O presente estudo busca esclarecer acerca da embriaguez habitual e sua repercussão no que compete a rescisão do contrato de trabalho. O artigo 482 da CLT enuncia as hipóteses de demissão por justa causa, elencando em sua alínea “ F” que a embriaguez habitual ou em serviço constitui-se justo motivo para a demissão do funcionário. Contudo o tema é bastante polêmico no âmbito dos nossos tribunais, sendo extremamente debatido no TST, haja vista que alguns estudiosos do assunto entendem que o alcoolismo é causa de suspensão do contrato de trabalho e afastamento do empregado para tratamento médico junto ao Sistema Único de Saúde.
De início devemos conceituar embriaguez. Segundo o Catedrático em Língua e Filologia, Francisco da Silveira Bueno, embriaguez corresponde a “ebriedade; bebedeira; (fig.) inebriamento; êxtase; enlevação”. (BUENO, 2000). Em uma oportuna observação DÉLIO MARANHÃO apud ALMEIDA (2005:232) diz que a embriaguez habitual é uma violação da obrigação geral de conduta. Complementando o entendimento manifesta-se MARTINS (2008:357): “Não deixa de ser a embriaguez um mau procedimento do empregado, pois o trabalhador correto assim não procederá”.
Tomando por base as lições de Martins, ao se conduzir como ébrio habitual o empregado estaria incorrendo não só na hipótese de demissão contido no artigo 482, alínea f da Clt, mas também na possibilidade de demissão por justa causa, estampada na alínea b (mau procedimento). Apenas para melhor ilustrar o posicionamento da doutrina acerca do mau procedimento, valiosas são as palavras Volia Bonfim Cassar: ”mau procedimento é a quebra de regras sociais de boa conduta. Nesta justa causa não se exige o requisito da habitualidade, já que um ato isolado basta para o tipo. Normalmente é praticado em serviço, mas nada obsta que excepcionalmente ocorra nas proximidades da empresa, durante o expediente ou pouco antes ou depois do trabalho”.(Direito do Trablho. Cassar, Volia Bonfim. Ed.9.pág 1112.)
Ressalte-se, ainda, que o doutrinador Amauri Mascaro possui um conceito mais amplo e apropriado ao caso: “ mau procedimento é o comportamento irregular do empregado, incompatível com as normas exigidas pelo senso comum do homem médio.”(Curso de Direito do Trabalho. Nascimento, Amauri Mascaro. 16 ed. Pag 424).
Pois bem, retornando ao objeto do nosso estudo, a CLT deixou bastante claro que o empregado que se pauta com conduta de embriaguez habitual poderá vir a ter o seu contrato de trabalho rescindido por justa causa.
Nesse sentido devemos transcrever alguns julgados, vejamos:
EMBRIAGUEZ - JUSTA CAUSA - PROVA ROBUSTA E CONVINCENTE -RECONHECIMENTO. Deve-se reconhecer a justa causa do empregado que, segundo a empresa, estava laborando em estado de embriaguez, quando existe prova robusta e convincente de tal alegação. (TRT-20 - RECORD: 403001820055200011 SE 0040300-18.2005.5.20.0011, Data de Publicação: DJ/SE de 24/09/2007).
NULIDADE DA DISPENSA - INOCORRÊNCIA - JUSTA CAUSA - EMBRIAGUEZ HABITUAL EM SERVIÇO. A embriaguez habitual em serviço, além de importar em violação da obrigação geral de conduta que se impõe ao empregado, reflete também a quebra da obrigação específica de execução do contrato, já que, ao ingerir bebida alcoólica ou outra substância inebriante, o trabalhador perturba o exato cumprimento de sua obrigação, acarretando inquestionável prejuízo ao empregador e fazendo escoar a necessária confiança que deve permear a boa e justa pactuação. É de se acolher como legítima, portanto, a penalidade contratual máxima a ele aplicada. Recurso a que se nega provimento. (TRT-3 - RO: 00016201305703000 0000016-17.2013.5.03.0057, Relator: Julio Bernardo do Carmo, Quarta Turma, Data de Publicação: 11/11/2013 08/11/2013. DEJT. Página 120. Boletim: Sim.)
Porém, a Organização Mundial Da Saúde – OMS tem classificado o alcoolismo como uma doença, sendo, inclusive, objeto de catalogação junto à Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, frequentemente designada pela sigla CID ou ICD (do inglês International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems) fornece códigos relativos à classificação de doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas para ferimentos ou doenças.
Desse modo, sendo a embriaguez classificada pela Organização Mundial da Saúde como doença, o direito do trabalho não deve dar uma solução tão óbvia a um problema que afeta toda a sociedade, deixando que um empregado acometido por esta doença sofra a penalidade máxima trabalhista, quando em verdade o referido profissional necessita de tratamento médico.
Em confirmação a este entendimento Amauri Mascaro apud ALMEIDA (2005:232) afirma que: “O empregado nessas condições, precisa muito mais de assistência médica adequada que da perda do emprego, sugerindo, outrossim, seu encaminhamento à Previdência Social e a suspensão do contrato de trabalho, por auxilio enfermidade”.
Nesse contexto, o Tribunal Superior do Trabalho tem proferido os seguintes julgados:
RECURSO DE REVISTA. DISPENSA ARBITRÁRIA. INDÍCIO DE ALCOOLISMO CRÔNICO. ART. 482, F, DA CLT. 1. O comparecimento do empregado ao serviço por três vezes consecutivas , em estado de embriaguez, ainda que decorrido lapso de tempo entre uma e outra ocorrência, desperta suspeita de alcoolismo, circunstância em que o empregador, por cautela , e considerando a classificação como doença crônica pelo Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde OMS, deve encaminhá-lo ao órgão previdenciário para diagnóstico e tratamento, consoante lhe assegura o art. 20 da Lei nº 8.213/91 . 2. A evolução natural da sociedade propiciada pelo desenvolvimento científico realizado na área médica e de saúde pública permite novo enquadramento jurídico ao fato - embriaguez habitual ou em serviço - cujas consequências não mais se restringem ao indivíduo e à relação jurídica empregado-empregador. Nesse quadro, o art. 482, f, da CLT deve ser interpretado em consonância com os princípios fundamentais tutelados pela Constituição Federal entre os quais da dignidade humana (art. 1º, III), efetivada, no caso, por meio do acesso universal e igualitário às ações e serviços que viabilizem a promoção, proteção e recuperação da saúde (art. 196 da CF/88 c/c a Lei nº 8.213/91). 3. Nesse contexto, revela-se juridicamente correto o acórdão recorrido ao concluir que o desfazimento do pacto laboral do autor , por iniciativa da reclamada, com fundamento no art. 482, f, da CLT, materializou procedimento obstativo ao direito de ser encaminhado ao INSS para tratamento da enfermidade e, em caso de irreversibilidade, a concessão de aposentadoria provisória, o que revela a arbitrariedade da dispensa efetivada. Recurso de revista conhecido e não provido. (TST - RR: 1947007320075090092 , Relator: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 13/08/2014, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/08/2014)
AGRAVO DE INSTRUMENTO DOS RECLAMANTES Improsperável agravo de instrumento quando não demonstrado que a revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT.RECURSO DE REVISTA PATRONAL ALCOOLISMO. Diante do posicionamento da OMS, que catalogou o alcoolismo como doença no Código Internacional de Doenças (CID), sob o título de síndrome de dependência do álcool (referência F-10.2), impõe-se a revisão do disciplinamento contido no art. 482, letra f, da CLT, de modo a impedir a dispensa por justa causa do Trabalhador alcoólatra (embriaguez habitual), mas, tão-somente, levar à suspensão de seu contrato de trabalho, para que possa ser submetido a tratamento médico ou mesmo a sua aposentadoria, por invalidez.Recurso de Revista conhecido em parte e desprovido. (TST - AIRR e RR: 8132819620015025555 813281-96.2001.5.02.5555, Relator: José Luciano de Castilho Pereira, Data de Julgamento: 23/08/2006, 2ª Turma,, Data de Publicação: DJ 22/09/2006.)
EMBARGOS. JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO CRÔNICO. ART. 482, 'F', DA CLT. 1. Na atualidade, o alcoolismo crônico é formalmente reconhecido como doença pelo Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde - OMS, que o classifica sob o título de "síndrome de dependência do álcool" (referência F- 10.2). É patologia que gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos. Clama, pois, por tratamento e não por punição. 2. O dramático quadro social advindo desse maldito vício impõe que se dê solução distinta daquela que imperava em 1943, quando passou a viger a letra fria e hoje caduca do art. 482, f, da CLT, no que tange à embriaguez habitual. 3. Por conseguinte, incumbe ao empregador, seja por motivos humanitários, seja porque lhe toca indeclinável responsabilidade social, ao invés de optar pela resolução do contrato de emprego, sempre que possível, afastar ou manter afastado do serviço o empregado portador dessa doença, a fim de que se submeta a tratamento médico visando a recuperá-lo. 4. Recurso de embargos conhecido, por divergência jurisprudencial, e provido para restabelecer o acórdão regional. (TST - ED-E-RR: 5863205119995105555 586320-51.1999.5.10.5555, Relator: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 19/04/2004, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DJ 21/05/2004)
Contudo devemos atentar para o fato de que embriaguez habitual é totalmente diferente da doença alcoolismo. Como é sabido, a Organização Mundial de Saúde considera o alcoolismo uma doença provocada por dependência química, ou seja, necessita de tratamento médico. Em outro contexto a embriaguez habitual é um estado temporário e previsível, onde o empregado possui o discernimento do ato que está realizando, tendo a oportunidade de se comportar de modo diferente.
Podemos citar como exemplos às seguintes hipóteses:
A) Um determinado funcionário, todos os dias, antes de se dirigir ao seu ambiente de trabalho realiza a ingestão de bebida como forma de “esquentar” para o exercício de suas atividades. Contudo, por questões fisiológicas o indigitado trabalhador chega ao estado de embriaguez com apenas 2 copos de cerveja, ocasião em que vai trabalhar sob o forte odor de álcool.
B) Determinado funcionário para o exercício de suas atividades sociais e laborais ingere diariamente uma certa quantidade de bebida, sem a qual não consegue se mantar atento as atividades laborais e sem o referido líquido não consegue ter um convívio em sociedade, mantendo um comportamento agressivo com as demais pessoas quando não está sob a influência de bebida alcóolica.
Note que na hipótese A estamos diante de um caso de embriaguez habitual, onde o evento e as consequências são previsíveis e que o trabalhador poderia se comportar de maneira diferente. Nessa situação, observamos com bastante clareza que o artigo 482, alínea “f” é perfeitamente aplicável, sendo inclusive, completamente diferente das teorias aceitas pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Na outra situação, verificamos que o trabalhador está em uma situação de dependência química, onde para se manter em sociedade e no ambiente de trabalho necessita realizar a ingestão de bebida alcóolica, ocasião em que entendo ser plenamente aplicável o entendimento pacificado pelo TST e os conceitos exarados pela Organização Mundial de Saúde – OMS.
Em síntese, devemos ter cautela a tratar embriaguez habitual com o conceito de alcoolismo imprimido pela OMS, uma vez que são circunstâncias fáticas totalmente diferente, onde, a depender do caso poderá ensejar a rescisão do contrato de trabalho por justa causa ou a suspensão do contrato para tratamento médico.
Desse modo, o empregador deverá ter bastante cautela ao lidar com as referidas situações, sob pena de ter contra si uma sentença judicial desfavorável, com a reversão da demissão por justa causa em reintegração e afastamento do funcionário para tratamento médico.
Em todas as situações, a empresa deverá contar com uma consultoria jurídica apta e sensível, a qual deverá buscar identificar em qual situação o empregado se encontra, para tão somente, após a referida análise, optar pela justa causa ou afastamento para tratamento médico. Uma vez sendo constatado que o caso do funcionário se amolda ao tipo de embriague habitual e não ao caso de dependência química, a justa é medida que se impõe.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Amador Paes de. CLT comentada: legislação, doutrina, jurisprudência. 3ª. ed. rev. e atual. São Paulo. Saraiva, 2005.
CASSAR, Volia Bonfim. Curso de Direito do Trabalho. Ed.9.pág 1112.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 21ª ed. rev. e atual. São Paulo. Saraiva, 2006.
TRT-3 - RO: 00016201305703000 0000016-17.2013.5.03.0057, Relator: Julio Bernardo do Carmo, Quarta Turma, Data de Publicação: 11/11/2013 08/11/2013. DEJT. Página 120. Boletim: Sim.
TRT-20 - RECORD: 403001820055200011 SE 0040300-18.2005.5.20.0011, Data de Publicação: DJ/SE de 24/09/2007.
TST - ED-E-RR: 5863205119995105555 586320-51.1999.5.10.5555, Relator: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 19/04/2004, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DJ 21/05/2004.
TST - AIRR e RR: 8132819620015025555 813281-96.2001.5.02.5555, Relator: José Luciano de Castilho Pereira, Data de Julgamento: 23/08/2006, 2ª Turma,, Data de Publicação: DJ 22/09/2006.
TST - RR: 1947007320075090092 , Relator: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 13/08/2014, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/08/2014.