deveria, em princípio, exercer uma função subsidiária, auxiliar ou de garantia de preceitos administrativos, o que não exclui sua intervenção de forma direta e independente, em razão da gravidade do ataque.

Em outras palavras, quando, no caso concreto, as esferas civil e administrativa forem suficientes para atingir integralmente os dois objetivos primordiais ambientais (prevenção e reparação tempestiva e integral) não se deve mais buscar outra esfera punível.

A desmedida criminalização de condutas, na maioria crimes de menor potencial ofensivo, faz com que muitos processos acabem com a suspensão condicional do processo ou o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta ambiental).

Em tais casos, como se garantiu a tutela integral do bem jurídico, não se justifica a imposição de pena, ou seja, o problema teria sido resolvido em outra esfera.

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Sobre o autor
Cauê Costa Hueso

Advogado, com graduação em Direito e mestrando em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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